sexta-feira, 29 de junho de 2018

SEREI UM POETA?

Quando criança, lembro de uma noite especial em minha casa. Vieram pessoas importantes. De repente, minha tia Adalcinda subiu em uma cadeira e declamou um de seus poemas. Minha mãe tinha alguma coisa guardada e fui ler. Ainda não tinha capacidade de entender. Quando veio a Tropicália e os baianos, tudo parecia encaixar. Antes, lembro da dificuldade em traduzir letras dos Beatles, em sua fase psicodélica. Não parecia fazer sentido. Essa turma criava imagens, paisagens, era preciso reunir isso para compor um quadro e entender. Rosenildo Franco me mostrou Fernando Pessoa. E então, vieram os poetas marginais. Já tinha fome de informação àquela época. Eles fizeram um grupo, Nuvem Cigana e começaram a vender livros a partir de mimeógrafos, porque as editoras não achavam aquilo ser poesia. E, no entanto, era tudo o que eu já queria dizer, mas também não sabia como. Ia ao Rio de Janeiro e voltava cheio das publicações mimeografadas de gente como Chacal, Bernardo Vilhena, Cacaso, Paulo Leminski, Alice Ruiz e vários outros. Havia um livro tese de uma escritora, de sobrenome Buarque de Holanda, acho, explicando aquilo tudo. Virou uma Bíblia. E quanto a mim? Escrevia algumas coisas. Curtas. Procurava sempre um drible interessante ao final. Depois, passei a colecionar palavras. Reunia umas cinco e a partir delas, criava. Eram poesias? Seriam pequenas cenas a partir da minha experiência com Teatro? Ou eram bobagens, mera reunião de palavras? Não respeitava métrica nem qualquer outra questão comum à poesia, seguindo a linha dos marginais. Criei coragem e mostrei aos amigos. Era digno ou ridículo? Gostaram. Lancei “Navio dos Cabeludos”, com capa de Rosenildo Franco. O grande João de Jesus Paes Loureiro, com sua generosidade de sempre, escreveu um prefácio destacando o momento em que a poesia se aproximava das letras das músicas pop. Decidi lançar uma fita cassete com áudio poemas. Nada de declamação. Para cada poesia, uma voz, um fundo musical, uma interpretação. Aproximação com teatro? Talvez. Chamei de “Mr. Bentley”, com uma capa genial de Luiz Braga e design de meu irmão Janjo, que passou a criar todas as capas que vieram em seguida. Um crítico da revista Manchete, Roberto Mugiatti registrou o lançamento e achou interessante. Então veio “O Rei do Congo”, reunindo as poesias que estavam na fita e outras, novas. Nenhum interesse maior, se me entendem. Escrevia para mim. Publicava para mim e pronto. Veio outra fita, “Óleo, porque faz a língua passear no céu da boca. E então veio “Surfando na Multidão”, com Janjo criando família de letras e fotos de Luiz Braga. E depois, “Incêndio nos Cabelos” onde, acredito, cheguei ao melhor do que me propunha. Iniciei carreira como romancista e somente alguns anos mais tarde, fiz uma antologia, “O Tempo do Cabelo Crescer” e o “Ávida Vida”. Nunca pertenci a nenhum grupo local de poetas. Tenho amizade com muitos, mas percebo que escrevem de maneira totalmente diferente e festejada. Isso me deixa cheio de dúvidas. É poesia o que escrevo? Agora aproveito o facebook e publico. Muita gente gosta. Mas é poesia? Paulo Nunes me convidou para conversar com alunos de Letras. O que direi? Direi que acredito que os poetas deviam ser tão populares quanto os artistas pop. Refletir seu tempo. Falar sua linguagem. Talvez até como alguns raps de Marcelo D2. Mas, realmente, não consigo me colocar.

