sexta-feira, 28 de dezembro de 2018
AOS SOBREVIVENTES
Colegas
artistas e envolvidos com a produção cultural de maneira geral, sobreviventes
que conseguiram chegar até aqui e assistir à segunda saída de alguém que
durante mais de vinte anos trabalhou incansavelmente para nos destruir,
humilhar e afastar do povo paraense. É a segunda vez. Da primeira, o resultado
não foi bom. Agora tem tudo para dar certo. Vai ser preciso controlar a ansiedade.
Não esperem um Messias que a tudo dará solução e num passe de mágica nos dará
plenas condições de exercer nossa arte e um público que voltará a acorrer às
nossas apresentações. Tudo foi destruído. A mentalidade, hoje, grosso modo, é
confundir Cultura com Lazer. A Cultura virou algo chato. Livro começo a ler e
dá sono. Peça de teatro é chato e problemas, já tenho os meus. Músicas hoje
basta ouvir em streaming minhas cantoras favoritas. E assim por diante. Vai ser
difícil. Lembrem que nosso Estado tem o tamanho de um país. E salvo uma ou duas
obras, a Secult atuou somente para Belém, como se fosse uma secretaria
municipal. Sim, precisamos reconquistar o público da capital que, afinal, como
muito bem a tal pessoa queria, passou a achar que nós, artistas, somos feios,
cafonas, toscos, mal vestidos e sem talento. Também precisamos saber que, sem
conquistar esse público da capital e principalmente, das grandes cidades do
Pará, qualquer brilhareco obtido por força de talento e internet, fora daqui,
não é suficiente. Não tem base. Enfim, começar do zero. Fazer estruturas,
definir conceitos, parcerias, eventos a partir do ápice de ações coordenadas.
Difícil. Bem difícil. Mas nós sobrevivemos. Nós, do Teatro, em espetáculos de rua,
em casas, escolas, até em ônibus. Nós teimamos. Chegamos até aqui. Nós, da
Literatura, nos unimos na Flipa e mais do que isso, suscitamos o surgimento de
diversos grupos de escritores e leitores jovens que agitam a área em um sem
número de reuniões, mesas redondas, debates, leituras dramáticas, provando que
há vida no setor. E como! Eventos corajosos como Se Rasgum ou Psica demonstram
a aparição de novos artistas, querendo espaço, querendo público, precisando de
um Estado que fomente a Cultura, não como política paternalista como um idiota
disse, mas para a constituição de um mercado, que após estar em pleno
funcionamento, vai possibilitar à uma Secult, inclinar-se para outros artistas,
em áreas que por qualquer motivo ainda necessitem de apoio. Não queremos
esmola. Aqui as leis de incentivo não funcionam. Não há patrocinadores à vista,
porque não querem abrir seus livros contábeis para a Secretaria de Finanças. E
não, nenhuma lei de incentivo, dá dinheiro para a Cultura. O dinheiro que o
patrocinador dará, é relativo a percentual de imposto que, no caso, pagaria ao
Estado, que deixa de receber. Artista leva a culpa de tudo. Ainda tem de aturar
50% de desconto no ingresso. Se em retorno, artistas tivessem uma carteira que
ao apresentar no super mercado, farmácia, onde quer que fosse, também
obtivessem 50%, de maneira a equilibrar o que deixou de receber.. Não. Somos
pobres. Lá na Casa Cuíra, vivemos de ingressos e de matrículas em uma Escola
Livre de Teatro. Os figurinos são todos a partir do acervo do Grupo. O resto é
fazer Teatro porque é isso que fazemos. E foda-se. Assim, todos os outros.
Somos sobreviventes. Se perguntarem como conseguimos chegar até aqui,
respiraremos fundo e após uma reflexão e diante da curiosidade de quem
perguntou, diremos: foi muito difícil. Mas aqui estamos.
sexta-feira, 21 de dezembro de 2018
POR UMA CUIA DE TACACÁ
Feliz
Natal para todos. Espero que estejam bem felizes para comemorar a data. A mim
pouco importa se é o dia certo ou não. Tenho meus assuntos com Cristo
razoavelmente bem conduzidos. Gosto do Natal. Me emociona. Lembro da infância.
Tive uma mãe com uma imaginação fértil. Quando a época chegava, inventava mil
estratagemas para ficarmos ligados. Como já contei, descobri sobre Papai Noel e
levei meu irmão menor para confirmar. Paciência. Não me venham com esse negócio
de festa do consumo e tal. Adoro presentear. Escolho presentes que acho que o
presenteado vai gostar. É bom fazer as outras pessoas felizes. Lamento que nem
todos possam ter a festa que desejavam. Sim, a festa do nascimento do Cristo
devia ser a celebração do amor, da amizade entre as pessoas. O renascimento.
Jesus viveu entre os pobres. Mas importante mesmo é o que vai no coração. Não
me venham também com essa de não ter saco de passar a noite com o cunhado
detestável, a prima que bebe e enferniza, enfim. Sugiro uma trégua. Dá um
tempo, cara. Não perde o melhor. Uma noite apenas, poxa. Sinto saudade da minha
família. De meus irmãos crianças. Do acordar, correr e abrir os presentes.
Minha mãe se foi no começo do ano e estou assim, meio sem rumo. Carlos Eduardo
Novaes conta de um dia 25, almoço, o menino veio chorando queixar-se à mãe.
Porque você não está em seu quarto, jogando seu novo game? Não posso. Papai e
os tios estão lá, jogando e me mandaram sair. Todos viramos crianças, claro. Encontrei
amigos de uma vida inteira, desde o tempo do colégio. Cabelos brancos, barrigas
proeminentes, a verdade é que nos vemos ainda baixinhos, magrelos, caneludos e
com olhos espertos, danados. E nos deliciamos em lembrar nossas antigas
aventuras. Lembraram uma delas, que tentarei contar, aqui. O Nando veio com a
notícia que agora tinha um galo de briga, desses de rinha. E haja a contar
vantagem. Procuramos todos nos informar sobre o assunto. A alimentação correta,
os treinamentos. O Nando ia dizendo que obedecia e que o galo, a cada dia que
passava, ficava mais forte e capaz de lutar e ser um grande campeão. Na hora do
recreio, juntos, como que guardando um grande segredo, conversávamos sobre seu
desempenho. Outro veio com a notícia de uma rinha próximo à sua casa. Foi lá e
contou do “nosso” galo de briga, que apelidamos logo de Ali. Sim, Ali, de
Mohammed Ali, claro. Disse maravilhas e logo apareceu alguem que fez o desafio.
