quinta-feira, 23 de maio de 2013

Abraço no Sesc

Iniciamos hoje uma rápida temporada de "Abraço", no Teatro do Sesc, que tem umas 140 cadeiras, penso. O ingresso é grátis. A idéia é boa. Mas penso se não vão ficar acostumados ao grátis, pois já se recusam a pagar 20, 10 reais (com a meia). Tomara que não.
É o meu melhor texto. Uma homenagem a meu pai (que neste maio aniversariou de nascimento e morte) e alguns de seus amigos, além de um tanto de ficção. Uma lembrança das conversas que tínhamos, quase diariamente em minha sala de trabalho. Ele, que estava com a saúde ótima, amargurava-se com os companheiros de geração, um por um, falecendo. Comentava sobre os velórios, o encontro dos ainda vivos, as lembranças. E também sobre um grande amigo seu, já falecido, por suicídio, amigo meu, também, a quem chamava de tio. Pena não ter a idade certa, o amadurecimento para perceber e tentar ajudar. Os solitários, como me sinto, muitas vezes. Mas aqueles que iniciam um processo punk, ao não se pentearem, barbearem, tomar banho, trocar as roupas. Para quem? É o que dizem. Meu pai ligava, botava alto astral, saíam para passear. Ou então uma história pessoal que Haroldo Maranhão me contou em seu apartamento em Juiz de Fora. História linda, de amor e renúncia. O texto é uma reflexão. Penso que as pessoas que tiverem algum parente já idoso, que precisa de conforto e amizade, lucrarão assistindo. É uma discussão boa. De fora, é fácil dissertar sobre o assunto. Quem convive, sofre, mas precisa ter a cabeça no lugar. Hoje, minha mãe está prestes a fazer 91 e procuro estar sempre por perto.
Uma delícia é assistir Cláudio Barradas e Zê Charone em cena. Eles se divertem, se deliciam em suas atuações, seríssimas, claro. Cláudio vive seu ápice. Aos oitenta e poucos, padre, tem a exata dimensão da cena, seus movimentos precisos, limpos. E Zê é a melhor atriz de sua geração. As melodias do texto, até mesmo sua crueldade. Gosto muito de Abraço. Que tal aparecerem por lá?

Portas fechadas

A jornalista Luiza Cabral, de O Diário do Pará, telefona para perguntar sobre um desabafo que publiquei no Facebook. Uma funcionária da Fumbel pedindo parceria com o Grupo Cuíra, na cessão gratuita de seu espaço, recebendo em troca, a inclusão da sua logo no folder da apresentacão de Pássaros Juninos nas manhãs de domingo. Foi isso mesmo. Muitas vezes, repreendi amigos que desejavam botar a boca no trombone contra esses absurdos. Dizia-lhes que além de tudo, são vingativos estes que propõe ou nada propõe. Que devíamos evitar fechar portas. Qual nada. Nada é feito. Nada será feito. As áreas de Cultura continuam sendo o refúgio de amigos, aliados políticos, sem qualquer envolvimento. Específicamente na Fumbel, para Concurso de Quadrilhas Juninas e de quebra, aturar os Pássaros Juninos, o que é um escândalo. Nesses momentos, a vontade é de largar tudo. Bem que o prefeito, em suas primeiras manifestações, avisou logo que a Cultura teria de esperar...
Manter o Teatro Cuíra é algo no limite do impossível, do sacerdócio, coisa que fazemos porque queremos. O Teatro é um cavalo ferido de morte, mas que não vamos deixar que morra.
Cúmulo de tudo é ler a entrevista do Secretário da Cultura à revista da Leal Moreira. Quatro páginas e nada a respeito de Cultura. Fala sobre arquitetura, sua profissão. Acaba de ser homenageado pelo evento CasaCor, como arquiteto. Então, porque ser Secretário da Cultura? E porque remeter à Fundação Tancredo Neves meros trocados, que não lhe permitem nem espasmos? E porque permitir que a Secretaria de Comunicação, com fartas verbas, prossiga com sua quermesse, que nada adianta aos artistas locais?
No resto do mundo, a Cultura, além de já ser a Cultura, transformou-se em formidável geradora de empregos e impostos, contribuindo grandemente para outra indústria sem chaminés, o Turismo. Enquanto isso, aqui, tudo fazemos para nos destruir.
E diretamente à Fumbel, o trabalho do Sesc, em frente à Estação das Docas, lotando a casa diariamente com programações diversas. Lembro que ao Sesc, não pode ser cobrada a criação de mercado de trabalho para os artistas. A Prefeitura, há uns 30 anos está afastada. O último secretário na área foi João de Jesus Paes Loureiro, há muitas luas atrás. Quanto à Secult, tudo já foi dito. Uma pena.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Os Éguas e Moscow traduzidos e lançados na França