sexta-feira, 22 de junho de 2018

NOSSOS ÍDOLOS ENVELHECERAM

Li no jornal Estado de São Paulo, matéria referente ao estágio das vozes de algumas das maiores figuras da música popular brasileira. Todos eles com idades acima dos 70 anos. A maioria surgida ali nos anos 60, aproveitando ao máximo todos os acontecimentos que revolucionaram os costumes e também os excessos das experimentações com drogas. Ney Matogrosso está com 76, Roberto e Erasmo com 77, Gil, Caetano e Milton com 75, Chico com 73, Gal com 72 e Bethânia com 71. Eles e mais alguns outros, poucos, fizeram nossa geração cantar, aprender e compreender. Ainda estão na luta, embora já não tenham público renovado, devido à debacle da qualidade musical hoje vigente, na base do “atirei o pau no gato”, nível de compreensão atual dos nossos jovens. Confesso sentir um certo constrangimento ao ouvir os astros da minha juventude. Não eram apenas letras e músicas, mas a maneira de cantar. Ney e sua voz aguda, Roberto perfeito em técnica, Erasmo feito roqueiro, Caetano e Milton maravilhosos, Chico discreto, Gal e Bethania sensacionais. De todos eles, meu incômodo é maior com Gilberto Gil. Cantor espetacular, improvisador, ele tinha orgulho de seu potencial vocal. Problemas na garganta, operações e ele agora é um artista que sofre para atingir as notas mais fáceis. Alguns me repreendem dizendo que eu não podia esperar mais de um artista com mais de 70 anos. Está bem. Mas é que ele me acostumou mal. Ao ouvi-lo cantar os clássicos, sinto saudade, vontade até de pedir para que ele ou não cante mais ou vá para os tons mais baixos, seguros, sei lá. Mas como pedir a um artista vitorioso, ídolo, orgulhoso de sua produção, que pare? Perguntado sobre sua voz, Caetano, com humor, disse que por isso, agora, deixava os filhos cantarem por ele. Caetano mantém boa performance, grande técnica, o que não ocorre com Milton Nascimento, que vem superando alguns problemas físicos. Aquela voz poderosa, potente em graves e agudos, agora perdeu o tônus, o brilho. E suas músicas exigem, exatamente, tudo aquilo que o fez encantar plateias do mundo todo. Roberto Carlos e Chico Buarque, que nunca foram de arroubos, estão bem. Fazem aulas, claro. Roberto, bem técnico e Chico procurando se aplicar. E quanto a Gal e Bethânia? A primeira, em seu último show, com músicas bem roqueiras, aguentou a potencia toda, mas, sinceramente, ao interpretar músicas de seu emblemático “Fa-tal”, não alcançou, o que é lógico, a intensidade daquele tempo. Mas é extremamente técnica enquanto Maria Bethânia é toda emoção e cuidados com os agudos. Envolve o público na emoção e nem precisa, digamos, exibir alcance de notas altas.
O artigo do Estadão ainda cita Elton John, Paul McCartney e Rod Stewart, o primeiro sentindo efeitos da velhice. Paul, corajoso, mantém as músicas nos tons originais, confia no aquecimento das cordas vocais e faz seu show inteiro. Um craque! Rod Stewart sempre teve a voz rascante e com a velhice, escapou do rock para paragens mais amenas, gravando álbuns de sucesso com canções clássicas americanas que venderam muito bem. Em tudo isso que já foi dito, também preciso dizer que fora Chico Buarque, em alguns momentos, Gal e Bethânia, estas, na escolha de repertório, a fonte secou para nossos heróis, que há muito já perderam o entusiasmo e a força de composição. E poxa, eles fizeram muito. Demais. Transformaram nossas vidas. Mas prefiro ouvir os discos de antes do que os que ainda estão gravando. Compro, ouço, por paixão, mas prefiro os de antes, tão lindos e inesquecíveis.