Iam apostar. Quanto? Ficou no ar. Fomos todos ao Nando. O Ali já está pronto?
Claro! Só mais uns ajustes. E as esporas dele? Estou dando um tratamento
diário, para ficarem bem afiadas. Sabiam que o nome delas é Batoque? Não.
Enfim, chegou o dia. Marchamos em cortejo até o rinheiro para o grande embate.
Era um ambiente de adultos, mas fizemos pose de acostumados àquilo. Quando o
desafiante olhou para o Ali, até sorriu. Pensamos que era de medo. Vamos
apostar! Bom, todos botamos as mãos nos bolsos e conseguimos 15 reais! Foi uma
gritaria. Acho que riram, mas era nossa aposta. Estávamos nervosos. Bem, a luta
não durou dez segundos. O galo rival foi direto na papilha do Ali e acabou a
luta. O Ali era mutuca. Ficamos arrasados. Perdemos dinheiro. Nando recolheu o
galo. Percebemos que o ali nunca havia enfrentado um galo na vida. O Nando
esqueceu de aulas práticas, digamos. O que fazemos com ele? Acabamos em uma
tacacazeira que ficava na esquina. Ela trocou o galo morto por uma cuia de
tacacá, que dividimos, pensativos. Feliz Natal.
sexta-feira, 14 de dezembro de 2018
DONA FERNANDA FALOU
Fernanda
Montenegro usou programa dominical na Tv para defender os artistas, que
principalmente durante a campanha política, foram acusados de enriquecer
através da Lei Rouanet. Tinha de ser alguém inatacável como ela, para dizer.
Fernanda, mais que tudo, defendeu os artistas espalhados pelo Brasil, a grande
maioria exercendo sua arte sob as piores condições possíveis, para um público
que cada vez mais se afasta da Cultura, seduzido por atrações aparentemente
mais interessantes, mas que somente refletem o mais baixo e profundo nível de
Educação e Cultura que aflige todo o país. Há várias gerações absolutamente
perdidas, sem ter opinião, sem articular pensamentos, lendo mas não captando o
que foi lido e lendo com muita dificuldade. Sem qualificação, não têm espaço no
mercado de trabalho, digamos, onde os salários são minimamente condizentes e se
não vão para a informalidade, construção civil, ingressam no tráfico e outros
delitos. Mas os artistas foram mal falados por causa da Lei Rouanet. A maioria
das pessoas nem sabe, que a Lei não dá dinheiro a ninguém. Os interessados
submetem seus projetos a um comitê em Brasília, que julga os que considera
melhores, concedendo-lhes um selo que lhes possibilita ir a empresas solicitar
patrocínio, na forma de imposto que essas empresas iriam pagar ao governo.
Grosso modo. Assim funcionam demais leis brasileiras, para a área, como a que
temos no Pará e em Belém. Viajei por aí e conheci a National Endowment of Arts,
nos EUA, onde grupos escolhidos, em várias áreas, recebem dinheiro para um ano
inteiro, recebendo também contadores que fiscalizarão seu bom uso. Nem todos
gostam, por lá. E quem fica fora da lista? E novos artistas que ainda precisam
tornar-se conhecidos? Na Alemanha sei de uma crise no teatro, porque as
companhias são subsidiadas e deixou de haver, digamos um desafio, para obter
maior público, para desafiar os costumes, influenciar a sociedade. Temos aqui
uma lei que nosso venerável prefeito recusa-se a obedecer, como é hábito em
governos tucanos, que odeiam Cultura, a não ser ópera. O venerável, para não
ficar atrás em ridículo, também é imortal da Academia Paraense de Letras, vejam
só. A grande questão é como destinar recursos para a Cultura. Alguém dirá que
isso é absurdo e que o artista é um profissional como qualquer um. Ganha
dinheiro para fazer teatro? Não vou gastar espaço sobre o valor da Cultura. O
artista não quer me dá um dinheiro aí. Ele quer e é obrigação do Estado, em
qualquer instância, fomentar a criação de um mercado onde ele possa existir.
Nas leis, da maneira que estão aí, o Governo na base do toma que o filho é teu,
faz com que departamentos de marketing decidam quem, dos que receberam o selo
da lei, vai receber patrocínio. O marketing escolherá aquele monólogo
maravilhoso e importante ou aquela comédia fácil, que receberá mais público?
Ele precisa pensar pelo produto. Esse é o problema. Dinheiro da Rouanet não vem
para cá. Quais são nossos grandes patrocinadores? O Cuíra conseguiu patrocínio
via Rouanet da Petrobrás. Raro. Mas acabou. Um espetáculo. Feito, contas
prestadas e tal. Então, vão as grandes empresas destinar milhões para musicais
da Broadway, para turnês de músicos como Ivete Sangalo, peças de famosos como
Jô Soares, por exemplo, claro e a pergunta que faço é, mesmo sabendo que tudo
isso custa caro, somente a fama desses artistas (muito justa, por sinal), não
os faria arriscar seu próprio dinheiro, deixando o das leis para os 95%,
talvez, dos artistas espalhados no Brasil? Aqui, nem a estadual funciona. As
empresas não querem abrir seus livros para a Sefin. E pronto. A parceria entre
o Teatro de Apartamento e a Casa Cuíra tem rendido belos espetáculos.
