sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Sem surpresas

Acabo de assistir uma entrevista feita pelo blog Espaço Aberto com o novo Secretário de Cultura. Sem surpresas. Ele continua acreditando ardentemente que ser Secretário de Cultura é fazer exatamente o que fez em 12 anos trágicos. Vai continuar sua tarefa de matar a Cultura de maneira serena e tranquila, porque acredita no absurdo, acha que sabe o que não sabe e faz com a habilidade de jogar areia nos olhos dos cretinos. Trabalha em suas respostas ser vítima de ódios partidários, de gente que prefere o atraso, quando é ele a agir desta maneira por absoluta ignorancia. Pena. O que podia piorar ainda mais, piorou.

2011

2010 foi muito intenso. Escrevi duas peças, compus as músicas e as dirigi. Tive mais duas apresentadas, uma delas também com minha direção. E trabalho na divulgação. E ensaiar quase todos os dias. Você está no seu trabalho e de repente sai para ensaiar. Ou chega em casa, à noite, toma um banho rápido e vai para o teatro ensaiar. E isso é cansativo mental e fisicamente. O resultado compensa. Meus amigos pensam que é charme quando digo que não penso em voltar a dirigir, mas é a pura verdade. Muito difícil, cansativo. Prefiro escrever. Dirigi as peças por circunstâncias próprias de nossa atividade. Foi um ano dedicado inteiramente ao crescimento do Teatro Cuíra, do Grupo Cuíra, seja em repertório, orçamento, divulgação e presença de público. Sobrevivemos graças a leis culturais e prêmios federais. Agora, conseguimos o patrocínio da Petrobrás e isso é como ir para o céu. Até 2012 desenvolvemos o projeto Cuíra por Memórias. Uma grande vitória. E isso tudo aconteceu à parte as relações maravilhosas travadas com os elencos de As Gatosas e Sem Dizer Adeus. As amizades são o melhor do fazer teatral.
Para 2011, muito trabalho. Nossa parceira Leal Moreira entregou finalmente dois banheiros instalados no hall do Cuíra, para o público. Puxa, como isso é importante. Também devemos em janeiro colocar um forro e instalar splinters de ar condicionado. Cara, o Cuíra começa a ficar chic. Temos dois espetáculos montados, que retornarão à cena. E toda a pesquisa do Cuíra por Memórias. No meu caso, pretendo voltar a escrever Literatura. Tenho material para livros de poesia, crônica, romance e um outro a partir do pensamento de fazer um seriado de televisão passado todo em Belém. Não sei quando vou começar. A qualquer momento. Como será o romance? Não sei. Tenho muitos recortes, amigos a quem recorrer para explicações técnicas, mas o drama, a história, não faço idéia. Temerário? Talvez. Sorte de quem escreve porque deseja escrever. Sem pressões. Para mim sempre foi assim. Parece chavão, mas os personagens ditam os acontecimentos.
É bom comentar que todo esse trabalho se dá paralelamente ou nas folgas de minha real ocupação em rádio, jornal e publicidade, com que lido no dia a dia. Tudo acaba sendo a mesma coisa. Tomara que 2011 funcione como 2010 funcionou. Sou sério, honesto e quero sempre o melhor para todos. Assim o Cuíra. Espero que todos também se realizem e apareçam lá no Teatro. Feliz Ano Novo.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Cultura de volta à escuridão

Estamos perdidos. Após o vendaval que colocou por terra todas as pequenas iniciativas na área de Cultura, com doze anos de PSDB, veio o PT e ao invés daquele discurso que o PT gostava de Cultura, os artistas eram todos petistas, Ana Julia fez uso da Secult para que seu escolhido passasse quatro anos viajando pelo Estado e se elegesse deputado. A Cultura foi para o fundo do abismo. E agora vem Jatene, com esse jeito de ex-músico, sensível à Cultura, que foi atrapalhado por Almir ao iniciar seu governo tendo de engolir sapos e agora, na volta, absolutamente tranquilo e sem dever nada a ninguém e sabedor de tudo de mau que algumas figuras fizeram e repete a dose. Estamos perdidos. Jatene revela a mais completa insensibilidade para com a Cultura e não tinha esse direito, sabendo da absurda quase total rejeição ao escolhido.
O arquiteto Paulo Chaves não entende nada de Administração Cultural e suas diversas áreas a serem desenvolvidas. Atende a solicitações que ele próprio inventa, elege, acredita, todas, absolutamente erradas. Gasta milhões em ópera, porque precisava botar ópera após recuperar o Teatro da Paz. Será que gastará milhões em Teatro ou Música, agora que o Schivazapa está quase caindo de podre? Será que vai corrigir os absurdos arquitetônicos cometidos no Teatro da Estação das Docas e do Parque Residência? Ou vai chamar aquele famoso diretor carioca e montar, por milhões, texto daquele autor amazonense, sem nenhum resultado prático? Ou vai inventar outros bibelôs para se divertir, gastando milhões, jogando areia nos olhos de bobos. Menos mal que Nilson Chaves vai para a Fundação Cultural Tancredo Neves. Pena por Nilson, que certamente não terá qualquer ajuda, nada funcionará como um sistema, por falta de postura do comandante. Coitada da Cultura no Pará. Estou devastado. Nos últimos dias li aqui e ali os boatos. Começou o mal estar. Agora, com a revelação, puxa, isso é mostrar como as coisas podem sempre piorar ainda mais. Desculpem a falta de astral. Meu pai dizia que no Pará "a gente cansa cedo". Não vou me cansar. Continuo como sempre. Nem os doze anos tucanos, nem os quatro petistas, conseguiram destruir tudo. Prejudicaram grandemente, enormemente, mas ainda há pulso. Haveremos de sobreviver. Apesar de você amanhã pode ser outro dia. Aguardemos.

The Boardwalk Empire

Têm razão os que dizem que o bom cinema americano migrou totalmente para as séries de televisão. Acabei de assistir a primeira temporada de The Boardwalk Empire, dirigida e produzida por Martin Scorcese, a partir de roteiro escrito por Terence Winter, premiado roteirista de "Os Sopranos". Vem também daquela série o protagonista, Steve Buscemi. Ali por volta de 1930, o crime organizado se reúne em Atlantic City, por conta da Lei Sêca. A cidade, praieira, é uma festa para quem gosta de cassinos. Minha tia Adalcinda às vezes ia passar férias com seu Tom, por lá e mandava fotos do "boardwalk". Winter misturou fatos como o surgimento de Al Capone e Lucky Luciano, entre outros, com ficção, sem deixar de tocar em temas como o direito a voto por parte das mulheres. A produção, elenco e direção são magníficos. Os cenários também. Sem a pressão por parte dos estúdios, sem precisar da aprovação de grupos de pesquisa, quanto ao final ou circunstâncias do roteiro, todo mundo dá show de bola. São quatro episódios, cada um com mais de 50 minutos e fica o gosto de quero mais.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A vida de Keith Richards

Conheci os Rolling Stones quase ao mesmo tempo em que conheci os Beatles. Naquele tempo, as informações eram escassas, mas tínhamos tempo de digerir os elepês inteiros, entender cada faixa. Para irritar meu irmão Edgar, dizia que os Stones eram minha banda preferida. A jogada de marketing era exatamente essa, os Beatles bonzinhos, os Stones malvados. Já estava bem adolescente quando veio Get yer ya ya's out e o Sticky Fingers, significando mudanças. Enfim, os caras estão aí até hoje e depois de ler "Vida", biografia de Keith Richards, escrita com James Fox, dá para entender. Eles se adaptaram às mudanças, algumas muito cruéis, afetando as relações. A banda é sobrevivente e percebeu que poderia ganhar dinheiro a partir dos anos 80, 90. Até lá tudo era muito complicado de entender. Agora que o disco acabou como mídia, mais do que nunca, shows ao longo de um, dois anos.
Lá pelo meio do livro, a relação com heroína começa a incomodar pra valer. Ao acabar de ler a bio de Eric Clapton, também fiquei muito decepcionado com a pessoa. E como é que debaixo de todas aquelas drogas eles ainda nos dão coisas lindas para ouvir? É tudo baseado na amizade, desde a infância, entre Keith e Mick. E acho que Keith, por sua maneira de ser, por dar a perceber a todos os outros a importância da banda, da amizade e do profissionalismo, é que mantém os Rolling Stones na ativa. Logo ele que foi viciado em heroína por mais de dez anos. Ele e sua esposa Anita Pallemberg. No meio disso tudo, o filho Marlon, durante anos, o único autorizado a acordar o pai antes dos shows. Keith dormia com um revólver debaixo do travesseiro. Trabalho, muito trabalho. Keith se fechou durante muito tempo entre o trabalho e o vício. Para onde ia, pensava, antes, como obter herô. Vai dando um enjôo. Um por um os amigos vão caindo, morrendo, sendo presos. Ele consumia apenas o melhor, a mais cara. E na dose certa. Bom malandro. Nunca aloprou. A morte de Brian. A saída de Mick Taylor. A saída de Bill Wyman. Mick Jagger traindo o grupo e fazendo carreira solo. A carreira solo com os X Pensive Winos. O retorno com Steel Wheels. A separação de Anita e o casamento com Patti Hansen. O rei dos riffs. São tantos que em um show, antes de uma música, ficou em dúvida. Qual o riff agora? O segredo da afinação em aberto da guitarra. E como saem as músicas de Jagger e Richards. Acho que vale a pena por isso. Os Stones são tão importantes quanto os Beatles. Menos simpáticos, talvez. Keith aproveita para esclarecer que nunca trocou seu sangue na Suiça. Foi uma resposta torta que deu a um repórter, que virou contra si. Se não houvesse as drogas, será que ele seria ainda melhor?

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Feliz Natal

Veríssimo já disse que os cronistas se repetem no Natal. Deixo pra lá. Adoro o Natal, as compras, as trocas de presentes. Quem quiser que vire o nariz e se queixe de consumismo, falsidades nas relações, desagradáveis reuniões com familiares. Para mim é ao contrário. Desde muito cedo, minha mãe transformou o Natal em um momento maravilhoso para nós, seus filhos. Éramos cinco capetas em férias e ela já anunciava um tal de "anjinho Pedroca", ajudante de Papai Noel, de olho se procedíamos bem, passando de ano, se nos comportávamos corretamente. Quando pequenos, a festa era ao acordar, no dia 25, correr até a árvore que ela armava com todo cuidado, incluindo presépio e bonecos infláveis do Noel. Uma festa.
A recordação mais antiga vem de um tempo em que havia, no térreo do Edifício Renascença, a loja Salevy, de Samuca Levy, a quem chamava de tio, uma espécie de bazar, precursor dos shoppings de hoje. Na semana do Natal, barraquinhas eram instaladas na calçada e em determinada noite, havia a chegada do Papai Noel, na verdade, o "Buraco", profissional da propaganda volante, cuja família é dona hoje do Grupo Rauland de Comunicação. Ele chegava mais cedo e ia para o último andar do Renascença. Na frente do prédio, juntava uma multidão. "Lá vem o helicóptero do Papai Noel" e todos olhávamos, aceitando qualquer coisa, até mesmo que existisse Noel e o helicóptero. O "Buraco" começava a descer, indo de apartamento em apartamento, distribuindo balas e jogando lá do alto para a correria das crianças. Quanto a mim, ficava dividido entre a curiosidade da visita e o pavor dessa coisa que animava meus sonhos. Edgar Augusto conta que sua primeira estupefação foi constatar hálito de bebida em Noel. Depois, ele conhecer nosso pai com quem conversava sobre futebol. "Então o Noel é amigo do meu pai?" Não posso acrescentar mais nada. O medo foi mais forte e me escondi debaixo de um sofá até Noel descer. Outra lembrança é de ter revelado ao meu irmão Janjo, o truque de nossos pais para deixar os presentes na árvore. Eles aguardavam que fôssemos dormir e os levavam. Mas, naquela noite, com os corações aos saltos, estávamos escondidos atrás de uma cadeira, na sala e vimos quando papai e mamãe depositaram nossos presentes. Se até hoje lembro disso é porque ainda não me perdoei por isso. E a crônica do "Papa Filas". Era um sonho. Um ônibus de grande tamanho, puxado pelo que chamam de "cavalo de aço". Era tudo o que eu queria ganhar. E ganhei. O Natal caiu em um domingo. Após a abertura dos presentes, fomos para nossa casa de campo no Lago Azul, hoje lugar de endinheirados. Saí, garboso, com meu papafilas puxado por um fio a passear. Encontrei Cícero, filho de Seu Antônio, caseiro do lugar. Ele vinha puxando um caminhão, em tudo diferente do meu. Era feito a partir dessas latas de alumínio que guardam querosene Jacaré. As rodas feitas de tampas de refrigerantes. Belo. Criativo. Diferente. Difícil foi explicar em casa, quando cheguei, a razão de ter trocado de presente com Cícero e entregue o tal papafilas.
Estarei reunido logo mais com meus irmãos, filhos, namorada e minha mãe. Ela está velhinha mas razoavelmente lúcida e ministrando aulas de Redação para candidatos ao Vestibular. A festa toda ainda é a partir dela, de sua alma cheia de imaginação, criatividade, alegria, teatralidade. Sinto falta de meu pai, que também adorava a data, presenteando a todos nós e seus amigos. Após a meia noite e as orações, trocamos presentes alegremente, como se ainda fôssemos crianças. A família cresceu, os sobrinhos já adolesceram. Talvez seja o momento de chegarem netos. Mas a alegria é a mesma. Feliz Natal para todos!

