sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O TECNOBREGA É O SOM DO PARÁ

Trabalho desde a adolescência com música e rádio. Escrevi durante quinze anos uma coluna em A Província do Pará. Aprendi, duramente, que lugar para ouvir música de sua preferencia é em casa. Em uma rádio, prestamos um serviço. Tocamos o que as pessoas querem ouvir, conforme for o perfil de audiência desejado. Comecei em AM, fundei uma em OT e duas em FM. Acompanhei o boom do rock nacional e depois do que se chamou de brega, em uma mistura bem feita de bolero e jovem guarda que coroou como reis a dupla Sullivan e Massadas. Então veio a Axé Music, que admiro como processo musical maravilhoso, comercial e cultural, que invadiu o Brasil. Não gosto das músicas, muito menos das letras, mas admiro o processo. Então vieram os sertanejos e ocuparam a cena. É reflexo de muitos fatores, principalmente a falta de Cultura e Educação. A linguagem apodreceu, as letras são onomatopaicas e a melodia, pior ainda. Paciência. E a música popular brasileira de Chico, Caetano e Milton, por exemplo? Eles envelheceram e nessa linha, os dois últimos grandes discos pertencem a Marcelo D2 e seus “À procura da batida perfeita”, o de estúdio e o Unplugged da MTV. Uma perfeita mistura de música pop, rap e samba. Infelizmente, depois, ele voltou ao rap e ao comum.

E então pensei na música ouvida em Belém. Quando comecei em AM, via e ouvia Haroldo Caraciollo mandando tocar lambada, com nomes criados por ele mesmo, por não entender os títulos em francês dos merengues vindos de Caiena e Caribe. Havia também os bolerões de Edna Fagundes, com letras desesperadas de amor. Depois o que se chamou de brega, com esses boleros adotando acompanhamento de instrumentos da Jovem Guarda, como guitarras e órgão. As letras continuaram desesperadas, mas as melodias e a batida, conquistaram a nova geração. Começamos a ter duas culturas musicais. A desse brega, ouvido e dançado nas festas de aparelhagem e compositores como Paulo André e Rui Barata, Vital Lima, Nilson Chaves, Pedrinho Cavalero e outros, muitos outros, cantando em bares frequentados pela classe média e tendo sucesso. Mais uma vez, o tempo passou, para os dois lados da questão. A turma que fazia um som mais cabeça, continuou na mesma toada. Também seus novos representantes, repetindo um som que envelheceu. Pelo menos é o que verifico, com exceções, nos festivais de música que acontecem. Agora, no outro lado, uma revolução. Sem mercado, os jovens do brega criaram um mercado informal, com cds piratas. Pesquisando programas de computador, descobriram novo som, com parentesco do brega antigo, letras e músicas tão ruins quanto, mas um novo som. Passe nas barracas de camelôs. Tocam o tecnobrega. Observe as demais pessoas que caminham. Vão cantarolando as músicas. Disco não tem mais serventia. Importante é o show. A nova geração do outro lado, que devia prestar atenção a esse fenômeno, continuou ignorando, fazendo beicinho, e perdeu a parada. Há exceções, claro. Não ouvi, mas penso que Felix Robatto, pela aparência, trabalha a guitarrada na direção do rock, mais pesada. Se não, prefiro os mestres. E os outros? Porque não pegam a batida, os sons e replicam com letras e músicas melhores? Porque não há bandas de heavy metal trabalhando o carimbó com batida mais lenta e pesada? Há cantoras novas flertando, apenas, mas não dedicadas. Nem compositores. É uma onda fantástica e com futuro garantido. Até Arnaldo Antunes já fez o seu. O tempo passa e eles perderam o bonde.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

FELIZ!

