sexta-feira, 29 de janeiro de 2016
QUE CARNAVAL É ESSE?
A
primeira lembrança que tenho de carnaval é de homens de sapato e calça branca e
ternos vermelhos, aguardando o desfile dos Boêmios da Campina. Não chegava a
assistir. Criança, dormia cedo. Mas Biá, que nos criou, ficava até de manhã.
Nessa época, o desfile era na Presidente Vargas. Antes, era no Boulevard
Castilhos França. Aí vieram as festas infantis, brotinhos e adultos. Dançava-se
muito em Belém, no carnaval. Todos os clubes tinham festas e algumas bem
tradicionais, como “Até o sol raiar”, “Baile dos Leões”, Baile das Máscaras e
por aí vai. As bandas tocavam as mesmas músicas do século passado, frevos,
marchas, sambas, melodiosas, com letras de duplo sentido, mas tudo com muita
verve. Quem dançava seguia um circuito no salao, balizado por um cordão de
homens, a maioria jovens, procurando alguém para dançar. Sim, havia brigas.
Havia exageros. Mas nada tão preocupante. Rosenildo Franco me chamou para uma
reunião na Lavanderia Paraense, onde fica hoje o Shopping Pátio. O Quem São
Eles estava voltando ao carnaval. Havia outras figuras muito mais importantes
que eu. Primeiro era um terreno, assim como um corredor. Esses intelectuais
carregaram tábuas, cimento. O terreno cresceu. Vieram os temas. A população
comprou a idéia. As rodas de samba eram lotadas. A partir do primeiro domingo
de janeiro, começou a sair o Bandalheira, bloco de garotos, que saíram para
mostrar sua juventude e conquistar meninas. Atrás dele, muitos outros. Pronto,
as ruas da cidade estavam cheias de blocos aos domingos. Pois inventaram também
o desfile de blocos com prêmios. A competição acabou com tudo. O carnaval das
escolas, também. Vaidade, dinheiro escuso, má vontade e amadorismo. Uma pena.
Construíram a Aldeia Cabana mas era tarde. O que podia ser uma boa fonte de
renda através do turismo, acabou. E há razões para Belém fazer carnaval de
samba e não de carimbó, por exemplo. O samba chegou aqui pelos marinheiros que
após descarregar sua carga, iam para a zona do meretrício e no carnaval, saíam
a batucar. Nosso carnaval chegou ao ponto de desfilar no “sábado magro” de
carnaval, para não incomodar aqueles que saem da cidade durante momo. Gente
jovem começou a fazer bloco na Cidade Velha. Dona Dulce Rosa disse que na Praça
do Carmo tocavam até reggae. Isso é carnaval? Caveira passou com a bela Élida,
sem patrocínio, cantando as músicas clássicas. Todos os músicos da banda,
cabelos brancos e muita animação. Achei lindo. Mas pouca gente. Depois veio o
Fofó de Elói. Perto do carro som, todos dançando. Mais distantes, pareciam
walking deads, trôpegos, latinha de cerveja na mào, olhares rútilos e nada. Se
os baianos e pernambucanos deram seu jeito, poderíamos dar, também. O carnaval
do Rio virou um programa de televisão, mas nas ruas há muita animação. E as
músicas? Onde foi parar a axé music? Hoje, ainda cantamos “olha a cabeleira do
Zezé”. Tem sentido? Então carnaval é apenas mais uma chance para encher a cara,
pular e depois esquecer? E violência? Tiros, cortes profundos? Meu coração ainda
é Quem São Eles, mas sou partidário do eterno presidente Luis Guilherme
Pereira. É muito emocionante a saída de uma Escola de Samba, entrando na
avenida. Os tambores tocam fundo. O samba na ponta da língua. Não precisa saber
sambar, isso é com os passistas, mas apenas se divertir e honrar a escola. A
Piratas da Batucada está homenageando o Cuíra. Aproveito e convido a todos os
artistas, de todas as áreas, a participar. É uma homenagem a todos. Feliz
carnaval!