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Gente Estranha

When you're strange é o documentário feito por Tom Dicillo sobre a banda americana The Doors. É muito bom. Curioso que quase não curti o grupo, sendo mais atingido por Beatles, Rolling Stones, Janis e Hendrix. Talvez tenha sido falha da gravadora na questão da divulgação. Talvez porque a música dos Doors fosse estranha, diferente. Mesmo Light my Fire, que não é de Jim Morrison e sim de Robby Krieger, foi sucesso aqui em Belém com o violonista cego Jose Feliciano, em arranjo magistral. A música dos Doors é estranha. Seus integrantes vieram do jazz. O guitarrista Krieger preferia o violão onde arpejava como um flamenco. O baterista John Densmore tinha uma técnica mais próxima da bossa nova do que rock. E Ray Manzarek era um organista que fazia o contrabaixo nos teclados. Quando chegam perto do rock é quase um tatibitate como Hello I Love You, ou Break on through to the other side. A diferença está nos versos de Morrison. E em suas performances. A partir de um certo momento, não há mais controle. Jim, à frente, bêbado, chapado, vai inventando, declamando e atrás a turma improvisando. Um shaman em sua cerimônia. Foi uma espiral e tanto.
Somente fui realmente gostar dos Doors após o filme de Oliver Stone, com Val Kilmer no papel de Jim. Ali deu para sacar tudo. Curioso no documentário é notar o quanto Stone e Kilmer se aproximaram do real. Como era a época em que viveram. A coincidência de Jim, Janis e Jimi (todos começando com J), morrerem aos 27 anos, cheios de glória. O som dos Doors é estranho, diferente, mas super rock and roll.

Tá lá o corpo estendido no chão

Meia noite de ontem, ouço discussão, ruído e um tiro. Vou à janela. Vêm dois homens correndo, um atrás do outro, revólver em punho. Vestem-se como esses molecões, camiseta, bermudão com sunga por baixo e chinelas. De uma distância muito próxima, um ou dois passos, vem novo tiro e o da frente cai de cara no chão. O baixote, volta, sempre correndo, olhando em volta, assustado, em guarda e vai para a Primeiro de Março. Só então chegam os notívagos para conferir. O pivetão caído de bruços sangra no asfalto. Alguém comenta que ainda está vivo. Respira. Que o assassino pegou a moto e fugiu. E chegam os caras das rondas particulares. Chega uma dessas tartaruguinhas da Polícia. Corro para a janela que dá para a Primeiro de Março. Há uma perseguição. Hoje alguém me disse que pegaram o atirador. Na Riachuelo, após uns 15 minutos, chega o Samu. E há também seis tartaruguinhas da Polícia.
Relembro a sequência dos tiros, sem nenhum glamour ou ângulo privilegiado, como no cinema. O da frente corria desesperado e o de trás também, para não errar o tiro. O ruído é forte, agressivo, rompe o silêncio da madrugada e a carne da vítima, rasgando órgãos, cortando veias. Ficou muito fácil matar em Belém. E muito barato. Os matadores não precisam de nenhum refinamento. Chegam e atiram. Pronto. Deve custar uns R$500? Talvez menos. Muito menos. Nesse retorno de nossa sociedade à selva, há um capítulo para as motos, que são como os cavalos do velho oeste. Para elas não há sinalização de trânsito, mão, contramão, calçadas, nada. O capacete é mais um artefato para esconder o rosto do que para proteger de acidente. E essa facilidade em ter nas mãos uma arma de fogo.
Quanto à Riachuelo e Primeiro de Março, posso falar de tudo. A zona de prostituição que ainda persiste é digna de vala. Técos de crack são vendidos para uma galera desde bacanas até pés de chinelo. O que não entendo é o funcionamento de uma pensão, na Primeiro de Março, miserável, suja, imunda, com prostitutas esfomeadas, arrebentadas pela vida, vendendo drogas, sem nenhum temor, absolutamente tranquila. Quem a protege? Será que paga todos seus impostos em dia? E as drogas? Na Primeiro de Março, próximo à saída dos artistas do Cuíra, são apenas senhoras prostitutas. Barrigudas, folós, tranquilas, aguardam por seus clientes, senhores, também. Algumas têm casa montada, marido, filhos e até empregada. Mas vão até lá para a espera. Há no momento um casal desfeito. Dizem que têm uma casa no Che Guevara, mas preferem morar na rua, naquela esquina. Ele, grisalho, peito de pombo, passa as manhãs fumando seu cigarro e lendo jornal. Dorme sesta, toma banho, põe seu sapato de couro branco e fica por ali. Ela, Bete, recebe, às vezes, correspondência do Cuíra. Foi presa vendendo drogas. Dizem que já foi solta mas não retorna por medo de vingança dos traficantes. Imaginem. E vem esse corpo estendido no chão desarrumar o cenário daquela madrugada de lua cheia, aparentemente tranquila, mas agora, cheia de vingança.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Para onde vai a Cultura?

Anna de Holanda é a nova ministra da Cultura, substituindo a gestão Gil/Juca Ferreira, que enrolou por oito anos a renovação da Lei Rouanet e outras novidades. Anna já foi secretária de Cultura em Osasco/SP e estava na Funarte. É da corrente do ator Fernando Grassi, também histórico petista, saindo então o PV da área. Como é também cantora, e vem da Funarte, imagino que o setor musical deva sair levando alguma vantagem, mas também acho que as demais áreas vão estar bem. Juca Ferreira preferia discutir, debater, ir empurrando com a barriga as situações. Aumentaram o percentual da arrecadação para a Cultura? Deve ter sido de 0,5 para 1 ou 2% o que é vergonhoso. E outras e outras. Tomara que dê certo. Há uma movimentação forte de grupos de teatro de todo país que vêm se reunindo e traçando metas para apresentar à nova ministra.
No Pará, ainda não sabemos quem será o Secretário de Cultura, apesar de alguns nomes ventilados. Mas aqui, quem tem o nome "ventilado", é justamente queimado, alvejado por obuses de todas as direções. A curiosidade é porque pior do que está, não pode ficar. Após oito anos de um vendaval destruidor, veio Jatene e na última hora, também teve seus desejos frustrados, preferindo, então, fatiar o setor e destruí-lo ainda mais. No governo do PT, Ana Júlia conseguiu ser pior ainda, nomeando uma figura que lá esteve apenas para circular por todo o Estado durante quatro anos e se eleger deputado. Hoje temos um deserto, um nada negativo na Cultura. Se até agora ninguém foi anunciado, é porque também a Cultura não tem nenhuma importância. Nossos governantes continuam dando à Cultura e ao Turismo um tratamento absolutamente amador. E com isso, perdemos milhões. Pior, mesmo, é a questão da Cultura na Prefeitura. Estava lendo alguém elogiando a nomeação de Anna de Holanda para a Cultura, comentando sua passagem por Osasco. Dizia "o município é a primeira instância" do cidadão em relação à Cultura. E nesse instante, fico ainda mais triste. Ao longo dos últimos vinte anos, sei lá, nos acostumamos a xingar A Secretaria de Cultura do Estado. E no entanto, o município não promove nada de Cultura nos últimos 30 anos, talvez. Lembro de Paes Loureiro à frente da Semec, não era isso? É a volta às cavernas, a vitória dos boçais, com seus carros gigantescos, dvds sertanejos, porres homéricos, despejando suas necessidades num mar de lama que um dia há de engolir toda a Doca. Desculpem o mau jeito. Feliz Natal!

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Jards Anet da Silva, ou melhor, da Selva

Acabo de assistir ao dvd "Jards Macalé - Há um morcego na porta principal", de Marco Abujamra, sobre a vida e obra de uma das figuras mais importantes da música brasileira, chamada Jards Macalé. Desagradável, antipático, grosseiro, boca suja ou ousado, brilhante, músico, arranjador, compositor, cantor, ator, performer dos melhores? Qual você prefere? Macalé está na base da revolução musical brasileira a partir do final dos anos 60. Seu violão, inicialmente, com Caetano, Gil, Bethânia e Gal. Aos poucos, foi participando de todos os famosos discos da Tropicália, como autor e arranjador. Por si só, surgiu em um Festival Internacional da Canção de cabeleira afro gigante, vestes africanas, cantando "Gotham City", protestando contra a revolução. Está ao violão e nos arranjos de Transa, o disco de Caetano no exílio. Faz "Movimento dos Barcos" para Bethânia. Faz cinema com Nelson Pereira dos Santos. Briga à morte com os baianos. Caetano, somente há poucos anos, no relançamento do Transa, reparou o erro cometido, quando o nome de Macalé foi omitido. E foi um álbum histórico. Gravou um disco genial, com capa de Helio Oiticica, ele vestindo os penetráveis. Dentro, ao lado de Lanny Gordin e Tutti Moreno, arrebenta em jazz, rock, mpb, funk, soul, maravilhoso, com suas letras belas, parceiros como Waly Salomão, puxa, o cara é demais. Nada aconteceu. Passa um tempo e ele vem com o sensacional "Aprender a Nadar" ou "A linha da morbeza romântica", onde acompanhado de grande banda mais orquestra, arrebenta em "Rua Real Grandeza" (sou um cara sem saída, mas não se iluda com essa minha vida) ou "Quando você passa dois tres dias desaparecida, eu me queimo num fogo louco de paixão), é rock, jazz, blues, mambo, bossa nova, simplesmente demais. Ainda gravou mais um disco para a Som Livre. Sumiu. Então resolveu entrar em uma linha Moreira da Silva, com quem fez vários shows. Há pouco tempo, outros dois discos, creio, maravilhosos. Um cara aparentemente difícil, já prometendo aos meninos que fizeram o documentário processá-los se não ficasse contente. Um malandro cheio de histórias para contar, passando dias e noites na beira de um bar, cervejinha e violão. Um cara que já iniciou com Bethânia no show Opinião. Gil está lá dando sua opinião. Hermínio Belo de Carvalho, Bethânia, alguns outros. Mas não sei se ficou bom, sabe? Eu queria saber mais, muito mais. "Meu nome é Jards Anet da Silva, ou melhor, da selva, ou pior, da Silva. Tem para alugar lá na Fox.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A caixa de Gal Costa

Foi somente há alguns poucos anos atrás, já bem maduro, que pude ter idéia da trajetória de Gal Costa, uma das maiores cantoras brasileiras, a qual acompanhei bem de perto. Saiu a caixa "Gal Total", idéia das fábricas para provocar os tiozinhos, público que ainda adquire cds, com a vantagem da remasterização do material. Com efeito, podemos ouvir melhor as gravações e até detectar evoluções instrumentais que antes estavam escondidas.
O que mais me chama atenção na carreira de Gal, é a impressão de ter sido marcada pela falta de um foco pessoal, algo que ela realmente queria. Gal, aparentemente, é dessas cantoras que não sabem a razão de cantar, o que realmente dizem as letras, ao contrário de uma Elis Regina. Há muitas.
Maria das Graças Burgos e Caetano Veloso eram muito ligados. O primeiro disco deles, na hoje Universal, foi lançado em 67, chamado "Domingo", bem joãogilbertiano, voz pequena, correta, arranjos limpos, feitos por Dori Caymmi, Roberto Menescal e Francis Hime. No repertório, além de Caetano, há Edu Lobo, Gil e Sidney Miller. Ali está a cantora, inteira, voz linda, límpida.
Mas então vem o vendaval do final dos anos 60, Tropicália, Janis, Hendrix, Beatles, tudo o que se sabe. E Gal surge em 69 como a diva da Tropicália, cabelos revoltos, roupas rock and roll e interpretação de Joplin. Os arranjos agora são de Rogério Duprat, Gil e Lanny Gordin. Um dos maiores discos da música brasileira. Tem Jovem Guarda/Tropicália em "Não identificado", guitarras com orquestras, timbres diferentes, uma dificuldade de mixar; "Sebastiana", com arranjo rock, Caetano, Tomzé, Roberto e Erasmo, Jorge Ben, maravilhosos. Tudo é moderno, transgressor, perfeito. Há "Saudosismo", "Se você pensa", "Divino Maravilhoso", "Que Pena" e "Baby", só para adiantar. E há Gal, gritando, esganiçando, excelente, super cantora. Agora, não é Gal e sim a Gal planejada, ensaiada, direcionada. Ela vai muito bem.
No mesmo ano, mas outra situação, Caetano e Gil exilados, ainda com arranjos de Rogério Duprat, mas agora com participação especial de Lanny Gordin e violão de Jards Macalé. Arranjos maravilhosos, econômicos, modernos, ousados, como "Cinema Olympia", "Tuareg", "País Tropical", "Meu nome é Gal", uau. No repertório, Caetano, Ben, Gil, Roberto e Erasmo e Macalé. Há um lado mais popular e outro onde se misturam canções mais políticas, mais áridas, mais rock and roll e Gal botando a voz Janis. Gal é Janis. Bem direcionada.
Em 1970 eu estava no Rio e a Rádio Mundial tocava todo tempo o "Legal", com uma capa absolutamente genial, feita por Helio Oiticica. Lanny Gordin e Jards Macalé são os principais arranjadores, mas há alguma orquestra com Chiquinho de Moraes. Duprat está fora. A Tropicália acabou. Mesmo assim, que show de arranjos, evoluções de bateria, baixo e guitarras, sopros. O repertório vem logo de "Eu sou terrível", de Roberto e Erasmo. Sim, eles estavam sempre presentes e sempre ótimos. Havia também Gil, Macalé, Caetano e Geraldo Pereira. Gil e Caetano exilados. Caetano mandou "London London "e "Deixa sangrar"(que apresenta o frevo baiano com guitarra elétrica). Há a música tradicional com arranjo elétrico, "Acauã", de Zé Dantas e o remake de "Falsa Baiana". Há "Hotel das Estrelas", cara, genial. Gal era a musa, a diva do pop. As dunas de Gal, em Ipanema, durante a construção de um emissário submarino. E novamente percebo que Gal é verdadeira somente no arranjo bossanovista de "Falsa Baiana". Amanhã escrevo sobre "Fatal", um dos mais emblemáticos discos brasileiros em todos os tempos.

