terça-feira, 9 de novembro de 2010

Enfarruscado

Quando chega novembro, dezembro, não interessa se ainda é verão, começo de inverno, vêm dias enfarruscados. Ouvia minha mãe chamar assim os dias cinzentos, gris, nublados. A temperatura às vezes cai um pouco, o suficiente para aliviar. Mas eu lembro mesmo é da minha infância e adolescência. As férias. A lembrança mais antiga é de estar reunido com meus irmãos na ampla sala do apartamento em que vivíamos, na Presidente Vargas, mesmo prédio em que moro, embora em outro andar. Parecia uma sala imensa. Hoje ainda é bem grande. Ficávamos jogados, largados, naquela doce falta do que fazer. E vinha o Edgar Augusto e botava para tocar um vinil dos Beatles. Ouvíamos contritos. Às vezes, na frente do espelho, fazendo mímica, inventando guitarras. Edgar, mais velho, claro, era sempre Paul ou John. Eu podia ser George. Janjo, às vezes, podia ser Ringo. Minha irmã Celina olhava. Ana Carolina talvez fosse muito pequena. E olhava para o céu e estava nublado. Férias de final de ano. Adiante, estou subindo a então São Jerônimo. Ia à casa de meu grande amigo Abílio Cruz, de quem sinto tanta falta. De repente, nem lembro a razão, puxo do bolso a caderneta e confiro as notas. Me dou conta que, apesar de ter média para passar sem fazer prova final, por qualquer regulamento exdrúxulo, precisa fazer a prova, mesmo que tirasse zero, imagino. Uma correria. Minha mãe no Nazaré. Que bobagem. Mas eram dias enfarruscados. Ia à pé ou de bicicleta para a casa de Abílio. O que fazer? Andar de bicicleta, jogar peteca ou jogar futebol? Ou jogar botão? Ou montar aquelas miniaturas Revell de aviões de guerra americanos? Era novembro, dezembro, férias! Nada para fazer. Tudo para fazer. O mundo era nosso. E o tempo era enfarruscado.

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