sexta-feira, 22 de janeiro de 2016
A REPÚBLICA DA AMAZÔNIA
Por
pura coincidência, fiz há poucos dias uma provocação ao amigo Lucio Flavio
Pinto. Que aconteceria se o Pará se separasse do Brasil, virando uma república
independente? Não é nenhuma idéia nova, mas neste instante em que tudo o que
temos é levado embora e nossos políticos não parecem ter nenhum preparo para
nossa defesa, é uma boa indagação. É que peguei para ler “Conceito Zero”,
autoria de A. J. Barros, lançado pela Geração Editorial, que parte da
possibilidade de uma república da Amazônia, formada por Mato Grosso, Rondônia,
Acre, Amazonas, Roraima, Amapá e Pará. O autor trabalha uma teoria
conspiratória que grandes países como Estados Unidos, Inglaterra, França,
Holanda e outros, a partir da instalação de ONGS em nossa região, estejam, aos
poucos constituindo bases para uma futura tomada do espaço, pensando em
oxigênio, riquezas e alimentação, por exemplo. Elenca o tamanho das reservas
indígenas e suas possibilidades. Explica a fragilidade de nossa segurança,
bastando navios de grande porte e armamento se posicionarem na baía do Guajará
e na nascente do Amazonas para bloquear qualquer resistência. Que já há pistas
de aterrissagem prontas a receber aviões de guerra. No caso do livro, há uma quadrilha
que pretende se antecipar a esses países, para dominar o território. Que já
teria havido conversas com os governadores, apresentando promessas
interessantes e que a maioria já concordava. Os militares, sabendo da
possibilidade, não informariam a Presidência da República, por considerarem
temeroso se aliar a pessoas que recentemente lutaram pela implantação do
comunismo no país. Será isso possível? Interessante para discutir, é. A região
sofre com o descaso há muitos anos. O Pará, por exemplo. Nossos políticos não
têm preparo para governar. Temos o tamanho de um país e riquezas brutais que
vêm sendo levadas para outros lugares, sem uma contrapartida à altura. Regiões
como o Marajó sofrem da maior miséria possível. Há, sem que se possa discordar,
um sentimento de separatismo do sul e nordeste que deixaria a região próxima a
Belém com a parte mais pobre. Tudo em função da falta de governo, de idéias, de
desenvolvimento. Temos tudo e estamos entregando tudo. E se viesse uma
República da Amazônia? Seríamos a capital ou Manaus, por ser mais central e não
tão vulnerável quanto Belém seria escolhida? Mas no Pará podem estar as maiores
riquezas. Sei lá. Boa provocação. Qual seria a nova moeda? Euro, dólar, rublo,
yen? O Brasil se sujeitaria a perder seu almoxarifado? A pagar pela energia que
consome? A deixar que toda a riqueza que retira mudasse de mãos? E como
reagiria? Tem Forças Armadas para isso? Haveria um movimento de resistência,
daqueles contra a nova situação? Novos passaportes? Nova nacionalidade?
Quanto
ao livro de A. J. Barros, com todo o cuidado para não ferir a ética, perde-se
no meio das possibilidades anunciadas. Três personagens conseguem vencer a
quadrilha que tentava se apossar. Passam pelas capitais, incluindo Belém, na
época do Círio, com cenas de ação. Visitam fortes construídos pelos
portugueses, alguns em ruínas, outros como o forte São José, em Macapá em boa
conservação. Serviços secretos como CIA e FBI participam da trama que revela-se
pueril. Mas a provocação, a teoria conspiratória é digna da curiosidade e me
fez ler até o fim. E se?
sexta-feira, 15 de janeiro de 2016
A CERIMÔNIA DE ADEUS
Nasci
em meados dos anos 1950 e tive sorte, no que diz respeito às atividades que
desenvolvi no rádio, por assistir e desfrutar de uma época maravilhosa para a
cultura mundial nas mais diversas áreas, mais especificamente na área da música.