The Wire

Até hoje creio ter acompanhado somente West Wind e Lost, das séries de tv. É preciso fazer uma opção, como, por exemplo, jogar futebol somente uma vez por semana. Há outros prazeres como assistir filmes, ler livros, namorar. E eu quero tudo. Com a opção feita, os horários são melhor utilizados. Meu filho comentou sobre The Wire, série aparentemente obscura, ao menos por aqui. Acreditei. Acabei de assistir as duas primeiras temporadas, na base de três episódios por dia, três horas direto. E são quinze capitulos. É realmente muito boa. O cenário é diferente, Baltimore, EUA. Os capítulos e temporadas seguem uma linha, de tal forma que um personagem da primeira, surge na segunda, encadeando uma grande história. Há um detetive, McNulty, irlandês. Beberrão, conquistador, em permanente litígio com a linda mulher e sofrendo por não estar com os filhos, é um excelente profissional. Por isso, odiado por companheiros que ao invés do risco de novos casos, vão levando com a barriga. Aos poucos, forma uma equipe, onde nem é o chefe. Policiais de diversas procedências, todos com qualidades e defeitos. E há muita coisa suja em Baltimore. Enquanto os casos vão razoavelmente resolvidos, as vidas e seus problemas acontecem. A oficial que vive com outra mulher, que engravidou propositalmente e que não suporta o trabalho de risco da companheira. Um assassino das ruas, cruel e honesto, que se vinga porque mataram seu namorado. Droga, droga, droga. Mulheres escravas de sexo. Jogo de poder. Está tudo lá. Assistam. Vou agora para a terceira season.

Antologia Pan Americana

Quero dividir com as pessoas que lêem este blog, a alegria pelo lançamento da Antologia Pan Americana, pela Editora Record, organizada por Stéphane Chao, após quatro longos anos de trabalho. Reúne autores contemporâneos das três Américas, incluindo escritores das Guianas. Dos que conheço, Margaret Atwood, do Canadá, Ugo Benedetti (recentemente falecido) do Uruguai, mais Luiz Ruffato e Marçal Aquino, brasileiros como eu, que surjo como que representando o Norte do Brasil. O convite veio após a leitura do livro "Um sol para cada um", da Editora Boitempo. Depois, creio que através da Bertrand, selo da Record, fui convidado para o livro "Todas as Guerras", quando houve um sorteio entre os convidados e tive a sorte de receber a incumbência de escrever um conto sobre a guerra entre palestinos e judeus. Daí rolou outro livro, lançado no Peru, com escritores contemporâneos brasileiros, deve rolar um no México e vem esta Antologia que me parece completa. Sinto um super orgulho de estar presente e em boa companhia. Penso na distância entre Belém e São Paulo, onde tudo se decide. Penso na diferença de cena, de atividade na área literária. Penso no mais absoluto desconhecimento dos paraenses em relação à minha obra, no momento em que subo mais um degrau e procuro trocar de pensamento. Dividir com vocês a alegria. O lançamento vem no momento certo em que me convenço a escrever literatura, ano que vem, após quase dois anos somente de teatro, todos os dias e noites. Recuperar meu ritmo de escrita. Juntar as anotações. O mundo está indo tão rápido. Será que lançarei em formato para iPad? Será que lançarei outro livro? Outros livros?

A Modern Sound vai fechar

A notícia saiu no Globo de hoje. Depois da Livraria Letras & Expressões, o Rio de Janeiro perde mais um point de cultura. A loja, que reinou desde os anos 70 como um ícone em discos importados, fecha as portas no dia 31. Últimamente, seu movimento estava bem fraco. Melhorava à noite, para lançamentos de discos em pocket shows em seu Café. Uma tristeza.
Conheci a Modern ali nos anos 70. Era uma mina de ouro para um garoto que saiu de Belém, onde entrava nas lojas procurando discos da Mahavishnu Orchestra e recebia olhares estupefatos dos vendedores. Não era tão grande. Mas lá encontrei "In the wake of Poseidon" e "Islands", creio, do King Crimson e entrei em pânico. Sem dinheiro, escondio-os na seção de discos infantis e voltei até minha avó para conseguir a grana. E lá havia também um garoto irritante, dizendo os nomes dos discos com acentuado sotaque britânico. O relacionamento se tornou profissional enquanto tive uma loja de discos aqui, a 33 1/4, na Brás de Aguiar e mandávamos buscar muitos discos importados. Mas o tratamento não era tão cordial. Os cariocas com algum poder, ficam quase insuportáveis de antipatia. Então, o cinema Caruso, creio, que ficava atrás da loja, na Barata Ribeiro, foi adquirido. A loja cresceu, ficou linda, grande catálogo, cds, dvds e o Café Allegro, sempre com um pianista e aos finais de tarde ou no sábado, dia inteiro, grandes músicos, alguns contratados, outros se divertindo, tocando maravilhas do jazz e bossa nova. Algo próximo do paraíso. Com o tempo, conheci todos os veteranos vendedores, fiz amizades. Um dia, sentindo a diferença do movimento, perguntei ao dono a respeito. Ele confirmou o perigo. Quem compra discos, hoje? Não digo Ivetes e Sangalos, mas discos de mpb, jazz? Somente adultos e cada vez menos. Não sustenta uma loja grande. Havia muitos turistas, sempre, mas agora, acho que até eles desapareceram. Uma pena. Uma catedral da boa música. Ali vivi grandes momentos, surpresas, alegrias. Estive na loja há uns vinte dias atrás. Foi minha despedida. Vai fazer uma imensa falta.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Amarga Dulce

Eu também sou fã de Dulce Quental e estive no Margarida Schivazappa assistindo seu show. Vivi minha adolescência nos anos 70 e na década seguinte, estava com uma rádio FM, Rádio Cidade, tocando todos os hits do que se chamou Rock B. Dulce surgiu com o trio Sempre Livre, tentativa da Sony em emplacar um grupo feminino. A rigor, teve apenas um sucesso, "Esse seu jeito sexy de ser" e acabou. Dulce fazia parte e foi autora da música. Então compareceu em parcerias com Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho entre outros. Conviveu com Cazuza, Herbert Vianna. E lançou três discos solo. O primeiro deles, "Délica" é uma jóia do pop, casando voz charmosa, melodias, letras e arranjos primorosos. Apesar disso, pouca gente notou. Não sei se houve falta de empenho da gravadora, ou o temperamento esquivo da autora. Nada aconteceu. Veio "Voz Azul", mantendo a qualidade e novamente nada aconteceu. Houve mais outro disco, também ótimo e Dulce não apareceu mais, a não ser incluindo parcerias em discos de Barão e Paralamas, creio. Também andou escrevendo crônicas em sites. De repente, Luizão Dom King anuncia sua vinda.
Quando entrei no Teatro, percebi que aquela era uma verdadeira reunião de uma tchurma dos anos 80, todos conhecidos, jornalistas, músicos, atores, artistas plásticos, toda uma galera que no meio de todos aqueles hits percebeu Dulce Quental. Ou seja, Dulce já subiu ao palco vencedora, abrindo os braços, receberia aplausos. Estávamos todos saudosos, querendo cantar nossos hits, bater palmas, fazer carinho, reconhecê-la. Mas não. O show foi absolutamente esquizofrênico. Há versões diferentes dos motivos que a fizeram chegar aqui. Iria fazer outro show para uma Ong no Marajó. Viria, como disse, ano que vem, mas foi chamada por Luizão e não teve tempo para ensaiar. Acompanhada por baixo, violão e percussão. Muito bons os músicos. Dulce, nervosa. Abriu com musica de seu último cd, que quebrou ausência de alguns anos, "Beleza Roubada", infelizmente, muito fraco. Veio "Voz Azul", com voz fria, nervosa, sem alcançar agudos ou baixos. E após ser aplaudida carinhosamente, começou a desdenhar estar ali. "É, vamos fazer uma volta ao passado, um pouco, depois mostro minhas coisas novas". "Ah, tenho muitas coisas novas, estou em outra fase". "Puxa, como nós tocávamos e cantávamos mal antigamente. Essa música "Esse seu jeito sexy de ser", tem uma melodia linda, mas a letra, só não tenho mais vergonha porque chega a ser engraçada". E logo depois da platéia cantar junto, chorando. Em dado momento, pensou estar indo para a última música. Foi informada pelos músicos que ainda não era hora. "Olha, estou aqui em Belém por conta desse maluco do Luizão. Ele é quem é culpado". "Olha, quero dizer a vocês que sou uma compositora dando uma de cantora". "Olha, agora vamos terminar. São mais duas músicas e não tem bis". Errou música, pediu para voltar e tocar novamente. Errou mas continuou. Pediram pra tocar "Délica". "Não vai dar. É muito complicada. Olha, eu até tentei. Tentei novo arranjo e nada. Mas puxa, eu toquei muito, muitas músicas. Olha, escolham uma que eu já cantei no show. "Capuccino", tá, então vai ser essa". Isso aconteceu na hora do bis. A platéia batendo palmas, até que Dulce voltou. Na saída, aquela turma toda, maltratada, mas feliz. Não sei o que Dulce pensa de si. Se acha que é grande artista, ninguém sabe de sua existência. Seu último disco é ruim. Há outro, tomara que seja bom, vou comprar de qualquer maneira. Ela devia era montar esse show com todos os hits antigos e faturar algum com a galera saudosa dos anos 80. E, pior, não cantou "Pros que estão em casa". Amarga, Dulce..

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Uma casa chamada Celina

Leio no jornal que Marcílio Costa está lançando um livro com poemas inspirados em uma casa, no Mosqueiro, chamada "Celina", na qual, segundo o autor, morou Maria Lúcia Medeiros, mãe de Mariano Klautau Filho. É verdade. Maria Lúcia passou lá seus dois últimos anos de vida. Marcílio deve tê-la visitado muito e se sentiu inspirado pela casa e seu nome. Mas o que Marcílio talvez não saiba, embora nada disso afete o que deve ter escrito, pois as emoções são diferentes, é que a casa se chama "Celina", por conta de minha avó, Celina Paiva Proença. Que aquela casa, no Farol, abrigou a felicidade de toda uma família durante longos anos. O Mosqueiro está na base das minhas lembranças de infância e adolescência. A casa, também. Quando lá chegávamos, para as férias de julho, vindos no Presidente Vargas, com bagagens carregadas pelo "Sete" e no carro americano ou inglês do Seu Cecy, ela nos aguardava com um cheirinho de casa fechada. Com uma frente onde havia jardim com jasminzeiro, vinha logo um grande pátio. Houve pequenas mudanças no pátio, tornando-o maior. Uma sala grande, de refeições, uma suite, onde ficavam meus avós, dois quartos onde ficavam meninos e meninas e o quarto de meus pais. A cozinha, pequena, onde Biá se arrumava. Atrás, outro jardim, uma pequena casa onde dormiam as empregadas e a seguir, um longo quintal, que ia até a Estrada da Bateria. Um mundo. Nos quartos, íamos direto aos armários onde estavam brinquedos antigos, pranchas de "pegar jacaré", bolas de futebol. Levávamos amigos, amigas, virava uma festa. Uma vez Seu Rubem Ohana chegou com a kombi cheia de meninos e meninas do Chapéu Virado. Alguém botou discos e dançaram. Tinham a minha idade, mas eu era muito acriançado, ficava olhando meu primo dançando de menina em menina. Havia uma praça em frente onde, certa vez, dia de semana, meus pais, mais Celina e Edgar foram a Belém, eu me pendurei em um galho de árvore e fiquei pensando na vida, naquele lugar parado, sem trânsito, o barulho do vento nos açaizeiros, o paraíso Mosqueiro. No final das tardes, bicicleta, cair, ralar o joelho, esperar na fila que o Seu Harley Vieira passasse com seu kart e nos levasse para dar uma volt . E no pátio da "Celina", ficávamos conversando, cantando, ouvindo meu avô contar histórias, meu pai tocar violão, as visitas de final de semana, meu avô no portão, saudando quem passava para a praia. E no quintal, o campo de vôlei que meu praia e Seu Zumero construíram. A trave onde eu chutava para que Antônio Valentim pegasse a bola, fazendo o goleiro. E de repente o chamado para a merenda, banana com leite em pó, mais nescau, acho. O tempo a perder de vista. Acordar e ficar ouvindo, ao fundo, as ondas indo e vindo, o vento nos açaizeiros, as brincadeiras, o primeiro amor - será que ela está namorando comigo? Mas como se eu nem a pedi em namoro? O murmúrio de minha mãe e as empregadas, no dia de voltar para casa, bem de madrugada, deixando para nos acordar somente no momento final, esperar o ônibus ou Seu Cecy e ir até a Vila, pegar o "vapor". Tomar banho de chuva na lateral da casa, a cabeça debaixo do esguicho que vinha do telhado. Ah, "Celina", tantas emoções e alegrias passaste! Nós éramos cinco danados vivendo nosso aprendizado para uma vida inteira em brincadeiras, imaginação e felicidade. O tempo veio, crescemos, Salinas ficou na moda, nossos filhos fizeram sua escolha e a casa foi vendida. Sempre que vou a Mosqueiro, passo na frente, como uma reverência respeitosa. Que bom que continuaste a ser importante, viver novas vidas e agora, gerar livros. Quanta saudade!