Patrocínio? De ninguém. E ainda somos chamados de milionários da Rouanet...
sexta-feira, 7 de dezembro de 2018
EU, VOCÊ, NÓS DOIS, JÁ TEMOS UM PASSADO, MEU AMOR
Saiu
a foto e a notícia da casa na Barão da Torre, Ipanema, RJ, onde Tom Jobim
morou. Um de seus endereços. Foi vendida e um prédio será erguido no local.
Alguns estão gritando. Já vi alguém dizendo que é melhor assim. Que no prédio
morem outros artistas fazendo novas músicas. Bem, o que ainda não falta é
espaço para construir novos prédios onde novos músicos irão morar e, quem sabe,
compor maravilhas. Para mim foi interessante e me moveu para escrever estas
linhas porque estive hoje na Rua Santo Antônio, já completamente destruída,
tomada por barracas podres, vendendo produtos falsos, para um público que vem
de longe para comprar. Há muito que pessoas, instituições, associações, o
caralho a quatro bradam, pedem socorro, para que o que chamamos de “Comércio”,
onde muito da cidade iniciou, seja acudido. O casario, lindo, desaparece,
desmorona, é demolido, é dilacerado, vilipendiado, violentado, depredado, na
sanha da ignorância, da estupidez, do cretinismo, tudo isso gerado pela falta
de Educação e Cultura que nos assola, e políticos imbecis, bandidos, idiotas,
néscios, ladrões, que têm comandado nossa urbe. Nosso tecido civilizatório está
completamente esgarçado. É como se, lentamente, talvez rapidamente, sei lá,
estejamos voltando à vida na selva, onde não há leis e onde tudo pode ser
feito, por quem quiser fazer, onde e quando quiser, meramente por ter vontade
de fazer. Impera a lei do mais forte, com armas, assaltos, reféns, tiros,
mortes, a qualquer hora do dia, em qualquer lugar, à vista de todos, afrontando
a mínima idéia de civilização.
Se
embaixo o cenário e de ruínas, digamos, ao olhar para cima os olhos se enchem
de lágrimas pelo choque em ver o que eram as casas, velas, azulejadas,
janelões, enfeites, estátuas, acima dessa desgraça abaixo. As lojas, ao invés
de preservar a beleza, a derrubam com gosto, instalando peças ridículas, que
ofendem qualquer conceito de estética. No meio das ruas, essas barracas como
nesses campos de refugiados de guerra, onde os produtos made in China são
vendidos. E muita sujeira, caixas de som altíssimas, locutores falando
português errado e sendo entendidos por todos os que também não sabem mais
falar seu idioma.
Belém
já está abaixo da civilização. Quanto custará para voltar aos mínimos padrões?
Essas novas gerações de imbecilizados e mal educados, que não sabem somar dois
mais dois, lendo mas sem saber dizer o que leram, acham que o mundo começou no
dia em que nasceram. Não têm idéia de onde pisam, por onde passam e quem fez
tudo isso existir. E quem tem idéia disso tudo, por boçalidade, tenta por todos
os meios destruir o que foi feito, meramente porque não foi sua obra, ou por
discordâncias políticas.
A
Presidente Vargas está destruída, com prédios inteiros abandonados, mendigos e
marreteiros, ladrões e crackeiros, circulando com olhos esgazeados de crack.
Caixa Economica, Banco do Brasil, Bradesco, Banpará, C&A, o caralho
(desculpem, mas não há como evitar), nenhum deles pensa em cuidar da avenida.
Em usar os prédios para fins culturais ou educacionais. Em devolver à cidade o
dinheiro que ganham a rodo. É escrotice. Muita. Desamor. Odeiam o Pará.
Odeiam-nos. Vivem do nosso dinheiro e nos odeiam.
E
nós? Você que teve a paciência de ler até aqui, deve concordar, xingar, também,
depois, dizer que porra, alguém devia fazer alguma coisa. E pronto. Vida que
segue. Não é, aparentemente, nenhuma agressão à sua pessoa, nada que
aparentemente o afete. Mas afeta. Machuca. Agride. Diminui. A sua, a minha
cidade está destruída, abandonada, achincalhada, humilhada. O que podemos
fazer. Eu, por enquanto, ao menos, escrevo este. Vamos fazer mais?
LIVROS DE PRESENTE
Luiz
Schwarcz, um dos proprietários da Companhia das Letras, uma das maiores
editoras do país enviou nesta semana, a várias pessoas, ganhando ampla
repercussão na mídia, uma carta sugerindo que neste Natal, o livro fosse o
presente escolhido. Isso acontece a partir da revelação de graves problemas
financeiros enfrentados por duas das maiores livrarias do Brasil, a Cultura e a
Saraiva. Ambas devem às grandes editoras, sobretudo, muito dinheiro. A loja da
Saraiva em Belém não tem lançamentos, por exemplo. Sim, isso poderia indicar
que agrava-se o problema de consumo de livros no país. Nem tanto. Outras
grandes livrarias, como a Travessa, no Rio de Janeiro e a Leitura, de Minas
Gerais, estão muito bem. A Travessa, inclusive, anuncia para o ano que vem a
abertura de loja em São Paulo. Mas as editoras sentirão a falta de venda das
duas grandes cadeias, que atuam em todo o Brasil, até mesmo pela Internet.
