sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

PARA BERNARDO PROENÇA

Quando era criança, andava muito com meu avô Edgar. Os amigos nos paravam, nas ruas e ele me apresentava a todos. Um deles me apelidou de “Miniatura de Edgar Proença”. Eu era baixinho, magrinho, cabeçudo, orelhudo”. Não sei se era um elogio a mim ou a ele. Vovô começava a deixar de ser aquele homem de todos os instrumentos. O empreendedor, trabalhador, líder de turma. “Seu Colega”, ele dizia, “a velhice é uma merda”. Posso imagina-lo, após tantas conquistas, desafios e situações, lidando com a passagem inexorável do tempo. E sim, é claro que ele tinha razão, embora minha geração venha quebrando paradigmas, alongando essa questão da “melhor idade”, postergando ao máximo o que eles chamam de “nova adolescência”. Os filhos cresceram, saíram de casa, há mais segurança na vida e agora podemos viajar, passear, ir a cinema, teatro, jogos de futebol, enfim, curtir mais a vida. Sim, eu sei, não está nada fácil, com a crise que enfrentamos. Mas pensem em seus avós e digam se hoje não vivemos mais intensamente, ainda participando do giro do mundo. Naquele pouco tempo em que fui a “miniatura de Edgar Proença”, percebi, apreendi um mundo de conhecimento, gestos, ironias, inteligência e vida, principalmente, vida. Isso me moldou. Não sei se ele se dava conta disso. Passava muito tempo lendo livros e os pacotes de Lux Jornal, que era uma assinatura que lhe enviava recortes de jornais de todo o país com os assuntos que ele previamente escolhera. O gosto pela leitura. Notícias. Jornais. Tenho sonhado com jornais. Muitos. Hoje, fora os daqui, leio diversos pela internet, diariamente. Mas há alguns anos atrás, o amigo Edwaldo Martins me cedia, às segundas, os jornais da semana anterior. Jornal do Brasil, O Globo, Estadão, Folha de São Paulo, Jornal dos Sports, e vários outros. Depois, passei a compra-los. Meu sonho é que por algum motivo, vou à Banca do Alvino, depois passo na Banca do Plínio, atrás de jornais. Há um monte sob meus braços e não estou satisfeito. Em casa, mergulhava naquele mundo maravilhoso. Isso veio de meu avô. Lembrei disso nesses dias em que ele faria mais um aniversário. Edgar Proença, nome de estádio, pioneiro em tantas coisas, trabalhador incessante. Como ele, também faço rádio, jornal, escrevo livros e peças de teatro. Meu amado e idolatrado avô. E assim como lembro do “Maguenhéfico”, quero registrar a passagem de mais um aniversário do meu neto, Bernardo Proença. Ele nem se dá conta disso, mas ilumina toda minha vida, me enche de orgulho, meramente por existir. Por conta de seus quatro anos, deixando de ser dependente de alguns cuidados, ainda não nos tornamos “unha e carne”. Os netos são nossa continuação. Eu o observo manuseando gadgets eletrônicos com especial confiança. Liga para mim através de Facetime. Basta ouvi-lo dizer “vovô Edyr” e me derreto todo. É como se uma paleta completa de cores fortes invadisse meu céu. Suas palavras são ordens, mesmo que tolices infantis. E saímos de mãos dadas pelas ruas, como atletas que acabam de ser campeões em algum torneio importante, “como um Deus e um poeta”, como diz Fernando Pessoa. Confiantes, orgulhosos. Chega e ocupa meu computador. Tecla com facilidade, sabe os caminhos. Sua paixão atual são carros de corrida, suas miniaturas adquiridas semanalmente para mantê-lo feliz. Não, por falar em miniaturas, ele tem a sorte de parecer com o pai, Felipe e não comigo. Mas sua capacidade de apreensão de tudo o que o cerca já demonstra ter a genética da família. Meu neto querido, pelo presente, pelo futuro, por infinita felicidade, parabéns pra você!