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

As Copas no Brasil, Russia e Qatar

Nos próximos dias leremos comentários mais informativos a respeito da escolha de Rússia e Quatar como países sede das próximas Copas do Mundo. A escolha foi em Zurich, onde fica a sede da Fifa, esta entidade particular, com número de países filiados maior que a ONU e que passou a crescer assustadoramente após a passagem por lá de um certo João Havelange, que ao sair da CBF, no Brasil, deixou em seu lugar Ricardo Teixeira, casado com sua filha. Ao deixar a Fifa, deixou em seu lugar outro assecla e aos poucos, vamos chegando ao absurdo. Hoje, o que menos importa é o futebol. Há muito dinheiro envolvido. Para ir à África do Sul, quase inóspita para futebol, terra do rugby, bilhões foram gastos em estádios que, ou serão abandonados ou transformados para a prática do esporte mais popular. A imprensa local denunciou mas foi abafada. Aqui no Brasil, os mesmos absurdos, como reconstruir o Maracanã, desprezar o Morumbi, desprezar o Vivaldão em Manaus. Esse último, então, é um escândalo, pois o futebol local não existe mais. Ricardo Teixeira acaba de ser acusado de corrupção. E a Copa aqui nem começou. E na Rússia? E no Qatar? Se fizessem na Inglaterra, não gastariam quase nada em construção. Preferiram a Rússia, onde o futebol é disputado em época diferente, tendo em vista o frio que faz na maior parte do ano. Um país que enfrenta graves problemas entre ditadura, democracia e máfias. O ex-presidente Putin nem foi a Zurich. Disse, antes do resultado, que era um absurdo deixar a Rússia de fora. Um blefe, claro. E no Qatar? Quase ninguém vai aos campos, todos artificiais. Muito dinheiro. Isso deixando o esporte de lado. Falando nele, a Fifa nem quer saber, mas as Copas vêm perdendo interesse há muito tempo. Disputada no período de férias para os atletas da Europa, recebe seleções de craques milionários, estressados, machucados, cansados e que somente para atender contratos, algum patriotismo e prêmios, aparecem por lá. Ganham de seus clubes salários estratosféricos, mas são cobrados violentamente no físico e psicológico. Chegam à Copa arrasados. Copa do Mundo, mesmo, é a Copa dos Campeões, onde estão os grandes jogadores, no seu ápice, defendendo seus clubes. Até quando essa roubalheira irá?

terça-feira, 30 de novembro de 2010

A limpeza no Rio de Janeiro

Ainda estava em São Paulo quando começaram a incendiar carros no RJ. Estava na rua e percebi todos de olho na tv. Invasão na Vila Cruzeiro e tudo o mais. Havia uma euforia por parte dos jornalistas, também. Uma raiva incontida pela marra dos traficantes, o medo que todos temos de andar à noite, de dia, cruzamento no trânsito. É curioso como o fenômeno "Tropa de Elite" motivou no povo essa idéia de reagir. De que há Polícia boa. E eu escrevi aqui que "Tropa" é apenas um filme. Ali, na tv, era de verdade. As reportagens muito boas. A voz nervosa da repórter. A câmera, nervosa, também, pegando detalhes, querendo duplicar o "Tropa". Onde está o capitão Nascimento? Houve um momento importante, de mostrar que a Polícia também é exemplo de ética, voluntarismo. Mas depois fiquei pensando, e lendo em diversos jornais. Imagine o preço da droga, hoje, no Rio. Porque os viciados não podem parar. O que dá uma trégua é aquele pessoal que dá sua fumada ou cheirada no final de semana. Posso falar porque não faço isso. Haverá uma substituição? Virão as milícias? As UPPs? Foi importante retomar território mas o que vem a seguir? Outra coisa que me deixa desconfiado é a razão pela qual, bandidos que já têm seu território definido, tudo certo, funcionando, propinas pagas a políticos, autoridades e de repente, a título de intimidação, começam a tocar fogo em carros, agredindo seus consumidores e fazendo com que todos fiquem contra. Só sendo muito imbecil, não é? E justamente quando o Rio é pressionado a fazer uma limpeza, por conta da Copa do Mundo, das Olimpíadas. E muito convenientemente, após a reeleição do governador Sergio Cabral. Não é? Será que desta vez é pra valer? Houve outras invasões antes. Queremos que todos morram? Onde estão as autoridades? Onde estão seus deveres para com o povo? Dotar as comunidades de escolas, hospitais, serviços, oferecer emprego. Várias vezes a pergunta "porque não fez antes" foi feita e sempre com drible na resposta. Os traficantes fugindo morro acima e todos querendo que os helicopteros liquidassem a todos, como se fosse uma guerra e não uma ação policial. Como deixaram as coisas chegarem a esse ponto? Conivência de muita gente. Muita gente. Será que essa gente vai ficar sem a propina que vinha limpa, sem rastro? E o negócio das drogas? E a venda de armas? Há muitas respostas a serem dadas mas, principalmente, não entendo a aparente burrice dos traficantes em "provocar" essa guerra onde somente eles saem perdendo. Saem? No dia em que voltei, passei ao lado do Complexo do Alemão, pela Linha Vermelha e tudo estava tranquilo. Aparentemente. No final da manhã, começou a invasão. Mas eu já estava em casa.

O novo Hair

Eu não assisti a montagem de Hair, seja em NY ou no RJ. Mas eu era moleque e ganhei o disco com a trilha sonora e capa linda, um contraluz de uma cabeleira afro. Era uma época efervescente. A informação que chegava até aqui em Belém era rala. Não entendia a razão de músicas tão curtas, outras maiores. Não entendia que era um musical rock. Aí veio o 5th Dimension com "Aquarius/Let the sunshine in". Claro, assisti à montagem de Milos Forman, para o cinema. "Hair" tocava em diversos assuntos que revolucionavam costumes. Cabelo, roupas, desapego, sexo livre, hippies, recusa em ir para o Vietnã, musica, amor. E isso foi chocante. Quanto desse choque fica para uma montagem no século 21, Rio de Janeiro, cidade hedonista, mas que vive momentos perturbadores? Na noite em que fui assistir, as polícias do Rio de Janeiro estavam na Vila Cruzeiro, disparando. Era Tropa de Elite ao vivo. Chovia. Mas o teatro estava lotado. Não há cenário nem projeções. Andaimes e luz. Elenco grande, moças e rapazes bem jovens e bonitos. Cantam bem. Mas querem saber? Não funciona. Uma das causas talvez seja a falta de carisma do líder dos hippes, Berger. O ator é bonito, canta bem, mas não tem carisma. Fala como um dublador de filmes americanos que passam nas tardes de sábado. E sem isso, desaba tudo. Berger é lindo, simpático, alto astral, todos querem namorar com ele, meninas e meninos. Também não sei onde foi parar o desejo de romper com tudo. Sim, há a tal cena de nu coletivo, mas os rapazes à frente e as meninas, bem escondidas. Andamos para trás? E justamente no Rio onde um ou dois centimetros de pano escondem vaginas e bicos de seios? Errado também que levaram uma banda para o palco, mas não lhe aplicaram nenhum figurino. O maestro é careta, os músicos também, com exceção do guitarrista que dá show. Mas não cativa, não conquista. E acaba por ficar um tanto longo. Uma boa tesoura tirava uma meia hora e ficava bem. E quando, ao final, cantam "Let the sunshine in", fica bem bonito, só isso. É preciso encerrar, botar a banda para tocar forte e repetir para a casa levantar e aplaudir. Esperava mais. Tenho assistido a alguns musicais no Rio e gostado. Talvez tenha esperado demais.

Eu assisti Paul McCartney em São Paulo

Cheguei em São Paulo no domingo. Assisti, no Fantástico, highlights do show. Às quatro da tarde daquela segunda, olho para o tempo e vejo a chuva. Ah, vai passar logo. É verão aqui no sudeste. Até a hora do show está limpo. Foi a primeira vez em que pensei se tinha idade e disposição para encarar aquela chuva. A idéia de assistir ao show de Paul McCartney no Morumbi veio em uma empolgação, a partir de uma lembrança maravilhosa, quando assisti, no mesmo estádio, ao show de Roger Waters, tocando "Dark side of Moon". Lembrei de estar ali, à altura da intermediária de um dos gols, ouvindo aquele som alto, muito alto e a emoção que senti. Emoção acumulada por todos os anos, a diferença de informação, a pesquisa, curiosidade, que vive um cara que mora no extremo norte do Brasil. Comprei o ingresso. Peguei o taxi, preventivamente, às seis da tarde. O esporte preferido dos motoristas paulistas é analisar quais as melhores rotas para chegar ao seu destino. O rapaz bem que tentou. Esgotou. Enfim, com a chuva engrossando, cheguei às proximidades do Morumbi depois das oito da noite. No caminho, compro por 10 reais (depois soube que antes era 5 e mais tarde, virou em 20 reais) uma capa de chuva, uma espécie de saco plástico que nos envolve. Entro sem dificuldade. Compro camisas comemorativas. Faz parte. E entro no campo, com um piso especial, de borracha. Tocam clássicos do rock, tipo "Born on the Bayou". E rapidamente percebo algo errado. Não consigo ver o palco, a não ser por frestas ou quem sabe, saltando. Praguejo contra a natureza que me fez tão baixinho. Há como que uma parede de seres humanos mais altos à minha frente. Vou bordejando, procurando uma boa posição. Um tiozinho com camisa da primeira vinda de Paul ao Brasil grita: vamos fazer uma hola! Porra, ninguém quer fazer uma hola comigo? Adiante, um casal jovem. Ele, estupefato, diz à moça: quer dizer que você só está aqui para me fazer a vontade? Se dependesse de você, não vinha? Ela confirma. Não sei o resto. Uma moça uniformizada vende batatas chips, gritando "Olha a batata do Paul! O tempo vai passando, a chuva continua, mas não estou molhado. As pernas doem e me pergunto se tenho idade para estar ali. Há muitos tiozinhos. Muitos fumam maconha. O cheiro no ar é bem forte. Vem uma série de projeções nos telões, hits de Paul e pronto, vai começar o show. Ao contrário de muitos, não vi ninguém. Procurei e não achei. Será que eu era o único representante do distante Pará por aqui? Claro que não. Mas não vi ninguém. Sabe de uma coisa? Fui postar-me por trás dessas casas onde ficam os técnicos de luz e de som, gigantescas, absurdas, incompreensíveis, incomodando estéticamente e em termos de visibilidade, todo mundo. Será que ninguém consegue uma alternativa. Pois bem, atrás da casa, estava bem legal. Tiozinhos e tiazinhas com filhos, dançando e cantando. E ele abre com "Magical Mystery Tour". E vem "All my loving". Não deu pra segurar. Chorei. Macca é muito profissional. Sabe conduzir o espetáculo. Não é um showman de grandes movimentos e gestos. Está sempre tocando baixo ou piano. Os coroas da banda são irrepreensíveis. Tudo bem ensaiado e até natural. Vibram, dançam, solam, têm seu espaço. O baterista Abe Laboriel um show à parte. "Blackbird singing in the dead of night".. Ligo para a garota. Ouve aí. Ciao. Homenageia George Harrison, John Lennon na bela e tocante "Here Today", levemente estragada pelo público, que acompanhou batendo palmas. Quebrou o clima. E vem "Live and let die", com seus fogos de artifício. Vai embora e pedem bis. "Helter Skelter". Perto de mim, um tiozinho toca uma guitarra imaginária. Ao lado, seu filho resmunga "Ê pai, pára com isso, pô..". "Yesterday" ao violão, linda. Mas eu queria o final. Eu sabia o final. Primeiro o encerramento de "Sgt Pepper", "we're sorry but it's time to go". E quebrando para "The End". Gosto de acreditar que foi a última música gravada pelos Beatles. Desde sempre, basta ouvi-la, fico tocado. Há acordes de guitarra, riffs, vem o solo de bateria de Ringo Starr e finalmente "and in the end, the love you take, is equal to the love you make". Se no disco é bonito, imaginem em um show para 65 mil pessoas! E o cara inteirão, gostando de estar ali, de receber aplausos, de "when you got a job you gotta do it well", voz inteira, sem rouquidão, feliz da vida, super profissional. Saio e pelos corredores do estádio a multidão canta "Hey Jude". Que sensação deve ser essa? Ando, subindo uma ladeira, dois quilometros até conseguir um taxi que me cobra 80 reais para levar para casa. Tiro a capa de chuva e percebo que estou ensopado de suor. Chego ao hotel ainda excitado, feliz. Depois do jantar e do banho, deito e repasso o que vi. Grande show, mas querem saber se iria novamente? Não.