Beatles e Rolling Stones com meus 11 anos de idade. Bossa nova, Jovem Guarda,
Tropicalismo. Convivi com artistas maravilhosos, que fizeram obras que até hoje
ouvimos, assistimos, gostamos. Em fevereiro, espero estar em SP para o show dos
Rolling Stones. Charlie Watts, o baterista, estará próximo dos 80 anos e os
demais, nos 75. Sim, a banda é um fenômeno de durabilidade. Senti muito quando
Hendrix morreu. Janis, Morrison. Houve muitos outros, é claro. Mas a morte de
David Bowie, no início da semana me chamou a atenção para o que chamo de
“cerimônia de adeus”. Os ídolos de minha geração estão velhos. E pensar que
Roger Daltrey, do Who, cantava “hope I die before I get old”. O Pink Floyd
perdeu Rick Wright. O Yes perdeu Chris Squire. Perdemos Lennon há mais tempo.
George também se foi. Pensei que seriam eternos. Não são. Mas também pergunto
qual o artista das novas gerações que pode provocar essa tristeza toda com sua
morte. Michael Jackson foi um deles. Sim, Madonna será, certamente. Quem mais? Nossos
heróis enfrentaram barras pesadas. Propuseram mudanças na maneira de cantar,
tocar, apresentar. Bowie, antes de Jacko, foi um camaleão, um dos primeiros a
fazer vídeo clips. De atuar em filmes, nào como participação especial, mas como
ator. Influenciaram o pensamento de toda uma geração. Com o final do mercado
fonográfico, parece que tudo esfarinhou. Não temos mais tempo para degustar
lado A e lado B dos discos. Escutar até mesmo as músicas menos interessantes.
Ler a ficha técnica, as letras. Os Beatles foram os primeiros em “Sargent
Pepper”. As capas que perderam força já com a chegada do cd. Eram obras de
arte. Faziam parte de toda uma estética. Quem serão os próximos? Imaginem
quando chegar a vez de Dylan. De McCartney. Mick ou Keith. Assisti a um documentário
sobre o último disco solo de Richards. Em dado momento, Tom Waits (atuando como
entrevistador), após ouvir a história dos Stones, passeando no lendário Chess
Studios em Chicago (encontraram um negro pintando o teto, estranharam e foram
apresentados a Muddy Waters), pergunta se ele sabia que hoje, ele era aquele
deus da música que Waters havia sido para eles. Keith, com aquela voz de fundo
de poço, diz apenas: sim, eu sei.
Vou
assistir ao show dos Stones porque penso que, desta vez, será a última. Já sei
que após os shows na América do Sul, a banda entra em estúdio para gravar
material novo. Será, mesmo, a última? Bem, Paul McCartney já virou arroz de
festa. Fui a uma dessas lanchonetes especializadas em burgers. A decoração toda
rock and roll, com guitarras, amplificadores, quadros e monitores. Em um deles,
o último show de McCartney. Mas espera aí, esses burgers têm como principal
público, adolescentes ou jovens de até 25 anos, não é? Sir Paul tem mais de 70
anos! Eric Clapton tem mais de 70 anos! Em outro Burger (ando indo muito a
burgers), um guitarrista e uma baterista. Jovens. Iniciam o show com
“Revolution”, dos Beatles. Ué? Por isso, quando Bowie morre, vem uma melancolia
e vejo que não é somente da minha geração, mas de todo um público. A música de
hoje é muito ruim. Até os jovens acham. Tive sorte, muita sorte. Espero que,
como na música do Pato Fu, “tempo amigo, seja legal, conto contigo, só me
derrube no final”.