Meu amigo lusitano Diniz está traduzindo para o francês meus dois primeiros romances, “Os Éguas” e “Moscow”, lançamentos Boitempo Editorial. Temos trocado e-mails muito interessantes, por conta de palavras e gírias comuns no meu Pará e absolutamente sem sentido para ele. Às vezes é bem difícil explicar, como na cena em que alguém empina papagaio e corta o adversário “no gasgo”. Não sei se no universo das pipas, lá fora, ocorrem os mesmos e magníficos embates que se verificam aqui, com linhas enceradas e manobras ousadas, “cortando e aparando” os adversários ou então, maior habilidade, “dar no gasgo”.
Outra situação em que personagens estão jogando uma “pelada” enquanto outros estão “na grade”. Quem está na grade, aguarda o desfecho da partida, para jogar contra o vencedor, certamente porque espera fora do campo, demarcado por uma grade. Vai explicar..
E aqueles dois bebedores eméritos que “bebem de testa” até altas horas? Por aqui, beber de testa é quase um embate para saber quem vai desistir primeiro, empilhando as grades de cerveja ao lado da mesa.
O tradutor de “Hornet’s nest”, Richard Bartlett, comprou dicionários de palavrão e dvds eróticos brasileiros, para melhor entender. Richard é sul africano, mas aprendeu português em Moçambique e agora mora em Londres.
Penso que é parte da nossa criatividade, de nosso potencial, o uso das gírias, de palavras bem locais, quase dialeto, que funcionam na melodia do nosso texto, uma qualidade da literatura brasileira. Sei que o governo está fazendo esforço no sentido da tradutores para lançamento no mercado europeu de vários autores. Agora na Feira do Livro em Frankfurt, o Brasil é homenageado e muitos escritores lá estarão.
Quanto a mim, uso pouco, aqui e ali, nossas palavras. Procuro ser econômico. Mesmo assim, vou respondendo aos e-mails. Ele me diz que enfim, está tudo pronto. Agora é aguardar a publicação. Quando souber o título para “Os Éguas”, aviso.

Você jurou que eu ia ser feliz


 A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada
ELIANE BRUM
   Divulgação
Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.
Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas,viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.
Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.
Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.
Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.
É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?
Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.
Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.
Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.
A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.
Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.
Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.
Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.
Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.
O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.
Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.
Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.
Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.
Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Edyr Proença - 19 de maio


