Quando era criança, andava
muito com meu avô Edgar. Os amigos nos paravam, nas ruas e ele me apresentava a
todos. Um deles me apelidou de “Miniatura de Edgar Proença”. Eu era baixinho,
magrinho, cabeçudo, orelhudo”. Não sei se era um elogio a mim ou a ele. Vovô
começava a deixar de ser aquele homem de todos os instrumentos. O empreendedor,
trabalhador, líder de turma. “Seu Colega”, ele dizia, “a velhice é uma merda”.
Posso imagina-lo, após tantas conquistas, desafios e situações, lidando com a
passagem inexorável do tempo. E sim, é claro que ele tinha razão, embora minha
geração venha quebrando paradigmas, alongando essa questão da “melhor idade”,
postergando ao máximo o que eles chamam de “nova adolescência”. Os filhos
cresceram, saíram de casa, há mais segurança na vida e agora podemos viajar,
passear, ir a cinema, teatro, jogos de futebol, enfim, curtir mais a vida. Sim,
eu sei, não está nada fácil, com a crise que enfrentamos. Mas pensem em seus
avós e digam se hoje não vivemos mais intensamente, ainda participando do giro
do mundo. Naquele pouco tempo em que fui a “miniatura de Edgar Proença”,
percebi, apreendi um mundo de conhecimento, gestos, ironias, inteligência e
vida, principalmente, vida. Isso me moldou. Não sei se ele se dava conta disso.
Passava muito tempo lendo livros e os pacotes de Lux Jornal, que era uma
assinatura que lhe enviava recortes de jornais de todo o país com os assuntos
que ele previamente escolhera. O gosto pela leitura. Notícias. Jornais. Tenho
sonhado com jornais. Muitos. Hoje, fora os daqui, leio diversos pela internet,
diariamente. Mas há alguns anos atrás, o amigo Edwaldo Martins me cedia, às segundas,
os jornais da semana anterior. Jornal do Brasil, O Globo, Estadão, Folha de São
Paulo, Jornal dos Sports, e vários outros. Depois, passei a compra-los. Meu
sonho é que por algum motivo, vou à Banca do Alvino, depois passo na Banca do
Plínio, atrás de jornais. Há um monte sob meus braços e não estou satisfeito.
Em casa, mergulhava naquele mundo maravilhoso. Isso veio de meu avô. Lembrei
disso nesses dias em que ele faria mais um aniversário. Edgar Proença, nome de
estádio, pioneiro em tantas coisas, trabalhador incessante. Como ele, também
faço rádio, jornal, escrevo livros e peças de teatro. Meu amado e idolatrado
avô. E assim como lembro do “Maguenhéfico”, quero registrar a passagem de mais
um aniversário do meu neto, Bernardo Proença. Ele nem se dá conta disso, mas
ilumina toda minha vida, me enche de orgulho, meramente por existir. Por conta
de seus quatro anos, deixando de ser dependente de alguns cuidados, ainda não
nos tornamos “unha e carne”. Os netos são nossa continuação. Eu o observo manuseando
gadgets eletrônicos com especial confiança. Liga para mim através de Facetime.
Basta ouvi-lo dizer “vovô Edyr” e me derreto todo. É como se uma paleta
completa de cores fortes invadisse meu céu. Suas palavras são ordens, mesmo que
tolices infantis. E saímos de mãos dadas pelas ruas, como atletas que acabam de
ser campeões em algum torneio importante, “como um Deus e um poeta”, como diz
Fernando Pessoa. Confiantes, orgulhosos. Chega e ocupa meu computador. Tecla
com facilidade, sabe os caminhos. Sua paixão atual são carros de corrida, suas
miniaturas adquiridas semanalmente para mantê-lo feliz. Não, por falar em
miniaturas, ele tem a sorte de parecer com o pai, Felipe e não comigo. Mas sua
capacidade de apreensão de tudo o que o cerca já demonstra ter a genética da
família. Meu neto querido, pelo presente, pelo futuro, por infinita felicidade,
parabéns pra você!
