terça-feira, 22 de outubro de 2019
A VOLTA À FLORESTA
Acabo de assistir no Jornal Liberal da tv local, que o Pará é o estado com maior número de acidentes de trânsito no Brasil. Não surpreende. Quem dirige nas ruas da cidade é um sobrevivente. Além do acúmulo de veículos em ruas péssimas em seu piso, além do número excessivo de ônibus nas mesmas rotas, algo que ninguém consegue mudar em todas as administrações até agora, motocicletas, bicicletas, carros de mão e pedestres. Uma mistura letal. Ninguém quer obedecer a nenhuma lei que o impeça de se apressar. Ônibus verdadeiros cacarecos param no meio das ruas, trancam o trânsito ou, quando há espaço, arrancam em grande velocidade. Carros particulares ou de empresas praticam toda sorte de delitos, desde a parada em fila dupla ou tripla em qualquer horário, em qualquer rua, principalmente no horário da entrada ou saída de alunos em colégios. Motoristas de todas as faixas sócio econômicas. Motociclistas sem capacete, descalços, ou apenas de chinelos, ziguezagueiam entre os carros, querendo levar vantagem. Nada como em SP onde utilizam o corredor de carros entre as faixas. No interior isso é muitíssimo pior pois a moto parece ser a volta do cavalo dos filmes de bang bang, onde o cowboy anda por onde quiser, sem qualquer proteção, agredindo a todos, certamente sem carteira de habilitação. Na cidade, o sucesso de apps como iFood e outras, fez o número de motoqueiros ensandecidos aumentar, apressados para entregar os produtos, retornar à sede e pegar outros. Aí entram os bicicletistas. Normalmente, utilizam a contramão de nossas principais avenidas. Trafegam aproveitando o que consideram o melhor caminho. Como se estivessem de volta à floresta, sem nenhuma civilização ou ordem. Todos querem apenas se dar bem. E quando também estão entregues ao delivery, tudo piora muito. Acrescentemos carrinhos de mão com frutas, entulhos, lanches, todos também na contramão, tranquilos mas aborrecendo-se à qualquer reclamação de motoristas incomodados. Há mais? Pedestres que por conta da falta de segurança, ou por sensação de volta à floresta, caminham pelas ruas, em qualquer direção. Dirigir hoje em Belém, no Pará, é completo caos. Não há, ao que parece, Engenharia de Tráfego. Ninguém tenta nada. Ninguém faz nada. Fica tudo entregue ao foda-se. E ainda há o BRT, essa praga infinda a estressar paraenses que viajam nos péssimos ônibus. Nada fazemos. Não é conosco. Alguém que faça alguma coisa. Quem sabe vou dar apoio. Os paraenses são moles. São fracos. Há longos anos aguentamos os desmandos de imbecis que absurdamente são votados e ganham eleições de lavada. Temos o que merecemos, essa é que é a verdade.
sexta-feira, 11 de outubro de 2019
FODA-SE 1
Os
tempos em que vivemos. Não publicarei mais, às sextas feiras, minha crônica
“Cesta” em O Diário do Pará. Atendi a um convite do amigo Gerson Nogueira,
então editor do jornal em outubro de 2014. De lá para cá, foi um exercício
criativo e gostoso. Creio que nunca faltei. Cheguei a pensar em selecionar
algumas para publicar em livro. Seria o “Crônicas da Cidade Morena 4”. Seria?
Sei lá. Quem sabe? Meus poucos cabelos são brancos e lá se vão 40, quase 50
anos como jornalista em diversas funções. Muitas peças de teatro. Livros que,
com sorte, tiveram reconhecimento nacional e melhor ainda, traduzidos e
lançados na Inglaterra e na França, nesta última com algum destaque. Nada disso
parece fazer qualquer diferença, merece propiciar alguma reverência a alguém que
decidiu cortar um parágrafo inteiro de uma crônica, onde narrava minha passagem
por Parauapebas, participando de uma Feira do Livro, promovida pela Secult,
desbravando esse gigantesco Pará em uma cidade de poucos paraenses e um
sentimento quase nada de pertencimento a uma cultura, uma terra, região. O
trecho cortado referia-se ao sentimento de orgulho, até empáfia que talvez
tivéssemos, se das riquezas gigantescas que são levadas diariamente daqui, nos
coubesse, Pará, a digna remuneração. Somos o Estado potencialmente mais rico do
Brasil e economicamente um dos mais pobres. Contratos espúrios, determinados a
partir de Brasília, certamente com a pressão de grandes interesses e penso, a
falta de uma justa e firme posição paraense, resultaram no que somos. Um almoxarifado.
Leio jornais do Rio e SP, onde vários deitam saberes sobre uma terra onde nunca
estiveram. O governador Helder Barbalho foi bem explícito ao falar nisso em boa
entrevista na Globonews. Pois é, cortaram, certamente temendo de alguma maneira
ferir os interesses do jornal diante do patrocinador que nem precisa ser
mencionado. Mas era uma crônica, assinada, ou seja, com autor definido, sem
expressar se for o caso, a opinião do jornal. Cortaram. Não me ligaram, sequer
argumentando tipo “e aí, que tal mexer aqui e ali, troque isso por aquilo”.
