sexta-feira, 31 de março de 2017

BELÉM, A CIDADE QUE APODRECEU

Hoje volto a um tema sobre o qual já escrevi. Mas é que há algumas semanas, voltando de viagem, saudoso dos meus, das minhas coisas e da cidade, levei logo uma bofetada ao trafegar em direção à minha casa. Talvez nunca Belém tenha estado tão mal. Após duas administrações seguidas, uma delas (será que chegará ao final?) mal iniciada. Após um Átila, rei dos hunos, passar pela Prefeitura, temos outra figura que se destaca pela inação. Onde foi parar o dinheiro de Belém? Faliu? Logo após a reeleição, discutida na Justiça que, ao que parece, está docemente convencida a perdoar os erros, esperou-se pelas promessas. Nada veio. As ruas estão esburacadas, sem sinalização, sem fiscalização, com fiscais preocupados apenas em multar. Não há lei com um número de mortes, no centro e na periferia, superior ao de guerras no Oriente Médio. Diariamente. Há poucos dias, onze da noite, ouço cinco tiros na Riachuelo. Tá lá um corpo estendido no chão. Convenientemente alguns minutos depois, uns dez carros de Polícia chegaram para conferir. É a Polícia que está matando, sem uniforme e com a aquiescência dos superiores? São os traficantes? O povo no meio disso. E balas zumbem em nossos ouvidos. A falta de lei reflete nos mínimos deveres civilizatórios. É a lei da selva. Faz-se o que quer. Penso que, de maneira pensada, se alguém decidir sair nu e cometer toda a série de crimes, nada lhe acontecerá, sequer aparecerá alguém reclamando. Lojas fecham. Camelôs se instalam onde bem entendem. São avisados da alguma blitz. Está tudo dominado. O governador sumiu. Se não há mais nada a fazer, qual a razão da reeleição? Pergunto o mesmo ao prefeito. Em alguns bairros, a lei do silêncio e o toque de recolher é decretado por outros poderes. E o que fazemos aqui? Tive várias chances quando jovem, de ir embora. Boas tentações. Não fui. Devia ter ido? Sei lá. Mas hoje, novamente, vem a vontade de “capar o gato”. Ir para outro país, como Portugal. Estávamos em uma cidade estrangeira. Minha mulher sai e tem a bolsa firmemente segura, braços cruzados até que, de repente, cai na risada e deixa a bolsa em seu lugar normal. Não estamos em Belém. Claro, nenhum lugar é um paraíso, mas aqui estamos longe, muito longe de ter qualquer segurança. Pior para os jovens. O que há para eles? Nada. Os que escapam para São Paulo, por exemplo, amargam longa procura por emprego. Um deles declarou : nos disseram que bastava estudar muito para depois ter um emprego muito bom. Não é verdade. Têm pós graduação e outros e conseguem emprego com nível de primeiro grau. Mas ficar aqui? Vivendo no quarto, ligado na internet, tv a cabo, a garota que dorme com ele e dependendo dos pais? E a galera da periferia? Muito pior. Universidades soltam a cada semestre um sem número de próximos desempregados. Não há mercado de trabalho. Talvez como camelô, tão adorados pelos prefeitos. Não produzimos nada. Nossa elite passa finais de semana em Miami, pelo mundo, e não traz nada para usar aqui. Vive em mansões de 50 andares, palácios, mas quando sai à rua, pisa na lama. Esse BRT é um erro brutal, grandioso, que nunca ficará pronto. Dane-se a cidade. Vêm aí novas eleições. Nova chance para, mais uma vez, errarmos. E dizemos que amamos Belém? Ouvimos Fafá cantar a música do pai e da tia Adalcinda e choramos. Devíamos era chorar de raiva. Ir para as ruas. Quebrar tudo. Botar pra fora esses incompetentes. Esses caras têm sorte de sermos um povo frouxo. Que pena, Belém. O último a sair, apague a luz, se já não estiver cortada.