Aconteceu em 67

Eu tinha 13 anos de idade, o que em termos de um garoto de hoje, equivale a ter uns nove anos apenas. Não lembro bem, deveria perguntar ao Edgar, se acompanhamos tudo isso aqui em Belém, pela Marajoara, que recebia os tapes ou quando estivemos passando uma temporada no Rio de Janeiro, na casa de nossos avós. A verdade é que, para mim, é absolutamente inesquecível e formador cultural. Os elepês, ouvíamos contritos, emocionados. Sei a maioria das músicas. Quando as ouço, lembro de tudo, cenas, acontecimentos, enfim, como era bom. Os Festivais da Record. Naquela época, ao invés de novelas, o horário nobre era ocupado por programas musicais. O cast da Record tinha o melhor da mpb e também o programa Jovem Guarda. E por muita sorte, reuniu mais de uma vez, todos muito jovens, cheios de sonhos, artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Roberto Carlos, Chico Buarque, Edu Lobo, precisa continuar? Quando, em outro tempo, tanta gente boa se reuniu? Os mais jovens podem dizer que houve outro grande momento, nos anos 80, com o rock nacional. Ponto de vista. A televisão era em p&b. Imaginem a distância de São Paulo para Belém. A platéia, não sei quantas pessoas, participava vaiando, cantando, aplaudindo, interferindo nas apresentações. Quem eram essas pessoas, essa fatia de público, formada por jovens universitários, gente classe média, que passava para o resto do Brasil sua preferência por um tipo de música, letra, arranjos? Renato Terra e Ricardo Calil fizeram o documentário excelente, reproduzindo os melhores momentos e entrevistando protagonistas. Chega a chocar a fumaça em todos os ambientes. Como se fumava! Reali Jr e Cidinha Campos faziam entrevistas nos bastidores, sem nenhum problema em ter entre os dedos, cigarros. A pergunta era feita com a fumaça saindo da boca e o entrevistado devolvia, também com fumaça. O cenário era ridículo, com plantas no palco. Blota Jr e uma locutora que não lembro o nome, caprichando nos "erres". Edu Lobo, emocionado, com Marília Medalha e o Momento Quatro, grupo vocal onde vemos Zé Rodrix e Maurício Maestro. Tão jovens em "Ponteio". Na entrevista, Edu e sua absurda antipatia e imbecilidade. Chico Buarque também nunca está à vontade nas entrevistas. Não lembra das letras, não considera importante. E lá está ele com o Mpb4 em "Roda Viva", que até hoje cantamos. Caetano Veloso fala muito. Solano Ribeiro, organizador, conta que o baiano ia cantar apenas com gola rolê o que ele achou errado. Mandou comprar um paletó. "Alegria Alegria" é uma marcha lusitana, com guitarras, refrão forte e letra irresistível. Edu e Chico dizem que ficaram desconfortáveis depois que os baianos vieram com todo aquele som e cores. Tornaram-se aos 23 anos, artistas superados, antigos. Outro que comparece com seu mau humor e boçalidade, embora seja um gênio é Dori Caymmi, que surge novinho, já de bigode, tocando violão para Elis Regina, a maior cantora do Brasil, já naquela época. Dori odeia o arranjo do maestro Gaya para seu "Cantador". Ao contrário, seu parceiro Nelson Motta, conta que ao ouvir Caetano em "Alegria Alegria", tentou torcer contra, por ser um oponente, mas acabou cantando junto. E Gil que entrou em pânico e decidiu não ir cantar seu "Domingo no Parque"? Arranjo de Rogério Duprat. Mutantes. Demais. Uma letra cinematográfica, genial, com abertura orquestral irresistível. E Nana Caymmi, que era casada com Gil, cantando "Bom Dia", linda e forte, magrinha, cheia de atitude. E Roberto Carlos, contratado da emissora, cantando um samba de Luiz Carlos Paraná, apenas razoável. E Sérgio Ricardo quebrando o violão. Solano Ribeiro esculhambando o ótimo Sidney Miller, já falecido, que cantou a beleza que é "A Estrada e o Violeiro", com Nara Leão. Que elenco! Eles não tinham idéia, mas faziam história, influenciavam um país inteiro, moldavam destinos. E era tão bom! A língua portuguesa no seu melhor, a música em diferentes gêneros, arranjos e vêm Caetano e Gil com seu liquidificador sonoro. E ganha "Ponteio", de letra política. Aconteceu em 67, mas mexeu com toda a minha vida, eu, ali, com 13 anos de idade, um garotinho magro, cabeçudo, feio, mas que apreendia tudo o que era mostrado.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Heliópolis

Me decepcionei com a leitura de "Heliópolis", romance escrito pelo americano James Scudamore, que viveu algum tempo no Brasil e também em várias outras cidades do mundo. Logo que saiu, estranhei não ser originalmente brasileiro, até descobrir o autor. Mais curiosidade ainda. Um americano escrevendo sobre a maior favela de São Paulo e sendo elogiado, deve ser algo bom. Saiu no Brasil. Li e me decepcionei. Scudamore conta a história de um garoto que, juntamente com a mãe, foi adotado por um homem muito rico. Cresceu na fazenda de seu benfeitor, convivendo também com a filha do cara, de sua idade. Em dado momento, é levado para voltar a morar em SP, desta vez, em um super apartamento, vida de rico. Estudou e tal. O pai adotivo há anos não pisa na terra da cidade. Seu transporte é o helicóptero. Heliópolis vem somente ao final do livro. Insuficiente. O romance poderia se passar em qualquer outra cidade do mundo. As referências são frágeis. No que tange à convivência do garoto, seus pensamentos, seu choque entre pobreza e riqueza, valores e amor, a escrita é bem interessante. Mas talvez eu esperasse muito mais.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Ai que vontade de estar lá

Assistirei ao show de Paul McCartney na próxima segunda feira, mas já estarei em São Paulo no domingo. O pessoal do Sem Dizer Adeus me liberou por um dia. Aproveito para comparecer ao último evento de mais uma Balada Literária, promovida por meu amigo Marcelino Freire, jovem e premiado autor pernambucano que chegou à grande cidade há alguns anos e ao mesmo tempo que escrevia suas obras, também inventava eventos, coletâneas, incendiando os ambientes. Essa Balada Literária é ótima, a partir da Mercearia São Pedro, emblemático bar em Vila Madalena, onde já tive o privilégio de lançar um de meus livros. Mistura autores de diversas procedências, passando por cima das grandes e poderosas editoras, além de prêmios a Chico Buarque. Ai que vontade de estar lá. Quando entro nos blogs de colegas escritores atuando em Sp, dou conta da atividade frenética de todos, seja em mesas redondas, discussões, seminários, reuniões, exposições, entrevistas, onde se colocam na mídia, no noticiário, chamam a atenção para seus trabalhos. Obtive algum pouco êxito no Rio de Janeiro e São Paulo com meus trabalhos. O último, "Um sol para cada um", parecia fadado ao sucesso, mas nada aconteceu, paciência. O problema é a distância. Moro longe, muito longe. Distante demais para comparecer aos eventos, circular, conversar, aparecer e principalmente, ser lembrado. E assim, rápido, sou esquecido. Quando leio sobre essa movimentação toda, me dá uma cuíra por estar lá, com a galera. Um escritor quer ser lido, consumido, debatido. Isso não acontece aqui no Pará, onde sequer há uma cena literária, mas eu tinha chances, sei lá, posso volta a ter, com o próximo livro que lançarei, ainda não sei a data. Por isso, quando sei da Balada Literária, ai que vontade de estar lá!

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O Filho do Hamas

Acabei de ler o livro com a história de Mosab Hassan Yousef. O assunto está todos os dias nos jornais. Me interessa. Já escrevi um conto para uma coletânea de edição nacional, chamada "Entre Guerras". Para minha sorte, houve sorteio de temas e me caiu, justamente, o conflito entre árabes e judeus. Minha amiga Silvana, que mora em Londres, foi tocada por alguns desses levantes que ocorrem quase sempre entre as partes. Foi a manifestações, reuniões, tudo em Londres, e ficou do lado dos palestinos. Não vejo muito assim. Todos sabem que quando todos têm razão, acontece uma tragédia. O livro de Mosab vem mostrar que pelo menos do lado do Hamas e outros como Arafat, a guerra não pode parar. Sem ela, eles não existem. Não recebem dinheiro, armas, nada. Não têm interesse em seu povo, mas somente em liquidar Israel. Do lado dos judeus, claro, há muitos erros, também. Mas eles, pressionados pela comunidade mundial, principalmente EUA, já fizeram boas propostas de conciliação, recusadas pelos radicais, pelos motivos citados. Enfim. O livro. Muito redondo. Bate tudinho. Achei isso demais. Será verdade? O pai de Mosab é um islâmico ferrenho, que segue o Alcorão, e por isso prega a palavra de Alá. Mas aí vêm os israelenses, vistos como inimigos. Ele joga pedras. Adolescente, vai preso. O pai, também. Mas não desiste da palavra, ao invés das armas. Dentro da prisão, Mosab conhece os métodos do Hamas. Alguém do serviço secreto de Israel o convida para ser agente duplo. Ele concorda. Primeiro acha que liquidará israelenses dessa maneira. Mas os judeus parecem certos, ele concorda com suas idéias. Começa a frequentar um grupo que estuda a Bíblia. Vira cristão. Agora começam as intifadas, reuniões de cúpula, Prêmio Nobel para Arafat e Peres, creio. Mosab protege o pai que é sheik, mas vai delatando todos os criminosos que planejavam ataques suicidas. Salva muitos israelenses, mata muitos palestinos. Escapa e vai morar nos Estados Unidos. Será mesmo verdade? Acho que vou dar uma espiada no Google e tentar achar o nome do pai e tal.

A morte de um amigo

Li com surpresa, hoje, sobre a morte de Rui Pinto, ontem, após jogar futebol na Assembléia Paraense. Não era exatamente um amigo, mas um companheiro de futebol, essas figuras que encontramos aos sábados, conversamos amistosamente e depois do motivo comum que nos levou ali, nos separamos e seguimos nossas vidas. Português, ia de vez em quando ao Velho Mundo, como dizia. Gostava de conversar com ele sobre a Europa. Engenheiro, tinha uma firma de fundações, creio. Foi figura de uma de minhas crônicas, exatamente aquela que mostrava como nossas mentes ainda raciocinam como se tivéssemos 15 anos, durante um jogo de futebol. A bola veio, ele decidiu dar uma "bicicleta". Estatelou-se no chão, com dores. O corpo não aceitou a proposta. Artilheiro, pedia a bola o tempo todo. Separou-se e foi para a vida de solteiro. Protagonizou umas duas paradas engraçadas, daquela moça bonita, no Boêmios, que fazia sinal que ele pensava ser "paz e amor". Quando chegou perto, ela disse que era 200 reais. Pode ser piada antiga, nem ter sido com ele, mas contaram assim. Ou então quando foi vítima de "Boa noite Cinderela". Seu apelido, na pelada, passou a ser Ruipinol. Coisas de colegas. Era uma pessoa alegre, comunicativa, inteligente, sobre qualquer assunto. Mas fumava. Bastante. Dei corda, fez uma tentativa, reduzindo o número de cigarros. Não deu. Ao que parece, após jogar no Campeonato de Super Máster, sofreu um infarto fulminante. Estou chocado com a perda do amigo, colega. Mas também fico pensando na rapidez da morte. Esse rompimento da vida, sem avisar. Fica tudo pelo meio, sem despedida, sem preparação. E os compromissos que hoje ia cumprir? Tinha marcado para sair com alguma garota? Interrompido. E claro, tinha apenas 47 anos. Bem mais velho, também reflito sobre isso, apesar de malhar semanalmente e ter no frequencímetro, meu batimento cardíaco. E não fumar mais há uns cinco anos. Mesmo assim. Jogamos nas tardes de sábado, sob um calor terrível. Mal podemos esperar pelo horário e já estamos, feito crianças, a correr e chutar a bola. Há umas duas semanas, tive o que chamam de "fugiu-me o sangue". Ou "tela branca". Tonto, sem forças, pernas bambas, o jeito foi parar e molhar a cabeça. Fiquei mais uns dois dias com dores no corpo, cansado. Agora, tudo bem. Mas querem saber, acho que vou fazer um exame de esforço. Nunca é tarde. Saudades do meu amigo, colega, Rui.