Entre as desculpas está o preço do livro, que realmente aumentou. Ao menos
49,50 reais é o preço médio. Caro. Pouco mais de 10 dólares, digamos. Ainda
assim, é mais barato que um casal sair de carro, ir ao shopping, pagar
estacionamento, ingressos de cinema e jantar depois. E a discussão do preço
fixo? Alguns sugerem isso. Complicado. E a lei da livre iniciativa? O preço que
um livro chega ao livreiro em RJ e SP é diferente do que chega em Belém, com o
frete. Como competir? E mesmo que encomendemos pela internet, pagaremos um
frete altíssimo e ainda, possivelmente, enfrentaremos a chegada do livro à
livraria local, antes de em nossa casa. Não, por enquanto leitores digitais não
alcançam venda que represente obstáculo ao livro físico. Comprei dois deles, um
Kindle e um Lev. Uso apenas quando viajo de avião. Sou do tempo antigo. Gosto
de ter o objeto livro. A coisa tátil. O cheiro. O amigo livro. Nos Estados
Unidos, a concorrência já chega a 50%. Enquanto isso, a Livraria Fox, continua
na luta. Seus livreiros são ótimos. Os lançamentos alcançam o gosto de seu
público. Mais importante, em um tempo de blogs, zaps, faces, instas, a Fox
mantém-se como ponto de encontro, de reunião, de debate intelectual. Inaugurada
há pouco tempo, a sala Clarice Lispector está com sua programação lotada de
eventos, os mais diversos, sempre culturais. Sim, lemos pouco. Temos graves
problemas de Educação e Cultura. Como meter na cabeça das pessoas que cada
livro é um mundo, um universo que se abre para o conhecimento, emoção,
vocabulário, exercício da imaginação. Minha mãe comprava enciclopédias. Havia
uma coleção, chamada “Os Titãs”, sobre vários assuntos. E havia a biblioteca de
meu avô, doada à Biblioteca Estadual e certamente jogada às traças, ao
esquecimento. Lá encontrei todos livros, romances de capa e espada que me
instigaram a saber de tudo. Minha tia avó Diva Proença me dava uma revista
chamada Sesinho, publicada pelo Sesi. Em uma delas, “O Cachorrinho Samba na
Bahia”, mencionava a Guerra de Canudos. Me meti a ler Euclides da Cunha. Logo
no começo, abandonei as primeiras partes, “A Terra”, “O Homem”. Não havia como.
Mas fui para a “Guerra”. Saí direto de Robin Hood para Canudos. Depois, o
professor Edson Berbary, do Colégio Nazaré, me fez ler “Menino de Engenho”, de
José Lins do Rego. Fui ao meu avô, saber se tinha para me emprestar. Seu
exemplar estava autografado pelo autor. Uau. Esse livro me estimulou para
sempre a ler. Eu não seria nada sem essa curiosidade pelo livro. Pelo próximo
livro. Sim, comumente dou livros de presente, no Natal. Que tal, vocês, também?
sexta-feira, 30 de novembro de 2018
ESCREVI UM LIVRO
Quero,
com este, dividir com vocês a alegria de terminar de escrever mais um livro.
Será o décimo sétimo. Pela editora Boitempo, certamente. Ainda não sei quando
será lançado, porque isso depende da programação da editora. Leonardo Padura me
disse uma vez que se enamorava pelo livro que escrevia, ao passar muitas horas
com ele ou pensando nele. E que sentia uma angústia, uma sensação de perda,
término de namoro, quando finalmente precisava entrega-lo à Editora. Você anda
pela casa sem encontrar o que fazer. Vai aos jornais saber quais os filmes ou
peças de teatro em cartaz. Até ali, seu mundo estava fechado nos personagens,
na história contada no livro. Não há método específico para escrever. Lembrem
da frase “escrever é muito fácil, por isso é tão difícil”. Cada escritor tem
uma motivação. Posso dizer que nenhum dos livros que escrevi teve a repetição
de algum passo, seja de horário, tempo de escrita, qualquer coisa assim. Tenho,
ainda, a imensa sorte de escrever por prazer, sem que ninguém me cobre, sequer
coerência. Há escritores felizes em escrever uma página por dia. Outros, em um
final de semana, já começam e terminam. Não tenho método. Sou caótico. As
histórias e personagens vão contando suas aventuras aos poucos e vou guardando
na cabeça. Eles vêm sempre acompanhados de família, amigos, amantes e inimigos.
Há que encontrar espaço, extrair aquilo que esses “aderentes” possam oferecer,
sem também alugar espaço. Não perca o foco. Sim, muitas vezes eles são
danadinhos e aprontam pra valer. Incluo ou não? É preciso decidir. Como diz
Antonio Cícero: “o certo é uma estrada reta. De vez em quando acerto, depois
tropeço no meio da linha”. Adoro deixar os personagens dar opinião, se meter,
mostrar que têm suas vontades. Por isso, nunca sei como o livro vai terminar.
Dan Brown, o escritor de best sellers, disse em entrevista ao Bial que somente
inicia a escrita de um livro após saber exatamente todos os passos, até o
final. Acho isso monótono. Quando estou escrevendo, sinto-me mais feliz. Desta
vez, saí apenas umas duas vezes de restaurantes sem pagar a conta. A cabeça
estava em outro lugar e sair a andar talvez tenha sido um conselho para fazer
as idéias fluírem ainda mais. E tocam em seu ombro dizendo que não paguei a
conta. Desculpe, mas é que... Como sempre, tudo se passa em Belém. Agora, no
centro da cidade. Bem urbano. Incluí trechos do livro em algumas crônicas,
aproveitando para colocar-me em cena. Houve quem pensasse que tudo era
verdadeiro e perigoso. Estou pensando nesses escritos transformarem-se em
prólogo. Não sei. Escrevo, geralmente, um capítulo por dia, seja que tamanho
tiver. E penso em suas consequências. Como isso afetará a história. Isso dura
até o dia seguinte. Fiz uma viagem rápida de uma semana e tive dificuldade em
retornar ao livro. O que será que eu estou aprontando? Releio tudo e considero
bom o resultado. Para mim, como diria Paravicini, em “A Ratoeira”, de Agatha
Christie, em cartaz neste sábado e domingo, oito da noite, na Casa Cuíra. Estou
satisfeito. Espero que os leitores pensem da mesma forma. Já enviei para a
Boitempo. Agora a sensação de vazio. Mas também não deixei de assistir filmes,
ler meus livros, jogar futebol. Precisaria ter mais responsabilidade, após o
“Pssica” ser tão bem recebido? Caprichar mais? Sempre tento melhorar, mas
escrever é um grande prazer. Grande alegria. No entanto, também sinto como se
tivesse tirado uma Kombi dos ombros. Os personagens criam vida. Peso. Você vai
direcionando para um final e eles se revoltando, preferindo outros finais e é
preciso administrar. Ainda não tenho um título, mas pode ser BelHell.
sexta-feira, 23 de novembro de 2018
PAPAI NOEL BEBE!