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017
VOU BEIJAR-TE AGORA , NÃO ME LEVE A MAL
Talvez
eu tenha utilizado, alguma vez, quando criança, em Bailes Infantis de Carnaval,
uma lança perfume. Mas certamente para jogar o líquido gelado nas costas dos
coleguinhas. Minha melhor lembrança já vem do tempo de adolescente. Ao
contrário dos rapazes de hoje que aos 13 anos já sabem de tudo, nós éramos
ingênuos, entrando em contato com a vida aqui fora. Tempo dos bailes de
carnaval. Pará Clube, Iate, Assembléia Paraense, AABB, Clube do Remo e algum
outro que esqueço, promoviam suas festas, lotadas. Para entrar na AP era
necessário smoking. Mas quem teria um smoking, na nossa idade? Algum de nós
entrava e jogava pela janela, da sede da Presidente Vargas, as jaquetas,
gravatas e faixas. E era assim, mesmo, afinal, após entrar, todos ficavam
apenas de camisa, suados de tanto pular carnaval. Talvez os mais velhos
utilizassem cheirinho da loló e outros, mas eu não via. Meus olhos estavam no
salao de danças, onde um cinturão em volta se fazia, com rapazes de olhos compridos,
esperando a vez de poder dançar com alguma garota. E já não era apenas Baile
dos Brotinhos e sim um Baile das Máscaras, por exemplo. A orquestra podia ser
de Orlando Pereira. Lembro dele, sorridente, à frente da banda, marcando o
compasso com os braços. Os pares passavam dançando como em um carrossel. E
aquela garota com a qual você sonhava a semana toda, passava, às vezes dançando
com uma amiga, em outra com aquele bonitão, mais velho, experiente, cantando e
sussurrando em seus ouvidos. Um sofrimento. Mais do que isso, minha timidez
evitava que em ato de extrema coragem, saísse daquele cordão, atravessasse o
salao e, impávido, fosse até a mesa em
que ela estava sentada com mãe, pai e irmãos, pedindo para dançar. Significava
passar por um exame completo, como um scanner feroz. Pior, o altíssimo risco
dela dizer que estava cansada. O retorno, arrasado, humilhado por não conseguir
tirar nem uma menina para dançar era terrível. Para dar coragem, íamos em grupo
e comprávamos meia garrafa de rum e algumas cocas. Aos poucos íamos inflando o
ego e achando que éramos invencíveis. Às favas as possibilidades. Atravessarei
este salao e direi a ela: vamos dançar? Estenderei a mão que ela pegará e
ficaremos juntos a noite inteira. Um dos bons momentos de abordagem é quando
começavam a tocar marchas rancho. O ritmo diminuía, alguns iam tomar alguns
drinques e se nào fosse ali, era melhor ir embora para casa, derrotado. Então,
cheio de coragem você olha e nem percebe que ela o aguardou a noite inteira por
aquele convite. Que passava dançando com a irmã somente para provocar. A voz
falha na hora do “vamos dançar”, mas logo nos encaminhamos ao salao. Bandeira
Branca, amor, nào posso mais. Na mesma máscara negra que esconde teu rosto, eu
quero matar a saudade. E então vêm as marchinhas mais animadas e ela não pede
para parar. Agora nos olhamos e rimos, andando no círculo e cantando. O tempo
que durou, não faço idéia. Veio mais uma sequencia de marcha rancho e ela
continuou. Deveria convida-la a ir até o terraço, sei lá, outro canto, para
conversar e, vocês sabem como é.. Mas não. E então tocou “Viva o Zé Pereira,
viva o carnaval”. A mãe fez sinal. Ela virou para me dizer adeus. Estávamos com
os rostos tão próximos que o beijo foi natural e também um susto para ambos.