sexta-feira, 17 de março de 2017

A FEIRA DO SOM

Tive a sorte de dar o nome ao “Feira do Som”, programa que está completando 45 anos em atividade. Além disso, são 50 anos de profissão de Edgar Augusto, meu irmão mais velho. Quando um programa de rádio atinge essa longevidade, e na comemoração ganha páginas e colunas em jornal, além de programa em televisão, é porque realmente é importante. 
Foi ali nos anos 1970. Havia várias sugestões. A minha foi acatada. Era uma época fantástica. A Cultura reagia maravilhosamente à ditadura e censura. Cinema, Artes Plásticas, Literatura, Teatro e Música viviam momentos incríveis. Os Beatles pararam. Hendrix e Janis morreram. Mas havia o rock progressivo e muita gente boa surgindo. Aqui tínhamos os baianos, Chico, Milton, pernambucanos como Alceu, mais Elba, Geraldo, Ramalho, cearenses como Fagner. Muita coisa boa. Talvez tenha uma inspiração no programa do Flávio Cavalcanti, que falava de música, embora de maneira tragicamente retrógada. Bem, havia Nelson Motta. 
Edgar já era apresentador do “Cantinho dos Beatles”, com fã-clube e tudo. E também, um dos melhores narradores de futebol que ouvi, perdoem se sou totalmente suspeito. Havia também o “Sábado Gente Jovem”. E a “Feira do Som” inovando, ousando com as novidades, fazendo a cabeça de tanta gente, principalmente pela informação. 
Veio a FM e o programa foi para a Rádio Cidade Morena. O estúdio era pequeno, como são hoje os estúdios onde o locutor também opera a mesa, põe músicas e comerciais. Tive a dádiva de dividir com ele o microfone. Ficava manobrando a mesa de som, enquanto ele, sentado no chão do estúdio, espalhava as notícias. Muita gente boa foi entrevistada ali e sentou no chão. Era tudo muito à vontade. Lembro de Nara Leão, que veio lançar o disco em que canta “Nasci para Bailar”, de Donato e Paulo André. Ela voltou com Roberto Menescal, cantando bossa nova. Lembro de Geraldinho Azevedo, Flávio Venturini, tanta gente... 
Mas a rádio era comercial e o programa acabou por ocupar sua melhor posição na Rádio Cultura, da qual, permitam-me, Edgar já fazia parte desde a Cultura Ondas Tropicais, em uma equipe por mim montada. Com uma voz especial e vocabulário de “dia de semana”, ele usa várias técnicas para prender os ouvintes. As novidades a cada dia. A menção aos músicos presentes em cada música executada. O noticiário local, muito importante para os artistas da terra, criando inclusive apelidos que duram até hoje, como “Operário da Noite”, para Pedrinho Cavallero. Os bordões, repetidos diariamente, estão no pensamento dos ouvintes. Outra técnica de fidelização. 
Se os artistas locais conseguem, nessas trevas em que vivemos há mais 20 anos, ainda existir, apresentar-se, alguns com carreira, gravando CDs e shows em outras cidades, a “Feira” tem parte nisso. Trata os estreantes e os veteranos da mesma maneira, sempre com uma palavra de alento e incentivo. Recebe-os no programa, que ainda tem seções fixas, em que premia os ouvintes e, claro, o “Cantinho dos Beatles”, para os empedernidos. 
Todo esse tempo no ar e com um público de A a Z, em várias faixas etárias, faz esse programa um patrimônio cultural de uma cidade tão sofrida nessa área. Quanto a mim, mesmo à frente de uma emissora comercial, não deixo de ouvi-lo. Edgar é um ídolo. Irmãos, somos amigos. Forneço discos, notícias. O som do programa é o meu preferido, entre outros. Mais do que nunca, continuemos a ouvir, de segunda a sexta, “aqui fala o Edgar Augusto!”. Parabéns!

sexta-feira, 10 de março de 2017

PSSICA NA FRANÇA

A Literatura, mais uma vez, me levou a lugares bem distantes e melhor ainda, ao encontro de pessoas interessadas naquilo que escrevo. Em todos os lugares onde passei, havia mais que curiosidade. Antes do encontro, todos fizeram seu “trabalho de casa”, lendo, pesquisando. Meu livro mais recente, “Pssica”, foi lançado na França. É o quarto romance editado por lá, pela querida Asphalte Editions, comandada pelas adoráveis Estelle e Claire, que além de profissionais competentes, são apaixonadas por seu ofício, criando verdadeiros objetos de arte. E traduzido pelo genial Diniz Galhos. A convite do amigo Pierre-Michel Pranville, grande tradutor, amante do que eles chamam de “Polar” e professor, e da professora Brigitte Thiérion, especializada em Estudos Lusófonos, da Université Sorbonne Nouvelle, Paris 3, fui recebido por um grande grupo de estudantes de nível adiantado para falar sobre minha Literatura e demais aspectos. É realmente algo a deixar qualquer um emocionado e orgulhoso. Depois, fui à Livraria Le Comptois de Mots para apresentar “Pssica” aos leitores e perceber seu interesse pelos escritores brasileiros. Adiante, estive também em Toulouse, ampliando mais ainda o conhecimento que passo a ter por esse fabuloso país onde ler é decididamente importante, exercício que começa nos primeiros anos de vida das crianças, seja através de seus pais, seja da escola. Lá, fui recebido pelos amigos Jean Paul e sua esposa Dominick, que me levaram à Livraria Renaissance para conversar com grande público. Discutimos Literatura e a vida no Brasil. Interessante encontrar lá duas paraenses, uma senhora da família Travassos e outra, a jovem Marilene, que estuda Antropologia. Como tradutora, a professora Emanuelle, que trabalha na Universidade de lá na área de Teatro, com impressão em livro de peças teatrais, traduzidas e discutidas com os alunos. Já iniciamos démarches para também trabalhar na área de Artes Cênicas, inclusive com festival em agosto. Em outubro, Jean Paul dirige um grande Festival especializado em Literatura Policial. Querem levar até lá meu amigo Leonardo Padura. Tomara que consigam. Toulouse é uma bela cidade de 350 mil habitantes, junto aos Pireneus, próxima à fronteira com a Espanha. É lá, também, que os franceses fabricam os gigantescos Airbus que voam pelo mundo, além de satélites. O clima é sempre ensolarado e a temperatura, agradabilíssima. Passear pelo centro da cidade é circular por um casario antigo belo, ruas perfeitas, limpas e jovens, muitos jovens a festejar a vida. Em Paris, desta vez, havia muita chuva, vento, e uma sensação térmica de 3 graus. Os aviões da Latam são novos e muito bons. As viagens são sempre completamente lotadas, o que me faz perguntar a razão para tanto choro das empresas. O que, definitivamente é muito ruim, pela falta de concorrência e fazer passageiros cansados da longa travessia, chegando aqui lá pelas seis da manhã, enfrentar, após a alfandega, longas e desgastantes filas, que duram mais que uma hora de espera, para fazer as conexões para as outras cidades. Pior é chegar à querida cidade e enfrentar novamente o horror que vivemos. Imundície, buracos, pichações, agressão aos mais pobres e tudo o que causa infelicidade. Por quê se reelegeu? O que já é trágico ainda ficará pior?