Eu
gosto do Natal. Gosto do tempo nublado, de Papai Noel, troca de presentes,
árvore. Gosto de reunir a família. Gosto de dar presentes. Na minha casa o
Natal sempre foi festivo. Acreditei em Papai Noel por pouco tempo, mas sua
figura até hoje me emociona. Lembro quando a magia do “bom velhinho” acabou. No
térreo do prédio em que morava, havia uma loja, Salevy, de Samuca Levy, a quem
chamava de tio. Um arremedo do que hoje se chama shopping center. Colocava
algumas barracas na calçada, uma feirinha, na semana que antecedia a festa. Em
certo dia, Papai Noel chegava no Renascença e vinha descendo, andar por andar,
cumprimentando os moradores e da sacada, jogava bombons para a multidão que
desde cedo ocupava a rua. Diziam que ele chegava de helicóptero, mas na
verdade, desde cedo “Buraco” ia até o último andar onde vestia o traje e
iniciava a descida. Era Manoel Gaspar, um senhor que ganhava a vida com propaganda volante, de muita história. Longe
de ficar feliz com a visita à minha casa, do Papai Noel, ficava em pânico, por
conta de sua importância, a partir de causos e histórias contadas por minha
mãe. Eu, meus irmãos e primos, aterrorizados, nos escondíamos atrás de qualquer
sofá. E finalmente ele chegou. O irmão mais velho era nosso repórter. Sua
primeira manchete foi: “o Papai Noel conhece o papai”. Como assim? Eu o ouvi
falar “Edyr, como vai, amigo”. Ficamos debatendo a notícia e lá vem o Edgar
novamente e conta que Papai Noel chama nome feio! Como assim? “Eu o ouvi
dizendo “porra, Edyr, essa roupa é muito quente!”. Isso era natural, porque o
velhinho vinha do Pólo Norte. Lá vem o Edgar novamente e diz: ”Papai Noel
bebe!”. Que absurdo! Como, assim. O papai ofereceu e ele aceitou um copo de
whisky. Para ser sincero, Buraco, até chegar ao térreo e fazer a festa das
crianças, tomava uns goles em cada apartamento e até lá embaixo, já estava
“calibrado”.
Em
nome do Natal, também realizei trocas surpreendentes. Pedi e ganhei um “Papa
Filas”, na época, um ônibus maior que os outros, puxado a reboque. Era domingo,
e a família foi para o Lago Azul. Chegando, saí logo a desfilar pelas ruas de
terra, com meu garboso Papa Filas. Mais tarde, quando cheguei, uma gritaria. Ao
invés do Papa Filas, eu trazia, puxado por um fio, um caminhão artesanal, feito
a partir de latas de óleo de cozinha, habilmente formatadas, e tampas de
refrigerante como rodas. É que no caminho, encontrei Cícero, filho do caseiro,
que veio brincar, trazendo seu presente de natal. Olhei e fiquei fascinado.
Aquele brinquedo artesanal me pareceu mais bonito, criativo, moderno, do que
meu Papa Filas. A meus olhos, o caminhão de Cícero era sensacional.
Algum
tempo depois, fui culpado de revelar ao meu irmão mais novo a mentira do Noel.
Nossos pais nos deixaram dormindo e foram buscar os presentes para colocar ao
pé da árvore. Fomos, os dois, sorrateiramente e nos escondemos atrás de móveis
da sala. Meus pais arrumaram os presentes e saíram. Acabou-se um sonho. Eu
gosto do Natal. Fico feliz, comovido e como cristão, sei perfeitamente separar
a troca de presentes com o significado da data. Lembro do meu pai que adorava a
festa, ligava aos amigos, dava presentes e a nós, apresentava um envelope contendo
alguns trocados. Ele me faz muita falta. Ainda temos nossa mãe conosco,
felizmente. Neste Natal, espero estar junto, novamente, com minha família e a
felicidade. Feliz Natal a todos.
sexta-feira, 16 de novembro de 2018
VOCÊ ME OUVE?
Não.
Ninguém quer ouvir. As pessoas andam fingindo que ouvem, mas apenas arrumam os
argumentos que visam desmontar aquilo que nem ouviram. Como disse o Eco, há
cada vez mais imbecis soltando vozes nas mídias sociais. Ninguém quer ouvir argumentos
prós e contras, cotejar e ter uma opinião simples. Palavras de ordem, parece
que Fidel está invadindo Havana neste instante e não há mais de 60 anos atrás e
outras circunstâncias e outro mundo. Não saber perder. E quando a esquerda
ganhou, impondo idéias, apresentando ministros, inclusive de partidos como o
Comunista? Normal, não foi? Democrático. Quando criou outros ministérios,
enfim, quando governou. Agora a direita venceu. Impõe idéias, ministros, reduz
ministérios. É preciso se conformar. Perdeu. Perdeu. Guardar os melhores
argumentos para fazer oposição. Parece que já vão para as ruas com palavras de
ordem de mais de 60 anos atrás, outras circunstancias, outro mundo, outros
atores. Como Lulu Santos diz, assim caminha a humanidade, com passos de formiga
e sem vontade. Pensei nisso quando ouvi um trecho de rap de uma banda chamada
Mulamba, creio, no iTunes. Ensandecida, a cantora diz que as mulheres se
“embucetaram”, várias vezes. A boa cantora Ana Cañas, que anuncia sem problema
algum (que bom!) sua preferencia sexual, também canta a boceta no lugar da
pica, e vamos em frente. É isso mesmo o tal do empoderamento? O inimigo é o
homem e morte a ele? Pensei estar imune a essas manifestações, compreendendo,
ouvindo argumentos, sabendo que na maior parte das vezes, damos três passos à
frente para voltar dois. Nosso país e seu grau quase zero de Educação, Cultura,
gerações perdidas, sem opinião. Suas diferenças abissais de desenvolvimento,
fazendo com que um programa leve e libertário como “Amor e Sexo”, de Fernanda
Lima, produza comentários hostis, mas imagino a diferença de quem o assiste no
RJ ou SP, ou mesmo aqui, em centro urbano, número de pessoas com alguma
compreensão da cena mundial, imagino a diferença para alguma cidade no
interior, com seu desenvolvimento abissalmente diferente. Talvez por preferir o
brilho feminino ou masculino apenas pelo talento, pelo brilho da inteligência,
fique afrontado com esse tal de “embucetamento” propalado. E acabo de ler “Vira
Lata de Raça”, espécie de relato de memórias de Ney Pereira, mais conhecido
como Ney Matogrosso. Eu estava lá quando saiu o disco do Secos e Molhados.