Olhamo-nos perguntando um ao outro. Consegui balbuciar: na porta do Colégio
Moderno?
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017
ODEIO VOCÊ, CULTURA
Assisti
ao espetáculo “5 Vezes Comédia”, semana passada, no Teatro da Paz. Foram três
sessões gloriosas, lotadas. Em um cálculo apressado, seriam três mil pessoas a
R$100. Uma boa soma, mesmo descontando as despesas. No palco, comediantes
conhecidos em programas da Tv Globo. E curioso perceber um padrão ditado pela
emissora, no humor feito pelos atores. Esse padrão domina hoje o cinema
nacional em comédias leves que conseguem milhões de espectadores. São cinco
monólogos rápidos. Engraçado como, ao final, em poucos minutos, esquecemos o
que assistimos, assim como acontece nos programas de tv. Divertem no momento.
Nada para pensar ou refletir. Pior, a propaganda do departamento de Seguros do
Banco do Brasil. Um casal senta na plateia. Ele vira para a mulher e diz que
após uma semana de stress, um trânsito pesado até chegar ali, espera que a peça
não seja daquelas “sérias”, e faz uma voz gutural. Emenda dizendo que deveria
haver um “seguro-teatro”, para prevenir “peças ruins”. E creio que todos, ali,
concordaram. A classe média paraense lota o Teatro da Paz a cada vinda de
artistas globais e suas comédias baratas. Não é somente um fenômeno paraense. A
Cultura saiu do cotidiano das pessoas. Fernanda Torres, entrevistada por Bial
no GNT disse que antigamente, íamos ao cinema assistir Fellini, Buñuel,
Kubrick, sei lá quem mais e saíamos tão impressionados que ficávamos na porta
do cinema querendo falar sobre e depois conversávamos noite adentro em algum
restaurante ou bar. Havia um impacto. E no Teatro? E na Música? A própria Globo
recorre, agora, a músicas dos anos 80 e até Caetano Veloso das antigas em suas
trilhas de novela. O que é produzido hoje é lixo. Saudosista? Será? Hoje, aqui
em Belém, nosso teatro é feito em casas, como os primeiros cristãos em Roma,
orando nas catacumbas. Somos vítimas de uma crueldade produzida por insensatez,
boçalidade e ignorância, em mais de vinte anos de governo. Uma geração inteira
foi desmantelada. Hoje, se perguntasse a uma daquelas pessoas no TP se
assistiria a uma peça com artistas locais, ela talvez risse, debochando. Os
governantes acabam de dar outra demonstração do seu ódio pela Cultura, nomeando
uma advogada que talvez nunca nem tenha entrado em um teatro. Bom, talvez
estivesse na plateia do TP. Ela própria confessou sua ignorância quanto ao
tema. Somos vítimas? Somente porque deixamos que nos vitimassem. Somos
desunidos. Muitos de nós, para sustentar a família, conseguiram emprego no
Estado. Participar de manifestação? Nem pensar. O Estado é vingativo. Onde está
a Escola de Teatro da Universidade, que tem como professores alguns dos mais
brilhantes expoentes de Belém? E para quê, a cada semestre, apresentam novos
profissionais? Para quem? E esse jovens, no fulgor da mocidade, quedam-se na
base do não é comigo a cena que se apresenta? Desculpem a expressão, mas seja o
Estado, a Prefeitura e nós mesmos, parecemos estar “cagando” para isso. Deixemos
que tudo morra. Assistimos esses cretinos fazerem festivais de ópera, para
cinco mil pessoas, enquanto milhões no Pará nada tem. Que um empresário de
brega comande a Fumbel. Os algozes enfiam a faca sorrindo e sorrimos de volta
para eles? Não me calei. Me prejudicou mas não evitou que seguisse com minhas
obras. E vocês? Onde estão os jovens com sua força, lutando por uma brecha para
mostrar seu valor? Vão ficar calados por quanto tempo?