Quando estou feliz, toco Beatles para festejar. Específicamente, um disco que na época, com gravações juntadas criminosamente no Brasil, se chamou “Beatles 65”. Eu tinha onze anos de idade e era agosto. Chegamos das férias escolares em Mosqueiro e no nosso quarto, sobre a cama do Edgar Augusto, estava o vinil. Por algum motive, aquele conjunto de músicas firmou a sensação de felicidade. Também ouço nos primeiros dias cinzentos de dezembro, como uma antecipação do natal. Ouço e lembro dos dias felizes em que, nas férias grandes, ficávamos jogados no salão do apartamento do Renascença, sem nada para fazer, ouvindo música.
Estou feliz porque meu livro novo, “Pssica”, é finalista na categoria “Romance”, ao prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, uma das premiações mais importantes do Brasil. Feliz porque afinal, consegui repercussão nacional do meu trabalho. Sobretudo feliz, porque nada fiz pensando em prêmios, quem sabe um pouquinho em repercussão. Afinal, ninguém escreve e publica para não ser lido. Escrevo para ser feliz. Escrevo porque gosto de criar histórias, personagens. Durante o tempo em que escrevo, sou o mais feliz de todos. Me enamoro pelo trabalho. Escrevo em um horário e após, fico pensando no que virá depois. Encontrei uma Editora que me compreende, gosta de mim e apostou durante vários anos. Encontrei na França outra Editora que pensa o mesmo. E agora se prepara para lançar, ano que vem, “Pssica”, por lá. E então serao quatro livros traduzidos! E mais os dois primeiros no format de livro de bolso.
Estar entre os quatro finalistas é uma honra. Gente de peso. Eu e Alberto Maluf, bem jovem, que me encontrou na Balada Literária e me deu seu livro, somos os azarões. Podemos ganhar, meramente por fazer parte dos finalistas. Mary Del Priore e o grande Raimundo Carrero é que disputam. Mas sair do Pará, onde há mais de vinte anos não há qualquer política cultural de incentive à Literatura e chegar onde cheguei, é motivo de alegria. De felicidade. E depois, é Belém no noticiário. Belém, minha casa, meu chão, com todos os seus problemas e personagens maravilhosos. Agora ouço Beatles, cantarolo, faço segunda voz nas canções, conheço a sequencia. Estou feliz. “I’m so happy when you dance with me”!


sexta-feira, 20 de novembro de 2015

VIZINHOS DESCONHECIDOS

É incrível como somos vizinhos de Caiena e nada sabemos de lá. E os guianenses até pouco tempo, também em nada se interessavam por nós. Viviam com o rosto espichado para além mar, França, completamente deslocados. Isso está acabando. O interesse pelo Brasil é manifesto de várias turmas em colégios estudando o nosso idioma, além de uma ponte, que infelizmente, até agora, apesar de vários anos passados e o lado aduaneiro deles estar pronto, nada do nosso país preparar o seu. Sabe-se que a ponte é utilizada pelas forças armadas, para trocar criminosos ou deportados.

Vim até Caiena participar do Salão do Livro, a convite de PromoLivres, juntamente com outros brasileiros, franceses e escritores da Martinica. O vôo da Azul, que iniciou em agosto, eles dizem, é maravilhoso como início de maior diálogo, mas há muitos brasileiros trabalhando aqui. Claro, há, também, muitos clandestinos, trabalhando em garimpos, casas de show, prostituição ou serviçais, ao lado dos legais, que têm seu trabalho, casaram com guianenses ou estão de passagem. Os negros chegam a 80% da população de uns 350 mil habitantes. Como nada produz, a maioria é do funcionalismo público. Bom salario, bônus por filhos, passagem anual para a França e ao que parece, paz social, são atrativos. Apesar de me dizerem haver alguns problemas raciais entre negros, brancos e chineses, nada pude perceber. Pelo contrário, claro, pelos lugares que percorri. O ar é salino, mas as praias não são aproveitadas pelo turismo. Não há taxis, tampouco ônibus de linha. Todos parecem ter carros. Quase ninguém pelas ruas e fora do centro, não há calçadas. O cenário, a vegetação, é como a nossa no Pará. Carros magníficos, casas com imensos quintais, prédios de no máximo seis andares, a maioria com apenas três. Elodie, dona da livraria, leva a mim, Jean Paul Delfino e Luiz Ruffato para uma volta pelo centro. Casas antigas, como as que encontramos nas ruas de New Orleans. Não, não há grafites. A praça central é um pouco maior que a pracinha de Salinas ou de Mosqueiro. Quando passamos pelo bairro mais pobre, dos chineses e pelo que chamam de Chicago, vemos um carro da gendarmerie. Fomos falar em um Liceu para estudantes de português, a maioria com 16 anos. Filhos de brasileiros, martiniquenses, franceses, guianenses e haitianos. Alguns sentem-se franceses, outros, guianenses. Um brasileiro disse que se jogassem Brasil x França, torceria por nós. Tem McDonalds e a comida, em geral, não é gostosa. Há escolas por toda parte e a integração me pareceu muito boa. A consulesa brasileira não é bem vista pelos brasileiros. Sua antecessora era muito benquista. O Amapá mandou escritores e até uma peça de teatro infantil. Ficamos em um hotel muito bom e formamos um grupo amistoso. Conversei com Bernard Lamar, que foi goleiro do PSG de Platini e campeão de vários torneios internacionais. Ele preside uma base avançada para desenvolver o esporte. Caiena já enviou diversos atletas nas mais variadas categorias para a seleção francesa. Luci é uma delas, campeã mundial e medalha de ouro no judô. Conversei com ela sem saber de sua carreira. Quando vi a reverência com que era tratada, me informei. Ao final de um dos nossos debates, recebemos a notícia dos ataques em Paris. Ficaram todos bem abatidos. Meu agradecimento às duas heroínas organizadoras do Salão do Livro, Tchisseka e Monique Dorcy. A verdade é que nós e eles precisamos nos visitar mais.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O HOMEM QUE AMAVA OS CACHORROS