Imaginem a circunstância da época, os gays saindo de armários, ainda na forma
de clowns da sociedade e vem um cara mascarado, corpo belíssimo e voz feminina,
cantando poemas de famosos escritores brasileiros. A ditadura não podia proibir
João Cabral de Melo Neto, por exemplo. Diferente dos irmãos, teve um
enfrentamento longo e triste com o pai, militar, que o marcou definitivamente.
Era um hippie, artesão e alguém o levou até Gerson Conrad e João Ricardo que
precisavam de um cantor. Os dois ficaram irritados pensando que achavam que
eles também eram gays. Mas quando foram para carreira solo, ambos embarcaram na
corrente e se deram mal. O primeiro disco de Ney, para mim, é o melhor de toda
sua carreira. Não gosto de seus outros trabalhos em disco. Para mim, não
funcionam, ao contrário do palco onde ele reina, provocando, lascivo, poético,
bonito. Do romance com Cazuza, somente o necessário. Ele é discreto. Não sou
gay. Sou uma pessoa. Discreto, chega aos 77 anos em plena forma e produzindo.
Teve alguns problemas com o Brasil conservador e careta, claro, mas na maior
parte de sua carreira, impôs-se pelo talento, pela admiração, por ser diferente.
Não é isso? As pessoas precisam voltar a ouvir, antes de responder torto.
sexta-feira, 9 de novembro de 2018
JESUS FOI UM HOMEM COMUM?
Os
poucos leitores que aturam meus escritos, sabem que me intitulo um “leitor
vulgar”, talvez por parecer charmoso, mas com certeza porque basta muito pouco,
uma boa capa, “orelha” bem escrita ou instigante, para que eu compre um livro e
me proponha a lê-lo. Sim, muitas vezes, dez páginas e já compreendi que me
enganei e aquilo iniciado não me levaria ao entretenimento. Pedro Bial
entrevistou Dan Brown, autor de best sellers que combinam mistérios pueris
com revelações muito interessantes sobre
obras de arte e religião, ignoradas por pessoas comuns ou leitores vulgares,
como eu. Brown disse que somente começa a escrever quando já sabe começo, meio
e fim de seus livros. Curiosas as inúmeras maneiras de escrever. Mesmo sabendo
da brutal diferença de interesse entre minhas obras e as dele, devo dizer que
nunca sei sequer o começo de meus livros. Sim, vou pensando em personagens,
alguma provocação, como um start, quem sabe. De resto aquele bololô começa a
existir e pensar, agir, levando-me a um final. Fui falar de Dan Brown e
digressionei feio. É que acabo de ler “O Regresso do Catão”, da italiana
Matilde Asensi, sucesso em 15 países, pela Editora Planeta. O que chamou a
curiosidade foi ler na orelha, que pesquisadores foram atrás do sepulcro de
Jesus de Nazaré, melhor dizendo do ossuário contendo os restos do filho de Deus
e sua família. Uma revelação que coloca em polvorosa a própria religião
católica, que propaga ter Jesus ressuscitado e subido aos céus. Uau, fiquei
curioso. Como assim, encontrar os restos de Jesus? Cara, a trama do livro é
absurda, mentirosa e cheia de furos, como se tudo fosse possível, para uma
família que se assina Shimeon ou coisa parecida, que no final – spoiler – avisa
ser descendente de Simeão, irmão de Jesus. Uma paleógrafa italiana, Ottavia e o
marido egípcio, Farag, arqueólogo são envolvidos e correm o mundo, seguindo
pistas e fazendo deduções. Mas aí resulta o que ha de interessante. Voltamos a
publicações daqueles tempos, histórias de conquistas e mistérios, com
afirmativas justificadas comunicando suas fontes. Sim, a questão principal.
Erros de tradutores, do que foi escrito em grego, pois naquela época, esse
idioma era o que hoje o inglês é, fez com que o trecho avisando que uma jovem
daria à luz, ficasse como uma virgem daria à luz. E José? E os irmãos de Jesus?
Para ter dado à luz a Jesus, ela precisaria ser uma Virgem. Uau. E as aventuras
ficam mais chatas porque de repente, uma equipe inteira, em Israel, entra em
uma montanha e fica enredada em labirintos de códigos, a partir das sete bem
aventuranças, até, sim, encontrar o ossuário. Claro que tudo fica em segredo e
a descoberta é enviada a uma sociedade secreta que havia bancado tudo e que
ninguém nunca saberá e coisa e tal. Esses últimos guardiões são os ebionitas.
Que tal saber que é descendente de Jesus de Nazaré? Bom, não quero causar
impacto, nem tampouco sensação, mas sempre estive próximo de acreditar no Jesus
homem, tocado pelo Espírito Santo e a partir daí, seguindo sua missão,
completando com a frase “Judas, tu vais me trair, mas finalmente eu me livrarei
deste corpo que me veste” ou, na cruz, torturado, lamentando “Pai, porque me abandonaste?”.
