E
então pensei na música ouvida em Belém. Quando comecei em AM, via e ouvia
Haroldo Caraciollo mandando tocar lambada, com nomes criados por ele mesmo, por
não entender os títulos em francês dos merengues vindos de Caiena e Caribe.
Havia também os bolerões de Edna Fagundes, com letras desesperadas de amor.
Depois o que se chamou de brega, com esses boleros adotando acompanhamento de
instrumentos da Jovem Guarda, como guitarras e órgão. As letras continuaram
desesperadas, mas as melodias e a batida, conquistaram a nova geração.
Começamos a ter duas culturas musicais. A desse brega, ouvido e dançado nas
festas de aparelhagem e compositores como Paulo André e Rui Barata, Vital Lima,
Nilson Chaves, Pedrinho Cavalero e outros, muitos outros, cantando em bares frequentados
pela classe média e tendo sucesso. Mais uma vez, o tempo passou, para os dois
lados da questão. A turma que fazia um som mais cabeça, continuou na mesma
toada. Também seus novos representantes, repetindo um som que envelheceu. Pelo
menos é o que verifico, com exceções, nos festivais de música que acontecem.
Agora, no outro lado, uma revolução. Sem mercado, os jovens do brega criaram um
mercado informal, com cds piratas. Pesquisando programas de computador,
descobriram novo som, com parentesco do brega antigo, letras e músicas tão
ruins quanto, mas um novo som. Passe nas barracas de camelôs. Tocam o
tecnobrega. Observe as demais pessoas que caminham. Vão cantarolando as
músicas. Disco não tem mais serventia. Importante é o show. A nova geração do
outro lado, que devia prestar atenção a esse fenômeno, continuou ignorando,
fazendo beicinho, e perdeu a parada. Há exceções, claro. Não ouvi, mas penso
que Felix Robatto, pela aparência, trabalha a guitarrada na direção do rock,
mais pesada. Se não, prefiro os mestres. E os outros? Porque não pegam a
batida, os sons e replicam com letras e músicas melhores? Porque não há bandas
de heavy metal trabalhando o carimbó com batida mais lenta e pesada? Há
cantoras novas flertando, apenas, mas não dedicadas. Nem compositores. É uma
onda fantástica e com futuro garantido. Até Arnaldo Antunes já fez o seu. O
tempo passa e eles perderam o bonde.
sexta-feira, 27 de novembro de 2015
O TECNOBREGA É O SOM DO PARÁ
Trabalho
desde a adolescência com música e rádio. Escrevi durante quinze anos uma coluna
em A Província do Pará. Aprendi, duramente, que lugar para ouvir música de sua
preferencia é em casa. Em uma rádio, prestamos um serviço. Tocamos o que as
pessoas querem ouvir, conforme for o perfil de audiência desejado. Comecei em
AM, fundei uma em OT e duas em FM. Acompanhei o boom do rock nacional e depois
do que se chamou de brega, em uma mistura bem feita de bolero e jovem guarda
que coroou como reis a dupla Sullivan e Massadas. Então veio a Axé Music, que
admiro como processo musical maravilhoso, comercial e cultural, que invadiu o
Brasil. Não gosto das músicas, muito menos das letras, mas admiro o processo.
Então vieram os sertanejos e ocuparam a cena. É reflexo de muitos fatores,
principalmente a falta de Cultura e Educação. A linguagem apodreceu, as letras
são onomatopaicas e a melodia, pior ainda. Paciência. E a música popular
brasileira de Chico, Caetano e Milton, por exemplo? Eles envelheceram e nessa
linha, os dois últimos grandes discos pertencem a Marcelo D2 e seus “À procura
da batida perfeita”, o de estúdio e o Unplugged da MTV. Uma perfeita mistura de
música pop, rap e samba. Infelizmente, depois, ele voltou ao rap e ao comum.
terça-feira, 24 de novembro de 2015
FELIZ!
Quando estou feliz, toco Beatles
para festejar. Específicamente, um disco que na época, com gravações juntadas
criminosamente no Brasil, se chamou “Beatles 65”. Eu tinha onze anos de idade e
era agosto. Chegamos das férias escolares em Mosqueiro e no nosso quarto, sobre
a cama do Edgar Augusto, estava o vinil. Por algum motive, aquele conjunto de
músicas firmou a sensação de felicidade. Também ouço nos primeiros dias
cinzentos de dezembro, como uma antecipação do natal. Ouço e lembro dos dias
felizes em que, nas férias grandes, ficávamos jogados no salão do apartamento
do Renascença, sem nada para fazer, ouvindo música.