O Super Dal

Adalberto Gomes, desde criança, gostou de ler gibis, principalmente com aventuras de super heróis. A facilidade veio por conta do pai, proprietário de banca de revistas em esquina de grande movimento. O pai envelheceu, o filho assumiu suas funções e freguesia. Entre uma venda e outra, Adalberto ou “Dal”, como era chamado, tinha muito tempo para conversar, seja com aqueles habitués que cercam toda banca, seja com clientes das mais variadas faixas de idade e finanças. Jovens hipnotizados pelas capas de revistas pornográficas, senhores que comentavam as notícias políticas, econômicas e policiais. Dal tinha uma predileção, depois dos gibis de super heróis, por páginas policiais. Ficava revoltado com os casos. Com a lentidão da Justiça. A falta de equipamento da Polícia. Jovem de corpo atlético, além do futebol de fim de semana, também malhava em Academia, variando entre corrida, boxe e jiu jitsu, chegando a conquistar alguns troféus. Havia uma motivação secreta, algo que lentamente foi ganhando corpo em sua mente, mas que tinha receio de externar por acreditar que podia ser mal compreendido. Algo que o convenceu a partir do momento em que alguns dos super heróis dos quais era fã nos gibis, tiveram aventuras transformadas em filmes de grande sucesso mundial. De todos, com seus super poderes, seu preferido foi justamente aquele que usava apenas poderes absolutamente humanos para resolver os casos: Batman. Dal sonhava em ser um super herói em Belém. Sim, uma coisa era o que estava nos gibis e telas e outra a vida real. Nem ele era o milionário Bruce Wayne, nem tinha mordomo. Dinheiro, bem contado, trabalho duro na banca. A vontade de defender a sociedade foi maior. Dal intensificou seus exercícios. Era importante estar absolutamente em forma. Também não podia usar armas. Seria complicado e suspeito tentar porte. Instalaria na banca um radio na frequencia da Polícia, que ouviria em fone de ouvido, para não chamar a atenção de ninguém. Também sabia que a maioria dos delitos realmente importantes acontecia à noite. Havia um auxiliar na banca, para as ocorrências diurnas. Bastaria inventar uma desculpa e sairia, voltando rápido. Mas como deslocar-se rapidamente, na direção dos acontecimentos? Tinha apenas um Palio, com mais de três anos de uso. Não era um batmóvel, mas quebrava um galho. Levou para um amigo ali na Marquês dar um grau. Gastaria mais combustível, mas seria rápido. Precisava pensar em outra possibilidade, um veículo mais ágil, uma motocicleta por exemplo. Suas finanças não permitiam altos vôos. Então comprou, para pagar a perder de vista, uma moto Dafra 6200 CG. Alugou, próximo à banca, uma kitnet e vaga de garagem. Já em plenos preparativos, terminou o namoro com Glaucirene. Foi duro, mas não podia deixar pistas, tampouco permitir que alguém sofresse qualquer consequencia de seus atos. Seu velho pai agora pouco ia à banca. A mãe morreu alguns anos atrás. Estava pronto para entrar em ação. E a roupa? Não, seria muito ridículo inventar essas fantasias de um Homem Aranha, Batman, Capitão America. Muito louco. Pena, porque tinha admiração pelos trajes. No fundo, talvez se imaginasse vestido daquela maneira, sendo recebido por autoridades, como Batman e o Comissário Gordon. Acorda, Dal, isso é Belém e sua tarefa, de grande importância e seriedade.
Madrugada de terça para quarta. Estava de vigília, ouvindo o radio da Polícia. Somente coisas de pouca monta. Não. Marginais assaltaram casal na Doca e estão fugindo na direção do Telégrafo. Num instante estava ao volante do Palio, cruzando ruas em velocidade, obedecendo as instruções que ouvia no radio. Estava quase chegando a uma distância de poder encontrá-los, passou pela Ferreira Pena feito bala e de repente, freios fortes. Uma blitz. Documentos do carro e do motorista. Seu guarda, tenho muita pressa. Aqui não tem pressa. Documentos. Dal aguardou enquanto o guarda analisava seus documentos. Por favor, encoste e saia do carro. O que foi? Ipva atrasado. O carro vai ficar retido. Olha o guincho aqui, por favor! Mas seu guarda. O senhor por favor desce do carro. Dal desceu. Todos ficaram surpresos com suas roupas. Gorro, camisa gola rolê escura, calça de couro colada e botas. É alguma fantasia? Não, senhor. O senhor vai desculpar, mas isso não é roupa de dia a dia. Dal pensou em dar uma ponta para o guarda. Não, não podia fazer isso. Era um heroi, um defensor da sociedade. Não podia começar subornando a autoridade. Então eles ouviram o radio da Polícia. Acho que o senhor vai ficar aqui e prestar esclarecimentos. Porra, mas vai logo esquecer de pagar o Ipva!
Aquela noite o deixou deprimido. Teve prejuízo em retirar o carro do curral, pagar o imposto e ainda se explicar com a Polícia, por conta do radio na frequencia. Felizmente tinha ficha limpa, endereço, local de trabalho e um delegado que naquela madrugada não estava muito interessado em encher o saco de ninguém. Mas a vontade de ajudar a sociedade não passou. Um dia ainda vão todos me agradecer.
Estava na banca, de bóba, chateado, quando veio o Femq, vendedor de filmes piratas se queixar do Birosca, que vivia pela Primeiro de Março traficando pasta de cocaína para pés de chinelo. O Birosca meteu a mão no Femq. Quebrou nariz, maxilar, fez o serviço. Dal achou que estava na hora de parar com as aventuras de Birosca. Seria um bom retorno às aventuras. À noite, fechou a banca, foi pro kitnet, vestiu sua roupa de combate e tirou a moto. No centro da cidade, ruas estreitas, melhor a moto. Estacionou próximo ao buraco da Palmeira. Sorrateiro, jogou-se atrás de um carro, quase por baixo e ficou olhando. O Birosca ali, naquele não faz nada, aguardando os clientes, arengando com as prostitutas. Birosca, vem cá. Eu te conheço? Não interessa. Acabou pra ti. Não quero ver mais a tua cara nessa rua, vendendo crack. Estás me ouvindo? E quem és tu? Puxa, ainda não havia pensado nisso. Como se chamaria? Super Dal? Não interessa o meu nome. Cara, tu sabes com quem estás falando? Birosca pôs à disposição do meio ambiente todo seu repertório de palavrões e insultos. Mas quando levantou a mão, Dal agiu, com um single leg, que aprendeu no wrestling. Surpreso, Birosca foi ao chão, imobilizado. Mermão, só saio daqui morto! Conseguiu um murro em Dal, que reagiu com outro, bem colocado. Perdeu, perdeu, outra voz dizia. Dal olhou. Um cara de moto. Aê Birosca, qual é, pegando porrada de qualquer um? Larga ele, vai, senão leva bala. Revolver em punho. Dal largou. Birosca aproveitou e lhe deu um tapão. Ardeu. Passa a grana. O cara era arrecadador apenas. E tu mermão, dá o fora. O Birosca é nosso, ninguém encosta. Um tiro. Dal sentiu próximo ao joelho. O cara errou por muito pouco. A moto saiu. Birosca ficou rindo. Levou um socão e dormiu. Mancando, Dal pegou a Dafra e foi atrás. O cara estacionou na 28, pouco depois do Importadora. Subiu. Esperou e foi atrás. O porteiro parou. Vou atrás desse cara. Ele me deve uma grana. Qual andar? Primeiro, cento e dois. Valeu. A calça empapada de sangue. Foi pela escada, suportando a dor. Ouviu a porta bater. Bateu discretamente na porta ao lado. Abriu uma senhora. É caso de vida ou morte, me deixe entrar. O senhor é ladrão? Tarado? E esse sangue. Melhor chamar a Polícia. Qualquer um sobe nesse prédio. Não tem condomínio mesmo! Quem mora aí do lado? Não sei, mas é um entra e sai danado. Cada cara de bandido terrível. Já me queixei, mas o senhor sabe, velho quando fala ninguém escuta. Eu posso ir até aquela sacada? Pode. Dava pra ouvir a conversa. Coisa grande. Drogas. Um grande primeiro caso. Tinha a bala na perna, mas afinal, era parte do risco. Era possível passar de uma sacada à outra. Não uma pessoa comum, mas ele, com seu preparo e agilidade. A velha dizia que não ia dar. Não vai dar. Ih, não disse? Não deu. Dal caiu. O pé da perna baleada não aguentou o peso. Acordou no Hospital da Ordem Terceira. À sua frente, o Birosca e o cara da moto. Na porta, um guarda. O que aconteceu? Doido, tu caíste do terceiro andar. Tua sorte foi que tua queda foi amortecida pela barraca do vendedor de cachorro quente. Só quebrou a perna direita. A esquerda, já estava baleada, mesmo. E o que é que vocês estão fazendo aqui? Tu não é o Dal, lá da banca? Não. Eu sou o Super Dal.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Quanto vales, Cultura

Continuam os debates sobre as novas direções da Lei Rouanet. Com isso, as pesquisas. A mais recente, dá conta que 96% das pessoas não frequentam museus. Que 93% nunca foi a uma exposição. Que 78% jamais viu um show de dança. Que 86% não vai ao cinema. e que 90% das cidades brasileiras não contam com teatro. Essa é uma situação que não pode ser combatida a partir das cidades, dos Estados. Creio que precisa vir e Brasília. Imaginem que o sudeste ficou com 70% do dinheiro arrecadado através da Rouanet, apesar de contar com apenas 42% da população. Claro, é uma região melhor dotada financeiramente, onde estão os grandes anunciantes, os atores da Globo e os departamentos de marketing que decidem. O pior é que se trata de dinheiro público. Os recursos são de impostos que deixam de ser pagos, revertendo para a Cultura. Muito difícil. Hoje, quem quiser fazer televisão, por exemplo, que se mude para o Rio de Janeiro e dê um jeito de ser notado. Rio e SP são as cidades geradoras de tudo. As emissoras de televisão geram material próprio, quase todo. Quem se formar em jornalismo, roteirista, sei lá, ator, e quiser ter uma empresa que produza material, não tem para quem vender, a não ser que seduza as grandes, ou alguns canais à cabo. Parece simples, deve ser muito difícil, mas penso que Brasília devia setorizar o Brasil, de tal maneira que aos poucos, em vários anos, fosse criando o mercado de Cultura. Primeiro, investir, não apenas nos artistas, mas também em espaços. Na medida do crescimento, a troca entre setores. Parece utopia. Nosso país tem tantos contrastes. Enfim, é difícil. Em termos de Estado, tenho bem medida a idéia de uma solução, mas isso já é outra coisa.

Laerte de saias

Li a entrevista em que Laerte, o ótimo cartunista da Folha de São Paulo tenta explicar as razões pelas quais, a partir de agora, passará a se vestir com roupas de mulher, além de maquiagem. Acompanhado de sua namorada, Laerte garantiu sua bissexualidade e que não vê nada demais em preferir andar vestido assim. Também já vi fotos feitas em lugares públicos onde ele transita para a aparente normalidade de todos. Não é. Há milhões de explicações e também vou direto para os travestis das esquinas, que sob a desculpa da necessidade de dinheiro para viver, prostituem-se. Uma coisa é ser gay, corpo de homem, mente de mulher, sentir-se mulher, vestir-se assim. Outra é a prostituição. Claro, pode haver casos específicos de prostituição por dinheiro. As mulheres, principalmente, optam por isso por questões financeiras. E olha que tenho histórias ótimas, colhidas ali nos arredores do Cuíra. Mas os travestis, sei lá. Conheço um rapaz, das mais altas aptidões na área universitária, que na estréia da peça "Quando a sorte te solta um cisne na noite", apareceu travestido. Ponto. Mas o Laerte, hein..

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Enfarruscado

Quando chega novembro, dezembro, não interessa se ainda é verão, começo de inverno, vêm dias enfarruscados. Ouvia minha mãe chamar assim os dias cinzentos, gris, nublados. A temperatura às vezes cai um pouco, o suficiente para aliviar. Mas eu lembro mesmo é da minha infância e adolescência. As férias. A lembrança mais antiga é de estar reunido com meus irmãos na ampla sala do apartamento em que vivíamos, na Presidente Vargas, mesmo prédio em que moro, embora em outro andar. Parecia uma sala imensa. Hoje ainda é bem grande. Ficávamos jogados, largados, naquela doce falta do que fazer. E vinha o Edgar Augusto e botava para tocar um vinil dos Beatles. Ouvíamos contritos. Às vezes, na frente do espelho, fazendo mímica, inventando guitarras. Edgar, mais velho, claro, era sempre Paul ou John. Eu podia ser George. Janjo, às vezes, podia ser Ringo. Minha irmã Celina olhava. Ana Carolina talvez fosse muito pequena. E olhava para o céu e estava nublado. Férias de final de ano. Adiante, estou subindo a então São Jerônimo. Ia à casa de meu grande amigo Abílio Cruz, de quem sinto tanta falta. De repente, nem lembro a razão, puxo do bolso a caderneta e confiro as notas. Me dou conta que, apesar de ter média para passar sem fazer prova final, por qualquer regulamento exdrúxulo, precisa fazer a prova, mesmo que tirasse zero, imagino. Uma correria. Minha mãe no Nazaré. Que bobagem. Mas eram dias enfarruscados. Ia à pé ou de bicicleta para a casa de Abílio. O que fazer? Andar de bicicleta, jogar peteca ou jogar futebol? Ou jogar botão? Ou montar aquelas miniaturas Revell de aviões de guerra americanos? Era novembro, dezembro, férias! Nada para fazer. Tudo para fazer. O mundo era nosso. E o tempo era enfarruscado.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A Piscina

Eu tinha 14 anos e entre a infância e adolescência, entrei no cinema e assisti "A Piscina", filme de Jacques Deray com música de Michel Legrand. Saí apaixonado. Já havia revisto por conta de uma amiga que me trouxe de Paris. O problema é que meu francês não chega a ser recomendável e muito perdi dos diálogos. Agora assisto com legendas. Não é grande coisa. Há muitos problemas de roteiro. Juntou o casal 20 do cinema francês, Alain Delon e Romy Schneider, que na época também namoravam, ocupando o noticiário fait divers. Junte a eles Maurice Ronet e Jane Birkin.
Alain é um escritor em crise. Vai passar o verão em uma casa maravilhosa, na Côte D'Azur. Passam o dia na piscina, namorando. Maurice Ronet é um produtor de discos. Grande amigo de Alain, já namorou Romy. Telefona e vai passar uns dias. Chega na companhia de Jane Birkin, filha de um de seus casamentos. Vem a tensão. Maurice corteja Romy, que aceita. Para vingar-se, Alain vai atrás de Jane. Há um crime.
Alain Delon é péssimo ator. Maurice Ronet é muito bom. Jane Birkin muito jovem, estreando, mal. Romy, linda, boa atriz. Saí apaixonado por Romy e Jane. Posso dizer que até hoje, minha admiração pelas mulheres corre pelos dois modelos. Romy, corpo anos 60, bronzeada, seios, quadris, rosto, olhos azuis, deep blue. Jane magrinha, branquinha, seios pequenos, pernas arqueadas, charme puro.
É apenas isso. Um filme que marcou minha vida e que tive prazer em assistir, como, noite dessas, rever alguém especial, de longe, claro, que também conheci com 13, 14 anos e nunca esqueci.