Nada. Soube do corte ao ler a matéria. Um desrespeito. Um foda-se a quem
escreve desde 2014, sem falta. Foda-se, não escreva mais. Pensam se entraram em
contato, ao menos dizendo, obrigado por sua participação, valeram todos esses
anos e tal? Não. Foda-se. Sou um qualquer. Bem, sou um qualquer, como qualquer
outro, mas todos merecemos respeito. Isso não tive.
FODA-SE 2
Acabo
de ler a biografia de Fernanda Montenegro, a grande diva das artes cênicas
nacionais. Uma vida de sacrifícios e luta constante em favor da arte. Li também
a revista 451 onde Fernanda está na capa em bela foto, como se fosse uma bruxa,
tendo aos pés livros para serem queimados. Uma provocação à bizarrice que
enfrentamos na área cultural brasileira. Fernanda nos livros, nas revistas, no
Bial, foco de um Globo Repórter. Fernanda no Teatro Municipal, aclamada,
festejada, adorada, gloriosa, rádio, teatro, televisão, cinema. Foi insultada
por um cretino, logo colocado em seu lugar. E penso em Claudio Barradas, que
tal como Fernanda, está completando 90 anos de idade e imensos serviços às
Artes Cênicas do Pará. Fez rádioteatro, Tv Marajoara, ocupou todos os palcos da
cidade, dirigiu peças durante uma vida no Sesi, atuou nos primeiros filmes
produzidos no Pará. Aos 62 anos, tornou-se padre, obedecendo uma vocação
iniciada na juventude e deixada de lado, exatamente, pelo Teatro. Há dez anos,
tive a honra de dirigi-lo em dois espetáculos que protagonizou ao lado de Zê
Charone, no Teatro Cuíra, “Abraço” e “Sem Dizer Adeus”. Agora, às vésperas de
completar 90 anos, Marcos Valério, seu colega na Tv Nazaré, perguntou o que
desejava como presente, ao que respondeu: quero voltar aos palcos com “Abraço”.
Outra honra. Nós o cercamos de carinho e admiração, embora ele não seja muito
chegado a rapapés. Queríamos leva-lo a um grande teatro, para celebrar, tipo
Teatro da Paz ou Teatro do Sesi. Os primeiros movimentos não tiveram eco.
Ensaiamos e estreamos na Casa Cuíra, na Cidade Velha, para 40 pessoas por
sessão. Uma maravilha para quem quer “ver a mágica” tão próxima. Mas Cláudio
merece multidões, honras, glórias, palmas, por uma vida doada à Cultura, um
talento a serviço do bem comum. A Tv Nazaré deu apoio. Mauro Bonna nos
entrevistou em seu “Argumento”. A Rádio Cultura me entrevistou. Ele estava no
“Sem Censura”, mas houve um pico de energia e o programa não foi ao ar. Pensam
que remarcaram a entrevista? Pensam que propuseram um programa especial, entrevista,
documentário? Não. Afinal, quem é Cláudio Barradas? A moça do jornal estava
nervosa, ao telefone, querendo uma entrevista. Ele estava no carro, vindo de
Icoaraci, onde habita um quartinho no Tabor. Ela queria algo rápido. Tinha uma
pauta para dar conta. Sequer “deu um Google” para saber quem é Cláudio
Barradas. Sim, houve matérias nos jornais, mas era preciso muito mais. As
outras emissoras de televisão não compareceram. Quem é esse tal de Cláudio
Barradas? As pessoas de hoje acham que o mundo começou no dia em que nasceram,
ou quando fizeram 18 anos. Sua leitura diária, se é que há, limita-se aos
highlights. Rasos como uma poça d’água. Foda-se Cláudio Barradas. Ele é um
qualquer que me mandaram fazer entrevista por telefone. No mais é copiar o release
e pronto. E as autoridades no âmbito municipal ou estadual? Foda-se Cláudio
Barradas. Já não tem o Teatro da Ufpa com o nome dele? Basta. E vamos ouvir
sertanojos e funcks. E não vamos ler porque é chato. E não vamos ao teatro
porque dá sono, a não ser que seja o Erin Johnson e a Viviane Araújo, puta
mulher, cara!
Dá
vontade daquele desabafo da Fernanda Young, mas penso que é preciso contar até
cem, mil, 1 milhão e perceber que nosso trabalho cultural é para atingir
exatamente esses incultos, para tentar mudar o mundo para melhor. Quanto mais
me fechas os olhos, mais eu vejo. Onde estão as Secretarias de Cultura, do
município e do Estado que não o chamam, tratam com o devido respeito e
reverência, abraçando essa marca que aparentemente somente ele quer festejar?