Estou feliz porque meu livro
novo, “Pssica”, é finalista na categoria “Romance”, ao prêmio da Associação
Paulista de Críticos de Arte, uma das premiações mais importantes do Brasil.
Feliz porque afinal, consegui repercussão nacional do meu trabalho. Sobretudo
feliz, porque nada fiz pensando em prêmios, quem sabe um pouquinho em
repercussão. Afinal, ninguém escreve e publica para não ser lido. Escrevo para
ser feliz. Escrevo porque gosto de criar histórias, personagens. Durante o
tempo em que escrevo, sou o mais feliz de todos. Me enamoro pelo trabalho.
Escrevo em um horário e após, fico pensando no que virá depois. Encontrei uma
Editora que me compreende, gosta de mim e apostou durante vários anos.
Encontrei na França outra Editora que pensa o mesmo. E agora se prepara para lançar,
ano que vem, “Pssica”, por lá. E então serao quatro livros traduzidos! E mais
os dois primeiros no format de livro de bolso.
Estar entre os quatro finalistas
é uma honra. Gente de peso. Eu e Alberto Maluf, bem jovem, que me encontrou na
Balada Literária e me deu seu livro, somos os azarões. Podemos ganhar,
meramente por fazer parte dos finalistas. Mary Del Priore e o grande Raimundo
Carrero é que disputam. Mas sair do Pará, onde há mais de vinte anos não há
qualquer política cultural de incentive à Literatura e chegar onde cheguei, é motivo
de alegria. De felicidade. E depois, é Belém no noticiário. Belém, minha casa,
meu chão, com todos os seus problemas e personagens maravilhosos. Agora ouço
Beatles, cantarolo, faço segunda voz nas canções, conheço a sequencia. Estou
feliz. “I’m so happy when you dance with me”!
sexta-feira, 20 de novembro de 2015
VIZINHOS DESCONHECIDOS
É
incrível como somos vizinhos de Caiena e nada sabemos de lá. E os guianenses
até pouco tempo, também em nada se interessavam por nós. Viviam com o rosto
espichado para além mar, França, completamente deslocados. Isso está acabando.
O interesse pelo Brasil é manifesto de várias turmas em colégios estudando o
nosso idioma, além de uma ponte, que infelizmente, até agora, apesar de vários
anos passados e o lado aduaneiro deles estar pronto, nada do nosso país
preparar o seu. Sabe-se que a ponte é utilizada pelas forças armadas, para
trocar criminosos ou deportados.
Vim
até Caiena participar do Salão do Livro, a convite de PromoLivres, juntamente
com outros brasileiros, franceses e escritores da Martinica. O vôo da Azul, que
iniciou em agosto, eles dizem, é maravilhoso como início de maior diálogo, mas
há muitos brasileiros trabalhando aqui. Claro, há, também, muitos clandestinos,
trabalhando em garimpos, casas de show, prostituição ou serviçais, ao lado dos
legais, que têm seu trabalho, casaram com guianenses ou estão de passagem. Os
negros chegam a 80% da população de uns 350 mil habitantes. Como nada produz, a
maioria é do funcionalismo público. Bom salario, bônus por filhos, passagem
anual para a França e ao que parece, paz social, são atrativos. Apesar de me
dizerem haver alguns problemas raciais entre negros, brancos e chineses, nada
pude perceber. Pelo contrário, claro, pelos lugares que percorri. O ar é
salino, mas as praias não são aproveitadas pelo turismo. Não há taxis, tampouco
ônibus de linha. Todos parecem ter carros. Quase ninguém pelas ruas e fora do
centro, não há calçadas. O cenário, a vegetação, é como a nossa no Pará. Carros
magníficos, casas com imensos quintais, prédios de no máximo seis andares, a
maioria com apenas três. Elodie, dona da livraria, leva a mim, Jean Paul
Delfino e Luiz Ruffato para uma volta pelo centro. Casas antigas, como as que
encontramos nas ruas de New Orleans. Não, não há grafites. A praça central é um
pouco maior que a pracinha de Salinas ou de Mosqueiro. Quando passamos pelo
bairro mais pobre, dos chineses e pelo que chamam de Chicago, vemos um carro da
gendarmerie. Fomos falar em um Liceu para estudantes de português, a maioria
com 16 anos. Filhos de brasileiros, martiniquenses, franceses, guianenses e
haitianos. Alguns sentem-se franceses, outros, guianenses. Um brasileiro disse
que se jogassem Brasil x França, torceria por nós. Tem McDonalds e a comida, em
geral, não é gostosa. Há escolas por toda parte e a integração me pareceu muito
boa. A consulesa brasileira não é bem vista pelos brasileiros. Sua antecessora
era muito benquista. O Amapá mandou escritores e até uma peça de teatro
infantil. Ficamos em um hotel muito bom e formamos um grupo amistoso. Conversei
com Bernard Lamar, que foi goleiro do PSG de Platini e campeão de vários
torneios internacionais. Ele preside uma base avançada para desenvolver o
esporte. Caiena já enviou diversos atletas nas mais variadas categorias para a
seleção francesa. Luci é uma delas, campeã mundial e medalha de ouro no judô.