sexta-feira, 15 de junho de 2018

A NOVA COPA

Será que nos animaremos para a Copa do Mundo? Creio que sim. Aguardaremos a primeira vitória e as ruas vibrarão. Com nossa alma de cachorro vira lata, como dizia Nelson Rodrigues, ergueremos os punhos gritando, diante do mundo “dobrem-se ao talento brasileiro!”. Ao menos no futebol. Não me lembro da primeira Copa em 1958. Tinha apenas quatro anos, mas havia um elepê contendo a narração de todos os gols da seleção. O irmão mais velho tocava sem parar. Um problemão. A transmissão chegava com má qualidade. Assim, meu pai trancou-se em seu gabinete, no apartamento, colocou fones de ouvido e passou a dublar a narração. Uma façanha. Quanto a nós, ficamos proibidos sequer de falar, quanto mais correr e gritar em brincadeiras, para não atrapalhar seu trabalho. Imaginem as ameaças que recebemos. Enfim, certamente, a de maior envolvimento emocional foi a de 1982. Eram meus ídolos em ação, o Flamengo campeão do mundo, dando show de bola, até aparecer Paulo Rossi. Pessoas choraram pelas ruas. Baixo astral. Foi como tomar pirulito de criança. O futebol começou a mudar. As contratações. Nossos craques, como Falcão, Zico, Sócrates, Júnior, Oscar, sei lá quem mais, foram encantar os europeus. E chegamos hoje, em que os clubes europeus são verdadeiras seleções com os melhores jogadores do mundo. O esporte globalizou. Isso me fez pensar. Tenho uma idéia. Quero dividir com vocês. Deixem todas as opiniões de lado, por um instante. Quando as Copas começaram, há muito tempo atrás, as equipes viajavam de navio. As comunicações também eram difíceis. Então, os encontros eram surpreendentes. Escolas diferentes de futebol. Lembro que em 1958, todos aguardavam a seleção russa, que praticaria o futebol científico. Bem, Mané Garrincha acabou com tudo. Mas havia a Italia e seu ferrolho. Os ingleses e o jogo aéreo. Os húngaros geniais. E os brasileiros, que jogavam sambando. Até tinha sentido cantar o hino nacional antes dos jogos, como se fossem dois exércitos para a guerra. Hoje, tudo mudou. Para a maioria de jogadores consagrados e ricos, a Copa é um torneio de verão, já que deviam estar de férias após estafante temporada, mas que paga bons prêmios, renova contratos de publicidade, enfim. O resto é propaganda. Experimentem passar uma semana fora do Brasil. Provavelmente não lerão ou assistirão nenhuma notícia daqui. Imaginem um jogador de futebol, distante de casa, treino e jogo, conquistas, riqueza, um, dois, quatro anos. Perdem a ligação, nem lembram da torcida brasileira. Chegam aos treinos de helicóptero. Joga-se da mesma maneira, globalizada, hoje, no mundo inteiro. Minha idéia, preparem-se: cada seleção é escolhida entre melhores jogadores em ação em cada país. Nada de nacionalidade. A seleção será de jogadores vistos a cada jogo, em cada país. Sim, dirão que Espanha e Inglaterra, por exemplo, serão favoritas. Pode ser, mas a seleção brasileira, acho, jogará da maneira que jogamos aqui. Com os ídolos locais. Perdemos referencia. Somente quem  assiste a jogos internacionais por canais fechados, acompanha os craques brasileiros. A seleção nem faz amistosos por aqui. É mais barato reunir os jogadores na Inglaterra, por exemplo. Estranho? Ficamos mais fracos e não seremos mais o destaque? Pode ser. Mas será o espelho do futebol em cada país. Penso também que torceremos mais fervorosamente por craques aos quais assistimos durante a semana, em nossos campeonatos. Minha idéia. O que acham?

sexta-feira, 8 de junho de 2018

REUNIÃO DE FAMÍLIA

Não sei se isso continua a acontecer. Nos dias de hoje, todos parecem preferir a solidão, andando pelas ruas com seus fones de ouvido, como se não quisessem ser perturbados por nada. Mas eu me lembro, antigamente, mês de julho, Mosqueiro, ou Moscow. O pai chegava depois das seis, no Presidente Vargas, sexta feira. Desembarcava do ônibus que ia parando nas praias, para que os pais de família passassem o final de semana com os seus. A vida começava a melhorar. O pai, que antes trabalhava de manhã, de tarde e de noite, para alimentar cinco bocas famintas, agora tinha os finais de semana. Os filhos adolesceram e ele, também. Tivera um conjunto musical quando solteiro. A mãe era a cantora. Quando casaram, guardou o violão e foi à luta. Ela chefiou aquela gang de cinco, usando sua imaginação delirante. Deu no que deu. Dos cinco, quatro são jornalistas e três, radialistas também. Sim, aquele final de semana. Trazia jornais, claro, revistas e alguns mimos para os filhos. E mais tarde, banho tomado, jantado, ia até o pátio levando o violão. Sentávamos em volta. E tocava. Primeiro as músicas que gostava, para matar a saudade da semana difícil. E depois, apontava para cada um, que também tinha de cantar. Deixávamos de lado músicas autorais e fazíamos sua vontade. Músicas antigas, as quais sabíamos as letras. Caetano, Paulinho da Viola, bossa nova. Ele acompanhava. Fazíamos côro. Quer algo melhor que um pai, cercado dos filhos e da mãe, cantando juntos. Bem, não posso garantir, principalmente por meu lado, qualquer qualidade no canto, mas isso não era esperado. Bom era estar juntos. Mais tarde, saía com a mãe para encontrar amigos de seresta. Imagino que em outras casas, isso também acontecia. Talvez não fosse o pai, mas alguém levava o violão. Cantavam Chico, Caetano. Cantavam Jovem Guarda. Era tão bom!