Acabei de ler o monumental romance “O homem que amava os cachorros”, de Leonardo Padura, lançado pela Boitempo. Autor premiadíssimo da língua espanhola, um ano mais novo que eu, tornamo-nos amigos por viajar e participar juntos de eventos literários. Padura teve outros livros lançados, anteriormente, no Brasil, onde seu detetive Conde ficou famoso, mas aqui o caso é diferente. Trata-se do assassinato de Trotsky e a mistura de fatos e ficção de acontecimentos importantíssimos para a história mundial. Monumental porque além do extremo talento literário, Padura chega a ser obsessivo pelos detalhes com todos os personagens. Um dos líderes da revolução socialista que acabou com os czares, Trotsky, desatento, deixou que aquele desprezado georgiano chamado Josef Stalin subisse ao poder e a partir daí, usando a mentira e o medo, matasse milhões de pessoas. O livro tem três eixos. Trotsky, já exilado e ameaçado constantemente por Stalin. Ramon Mercader, seu assassino e Ivan, um cubano que tentou ser escritor, levou uma vida desagradável, mas encontrou uma pessoa que lhe contou a história. Tanto Trotsky quanto Mercader, adoravam cachorros. O russo, vivendo de escrever artigos, livros, planejando uma impossível volta à pátria mãe e com isso, arrastando ao desespero e à morte seus filhos. Seu percurso, primeiro a Turquia que desistiu de seu abrigo, depois a Noruega, de onde também foi expulso, até chegar ao México. Durante todo esse tempo, sua existência serviu para Stalin justificar milhares de assassinatos.
Ramon Mercader era filho de um burguês catalão. Sua mãe revolta-se e leva os filhos, tomando parte na Guerra da Espanha, vencida por Franco. Depois, passa a agente soviética. Ramon é recrutado. Preparado. A missão era matar Trotsky. Assume identidades. Tem como paixão uma catalã ainda mais decidida que ele. Agora, tem de esquece-la. Torna-se amante, como missão, de uma americana trotskista magra e feia. Ele, belo, como somente um catalão pode ser.
A vida de Ivan era chata. Na praia, encontra um homem misterioso que leva os cachorros para passear. Fazem amizade. Um dia ele começa a contar a história de um espanhol que matou Trotsky. Ivan percebe que o homem está falando é de si próprio.