Não quero mexer em casa de caba, mas a possibilidade de discutir o assunto me é
irresistível e creio, mesmo, que discutir é pensar nÊle, tentar agir como Êle,
e assim, ser melhor, bem melhor como ser humano. Há várias outras dicas em meio
às aventuras. Deixe de lado as bobagens delas, leia as histórias, documentadas
e pense.
sexta-feira, 2 de novembro de 2018
FEIRA LITERÁRIA DA BIBLIOTECA DO ESTADO DO PARANÁ
Acabo
de sair da Flibi, Feira Literária da Biblioteca do Estado do Paraná, em
Curitiba. Juntamente com Fernando Bonassi, fui entrevistado e respondemos
também às perguntas da plateia, no auditório do prédio da Biblioteca. Cheguei
no hotel e fiquei pensando em como fiquei chocado, tocado, impressionado pelo
trabalho desenvolvido ali. A programação impecável, com diversas áreas
contempladas. Oficina de Literatura com Joca Terron, um luxo. Várias salas,
todas ocupadas por um público interessado. Imaginem que até a lanchonete que
presta serviços, também lança livros, jornal, romances e ensaios sobre cinema.
Já sabia do Rascunho, talvez o jornal mais importante de Literatura do Brasil e
também do Candido, revista produzida pela Biblioteca, onde também já fui
entrevistado e colaborei com algum material. Há outras publicações como Helena,
já em seu oitavo número neste outono com ensaios maravilhosos. Na lojinha,
encontramos diversos livros de autores paranaenses, inclusive um reunindo
comédias de novos autores teatrais. Márcio Renato dos Santos, o diretor, me
presenteia com seu último livro, “A Certeza das Coisas Impossíveis”. Luiz
Rebinski, que também trabalha ali, me apresenta “Um Pouco Mais Ao Sul”, de sua
autoria. Ou seja, gente de Literatura, ativa, escrevendo, administrando e
fazendo um trabalho memorável para o povo do Paraná. Quanta inveja, me
permitam. Eles me perguntaram como era aqui e eu tive de responder que não era.
Em mais de vinte anos passamos por uma escuridão cultural em todas as áreas. Na
de Literatura, ainda tivemos de aturar uma farsa chamada Feira Pan Amazônica do
Livro. Dá até vontade de rir. Mas não ficamos sentados, chorando. Os escritores
se reuniram, fizeram a Flipa, que teve há poucos dias mais uma vitoriosa
edição. Um número grande de jovens vem mostrando novos trabalhos, nos gêneros
de Terror e Ficção Científica. Há grande número de blogs, sobre Literatura.
Encontros, leituras. Uma livraria como a Fox, que tem orgulho em vender livros
de autores locais, ao contrário da Saraiva, grande cadeia nacional, onde os
escritores são anônimos. Na Minha Leitura, há “Pssica” para vender, fruto da
curiosidade de um de seus melhores livreiros. No entanto, nada mais há dos
nossos escritores. Helder Barbalho venceu, tenho certeza que recomeçaremos do
zero, a questão da constituição de um mercado, com o povo consumindo Cultura e
os artistas podendo trabalhar e viver de sua arte. No mínimo, teremos uma
pessoa nova com quem poderemos discutir. Ah, o dia em que teremos uma
Biblioteca que seja ativa, publique revistas, blogs, novos livros, relance
antigos livros fora de catálogo, trabalhe para difusão e popularização dos
escritores atuais e apresente os novos, sejam de Belém, como polo gerador,
sejam de todo este Estado do tamanho de um país. Há tanto a ser feito!
Apaguemos todas as bobagens, tolices e porcarias feitas há mais de vinte anos e
recomecemos do zero. Depois da tempestade, veio a bonança. Acabou a escuridão.
Aquele funcionário público medíocre, que nos acha feios, sem talento, cafonas,
nunca mais nos fará mal. Só não deixaremos que seja esquecido. Ficará para
sempre como tradução de maldição, coisa ruim, como peste.
No
taxi para o aeroporto, o motorista me conta de uma característica engraçada do
curitibano. Dirigindo, atrás de um veículo mais lento, dá o sinal e tenta
ultrapassar. Imediatamente, aquele que ia devagar acelera para não permitir.
Mostrou-me exemplos, em nosso caminho. Mas que eles estão ótimos para com a
Literatura, poxa, fiquei arrasado e feliz. Agora será nossa vez?
quinta-feira, 1 de novembro de 2018
DEMOROU
Com
os ânimos exaltados que vivemos estas vésperas de uma eleição para presidente,
quase deixamos de lado a felicidade de termos anunciada a ampla vitória de
Helder Barbalho para o governo do Estado, que significa, em um horizonte mais
imediato, a derrota de uma criatura que por mais de vinte anos nos humilhou,
destroçou, escarneceu, prejudicou a carreira de uma geração inteira que nunca
pôde desenvolver seu trabalho de maneira ideal, convivendo com uma espécie de
apartheid que nos deixou à parte dos teatros e, principalmente, à parte do
próprio público paraense, que passou a nos desconhecer e a nos espetar a marca
de cafonas, sem talento, ruins, apregoada, exatamente, desta figura amaldiçoada
que nos deixará, enfim. Sei perfeitamente que já houve uma vitória. Festejamos,
curtimos e no entanto, o partido que tanto acenou para a Cultura como cúmplice,
utilizou o cargo para eleger político seu, dando-nos bananas, talvez, nem isso.
Quando o nefando reassumiu o cargo foi com ainda maior desprezo. Fora os métodos
suspeitos utilizados na votação, fomos todos derrotados. Seremos auto
destrutivos? Procuramos por todos os meios abafar nossas manifestações
culturais? Somos artistas, de várias artes, com todas as condições de vencer,
influenciar os paraenses, fazer valer nosso trabalho, ou em fim de contas,
pouco antes do sucesso, fazemos de tudo para que tudo desmorone? Não queremos
esmola. Dá um dinheiro aí. Queremos que o Estado fomente a criação de mercados
culturais em suas várias áreas. Queremos os espaços abertos para mostrar nossa
arte. O fomento é uma obrigação, já que de um lado, o Estado deve prover de
todos os instrumentos aos artistas para que possam alcançar, com seu trabalho,
todo o povo paraense. Por outro lado, cabe ao Governo, também, dar ao povo
paraense toda a condição possível para que desfrute dessa Cultura. Durante mais
de vinte anos, o interior do Pará viu a Cultura ser tocada como se fosse
municipal, apenas para Belém, com um ou outro mimo, por motivo político, indo
para outras cidades. Somos um Estado com tamanho de País e não nos falamos.