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017
NA GALERA
A
primeira vez em que fui a um campo de futebol assistir a um jogo, fiz vergonha.
Ao terminar o primeiro tempo, fui chamar meu irmão para que ele contemplasse o
tamanho das orelhas de uma pessoa, na arquibancada. Depois, passei grande parte
da infância e adolescência assistindo a jogos, sentado ao lado de meu pai, que
primeiro era o locutor e depois comentarista. Estava no Leônidas Castro quando
Amoroso fez aquele gol em que toda a torcida bicolor avisava o goleiro Omar e o
zagueiro Abel que ele estava furtivamente vindo tomar-lhes a bola e fazer o
gol. Estava no Evandro Almeida, na inauguração dos refletores, com Pelé em
campo e vestindo o manto sagrado azulino. Também quando Eusébio esteve aqui com
o Benfica. Grandes vitórias, grandes derrotas. O importante para mim foi
aprender a “ler” o que se passava em campo. A dinâmica do jogo, as estratégias,
formação e jogadas. Tudo isso me valeu para, mais tarde, escrever sobre futebol
e comentar partidas para a Mais Tv. Também serviu para me tornar um espectador frio,
muito diferente de estar na torcida. Sim, já estive em arquibancadas, poucas
vezes, na companhia de amigos do colégio. Junto ao alambrado, xingando o
bandeirinha. Uma vez, garoto, estava no Maracanã. Era Flamengo e Vasco. O rubro
negro venceu, com gol de Espanhol, cujo nome era José Ufarte. Após o gol, com o
estádio em festa, correu na direção da torcida. Naquele momento de emoção,
compreendi tudo o que o futebol provoca nas pessoas. Uma mistura de gozo,
vitória, consagração e a desgraça do rival. Há uns que pulam e se abraçam.
Outros, de joelho, erguem-se cabisbaixos, outro reclama com o bandeirinha,
aquele parece culpar o companheiro. Era um jogo interestadual. Equipes de rádio
de fora presentes. Não havia lugar para mim, nas cabines. Meu pai me deixou
junto aos conselheiros do Remo. Aqueles senhores me receberam com carinho, me
ofereceram picolés, refrigerantes. Senti-me seguro. Mas então o juiz apitou, a
bola veio na nossa direção, o jogador azulino dividiu e levou a pior. Então,
como uma onda vibrante, aqueles senhores bonachões, bonzinhos, feito lobos
ferozes se atiraram à grade proferindo os piores palavrões que já havia
escutado, xingando juiz, jogador e quem mais aparecesse. Fiquei encolhido no
canto. Todas essas palavras vos escrevo porque meu cunhado esteve no “Edgar
Proença” assistindo ao jogo Remo x Cametá, levando seu filho. Mineiro, sem nada
entender do jogo, fez a vontade de Gabriel, remista doente, mesmo morando em
Brasília. Emocionado, conta do clima a partir da ida ao estádio, com ônibus carregados
e cantando hino. Como engenheiro, prestou atenção aos detalhes da obra.
Encantou-se com a emoção presente. Jovens, mulheres com crianças de colo,
senhores com filhos e netos. Os hinos cantados antes do jogo. Os xingamentos
aos juízes, ao atacante que perdeu a chance, ao rival que quase marcava. E na
volta, a mesma festa. Li que ao contrário disso tudo, houve também violência,
roubos, o de sempre em terra sem Segurança. Do jogo e suas estratégias, pouco
pode dizer. O Remo venceu de goleada, mas foi a emoção, aquelas vozes cantando
em côro improvável que lhe marcou. Esse é o segredo do amor ao futebol. Não é
possível que continuemos em nossa terra a ser tão amadores, incompetentes,
ladinos, com algo que provoca a enchente de gente para assistir equipes fracas,
sem jogadores de nível, sem um regulamento, gramados em condição e pior,
transmitindo a partida para a cidade. É incrível. É insuportável. Mas o
torcedor vai e se emociona. É isso.
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