Conversei com ela sem saber de sua carreira. Quando vi a reverência com que era
tratada, me informei. Ao final de um dos nossos debates, recebemos a notícia
dos ataques em Paris. Ficaram todos bem abatidos. Meu agradecimento às duas heroínas
organizadoras do Salão do Livro, Tchisseka e Monique Dorcy. A verdade é que nós
e eles precisamos nos visitar mais.
sexta-feira, 13 de novembro de 2015
O HOMEM QUE AMAVA OS CACHORROS
Acabei
de ler o monumental romance “O homem que amava os cachorros”, de Leonardo
Padura, lançado pela Boitempo. Autor premiadíssimo da língua espanhola, um ano
mais novo que eu, tornamo-nos amigos por viajar e participar juntos de eventos
literários. Padura teve outros livros lançados, anteriormente, no Brasil, onde
seu detetive Conde ficou famoso, mas aqui o caso é diferente. Trata-se do
assassinato de Trotsky e a mistura de fatos e ficção de acontecimentos
importantíssimos para a história mundial. Monumental porque além do extremo
talento literário, Padura chega a ser obsessivo pelos detalhes com todos os
personagens. Um dos líderes da revolução socialista que acabou com os czares,
Trotsky, desatento, deixou que aquele desprezado georgiano chamado Josef Stalin
subisse ao poder e a partir daí, usando a mentira e o medo, matasse milhões de
pessoas. O livro tem três eixos. Trotsky, já exilado e ameaçado constantemente
por Stalin. Ramon Mercader, seu assassino e Ivan, um cubano que tentou ser
escritor, levou uma vida desagradável, mas encontrou uma pessoa que lhe contou
a história. Tanto Trotsky quanto Mercader, adoravam cachorros. O russo, vivendo
de escrever artigos, livros, planejando uma impossível volta à pátria mãe e com
isso, arrastando ao desespero e à morte seus filhos. Seu percurso, primeiro a
Turquia que desistiu de seu abrigo, depois a Noruega, de onde também foi
expulso, até chegar ao México. Durante todo esse tempo, sua existência serviu
para Stalin justificar milhares de assassinatos.
Ramon
Mercader era filho de um burguês catalão. Sua mãe revolta-se e leva os filhos,
tomando parte na Guerra da Espanha, vencida por Franco. Depois, passa a agente
soviética. Ramon é recrutado. Preparado. A missão era matar Trotsky. Assume
identidades. Tem como paixão uma catalã ainda mais decidida que ele. Agora, tem
de esquece-la. Torna-se amante, como missão, de uma americana trotskista magra
e feia. Ele, belo, como somente um catalão pode ser.
A
vida de Ivan era chata. Na praia, encontra um homem misterioso que leva os
cachorros para passear. Fazem amizade. Um dia ele começa a contar a história de
um espanhol que matou Trotsky. Ivan percebe que o homem está falando é de si
próprio.
Trotsky
é recebido no México por Diego Rivera e Frida Kahlo, que os hospedam em uma
casa que vira um bunker. O russo tem um caso com a pintora. Depois,
envergonhado, muda-se. Ramon está no México, com sua americana. Fazem visitas.
Conversam. Ele, com outra identidade. Enfim, chega o momento. Não vou contar,
claro, mas as páginas seguintes, com o destino dos personagens, serve para um
balanço de seus enganos, de seus medos, das mentiras que lhes fizeram cometer
atrocidades que marcaram a história. Quando matou Trotsky, Ramon já sabia que
estava no lado errado. Ficou calado. Foi condecorado, vinte anos de prisão,
depois. Terminou seus dias em Cuba, sozinho e abandonado. Stalin matou milhões.