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

VOU BEIJAR-TE AGORA , NÃO ME LEVE A MAL

Talvez eu tenha utilizado, alguma vez, quando criança, em Bailes Infantis de Carnaval, uma lança perfume. Mas certamente para jogar o líquido gelado nas costas dos coleguinhas. Minha melhor lembrança já vem do tempo de adolescente. Ao contrário dos rapazes de hoje que aos 13 anos já sabem de tudo, nós éramos ingênuos, entrando em contato com a vida aqui fora. Tempo dos bailes de carnaval. Pará Clube, Iate, Assembléia Paraense, AABB, Clube do Remo e algum outro que esqueço, promoviam suas festas, lotadas. Para entrar na AP era necessário smoking. Mas quem teria um smoking, na nossa idade? Algum de nós entrava e jogava pela janela, da sede da Presidente Vargas, as jaquetas, gravatas e faixas. E era assim, mesmo, afinal, após entrar, todos ficavam apenas de camisa, suados de tanto pular carnaval. Talvez os mais velhos utilizassem cheirinho da loló e outros, mas eu não via. Meus olhos estavam no salao de danças, onde um cinturão em volta se fazia, com rapazes de olhos compridos, esperando a vez de poder dançar com alguma garota. E já não era apenas Baile dos Brotinhos e sim um Baile das Máscaras, por exemplo. A orquestra podia ser de Orlando Pereira. Lembro dele, sorridente, à frente da banda, marcando o compasso com os braços. Os pares passavam dançando como em um carrossel. E aquela garota com a qual você sonhava a semana toda, passava, às vezes dançando com uma amiga, em outra com aquele bonitão, mais velho, experiente, cantando e sussurrando em seus ouvidos. Um sofrimento. Mais do que isso, minha timidez evitava que em ato de extrema coragem, saísse daquele cordão, atravessasse o salao e, impávido,  fosse até a mesa em que ela estava sentada com mãe, pai e irmãos, pedindo para dançar. Significava passar por um exame completo, como um scanner feroz. Pior, o altíssimo risco dela dizer que estava cansada. O retorno, arrasado, humilhado por não conseguir tirar nem uma menina para dançar era terrível. Para dar coragem, íamos em grupo e comprávamos meia garrafa de rum e algumas cocas. Aos poucos íamos inflando o ego e achando que éramos invencíveis. Às favas as possibilidades. Atravessarei este salao e direi a ela: vamos dançar? Estenderei a mão que ela pegará e ficaremos juntos a noite inteira. Um dos bons momentos de abordagem é quando começavam a tocar marchas rancho. O ritmo diminuía, alguns iam tomar alguns drinques e se nào fosse ali, era melhor ir embora para casa, derrotado. Então, cheio de coragem você olha e nem percebe que ela o aguardou a noite inteira por aquele convite. Que passava dançando com a irmã somente para provocar. A voz falha na hora do “vamos dançar”, mas logo nos encaminhamos ao salao. Bandeira Branca, amor, nào posso mais. Na mesma máscara negra que esconde teu rosto, eu quero matar a saudade. E então vêm as marchinhas mais animadas e ela não pede para parar. Agora nos olhamos e rimos, andando no círculo e cantando. O tempo que durou, não faço idéia. Veio mais uma sequencia de marcha rancho e ela continuou. Deveria convida-la a ir até o terraço, sei lá, outro canto, para conversar e, vocês sabem como é.. Mas não. E então tocou “Viva o Zé Pereira, viva o carnaval”. A mãe fez sinal. Ela virou para me dizer adeus. Estávamos com os rostos tão próximos que o beijo foi natural e também um susto para ambos. Olhamo-nos perguntando um ao outro. Consegui balbuciar: na porta do Colégio Moderno?

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

ODEIO VOCÊ, CULTURA

Assisti ao espetáculo “5 Vezes Comédia”, semana passada, no Teatro da Paz. Foram três sessões gloriosas, lotadas. Em um cálculo apressado, seriam três mil pessoas a R$100. Uma boa soma, mesmo descontando as despesas. No palco, comediantes conhecidos em programas da Tv Globo. E curioso perceber um padrão ditado pela emissora, no humor feito pelos atores. Esse padrão domina hoje o cinema nacional em comédias leves que conseguem milhões de espectadores. São cinco monólogos rápidos. Engraçado como, ao final, em poucos minutos, esquecemos o que assistimos, assim como acontece nos programas de tv. Divertem no momento. Nada para pensar ou refletir. Pior, a propaganda do departamento de Seguros do Banco do Brasil. Um casal senta na plateia. Ele vira para a mulher e diz que após uma semana de stress, um trânsito pesado até chegar ali, espera que a peça não seja daquelas “sérias”, e faz uma voz gutural. Emenda dizendo que deveria haver um “seguro-teatro”, para prevenir “peças ruins”. E creio que todos, ali, concordaram. A classe média paraense lota o Teatro da Paz a cada vinda de artistas globais e suas comédias baratas. Não é somente um fenômeno paraense. A Cultura saiu do cotidiano das pessoas. Fernanda Torres, entrevistada por Bial no GNT disse que antigamente, íamos ao cinema assistir Fellini, Buñuel, Kubrick, sei lá quem mais e saíamos tão impressionados que ficávamos na porta do cinema querendo falar sobre e depois conversávamos noite adentro em algum restaurante ou bar. Havia um impacto. E no Teatro? E na Música? A própria Globo recorre, agora, a músicas dos anos 80 e até Caetano Veloso das antigas em suas trilhas de novela. O que é produzido hoje é lixo. Saudosista? Será? Hoje, aqui em Belém, nosso teatro é feito em casas, como os primeiros cristãos em Roma, orando nas catacumbas. Somos vítimas de uma crueldade produzida por insensatez, boçalidade e ignorância, em mais de vinte anos de governo. Uma geração inteira foi desmantelada. Hoje, se perguntasse a uma daquelas pessoas no TP se assistiria a uma peça com artistas locais, ela talvez risse, debochando. Os governantes acabam de dar outra demonstração do seu ódio pela Cultura, nomeando uma advogada que talvez nunca nem tenha entrado em um teatro. Bom, talvez estivesse na plateia do TP. Ela própria confessou sua ignorância quanto ao tema. Somos vítimas? Somente porque deixamos que nos vitimassem. Somos desunidos. Muitos de nós, para sustentar a família, conseguiram emprego no Estado. Participar de manifestação? Nem pensar. O Estado é vingativo. Onde está a Escola de Teatro da Universidade, que tem como professores alguns dos mais brilhantes expoentes de Belém? E para quê, a cada semestre, apresentam novos profissionais? Para quem? E esse jovens, no fulgor da mocidade, quedam-se na base do não é comigo a cena que se apresenta? Desculpem a expressão, mas seja o Estado, a Prefeitura e nós mesmos, parecemos estar “cagando” para isso. Deixemos que tudo morra. Assistimos esses cretinos fazerem festivais de ópera, para cinco mil pessoas, enquanto milhões no Pará nada tem. Que um empresário de brega comande a Fumbel. Os algozes enfiam a faca sorrindo e sorrimos de volta para eles? Não me calei. Me prejudicou mas não evitou que seguisse com minhas obras. E vocês? Onde estão os jovens com sua força, lutando por uma brecha para mostrar seu valor? Vão ficar calados por quanto tempo?