Disparando para todos os lados

Li a entrevista de Walmir Bispo, superintendente da Fundação Curro Velho, publicada no Diário do Pará, creio. Walmir foi uma das boas figuras do governo Ana Júlia. Agradeço a ele a contribuição para algumas realizações feitas em parceria com o Cuíra. Contudo, creio que é o momento do Curro Velho ter seu trabalho realmente planejado. Para que serve? Quando foi criado, parece que a idéia era trabalhar com o público do bairro ao lado, extremamente pobre. Se montaram um Curro Velho em Belém, deveria haver outros em todo o Estado. Ou então deveria ter sido iniciativa municipal. Trabalhar com a comunidade, realizar oficinas para jovens. Ao longo do tempo, embora sempre haja crianças chegando, houve uma estagnação. E veio o Iap, que também realiza oficinas, mais direcionadas a artistas que visam um crescimento profissional. O erro que Jatene cometeu ao fatiar a Cultura, erro seguido pelo PT, foi que os órgãos passaram a disparar para todos os lados, sem acertar o alvo. O Curro, segundo Walmir, teve diversas ações no interior. Para quem? Ligadas ao quê? Assim, são tiros n'água. Ouvi certa vez o diretor do Waldemar Henrique anunciando iniciativas no interior. Mas o "Waldemar" é apenas um teatro.
Cultura hoje é algo sério, profissional, não só cumprindo o que está na Constituição, mas também dando empregos e trazendo impostos. Precisa funcionar como um sistema, uma idéia articulada.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Jatene e a Cultura

O que esperar do governo de Jatene na área cultural? Da primeira vez em que foi eleito, já sofreu uma imposição de seu padrinho, o ex governador Almir Gabriel, que forçou a presença daquela figura na Secretaria de Cultura. Jatene permitiu, mas também tirou grande parte de seu poder, retalhando todo o setor, entregue, como sempre, a pessoas sem perfil nem técnica, que passaram quatro anos atirando para todos os lados, sem acertar o alvo. No governo de Ana Júlia foi pior, porque a Cultura foi entregue a um vereador que se aproveitou do cargo para circular, candidatar-se e eleger-se deputado, enquanto que nos demais cargos, pessoas de partidos diferentes, aquinhoadas com cargos, mas nenhuma verba, nada puderam fazer. E agora?
A Cultura precisa funcionar de maneira profissional. Com uma gestão técnica. O falecido La Penha dizia que era importante ser Secretário e Presidente da Fundaçao Tancredo Neves, porque tinha a importância do cargo e a agilidade do outro. Pode ser. O importante é que o Secretário presida a Secretaria chefiando um sistema que tenha no Iap um auxiliar na formação de técnicos e na Secretaria programas de formação de um mercado regional. Que tenha na Funtelpa um instrumento de divulgação disso, tudo funcionando perfeitamente. Será muito difícil, pelo tamanho do Estado. Coisa para alguns governos, mas se as bases forem sólidas, nem governantes de oposição poderão destruir algo que estiver bem feito.
Ao contrário de tudo o que foi dito na campanha, a situação cultural é péssima. Perdemos público, não temos espaços, programas, a Lei Cultural do Estado não funciona porque os patrocinadores desapareceram. Voltamos para uns 30 anos atrás, enquanto que no resto do mundo a Cultura se tornou algo extremamente rentável, seja para artistas, produtores, público, seja para os governos, na forma de impostos e de prestígio. Fico aguardando os acontecimentos.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O fim do Cinema tesouro e a magia do Teatro viva

Peter Greenaway deu entrevistas esses dias. Esteve no Rio ou SP. É um grande artista. Nem tenho Cultura cinematográfica suficiente para discutir mas assisti algumas de suas obras extasiado. Seus últimos trabalhos foram sobre Rembrandt. Está morando na Holanda. Ficou louco pela técnica do pintor em luz artificial. Imagino o que deve ter feito. Mas Peter está desencantado com o Cinema. Acha que está morto. Acha que webmasters inventaram a arte do cinema participativo, não passivo, onde entramos naquele útero escuro e nos postamos, sentados confortavelmente, para receber aquela carga de informação que vem da tela, daquele ser, daquela boca luminosa. Peter acha que o cinema acabou com a invenção do controle remoto. Talvez esteja falando comigo. Quase não vou ao cinema. Tenho uma boa tela e assisto no conforto de minha casa. Xixi, Coke, biscoitinhos, sabe como é. Disse que não tem twitter pois ou passava o dia atento aos outros e respondendo, ou ia criar. Bem, também não tenho twitter. E Arnaldo Jabor? A Folha não gostou, mas o Estadão fez elogios ao seu "Suprema Felicidade", um "Amarcord" brasileiro. Gosto do Jabor jornalista. Lembro ter assistido "Eu te amo" e ter gostado mais do texto do que do filme. Jabor disse que o cinema tesouro acabou. A ilusão que levava ao êxtase. Agora é o cinema como realidade alternativa. Ou às vezes, como documentário. Leio críticas sobre "Tropa de Elite 2" e acho que as pessoas comentam o filme como se tivessem assistido a um documentário. Como se o Coronel Nascimento existisse e temos de discutir suas ações. É somente um filme. Também penso na espetacularização da violência feita por Hollywood. Há muito que não vamos ao cinema para ouvir o que o filme diz. Ouvir e pensar. É somente aquela torrente de agressões visuais e sonoras, como uma picareta querendo invadir nossa alma. Meu filho me mostrou um jogo em BluRay. Você escolhe quem quer ser. É um sujeito encarregado de matar uma outra em Manhattan. Ih, a Polícia já está atrás. Você sai correndo, atira, mata, toma um carro, segue pelas ruas de Manhattan, logo uma rádio patrulha aciona a sirene, há um mapa da ilha, por onde ir? Deixar o carro, se esconder no Central Park, onde era, mesmo, que estava o cara que iria matar? A veracidade e qualidade do Game me fazem pensar no garoto com pouco preparo intelectual e psicológico, que após passar doze horas seguidas jogando, sai de casa e vai à Academia malhar e de repente, fica pilhado, ligado, máquina de matar pronta para arremedar o Game. Vai à festa não para ver as meninas, mas para estraçalhar outros garotos. Que vai no seu carro e vem um bobo e encosta, bate, sei lá, tranca. É perseguido e estraçalhado. Penso nisso com grande preocupação e estou na porta do Teatro Cuíra, recebendo o público das Gatosas. Muita gente vindo pela primeira vez ao Cuíra. E que só esteve em Teatro para assistir qualquer global que passou por aqui. E ali, naquele lugar simples, mas com o público bem próximo, dá-se a química. Olho seus rostos, olhos atentos, sorriso na face, a mágica acontecendo na sua frente, quase pele com pele. E saem dizendo que gostaram, já perguntaram uma vez se elas são atrizes paraenses, pois parecem de fora, enfim, essas coisas. A mágica do teatro. Semana que vem estreamos "Sem Dizer Adeus" e usamos projeção de imagens. O cinema com o teatro, no caso, o cinema como coadjuvante, como um instrumento a mais para fazer a mágica funcionar. Tomara que gostem.

Estamos começando nossa descida

Acabei de ler este romance, autoria de James Meek e o que me fez comprá-lo foi o fato do autor ter sido repórter de guerra e o tema do livro passar sobre esse cenário. É curioso que após a Segunda Guerra Mundial, exceto o Japão, os americanos terem se metido em guerras que acontecem em países que em tudo diferem de sua Cultura. Coréia, Vietnã, Ásia e África, fazendo com que seus garotos se sintam como o astronauta que desceu na lua. Agora são livros que se passam no Afeganistão, Iraque e Irã. O cara é um repórter do The Citizen, inglês, no Afeganistão, no tempo da guerra contra os talibãs. Realidade inóspita de guerra, perigo, pobreza, deserto de dia, frio à noite, cadáveres aqui e ali. Encontra uma repórter americana. Boy meets girl and. Pois é. O intérprete arranja um lugar para terem uma noite de amor tranquila. Tranquila? Em um abandonado aeroporto russo, de onde podem ver a movimentação do inimigo. Americanos, pra valer, somente em aviões ou nos foguetes que vão direto e explodem os caras. No outro dia, um cara se aproxima da repórter. Fala um pouco de sérvio, esteve na Bulgária. Vamos disparar um tiro naquela árvore ali, só de brincadeira pra ver quem acerta? Mas em vez disso, dispara e acerta um caminhão talibã, ao longe. Duas pessoas saem em chamas e devem ter morrido. Eles foram enganados pelo cara, mas e aí? Por qualquer motivo, talvez trabalho, eles se separam. Ela volta pra casa. Ele também, mas apaixonado. Havia entregue os originais de um livro que foi comprado por uma editora americana, através de um contratado em Paris, que leu e gostou. Haveria um adiantamento de 65 mil libras. O repórter se despede do jornal. Nesse ínterim, dois aviões comerciais são desviados de sua rota e arremessados contra as Torres Gêmeas em NY. Ele vai a uma reunião na casa de amigos. Explodiu aquele acúmulo que os repórteres de guerra vão acumulando silenciosamente em toda a violência que assistem. Brigou com todos. Em casa, um email da repórter dando seu endereço e dizendo que se quisesse ficar com ela, que fosse até lá. Compra uma passagem de primeira classe e atravessa o Atlântico, com a roupa do corpo. Chega e vai direto à Editora. Uma moça vem e lhe diz que a empresa foi vendida há uns três dias e resolveram não lançar mais seu trabalho. Seu livro contava de uma guerra entre Estados Unidos e Europa. "Você está louco em querer publicar algo assim nestes tempos?" Esse foi um momento terrível. Fiquei arrasado por ele. Sabe o que é ter o livro aceito, grandes planos, adiantamento, turnê de lançamento, atravessar o Atlântico de primeira classe e perceber que está duro e desempregado, em NY onde começa a nevar? Ele vai atrás da repórter. Quando enfim a encontra, sabe que foi vítima de um desses vírus que entra na caixa de endereços das pessoas e se espalha. Que situação, hein? Bom livro. Vai adiante, claro.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Eu não me interesso pelo que você faz

Essa é a infeliz conclusão de uma pesquisa revelada hoje pelo Datafolha e Fundação Getúlio Vargas, com 2.400 entrevistas feitas em 82 cidades do Estado de São Paulo. Notem bem, estamos nos referindo ao mais rico Estado do Brasil, com inúmeras ações, nas mais variadas esferas, federal, estadual, municipal, iniciativa privada, inúmeros espaços culturais, incluindo desde galerias até teatros, por exemplo, enfim, o resultado é desolador.
A grosso modo, 40% dos entrevistados não vai ao cinema, enquanto 60% não vai a teatro e 61% não vai a museus, misturando, basicamente, três motivos: não me interesso, não gosto e não me sinto bem fazendo. Antigamente, havia a crença em uma pressão social para que todos fôssemos cultos, bem informados e consumidores de Cultura. Respondiam, eu bem que gostaria, mas está tão caro, ou então, é tão longe de casa, mas hoje, nada disso. Hoje, a resposta é, sou cretino e tenho orgulho disso. Pior, 84% acha que as cidades deveriam ter mais espaços culturais, enquanto que 38% somente consome cultura quando viaja para outra cidade. Há outros números, como 97% ouve música em casa, 87% assiste filmes em DVD em casa, 71% acham que consome Cultura quando vai a shoppings, 68% lê livros (ééééé????) e 66% somente vai a festas. Ficou evidente, também o consumo doméstico, levado principalmente pela compra de filmes piratas.
Trazer os resultados da pesquisa para Belém do Pará nos leva para uma situação absolutamente desesperadora. Andei há semanas atrás pela Santo Antônio, coalhada de vendedores de Dvds piratas. Diria que 98% mistura filmes de sangue, violência, terror e pornô. Se é isso o que as pessoas consomem em casa, estamos feitos. Em termos de música, há uma alegria, no ar, tocando o brega mais pornô possível. Na questão de quem vai ao teatro, nem sei o que dizer. Hoje, felizmente, há muita produção local sendo apresentada, mas um público diminuto. Fiel, mas diminuto. O grande público se perdeu do Teatro. Há muitas razões, mas a falta de Educação e Cultura, espelhada em 16 anos de administrações desastrosas, refletem isso. Imaginem museus. Dois exemplos, o primeiro, o Teatro Cuíra, cem lugares. Estamos lá com As Gatosas. Felizmente os colegas jornalistas publicam reportagens. Mas quem está lendo jornais, hoje em dia? Estamos na televisão, mas as pessoas parecem temer se aproximar do Teatro local. Acham que é menor, ruim, amador. Só vão quando é no Teatro da Paz, com artista global. E nem querem assistir a peça, e sim fotografar o astro. Ou então vêm comentar que viajaram e foram todos os dias ao teatro. Outros logo perguntam se é comédia. "De problemas bastam os meus". E museus? Nosso próximo espetáculo, em novembro, é sobre o amor do Governador Magalhães Barata e Dalila Ohana. Para poder ver as roupas de Barata, junto com figurinistas e cenógrafos, tivemos uma longa negociação e procura, entre vários órgãos, até acharmos, no Museu do Estado, onde fomos muito bem atendidos. Tudo guardado, encaixotado. O museu de Barata, ridicularizado pelas pessoas que não sabem sua história, o significado de seu formato arquitetônico, está fechado há vários anos, sem qualquer previsão de retorno.
E temos Belém, temos o Pará, com zero de Cultura, governos do Estado e do Município que estão, perdoem o palavrão, cagando para a Cultura. Então, sinto-me, muitas vezes, quase sempre, pregando no deserto, mas continuando por acreditar no que faço. Está claro na cara das pessoas, "eu não me interesso pelo que você faz", mas e daí, eu acho importante. Agora me chega um email, enviado há muitos outros, onde a governadora Ana Júlia chama para uma "conversa sobre Cultura". Quá quá quá. Pois eu digo, desculpem, nem fodendo!

