Adalberto Gomes, desde criança, gostou de ler gibis, principalmente com aventuras de super heróis. A facilidade veio por conta do pai, proprietário de banca de revistas em esquina de grande movimento. O pai envelheceu, o filho assumiu suas funções e freguesia. Entre uma venda e outra, Adalberto ou “Dal”, como era chamado, tinha muito tempo para conversar, seja com aqueles habitués que cercam toda banca, seja com clientes das mais variadas faixas de idade e finanças. Jovens hipnotizados pelas capas de revistas pornográficas, senhores que comentavam as notícias políticas, econômicas e policiais. Dal tinha uma predileção, depois dos gibis de super heróis, por páginas policiais. Ficava revoltado com os casos. Com a lentidão da Justiça. A falta de equipamento da Polícia. Jovem de corpo atlético, além do futebol de fim de semana, também malhava em Academia, variando entre corrida, boxe e jiu jitsu, chegando a conquistar alguns troféus. Havia uma motivação secreta, algo que lentamente foi ganhando corpo em sua mente, mas que tinha receio de externar por acreditar que podia ser mal compreendido. Algo que o convenceu a partir do momento em que alguns dos super heróis dos quais era fã nos gibis, tiveram aventuras transformadas em filmes de grande sucesso mundial. De todos, com seus super poderes, seu preferido foi justamente aquele que usava apenas poderes absolutamente humanos para resolver os casos: Batman. Dal sonhava em ser um super herói em Belém. Sim, uma coisa era o que estava nos gibis e telas e outra a vida real. Nem ele era o milionário Bruce Wayne, nem tinha mordomo. Dinheiro, bem contado, trabalho duro na banca. A vontade de defender a sociedade foi maior. Dal intensificou seus exercícios. Era importante estar absolutamente em forma. Também não podia usar armas. Seria complicado e suspeito tentar porte. Instalaria na banca um radio na frequencia da Polícia, que ouviria em fone de ouvido, para não chamar a atenção de ninguém. Também sabia que a maioria dos delitos realmente importantes acontecia à noite. Havia um auxiliar na banca, para as ocorrências diurnas. Bastaria inventar uma desculpa e sairia, voltando rápido. Mas como deslocar-se rapidamente, na direção dos acontecimentos? Tinha apenas um Palio, com mais de três anos de uso. Não era um batmóvel, mas quebrava um galho. Levou para um amigo ali na Marquês dar um grau. Gastaria mais combustível, mas seria rápido. Precisava pensar em outra possibilidade, um veículo mais ágil, uma motocicleta por exemplo. Suas finanças não permitiam altos vôos. Então comprou, para pagar a perder de vista, uma moto Dafra 6200 CG. Alugou, próximo à banca, uma kitnet e vaga de garagem. Já em plenos preparativos, terminou o namoro com Glaucirene. Foi duro, mas não podia deixar pistas, tampouco permitir que alguém sofresse qualquer consequencia de seus atos. Seu velho pai agora pouco ia à banca. A mãe morreu alguns anos atrás. Estava pronto para entrar em ação. E a roupa? Não, seria muito ridículo inventar essas fantasias de um Homem Aranha, Batman, Capitão America. Muito louco. Pena, porque tinha admiração pelos trajes. No fundo, talvez se imaginasse vestido daquela maneira, sendo recebido por autoridades, como Batman e o Comissário Gordon. Acorda, Dal, isso é Belém e sua tarefa, de grande importância e seriedade.
Madrugada de terça para quarta. Estava de vigília, ouvindo o radio da Polícia. Somente coisas de pouca monta. Não. Marginais assaltaram casal na Doca e estão fugindo na direção do Telégrafo. Num instante estava ao volante do Palio, cruzando ruas em velocidade, obedecendo as instruções que ouvia no radio. Estava quase chegando a uma distância de poder encontrá-los, passou pela Ferreira Pena feito bala e de repente, freios fortes. Uma blitz. Documentos do carro e do motorista. Seu guarda, tenho muita pressa. Aqui não tem pressa. Documentos. Dal aguardou enquanto o guarda analisava seus documentos. Por favor, encoste e saia do carro. O que foi? Ipva atrasado. O carro vai ficar retido. Olha o guincho aqui, por favor! Mas seu guarda. O senhor por favor desce do carro. Dal desceu. Todos ficaram surpresos com suas roupas. Gorro, camisa gola rolê escura, calça de couro colada e botas. É alguma fantasia? Não, senhor. O senhor vai desculpar, mas isso não é roupa de dia a dia. Dal pensou em dar uma ponta para o guarda. Não, não podia fazer isso. Era um heroi, um defensor da sociedade. Não podia começar subornando a autoridade. Então eles ouviram o radio da Polícia. Acho que o senhor vai ficar aqui e prestar esclarecimentos. Porra, mas vai logo esquecer de pagar o Ipva!