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

NA GALERA

A primeira vez em que fui a um campo de futebol assistir a um jogo, fiz vergonha. Ao terminar o primeiro tempo, fui chamar meu irmão para que ele contemplasse o tamanho das orelhas de uma pessoa, na arquibancada. Depois, passei grande parte da infância e adolescência assistindo a jogos, sentado ao lado de meu pai, que primeiro era o locutor e depois comentarista. Estava no Leônidas Castro quando Amoroso fez aquele gol em que toda a torcida bicolor avisava o goleiro Omar e o zagueiro Abel que ele estava furtivamente vindo tomar-lhes a bola e fazer o gol. Estava no Evandro Almeida, na inauguração dos refletores, com Pelé em campo e vestindo o manto sagrado azulino. Também quando Eusébio esteve aqui com o Benfica. Grandes vitórias, grandes derrotas. O importante para mim foi aprender a “ler” o que se passava em campo. A dinâmica do jogo, as estratégias, formação e jogadas. Tudo isso me valeu para, mais tarde, escrever sobre futebol e comentar partidas para a Mais Tv. Também serviu para me tornar um espectador frio, muito diferente de estar na torcida. Sim, já estive em arquibancadas, poucas vezes, na companhia de amigos do colégio. Junto ao alambrado, xingando o bandeirinha. Uma vez, garoto, estava no Maracanã. Era Flamengo e Vasco. O rubro negro venceu, com gol de Espanhol, cujo nome era José Ufarte. Após o gol, com o estádio em festa, correu na direção da torcida. Naquele momento de emoção, compreendi tudo o que o futebol provoca nas pessoas. Uma mistura de gozo, vitória, consagração e a desgraça do rival. Há uns que pulam e se abraçam. Outros, de joelho, erguem-se cabisbaixos, outro reclama com o bandeirinha, aquele parece culpar o companheiro. Era um jogo interestadual. Equipes de rádio de fora presentes. Não havia lugar para mim, nas cabines. Meu pai me deixou junto aos conselheiros do Remo. Aqueles senhores me receberam com carinho, me ofereceram picolés, refrigerantes. Senti-me seguro. Mas então o juiz apitou, a bola veio na nossa direção, o jogador azulino dividiu e levou a pior. Então, como uma onda vibrante, aqueles senhores bonachões, bonzinhos, feito lobos ferozes se atiraram à grade proferindo os piores palavrões que já havia escutado, xingando juiz, jogador e quem mais aparecesse. Fiquei encolhido no canto. Todas essas palavras vos escrevo porque meu cunhado esteve no “Edgar Proença” assistindo ao jogo Remo x Cametá, levando seu filho. Mineiro, sem nada entender do jogo, fez a vontade de Gabriel, remista doente, mesmo morando em Brasília. Emocionado, conta do clima a partir da ida ao estádio, com ônibus carregados e cantando hino. Como engenheiro, prestou atenção aos detalhes da obra. Encantou-se com a emoção presente. Jovens, mulheres com crianças de colo, senhores com filhos e netos. Os hinos cantados antes do jogo. Os xingamentos aos juízes, ao atacante que perdeu a chance, ao rival que quase marcava. E na volta, a mesma festa. Li que ao contrário disso tudo, houve também violência, roubos, o de sempre em terra sem Segurança. Do jogo e suas estratégias, pouco pode dizer. O Remo venceu de goleada, mas foi a emoção, aquelas vozes cantando em côro improvável que lhe marcou. Esse é o segredo do amor ao futebol. Não é possível que continuemos em nossa terra a ser tão amadores, incompetentes, ladinos, com algo que provoca a enchente de gente para assistir equipes fracas, sem jogadores de nível, sem um regulamento, gramados em condição e pior, transmitindo a partida para a cidade. É incrível. É insuportável. Mas o torcedor vai e se emociona. É isso.