Se estivesse vivo, Edyr Paiva Proença completaria 93 anos neste domingo, dia 19. Pena, faleceu no dia 5 de maio de 1998, há 15 anos atrás. A Rádio Clube do Pará fez uma festa para comemorar 85 anos de existência. Sim, havia retratos dele e de meu avô em totens espalhados no salão. Mas fora isso, não houve menções maiores. Vivemos outro tempo, a emissora tem outros donos e muitos números positivos a festejar. Mas seja o que for, é impossível dissociar a Prc5 de Edyr Proença. Mesmo sendo o rádio o veículo do imediatismo, onde tudo que é produzido vai ao ar e após recebido ou não pelo público, perde-se, os feitos de Edyr Proença ficaram. Sua acuidade, cultura, respeito, palavra fácil e equilibrada. Sua honestidade, retidão de caráter. Todos sabiam suas preferencias clubísticas e no entanto, não imagino ninguém com mínimo razoabilidade, emitir conceito ruim sobre suas locuções.
Curiosa sua trajetória. Filho de Edgar Proença, esfuziante, mestre da comunicação, do empreendedorismo, jornalista, radialista, escritor, enveredou pela música, montando o grupo Bando da Estrela, onde Celeste Proença era cantora. Mas na medida em que inicia os trabalhos e adiante, casa e começam a chegar os filhos, transforma-se no homem sério, trabalhador, jornalista e radialista preciso, assessor de imprensa no Basa. Claro, entre amigos, permanece o excelente conversador, contador de anedotas. Um tanto ausente para nós, pois trabalhava de manhã, à tarde e à noite, para dar conta das contas da molecada. De vez em quando tirava o violão da caixa e tocava suas serestas para o mais seleto dos públicos, seus filhos. O Edgar Augusto fuçou e descobriu um acetato com as gravações do Bando da Estrela. Adolescemos e de repente, o pai que era enérgico, duro e exigente, também começou a adolescer. Já havia companheirismo. Passei minha infância e adolescência acompanhando-o aos jogos de futebol. Milhares. Aprendendo a ler o que acontecia. A ser equilibrado. Acompanhando-o às peladas noturnas no Lago Azul. Puxa, como convivemos nessa época. E agora, as conversas sobre Cultura, que explodia no mundo. Política, não. Detestava. Meu irmão Edgar ainda ouviu e foi ver algumas cenas. Eu não podia. Estava mergulhado na Cultura. Veio um festival universitário. Inscrevi duas músicas. Não passaram. Mas escrevi uma letra, pensando no universo de meu pai e entreguei. Hesitou. Há quantos anos não compunha? Pensou que era para o festival. Não. Virou “Amor Imperfeito”, sucesso nas rodas de seresta, com a participação ativa de minha mãe que acrescentou versos. E despertou de uma vez por todas o Edyr artista. Vieram muitas e muitas. E “Bom dia Belém”, sobre versos de minha tia Adalcinda. Aposentado, dizia, agora, não ter tempo para mais nada. E compunha, tocava e queria opinião. Escreveu livros. Comprou computador. Estava diariamente em minha sala, conversando sobre tudo. Vida, velhice, amigos, futebol, claro, amava sua vida renascida, o Edyr do Bando da Estrela de volta. Parou de jogar futebol ali pelos 60 anos. Hoje, estou às vésperas dos sessenta e descubro, em meus papéis, um texto, poema, sei lá, que lhe entreguei, junto com presente, nos seus 60. Ufa, tempo que passa. Não, ele não era caloroso em gestos. Era a intensidade do olhar e da fala. Só o vi chorar uma vez. Um desastre. Uma perda. Eu e ele, juntos, na situação.
Agora está sendo gravado um cd com músicas suas que ficaram inéditas, cantadas por Andréa Pinheiro e arranjos de Luiz Pardal e Jacinto Kahwage, com o patrocínio da Fundação Tancredo Neves, onde trabalhou como Diretor do Museu da Imagem e do Som e que hoje mantém um Hall com seu nome, no quarto andar.
Entrou com seus próprios pés no hospital. Era uma bobagem. A infecção o pegou. Foi como se o cérebro fosse desligando aos poucos, aquele computador Hal, tipo. Aquele gigante, meu herói, exemplo, tudo. Já não respondia mais. Ultrapassei todos os limites impostos até então. Passei a mão em seus cabelos, acariciei sua cabeça e chorei.
Ele passou a me acompanhar, muito mais do que antes. O consulto sobre tudo. E também lembro de acaricia-lo. Sinto os dedos passando sobre os fios ralos e finos. Naquele momento, estive tão junto, tão colado a ele, quanto nunca. Às vezes, erram ao me chamar de Edyr Proença. Não. Sou Edyr Augusto. Mas não conserto. Gosto disso. Ouvir os amigos dizendo “de Paiva Proença”, embutindo amizade e respeito. E tudo o que ele queria, me disse, era ser um homem bom. Foi. E é tudo o que também almejo.