O inimigo agora é outro

Fui assistir Elite da Tropa 2, no Pátio Belém, no primeiro horário, 12.00 hs e me dei bem. Nem meia casa e tudo certo. À saída, já havia imensa fila para a sessão seguinte. Gostei muito como do primeiro. Muito bom roteiro. A Montagem, maravilhosa. Diálogos. Preparação de elenco. Fátima Toledo não precisa de atores. Cinema é feito de takes. Ela prepara a pessoa, seja com exercícios físicos ou psicológicos para que, no momento de filmar, esteja na pulsação, respiração, no clima necessário. E o clima, ali, é sempre intenso, olhos rútilos, maxilar travado, carótida saltando. Desta vez, Padilha quis mostrar algo mais recente, no Rio de Janeiro, mas extremamente atual: as milícias. Aconteceu há pouco tempo. Um ex policial, Secretário de Segurança, com uma rede que misturava políticos, governador, pms, detetives, policiais, expulsando traficantes e entrando com sua galera. Matando de maneira escandalosa, para todos verem e ficarem com medo. Todos se protegendo e ganhando dinheiro. Mas aí a casa começou a cair. O Secretário era Alvaro Lins, o Linho, cujo grupo de asseclas era apelidado de Os Inhos, pois se tratavam apenas por diminutivos. Houve dois jornalistas de O Dia que foram barbaramente torturados por se meterem onde não deviam. E um defensor de Direitos Humanos que acaba de se eleger com a segunda maior votação do Estado, de sobrenome Freixo, parecido com Fraga, do filme. Ou seja, para que trocar tiros com traficantes? Melhor é tomar conta de tudo. Sergio Cabral se reelegeu com facilidade. Ele e suas UPAs, nos morros cariocas. Mas a pergunta que fica é: quem está faturando o dinheiro da Gatonet? Ou todos deixaram de assistir tv a cabo pirata? Quem está faturando com o dinheiro da venda de botijões de gás? Por exemplo..
Mas é apenas um filme. Por ter tido tanto sucesso e agora mesmo já comemorar 3 a 5 milhões de espectadores, procuram em Elite da Tropa 2, um sinal para onde se dirigir. E é apenas um filme. Como cobrar de Bruce Willis pelos filmes que fez e faz, liquidando milhares, sem perguntar a razão? Já li em O Globo gente dizendo ser um filme fascista. Lá, Fraga, o defensor dos direitos humanos, mostra em uma palestra, que pela progressão da população brasileira, em comparação com os números crescentes de adolescentes presos, em 50 anos, seremos 570 milhões de brasileiros, e 520 presidiários, ou seja, apenas 50 milhões estariam livres.
Coitado do Coronel Nascimento, pois agora, sua mulher o deixou e namora, exatamente, o tal Fraga, defensor de Direitos Humanos, e enchendo a lata do seu filho. Há embate entre Nascimento e Fraga, a rejeição do filho, a virada de mesa, quando Nascimento é traído pela galera da milícia, o herói contra o sistema e por fim, a reconciliação com a mulher e o filho. E o final, dizendo que o inimigo agora é outro, ou seja, o inimigo é o Estado, o Sistema, o inimigo somos nós todos, com sobrevôo na Praça dos Três Poderes em Brasília. E olha que estamos em eleições. Talvez por isso tenham botado, contra a sua vontade, o nome do Padilha como artista apoiando Dilma. Padilha rejeita. Nem um, nem outro. Enfim, Elite da Tropa 2 é apenas um filme, mas é muito bom.

Se eu fechar os olhos agora

É o título do mais recente romance do jornalista Edney Silvestre, que embora conhecido por apresentar excelente programa de entrevistas voltadas para a Literatura na Globo News, acaba de conquistar um prêmio que o leva ao posto mais alto do setor, em 2010. Houve um momento em que quase fui chamado para o programa. Meus livros foram entregues à produção, pela Boitempo, mas sei lá a razão, não rolou.
Tendo em vista ser fã do programa, me apressei em ler Se eu fechar os olhos agora, que saiu pela Editora Record. São dois garotos que brincando em terreno baldio, encontram o cadáver de uma mulher que foi assassinada. Edney mistura em uma torrente de palavras a vida dos rapazes, a curiosidade que os move em relação ao crime, o encontro com um idoso em um asilo, estranhamente, também, interessado. Pouco a pouco, descortina-se uma grande armação, na pequena cidade, misturando sexo, pedofilia, chantagem e poder. Confesso que no final, quando há uma série de revelações, fiquei um tanto confuso, mas não há como elogiar o trabalho.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sem dizer adeus

SEM DIZER ADEUS
Adaptar um livro não é fácil. É preciso encontrar o conflito, localizar dramaticamente os pontos certos. Dar dinâmica, encantar o público e acima de tudo, contar uma história e com ela, fazer a roda do mundo girar, seja o mundo, seja sua aldeia. A história de Dalila Ohana e a morte de Magalhães Barata conquista de início o público feminina que se deixa envolver pelas atitudes tomadas contra ela, que deseja apenas ficar ao lado de seu amor. E vice versa. Aos homens, a imagem de um líder que se fazia respeitar e era temido e aos poucos, alguém sem poder algum, de quem todos se aproveitam por diversos motivos.
Zê Charone e Cláudio Barradas formam o casal Dalila e Barata, eles que vêm de um feliz encontro em “Abraço”. A primeira em seu melhor momento, talento, experiência e beleza a serviço do teatro. O segundo, nosso maior ator, a própria história do teatro paraense. Zê apaixonou-se por Dalila. Cláudio, a reverência pura a alguém que conheceu quando foi redator em O Liberal.
Um estratagema interessante foi encontrado para a participação de outros personagens importantes do livro. Atores como Henrique da Paz, Olinda Charone, Saulo Sisnando, Flávio, André Mardock, Roni Hofstatter e Flávio Ramos surgem em imagens projetadas no cenário, contracenando com Zê e Barradas. Isso também acarretou um esforço extra para obter o sincronismo ideal para as cenas. Há também filmes mostrando Magalhães Barata em ação, seu enterro e até mesmo um áudio onde garante que sua doença é algo simples, que logo passará, feitos por Milton Mendonça e Líbero Luxardo, cedidos gentilmente pelo Museu da Imagem e do Som em edição e montagem de André Mardock. E música, em vários momentos, composta e arranjada por Edyr Augusto Proença, com execução de Luiz Pardal.
É como um sonho de Dalila, vista na primeira cena, sentada em um banco, abraçada ao livro, pensando. Uma adaptação livre que visa contar uma boa história, fazer justiça a uma mulher que amava seu homem e deixar ensinamentos.

Cuíra por Memórias

CUÍRA POR MEMÓRIAS
O Grupo Cuíra, prestes a comemorar 30 anos de atividades nas Artes Cênicas, passou a ocupar um casarão, na esquina das travessas Primeiro de Março com Riachuelo, no centro da cidade, desde 2006. O local tornou-se o Teatro Cuíra. Desde o primeiro dia, a força de sua localização e de sua história, fez-se sentir, de tal forma que o primeiro espetáculo gerado a partir daquele lugar se chamou “Laquê”, contando a trajetória da zona do meretrício que funcionou ali e ainda funciona, de maneira incipiente. Metade do elenco foi formado por moradores e profissionais do entorno. Depois, veio “PRC5 A Voz que Fala e Canta para a Planície”, sobre os 80 anos da Rádio Clube do Pará e a história desta Belém até o início dos anos 60, começou a ser contada. Chegou ao grupo o livro “Eu e as últimas setenta e duas horas de Magalhães Barata”, conquistando a todos, vindo a decisão de adaptá-lo sob o título “Sem Dizer Adeus”, com Zê Charone e Cláudio Barradas. História, história, história, de uma Belém que hoje não mais se reconhece. Um chão onde pisamos sem saber onde, como se cada geração inventasse um mundo novo, uma cidade nova. E não é assim.
Por isso, “Cuíra por Memórias”, um projeto longo, aprovado pela Lei Rouanet, patrocinado pela Petrobrás, que contará, até 2012, mais um pouco da nossa história. “Sem dizer adeus”, é parte disso tudo

Eu e as últimas setenta e duas horas de Magalhães Barata

EU E AS ÚLTIMAS 72 HORAS DE MAGALHÃES BARATA

Joaquim de Magalhães Barata, um dos politicos mais importantes da história do Pará, morreu como Governador em 29 de maio de 1959, vítima de leucemia. Um ano depois, sua companheira Dalila Nogueira Ohana lançou um livro chocante, relatando os últimos momentos do governador e, principalmente, um conjunto de ações conspiratórias, misturando ciúme, traição, ambição e maldade, que acabou por afastá-la do lado de seu amado, que morreu chamando seu nome.
Magalhães Barata foi casado oficialmente com Georgina de Oliveira Barata, tendo como filhas Jacyra Barata Araújo e Jandira barata Moura, além de Iberê e Ierecê, de outros relacionamentos. Separado desde 1930, iniciou relacionamento com Dalila Ohana em 1938, com quem viajou para servir no Paraná, Pernambuco e Paraíba. Voltou e elegeu-se Governador. Para evitar comentários em uma sociedade tão conservadora, ao invés de morar na residência official, alugou uma casa na Travessa Dr. Moraes, onde passou a viver com Dalila, que também evitou comparecer ao seu lado em qualquer cerimônia pública.
Quando Barata adoeceu, aos poucos passou a despachar em casa e por ultimo, não mais levantou da cama. Dalila teve a idéia de mandar chamar a ex-esposa, que morava no Rio de Janeiro, bem como as filhas, para uma despedida. Elas acabaram por exigir que saísse de sua residência, para que pudessem entrar. Desesperada, apelou para o Arcebispo Dom Alberto Ramos, que também exigiu sua saída, pela moral e bons costumes da Igreja. Vieram o Governador em exercício Moura Carvalho, o Senador Lameira Bittencourt e os Deputados Federais Armando Correa e Océlio Medeiros e exigiram sua saída por conta de pressões que seu Partido sofria.
Dalila saiu de sua casa de madrugada, às escondidas, atravessando para a casa de um irmão, que morava em frente, de onde acompanhou os acontecimentos, seja pelo rádio, seja por amigos que lhe relatavam o que ocorria. A ex-mulher e as filhas ficaram hospedadas em sua casa, ao invés de hotel ou a residência oficial. Quando pôde retornar, a casa havia sido como que saqueada, o que foi atestado pelo Dr. Aurélio do Carmo, que a acompanhou.
Dalila Ohana, pouco tempo depois, partiu para o Rio de Janeiro, onde morreu em 28 de março de 2001 em Niterói, onde morava em uma pousada. Durante esse tempo, voltou apenas duas vezes a Belém, muito rapidamente. Lançou em 1960, pela Livraria Freitas Bastos, Rio de Janeiro, “Eu e as últimas setenta e duas horas de Magalhães Barata”.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Bom Círio para todos

Acho que nunca perdi um Círio. Desde que nasci, morei no Edifício Renascença, na Presidente Vargas, na passagem da Santa. Acostumei, aos segundos domingos do mês de outubro, acordar com aquela barulheira, um frenesi no ar, foguetes nos estivadores e ao passar do quarto ao banheiro, já encontrar visitas animadas, falando alto. Meus pais contentes, recebendo amigos. Lembro de acompanhar a procissão com ele, duas vezes, talvez tenha sido mais. Em uma, fomos na contramão do fluxo até próximo à Santo Antônio. Ela passou e depois, seguimos atrás, até a sede do Clube do Remo, onde tomei um refrigerante, meu pai papeou com amigos e voltamos. Na maioria das vezes, meu pai estave em casa. É difícil, ainda hoje, dissociar o Círio de sua presença. Já na semana que antecedia o domingo, ele se mostrava entusiasmado com o movimento nas ruas. Ligava para desejar Bom Círio. Ficava preocupado se havia bebida, salgadinhos. Bebida, somente após a passagem da Dona da festa. Havia sempre um repórter da Rádio Clube para narrar os acontecimentos. Estava lá desde cedo, compenetrado, participando de flashes. E na hora de descrever a passagem, chorava. Amigos, parentes, artistas, todo mundo ia por lá. E nem bem a Nazica passava, alguém puxava o violão e todos começavam a cantar. Uma tia de minha mãe, bem idosa, aguardava um tempo, assim, teatral, e tocava, toscamente, um violão, para todos aplaudirem. Todo ano ela fazia isso. Acho que aguardava a data ansiosamente. Palmas para ela. As pessoas iam saindo e vinha o almoço. O Círio era meu pai, que compôs "Belém está tão bonita, é o Círio que chegou. Vejo caras, vejo gente, gente que nem sei quem é".. Lucinha Bastos gravou, creio.
Nunca acompanhei na corda. Acho que nunca fiz uma promessa, não lembro. Respeito quem faz, mas penso diferente. Penso que conseguir graças, alcançar objetivos, é coisa de pessoa boa, correta. Isso sim, é difícil. Isso é o certo. Enfim, penso assim.
Hoje estou de volta ao Renascença, em outro andar. Uma irmã é vizinha de minha mãe. Vão amigos, parentes, artistas. Menos. Meu pai era a grande figura. Há como que uma ausência que enche a casa inteira. Amigos vão em meu apartamento também no sábado, para a Trasladação. Mas no momento em que Nossa Senhora de Nazaré passa em frente ao prédio, estou ao lado de minha mãe, dos meus filhos, meus irmãos. É incrível como a cada palmo de asfalto que a berlinda vence, tanta energia seja dirigida para aquela imagem. O sol, a temperatura, as flores, as cores, formam como que um halo em que Nazaré está no centro. Ali, a mãe de Jesus, todas as Nossas Senhoras, recebendo e devolvendo tanta energia. Batem palmas, papéis picados caem dos prédios, cena bem teatral, super emocionante. Nunca perdi um Círio.
Aproveito para desejar a todos ótimos momentos com Nossa Senhora de Nazaré em seu passeio anual. É muito mais do que uma manifestação religiosa, algo que não consigo explicar. Tenho apenas a certeza que é bom, muito bom. Boníssimo. Saudades do meu pai querido.