Foi disso que lembrei quando ouvi o disco gravado por Caetano Veloso e seus filhos, em show que vem percorrendo o país e até já esteve aqui. Não, não estive no Hangar. Não ia machucar meus ouvidos com o som horrível dos shows que lá acontecem. Assisti a algumas gravações em programas de tv e instagram. Imagino que a idéia tenha vindo em alguns dos saraus que Paula Lavigne promove no apartamento onde moram. Penso no peso que deve ser ter um pai como Caetano Veloso. Em outra esfera, claro, eu e meus irmãos nunca sentimos isso, mas sei lá, talvez todos esperem a mesma genialidade, apesar disso quase nunca acontecer. Caetano, Moreno, Zeca e Tom. O repertório foi ajustado para que todos tivessem alguma música de sua autoria para cantar. E todos dividem vários instrumentos. Quem assistiu ao show, deve ter visto. A abertura é com “Alegria, Alegria”, com Tom participando. Depois vem “O seu amor”, uma das mais belas músicas de Gilberto Gil, feita para os Doces Bárbaros, com solo de Moreno. E lá vem “Boas Vindas”, samba de prato, seguida por “Todo Homem”, que virou single e tema de minissérie, autoria e solo de Tom. Sim, é curioso que tenha escolhido o falsete para se expressar. A frase “todo homem precisa de uma mãe” emocionou a todos. Há algumas das últimas safras de Caetano, que não gosto. Quando começa a ficar chato vem “Oração ao Tempo”. Canções feitas para Dona Canô ou para Paulinha. Músicas como “Reconvexo”, que fez para Bethania e “Força Estranha”, que Gal gravou. É um show que está correndo o Brasil, mas é como se estivessem no apartamento, família, todos em volta. Claro, quando o pai canta, é maravilhoso. Me lembrei dos julhos de Mosqueiro, de meu pai e de um tempo inesquecível.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

UMA HISTÓRIA DE AMOR

É impressionante como nos mais inóspitos lugares do planeta, encontramos sentimentos como amor, paixão, traição, ambição, vingança, como nos textos de Shakespeare. Laura Restrepo é uma festejada jornalista investigativa. Estava pesquisando um assunto de tráfico de drogas quando topou com a cidade de Tora, na selva colombiana, próxima a um poço de petróleo, administrado pela Tropical Oil Company. Uma vez por mês, os petroleiros descem das montanhas e vão gastar seu dinheiro na zona de prostituição da cidade, La Catunga. E aí, tudo acontece. Laura começa entrevistando as velhas prostitutas e cafetinas e descobre uma grande história de amor. Há um garoto, Sacramento, criado sem pai nem mãe. Um dia, chega a La Catunga uma menina, pedindo para ser levada para a zona. Uma criança. A cafetina a examina e percebe que a menina tem algo a oferecer. Dá-lhe banho, tira piolhos e a alimenta. Inseparáveis, ela e o menino. O tempo passa. Chega o momento dela virar puta. Escolheram o parceiro a desvirgina-la. Sacramento, apaixonado, sai pelo mundo disposto a fazer dinheiro, retornar e casar com ela. O nome da agora mulher é Sayonara, porque tinha algo de oriental nos olhos. Vira lenda. Seu nome vira poesia na boca dos felizardos clientes. Enquanto isso, o garoto arruma um parceiro de desventuras, Payanés. Trabalha no poço de petróleo. Como quase todos, pega malária e amebíase. Fica à morte. Dá ao parceiro o dinheiro que guardara para levar à menina, para que saísse de La Catunga. Payanés vai e se apaixona. Sayonara também. E lhe dá uma mecha de cabelo, como compromisso. Quando o parceiro volta, o amigo se recuperou. Sem graça, entrega-lhe a mecha. Em torno, há muitas e muitas histórias. Houve uma grande greve, tiros, mortes. Sayonara pensa que vai casar com Payanés. Não. Ele prefere daquele jeito. Ela se aborrece, ele sai por aí sem rumo. Mas o Sacramento, agora homem, volta. Com a greve, a companhia agora oferece casas aos petroleiros. Pede em casamento. Ela aceita, mesmo sem o amar, a não ser como um irmão. Ele a prende em casa, durante o dia. Morre de ciúmes e de que alguém a reconheça. Não pode ser assim. Sai da cidade. Trabalha em uma serraria, na selva. Na hora do almoço, as esposas levam a comida. Mas quando Sayonara surge, todos fazem silêncio. O garoto não pode aceitar. Muda-se para outra cidade. Agora, ela trabalha como dama de companhia de uma senhora que tem dinheiro. Passa o dia trancada. Uma prostituta de La Catunga a vê. Fala que todos têm saudade. Sayonara não está mais suportando aquela vida e retorna. Deixa o marido que não ama. Lucia examina a história de Sayonara. De onde veio, menina, querendo ser prostituta? Descobre a cidade. Havia um branco que casou com uma índia. Teve quatro meninas e um rapaz. Este, se apaixonou por uma filha de família rica. O irmão da moça não gostou. Era do exército. O rapaz também servia e agora era submetido diariamente a todo tipo de humilhação. Um dia, reage. O irmão da moça o prende em um buraco até que ele morre. Ao saber, a mãe, índia, vai para a frente do quartel, derrama-se álcool e toca fogo. A menina foge. Quanta história! Quando Sayonara retorna a La Catunga, já não está tão lúcida. Põe-se diariamente a esperar o retorno do seu amor, Payanés, nem que fosse para os encontros mensais, como prostituta. Mas ele não retorna, nem Sayonara sai da beira do rio. Um texto magnífico! Lançamento da Companhia das Letras.