sexta-feira, 8 de janeiro de 2016
EU TE AMO MESMO ASSIM
É
certo que não estarei aqui nas comemorações dos 450 anos de Belém, mas nos 350
eu já tinha meus 11 anos de idade e lembro que houve um concurso público para
escolher uma música alusiva aos festejos. Minha mãe compôs uma marchinha, que
vivia cantando pela casa, “Belém, de Pedro Teixeira, Belém da Igreja da Sé,
Belém também de Caldeira, do Círio de Nazaré”. Nunca esqueci. Ela não se
inscreveu. Visitei o novo Roxy no Shopping Bosque e me pus a admirar a
paisagem, tão recente, a rodovia com carros zunindo, o imenso prédio, que até
poucos meses não estava lá. A cidade mudando, crescendo, engolindo municípios
em uma voragem incrível. Eu me lembro do prédio da Booth Line, no início da
Presidente Vargas, arquitetura inglesa, bonito, sóbrio, substituído por uma bobagem
da Caixa Econômica. Passeei de bicicleta no asfalto recém implantado na 15 de
agosto, Presidente Vargas. Não lembro dos bondes, mas os trilhos estavam lá. À
noite, todos passeando sobre o asfalto. Conheci e brinquei no Grande Hotel, com
meu amigo Nelson Lima e o filho do gerente, a quem todos chamavam “Grego”.
Lembro das mesas na calçada, de sua beleza. Assisti filmes no Paramazon, que
ficava na Piedade e hoje, após milhares de mudanças, abriga uma boate gay. Ah,
eu me lembro da Tiradentes, sem asfalto, terra batida, assim como a Henrique
Gurjão, que em certo ponto, tínhamos de andar sobre tábuas, por conta do
igarapé. E o cinema Palácio? Meu avô, Edgar Proença, dizia, como chiste, que
além do Manoel Pinto da Silva, para ele, já era outro município. No seu tempo,
a cidade ardia nessa ponta, que ainda chamamos de centro. Para mim, também.
Sempre estive aqui, o mais distante, em Batista Campos. Às vezes íamos até uma
casa de campo, no Country Club Lago Azul, onde chegamos a passar férias. Era
distante. Uma viagem. Minha avó dirigia até Ananindeua onde comprava frutas na
feira. Hoje, a cidade engoliu tudo. Espero que ainda preservem nas ruas, os
nomes de meu avô e de meu pai, pioneiros ali. Do apartamento em que morava, por
cima das árvores, conseguia ver a “testa” da Basílica de Nazaré. Hoje, há um
paredão de prédios, na frente. A cidade muda velozmente. Seus problemas,
também. Uma vez, com meus oito anos, fui assaltado na Praça da República. De
bicicleta, desfilava com uma “besta” e uma aljava com setas feita a partir de um invólucro que servia para
esquentar a mamadeira de minha irmã, ainda bebê. Ameaçou-me com seu tamanho e
levou a “besta” e a aljava, que cobiçava, certamente, também para brincar de
cavaleiro. Não, a bicicleta ficou comigo. Imaginem. Hoje, o que temos para
festejar os 400 anos da cidade? Nossos políticos são incompetentes. Não
conseguiram perceber a dimensão de sua tarefa, na medida da necessidade da
metrópole. Uma cidade do nosso porte precisa de técnicos profissionais. Nenhum
plano de urbanismo foi pensado, muito menos executado. Nas eleições,
deixamo-nos levar por raivinhas paroquiais, mentiras glamorosas e vingancinhas.
Como nos deixamos levar por isso? A culpa é nossa. Do nosso voto. Vivo no
centro da cidade, mas não consigo imaginar como as pessoas que moram em torno
da Augusto Montenegro, da Br e outros, não se desesperam e reagem com o
sofrimento diário, injusto, brutal e cretino. Há muito o que dizer. Me pediram
que escrevesse algo para festejar os 400 anos. Não consigo. E quando penso na
música de meu pai e minha tia Adalcinda, choro. “Há muito, que aqui no meu
peito, murmuram saudades azuis do teu céu”. Eu te amo mesmo assim, Belém.
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