Krushev ainda deixou o clima de medo sobreviver. Depois o muro caiu. Putin
reina como czar e o que eles fizeram de suas vidas? Sua juventude, energia, sua
crença férrea, seu medo. Perderam filhos, amigos, amores, pais e mães. Padura
conseguiu um livro que é uma reflexão maravilhosa sobre os homens e suas
paixões, fé, sonhos de poder e coragem. Maravilhoso.
sexta-feira, 6 de novembro de 2015
BETTY BLUE
Cada
vez assisto menos a filmes novos. Raramente fico satisfeito. O jeito é rever
aqueles que me emocionaram, que nunca mais assisti, por diversos motivos. Na
Fox, dei de cara com 37o.Le Matin, que no Brasil virou “Betty Blue”,
não sei bem a razão do “blue” aí. Lançado em 1986, fez sucesso estrondoso,
inclusive com sua belíssima trilha sonora, composta por Gabriel Yared se
tornando best seller nas lojas de discos. A película também concorreu ao Bafta
e ao Oscar. Não lembro bem se ganhou algum prêmio. O roteiro é do diretor
Jean-Jacques Beineix, a partir do livro de um escritor francês que eu adoro,
chamado Philippe Djan, que já teve outros trabalhos lançados no Brasil. Quando
estava na França e me perguntaram quais meus autores locais favoritos, dei
sorte ao lembrar de Djan. Seu estilo me influenciou muito. São sempre pessoas
comuns, atingidas por golpes do destino. Aqui é Zorg, que escreveu um livro que
ninguém quis editar. Sem expectativas na vida, mora à beira da praia fazendo
pequenos consertos em casas de veraneio. Uma noite, faz sexo com uma moça em um
bar local. Ela aparece no dia seguinte em sua casa. Foi despedida. Beatrice
Dale no auge da beleza, vinte e poucos anos, uma bomba erótica e linda.
Apaixonada, lê o manuscrito de Zorg e o considera um gênio. Ele é conformado.
Ela, instigante. Parece ter gênio difícil. Largou o emprego. Estão em Paris, na
casa de uma amiga. Ela datilografa o manuscrito. Envia para uma lista de
editores. A espera a angustia. As respostas são dolorosas e negativas. As
explosões de gênio são frequentes. Zorg descobre um remédio em sua bolsa. Ela
não explica. Não toma regularmente. E fazem amor loucamente em todos os
lugares. Agora estão em uma pequena cidade, próxima à Espanha. Cenários lindos,
figurinos e muitos nus. Tomam conta de uma loja que vende pianos, o que enseja
uma belíssima cena onde tocam a música tema, de Yared. Ela acha que está
grávida. Festejam. Não, o médico faz um exame e dá negativo. Isso provoca um
ataque ainda mais forte. É esquizofrênica. À mistura entre a cidade linda, os
campos e a música. À beleza agressiva de Beatrice, que se mostra em todos os
ângulos e a de Jean-Hughes Anglade, vem juntar-se a tragédia, a tristeza brutal
de um amor tão lindo, um quadro de verão que se espatifa. Para culminar,
finalmente, um editor liga e já oferece um contrato para Zorg, que animado,
começa a escrever novamente. Mesmo passado tanto tempo, melhor não cometer
nenhum spoiler. O melhor de tudo é que se trata de uma “versão do diretor”, ou
seja, com várias cenas que foram retiradas da versão inicialmente
comercializada. São 185 minutos de um filme inesquecível.
Voltando
ao telefonema do editor a Zorg, não posso deixar de dizer que senti como minha
a alegria que ele demonstra ao finalmente ter a certeza de ter sua obra
editada. Eu também já tinha mais de cinco livros lançados às minhas expensas,
através de mil acordos com este e aquele, enrolado por um editor local por
longos meses, quando chegou o email da Boitempo Editorial confirmando o
lançamento do meu primeiro romance, “Os Éguas”. E outra alegria semelhante,
quando saíram na Inglaterra e França. Agora, recebo a notícia da Asphalte
Editions, que vai lançar “Pssica”, também. Já serão quatro livros franceses! Um
dia conto a vocês a piada sobre o escritor que vai para o céu e lá tem o
direito de ir para o inferno e o paraíso. Qualquer dia desses.
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