Aquela noite o deixou deprimido. Teve prejuízo em retirar o carro do curral, pagar o imposto e ainda se explicar com a Polícia, por conta do radio na frequencia. Felizmente tinha ficha limpa, endereço, local de trabalho e um delegado que naquela madrugada não estava muito interessado em encher o saco de ninguém. Mas a vontade de ajudar a sociedade não passou. Um dia ainda vão todos me agradecer.
Estava na banca, de bóba, chateado, quando veio o Femq, vendedor de filmes piratas se queixar do Birosca, que vivia pela Primeiro de Março traficando pasta de cocaína para pés de chinelo. O Birosca meteu a mão no Femq. Quebrou nariz, maxilar, fez o serviço. Dal achou que estava na hora de parar com as aventuras de Birosca. Seria um bom retorno às aventuras. À noite, fechou a banca, foi pro kitnet, vestiu sua roupa de combate e tirou a moto. No centro da cidade, ruas estreitas, melhor a moto. Estacionou próximo ao buraco da Palmeira. Sorrateiro, jogou-se atrás de um carro, quase por baixo e ficou olhando. O Birosca ali, naquele não faz nada, aguardando os clientes, arengando com as prostitutas. Birosca, vem cá. Eu te conheço? Não interessa. Acabou pra ti. Não quero ver mais a tua cara nessa rua, vendendo crack. Estás me ouvindo? E quem és tu? Puxa, ainda não havia pensado nisso. Como se chamaria? Super Dal? Não interessa o meu nome. Cara, tu sabes com quem estás falando? Birosca pôs à disposição do meio ambiente todo seu repertório de palavrões e insultos. Mas quando levantou a mão, Dal agiu, com um single leg, que aprendeu no wrestling. Surpreso, Birosca foi ao chão, imobilizado. Mermão, só saio daqui morto! Conseguiu um murro em Dal, que reagiu com outro, bem colocado. Perdeu, perdeu, outra voz dizia. Dal olhou. Um cara de moto. Aê Birosca, qual é, pegando porrada de qualquer um? Larga ele, vai, senão leva bala. Revolver em punho. Dal largou. Birosca aproveitou e lhe deu um tapão. Ardeu. Passa a grana. O cara era arrecadador apenas. E tu mermão, dá o fora. O Birosca é nosso, ninguém encosta. Um tiro. Dal sentiu próximo ao joelho. O cara errou por muito pouco. A moto saiu. Birosca ficou rindo. Levou um socão e dormiu. Mancando, Dal pegou a Dafra e foi atrás. O cara estacionou na 28, pouco depois do Importadora. Subiu. Esperou e foi atrás. O porteiro parou. Vou atrás desse cara. Ele me deve uma grana. Qual andar? Primeiro, cento e dois. Valeu. A calça empapada de sangue. Foi pela escada, suportando a dor. Ouviu a porta bater. Bateu discretamente na porta ao lado. Abriu uma senhora. É caso de vida ou morte, me deixe entrar. O senhor é ladrão? Tarado? E esse sangue. Melhor chamar a Polícia. Qualquer um sobe nesse prédio. Não tem condomínio mesmo! Quem mora aí do lado? Não sei, mas é um entra e sai danado. Cada cara de bandido terrível. Já me queixei, mas o senhor sabe, velho quando fala ninguém escuta. Eu posso ir até aquela sacada? Pode. Dava pra ouvir a conversa. Coisa grande. Drogas. Um grande primeiro caso. Tinha a bala na perna, mas afinal, era parte do risco. Era possível passar de uma sacada à outra. Não uma pessoa comum, mas ele, com seu preparo e agilidade. A velha dizia que não ia dar. Não vai dar. Ih, não disse? Não deu. Dal caiu. O pé da perna baleada não aguentou o peso. Acordou no Hospital da Ordem Terceira. À sua frente, o Birosca e o cara da moto. Na porta, um guarda. O que aconteceu? Doido, tu caíste do terceiro andar. Tua sorte foi que tua queda foi amortecida pela barraca do vendedor de cachorro quente. Só quebrou a perna direita. A esquerda, já estava baleada, mesmo. E o que é que vocês estão fazendo aqui? Tu não é o Dal, lá da banca? Não. Eu sou o Super Dal.
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