sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015
A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA
Já
sonhei que podia voar. Sonho intenso, gostoso. Voar era um largar o corpo no
ar. Simples, assim. Quando acordei, fiquei decepcionado. Logo na primeira cena
de “Birdman, a inesperada virtude da ignorância”, Michael Keaton está
levitando. Faz um ator que ficou famoso em Hollywood fazendo filmes no papel de
um super herói, homem pássaro. Move objetos de lugar em cinestesia. Mas ninguém
sabe disso. A voz do personagem o acompanha, convencendo aquele ator medíocre
de sua superioridade. Gosto dos filmes do mexicano Alejandro Iñárritu. Lembro
de “21 gramas”. Seus trabalhos falam e mostram pessoas. É curioso que os
magnatas de LA que gastam dinheiro em grandes produções de Capitão América,
Homem Aranha e outros, tenham arriscado em “Birdman”. Anos após os filmes
ficarem para trás, o ator está em New York, ensaiando uma peça com a qual visa
recuperar o prestígio, mostrando-se um ator completo. Nesse momento Iñárritu
mostra os bastidores de um teatro, a maquinaria, as pessoas, em seu ofício de
ourives, trabalho artesanal, novamente em contraponto ao cinema de hoje, cheio
de trucagens sensacionais. Os bastidores de um teatro nos momentos que
antecedem a abertura das portas é um dos lugares mais fascinantes para se
estar. É o melhor lugar. Será que eles vêm? Nos perguntamos. Como será a
plateia de hoje? O ator chegou rouco? Zê Charone, sábado à tarde, dá uma topada
com o dedo mindinho na ponta de um sofá. À noite faz o espetáculo. Depois a levamos
ao hospital. Fratura. A adrenalina a empurrou para a cena. Os truques. As
cortinas. Os cenários. As mesas de iluminação e sonoplastia. Atores conversando
assuntos triviais, aguardando o momento de entrar em cena com brutal
intensidade. Entre os atores, craques como Michael Keaton, Emma Stone, Edward
Norton e a maravilhosamente linda Naomi Watts. Não é curioso que Michael
Keaton, que já fez Batman, agora tenha, atrás de si, o Birdman? O super herói
tem coragem, determinação para enfrentar tudo. O ser humano, não. Há espaço
também para espicaçar os críticos. Ela diz que nem vai assistir a peça, mas vai
destruí-la em sua coluna, somente porque não gosta dele, está entendendo? Não
gosta dele. E o pobre ator ainda argumenta que colocou tudo de si, entre
dinheiro e dedicação àquela peça. Tem mais? Para contracenar no palco, surge
Edward Norton, um ator radical, que gosta de improvisar, se é para beber, é de
verdade. Um revólver precisa ter balas, mesmo. O ator teatral, em um palco onde
não é possível mentir, não há truques, intervenções virtuais, mas sem fama
nacional e internacional enfrentando um ator sofrível, mas que todos teimam em
reverenciar por conta de ter feito o papel de Birdman. Iñárritu fala das
pessoas. Isso me interessa. Os maiores prêmios conquistados na noite do Oscar,
por um filme que discute as pessoas, cinema e teatro, trucagem e arte, pessoas
e pessoas, foram uma surpresa. Curioso que o filme tenha acabado de estrear em
Belém. Creio que aqui até o Birdman desistiria e acabaria com os outros urubus
no Ver o Peso, aguardando a hora da viração. A Belém de hoje acaba com os
menores sonhos que ainda podemos ter. Penso no subtítulo do filme, “A
inesperada virtude da ignorância” e penso na ignorância que caracteriza nossos
gestorese o imenso orgulho que têm por ela. E espezinham os que ainda têm
coragem de pensar, estudar, tentar compreender. Quanto a mim, apenas sonhei,
uma noite, que podia voar.
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015
PILATOS X JESUS
A
Quaresma já começou a estamos rumando para a Semana Santa. Acabei de ler
“Pilatos e Jesus”, de Giorgio Agamben, pela Editora Boitempo. O filósofo mostra
com diversos argumentos o julgamento que termina sem uma sentença definitiva,
mas com Jesus sendo crucificado. Esse “enfrentamento” é importante por opor o
temporal contra o eterno, quando Jesus responde à pergunta se é rei dos judeus
com a famosa frase “O meu reino não é deste mundo”. Curioso também citar o
livro “Zelota”, de Reza Aslan, que reluta em acreditar que o encontro existiu
da maneira como é apresentado. Reza escreve que Pilatos, há dez anos governador
de Jerusalém, passava o dia assinando crucificação de judeus sem nenhuma pena
ou preocupação. Mas recebe Jesus em sua sala. Seria uma invenção. Acha que é
puro teatro, como que para mostrar o momento final do ministério de Jesus, o
ápice. Diz que não há prova alguma que durante o Pessach, havia o costume de
liberar um preso, no caso, quando trouxe Bar Abbas e o colocou ao lado de Jesus
para que a multidão dissesse quem ficaria livre. Pilatos tinha ódio dos judeus.