Vereadores, deputados, que vivem a espalhar comendas e medalhas, a apresentar
emendas escrúxulas, quer dizer que para vocês, foda-se Cláudio Barradas,
também? Será que ele é invisível, como todos nós da Cultura, que acabamos de
passar por uma escuridão de mais de vinte anos, por conta de um infame?
segunda-feira, 7 de outubro de 2019
A MELHOR BANDA DO MUNDO
Eu
sei que soa pretensioso. Antes do show, ao lado de jovens, percebi olhares
pacientes, com o tiozinho empolgado. Algumas horas depois, eles é que pareciam
espantados. E eram poucos.
Eu
fazia 15 anos e decidia com meu irmão, o que ele poderia comprar para mim como
presente. Foi “In the court of Crimson King”, com sua capa gritante até hoje.
Um momento de transição. Brian Jones dos Rolling Stones havia morrido. Tchau
Beatles. Garotada frequentando conservatórios. A abertura grita com uma
guitarra distorcida, iniciando o que seria um heavy rock, antes do heavy rock
como estilo. Greg Lake, que em seguida iria para o Emerson, Lake & Palmer
em perfeita forma. E lá no meio vem um free jazz de fazer vibrar Miles Davis.
Não, o disco não foi para as paradas de sucesso, mas firmou um estilo que
passou a ser conhecido como rock progressivo, apresentando a seguir bandas como
Yes, Genesis e o próprio ELP, que chegaram a tocar em grandes arenas para 150 a
200 mil pessoas. O King Crimson seguiu sendo a banda preferida dos mais atentos.
Já era a melhor banda do mundo, por tudo. E, na verdade, sempre dependeu de uma
só pessoa, o guitarrista Robert Fripp, tímido, exigente, no palco limitando-se
a tocar de maneira incrível, sem os meneios das grandes estrelas. Para o
segundo disco, a maioria dos músicos foi mantida. Daí em diante, mudanças
contínuas. Flertes com diversos estilos. Dificuldades em manter a idéia, por
conta de pouca afluência de público. Os outros grupos eram mais populares. Dois
grandes músicos chegaram bem próximo em participações: o baixista John Wetton,
talvez o melhor cantor do KG e o baterista Bill Brufford, que tocou nos
primórdios do Yes. Houve uma possibilidade de sucesso com Fripp, Wetton e
Brufford fazendo um power trio em “Red”, lançado nos EUA. Não. A banda nos anos
90 tomou direções ainda mais difíceis, examinando riffs, percussão e compassos.
Curiosamente, alguns fãs mais jovens, gostam mais dessa fase, mais recente.
Tudo parecia caminhar para o encerramento da carreira, quando surgiu um site,
um selo, vendendo gravações ao vivo e de repente, Fripp anunciou grande turnê
mundial, com a adição de três bateristas, uma novidade. Mel Collins,
saxofonista dos primeiros trabalhos foi chamado. Tony Levin, grande baixista,
atualmente o âncora também está lá. Daí então, vários discos foram lançados
registrando a formação em diversos formatos. Cinquenta anos depois, chegaram ao
Brasil. Ao primeiro show, em São Paulo, estive presente. Não podia perder nem
me sujeitar ao público bobo do Rock in Rio, onde tocou dois dias depois.
Um
mar de cabeças brancas. Todos sentados. No intervalo, banheiros lotados.
Tiozinhos precisam urinar. Eles surgem super britânicos, alguns com paletó e
gravata. Fripp deixa-se ficar sentado, na ponta do palco, meio encoberto. Os
três bateristas dão um show que levanta a plateia. Daí em diante vão mostrando
seus hits. Há momentos em que todos cantam, levantam, choram. A música é
riquíssima. Os músicos, magníficos. Todos solam e tiram dos instrumentos, o
máximo possível, e no entanto, o som é coeso, harmonicamente encaixado. Tony
Levin domina seu baixo axe. Mel enlouquece com seus sopros. Um dos bateristas
assume o mellotron. Fripp concentrado, perfeito, nas mais intrincadas notas. Casais
bem caretinhas, velhinhos, balançam a cabeça como metaleiros. Outros correm até
diante do palco, fazem reverência e voltam correndo. “Making easy Money”,
gritamos! O vocalista, bom guitarrista, sorri espantado. Do outro lado do mundo
que conhecem, encontram esses possíveis aborígenes cantando juntos hits de uma
banda quase desconhecida da grande mídia. Ao final, aquela que iniciou tudo, “21st
Century Schizoid Man”, cantada a plenos pulmões. Em muitos trechos, todos
choramos emocionados. Passam cinquenta anos de nossas vidas em que essas
músicas foram tão importantes. Puxamos ar, tentamos cantar o refrão, mas as
lágrimas não deixam. Deixa pra lá. Estava liberado chorar. Ao final, após o
bis, a plateia recusava-se a sair. Eles não voltaram. Vou ao banheiro. Entra
alguém comentando que agora vem aí o Van der Graaf Generator. Conhece? Pois
ali, todos conheciam e começam a comentar a possibilidade. Por uma noite,
voltamos a ter 15 anos de idade, ouvindo a melhor banda do mundo, tocando seu
repertório que guardamos em nossos corações, como tesouros preciosos, essas
jóias que nem todos percebem o brilho. E damos graças a Deus por isso.
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