Trotsky é recebido no México por Diego Rivera e Frida Kahlo, que os hospedam em uma casa que vira um bunker. O russo tem um caso com a pintora. Depois, envergonhado, muda-se. Ramon está no México, com sua americana. Fazem visitas. Conversam. Ele, com outra identidade. Enfim, chega o momento. Não vou contar, claro, mas as páginas seguintes, com o destino dos personagens, serve para um balanço de seus enganos, de seus medos, das mentiras que lhes fizeram cometer atrocidades que marcaram a história. Quando matou Trotsky, Ramon já sabia que estava no lado errado. Ficou calado. Foi condecorado, vinte anos de prisão, depois. Terminou seus dias em Cuba, sozinho e abandonado. Stalin matou milhões. Krushev ainda deixou o clima de medo sobreviver. Depois o muro caiu. Putin reina como czar e o que eles fizeram de suas vidas? Sua juventude, energia, sua crença férrea, seu medo. Perderam filhos, amigos, amores, pais e mães. Padura conseguiu um livro que é uma reflexão maravilhosa sobre os homens e suas paixões, fé, sonhos de poder e coragem. Maravilhoso.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

BETTY BLUE

Cada vez assisto menos a filmes novos. Raramente fico satisfeito. O jeito é rever aqueles que me emocionaram, que nunca mais assisti, por diversos motivos. Na Fox, dei de cara com 37o.Le Matin, que no Brasil virou “Betty Blue”, não sei bem a razão do “blue” aí. Lançado em 1986, fez sucesso estrondoso, inclusive com sua belíssima trilha sonora, composta por Gabriel Yared se tornando best seller nas lojas de discos. A película também concorreu ao Bafta e ao Oscar. Não lembro bem se ganhou algum prêmio. O roteiro é do diretor Jean-Jacques Beineix, a partir do livro de um escritor francês que eu adoro, chamado Philippe Djan, que já teve outros trabalhos lançados no Brasil. Quando estava na França e me perguntaram quais meus autores locais favoritos, dei sorte ao lembrar de Djan. Seu estilo me influenciou muito. São sempre pessoas comuns, atingidas por golpes do destino. Aqui é Zorg, que escreveu um livro que ninguém quis editar. Sem expectativas na vida, mora à beira da praia fazendo pequenos consertos em casas de veraneio. Uma noite, faz sexo com uma moça em um bar local. Ela aparece no dia seguinte em sua casa. Foi despedida. Beatrice Dale no auge da beleza, vinte e poucos anos, uma bomba erótica e linda. Apaixonada, lê o manuscrito de Zorg e o considera um gênio. Ele é conformado. Ela, instigante. Parece ter gênio difícil. Largou o emprego. Estão em Paris, na casa de uma amiga. Ela datilografa o manuscrito. Envia para uma lista de editores. A espera a angustia. As respostas são dolorosas e negativas. As explosões de gênio são frequentes. Zorg descobre um remédio em sua bolsa. Ela não explica. Não toma regularmente. E fazem amor loucamente em todos os lugares. Agora estão em uma pequena cidade, próxima à Espanha. Cenários lindos, figurinos e muitos nus. Tomam conta de uma loja que vende pianos, o que enseja uma belíssima cena onde tocam a música tema, de Yared. Ela acha que está grávida. Festejam. Não, o médico faz um exame e dá negativo. Isso provoca um ataque ainda mais forte. É esquizofrênica. À mistura entre a cidade linda, os campos e a música. À beleza agressiva de Beatrice, que se mostra em todos os ângulos e a de Jean-Hughes Anglade, vem juntar-se a tragédia, a tristeza brutal de um amor tão lindo, um quadro de verão que se espatifa. Para culminar, finalmente, um editor liga e já oferece um contrato para Zorg, que animado, começa a escrever novamente. Mesmo passado tanto tempo, melhor não cometer nenhum spoiler. O melhor de tudo é que se trata de uma “versão do diretor”, ou seja, com várias cenas que foram retiradas da versão inicialmente comercializada. São 185 minutos de um filme inesquecível.

Voltando ao telefonema do editor a Zorg, não posso deixar de dizer que senti como minha a alegria que ele demonstra ao finalmente ter a certeza de ter sua obra editada. Eu também já tinha mais de cinco livros lançados às minhas expensas, através de mil acordos com este e aquele, enrolado por um editor local por longos meses, quando chegou o email da Boitempo Editorial confirmando o lançamento do meu primeiro romance, “Os Éguas”. E outra alegria semelhante, quando saíram na Inglaterra e França. Agora, recebo a notícia da Asphalte Editions, que vai lançar “Pssica”, também. Já serão quatro livros franceses! Um dia conto a vocês a piada sobre o escritor que vai para o céu e lá tem o direito de ir para o inferno e o paraíso. Qualquer dia desses.