Alguns de nós escaparam e brilharam lá fora, mesmo antes de conquistar seu
povo. Impossível desdenhar do belo trabalho feito pelo Conservatório Carlos
Gomes, iniciado lá atrás por Glória Caputo. Mas gastar milhões para plateias de
mil pessoas, cada vez, por quatro ou cinco vezes, apenas? Então que as óperas,
com elencos inteiramente locais percorram cidades pólo, mostrando-se a todo o
Pará. Hoje, nosso melhor teatro está sendo mostrado em casas de cultura, palcos
improvisados, para plateias com no máximo 40 pessoas. A que ponto chegamos. Artistas
como cristãos na velha Roma, reunindo-se nas catacumbas. Muitas das nossas
estrelas foram para a carreira acadêmica, sobrevivendo, formando pessoas (para
quê, ou para quem?) e se ausentando das nossas vistas. Sim, o “tá ruim” vai
embora. Vai deixar o castelinho que inventou na antiga residência
governamental. Talvez os artistas voltem a ocupar os corredores de sua antiga
casa, a Fundação Tancredo Neves, hoje com outro nome. Amigos me contam que
começaram a ser bem tratados, muito bem tratados, por quem, até pouco tempo, as
desconheciam. Muito engraçado. Há muito trabalho a ser feito. Começar do zero.
Vai ser preciso paciência. Refazer. Repactuar. Mas tudo de maneira profissional,
pensando em todas áreas, pensando em todo o Pará. Não sei quem virá, mas no
mínimo, será alguém novo para discutir. Espero que o tá ruim nunca mais volte
para nos assombrar. Será esquecido ou lembrado como maldição. A escuridão está
indo embora. Que bom que ainda estou aqui para ver. Demorou.
sexta-feira, 19 de outubro de 2018
OS ÉGUAS E A FLIPA
Relancei há dias, na Livraria da Fox, onde está à venda, meu primeiro romance,
“Os Éguas”, lançado em 1998 pela Boitempo Editorial, casa por onde lancei todos
os meus outros livros. É difícil aceitar a passagem do tempo. Cada obra que
escrevemos é um filho que nasce. Quando me perguntam qual considero meu melhor,
prefiro dizer o próximo. Meu pai teve cinco filhos e dizia que gostava de cada
um de maneira diferente, conforme seu gênio. O amor era o mesmo. Nunca pensei
seriamente em escrever um romance. Talvez isso passeasse na minha cabeça,
quando já tinha o vício de ler tantos livros. O mano Edgar, que era diretor da
Rádio Cultura, me disse que talvez voltassem com as radio novelas. Me
interessaria pensar em algum argumento? Disse-lhe que, sonoramente, vivíamos
momento de muitos sons eletrônicos. Era a época da secretaria eletrônica. Que
tal começar ouvindo os recados enviados para alguém que a Polícia descobriu,
estava morto? A rádio novela não saiu. Pecado. Mas fui desenrolando um fio de
personagens, das mais diversas classes sociais, de um cabeleireiro a um jogador
de futebol, passando por um delegado jovem e alcoólatra, cada um deles
procurando uma coisa e encontrando outra. Adorei. Vibrei. Descobri-me um
observador do mundo, das pessoas, das vidas e amores e desgraças e ambições e
traições, enfim. Vida. Meus colegas jornalistas, em Belém, como de hábito, me
deram boas vindas nos jornais, rádio e televisão. Mas em termos de Brasil, tive
umas três linhas no há muito extinto Jornal da Tarde, em São Paulo. Mas não é
que, já nos anos 2000, uma nova editora francesa, Asphalte Editions, comprou os
direitos de publicação, traduziu e lançou na França? “Os Éguas”, não deu para
traduzir. Ficou “Belém”. Uma manhã, recebo um telefonema. A Universidade Jean
Moulin, de Lyon, escolhe a cada ano, um país e quatro livros escritos e
traduzidos para o francês e os estuda por três meses, professores e alunos. Ao
final, premiam o que consideram o melhor, com o troféu Prix Caméléon. “Os Éguas
– Belém”, ganhara o prêmio. Não digo dos concorrentes por ética, mas ao
contrário de mim, são nomes nacionais da Literatura Brasileira. Bem, tenho seis
romances nacionais, na Boitempo. Escrevo, neste momento, mais um. Na
Inglaterra, um livro traduzido. Na França, quatro. Mas foi a partir de “Os
Éguas” que a imprensa do Sudeste passou a me reconhecer. Ano passado, “Pssica”
esteve entre os dez melhores romances lançados na França. Em 2015, “Pssica” foi
finalista da Associação Paulista de Críticos de Arte e Prêmio Oceanos. Que tal
ler “Os Éguas”? Mudou a capa. Ivana Jinkings, da Boitempo, a quem devo tudo,
vai relançar os outros, também mudando a capa.
Estarei
com “Os Éguas” e também todos os outros escritores paraenses, neste sábado e
domingo em mais uma Flipa. Começou com Salomão Laredo protestando contra a
farsa que é a Feira Pan Amazônica do Livro, da Secretaria de Cultura. Ele fez,
na Fox, a Feira do Salomão. Deu no que deu. Ano passado, em dois dias, vendemos
mil livros de autores locais. Mil livros. A Fox patrocina. A Empíreo,
corajosamente, também. João de Jesus Paes Loureiro, este ano, é o patrono.
Gênio paraense, professor e poeta singular, com voz moderna e ao mesmo tempo,
amazônida, é uma das unanimidades do Pará e do Brasil, com forte presença no
exterior. Haverá palestras, conversas, a presença de escritores em
congraçamento entre si e, principalmente, com os leitores que forem à Livraria
da Fox, neste sábado e domingo. Estão todos convidados.
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