Foi também uma maneira de absolver os romanos e culpar os judeus, por conta que
isso foi descrito muitos anos depois, para o público romano. Será?
Pilatos
recebe as queixas dos judeus e interroga Jesus. Alguém diz tratar-se de um
galileu e dá a desculpa para passar adiante o caso. Que Herodes Antipas resolva
a situação. O problema é de vocês. Mais tarde, quando Jesus retorna a Pilatos,
vem o conflito. “O que é, com efeito, um processo sem juízo? E o que é uma pena
– nesse caso, a crucificação – que não segue a um juízo? Pilatos, o obscuro
procurador da Judéia, que devia agir como juiz em um processo, refuta-se a
julgar o acusado: Jesus, cujo reino não é deste mundo, aceita submeter-se ao
juízo de um juiz, Pilatos, que se refuta a julgá-lo?” Pilatos e Jesus, o
vicário do reino mundano e o rei celeste, frente a frente num mesmo e único
lugar, o pretório de Jerusalém. Ele -
que não veio para julgar o mundo, mas para salvá-lo – encontra-se,
talvez justamente por isso, tendo de responder a um processo, submetendo-se a
julgamento que, aliás, seu alter ego, Pilatos, não proferirá, nem pode
proferir.
Pilatos
e sua mulher Procla, teriam compreendido a divindade de Jesus e somente por
fraqueza teria cedido às insistências dos hebreus. Eles já seriam cristãos no
seu íntimo. Seu final foi terrível. Tibério, o César, doente, havendo sabido da
existência de Jesus que curava doentes, o havia mandado buscar, mas Jesus já
havia sido crucificado. Pilatos foi levado a Roma acorrentado, despojado do
cargo e lá teria sido decapitado. Outros dizem que no último momento, sacou uma
faca e se matou. Segundo o Evangelho de Gamaliel, Pilatos foi decapitado, mas
um anjo recolheu sua cabeça decepada. Procla, ao ver o anjo que leva aos céus a
cabeça, “cheia de beatitude, deu o último suspiro e foi enterrada com seu
marido, por vontade de nosso Senhor Jesus Cristo. Houve uma cristianização de
Pilatos. Estaria Jesus ao comando de tudo, inclusive forçando sua crucificação?
Achei
todas essas leituras interessantes. Gosto de pensar e discutir sobre o assunto.
Em tempo, sou mais cristão que católico, o que considero muito mais difícil.
Bom final de semana.
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015
O CARNAVAL DO JÁ TEVE
“Acabou
nosso carnaval, ninguém ouve cantar canções, ninguém passa mais, cantando
feliz...”. Cito a maravilhosa “Marcha da Quarta Feira de Cinzas”, de Carlos
Lyra, para chorar o fim do nosso carnaval. Hoje é sexta feira gorda e na
verdade, instala-se na cidade, até a quinta feira, um sentimento de tristeza,
solidão, abandono. Enquanto as ruas do Recife, Salvador, São Paulo e Rio de
Janeiro, para citar as mais animadas, estão lotadas de gente cantando feliz, as
ruas de Belém estão desertas. É o carnaval do já teve. Ainda passam, aqui e
ali, pequenos grupos batendo lata. Só. Posso falar. Criança, tendo de dormir
cedo, ainda via, circulando pela Riachuelo, o pessoal dos Boêmios da Campina em
seus ternos vermelhos, calça e sapatos brancos. E por chamado de meu irmão
Edgar, eu e meu pai fizemos sambas de enredo e desfilamos pelo Quem São Eles.
As rodas de samba eram lotadas. Gente do povo e, principalmente, da classe
média, descobrindo o carnaval. Belém teve samba porque, cidade portuária, tinha
sempre tripulações de navios ancorados no carnaval, que vinham para a zona
brincar. Chegaram a dizer que era o segundo melhor carnaval do Brasil. Balela.
Acabou. Houve também blocos. Jovem, saí em um dos mais famosos, o Bandalheira.
Aos domingos, desde janeiro, a Praça da República lotava com blocos desfilando.
Blocos de bairros, de ruas, reunião de amigos. Acabaram os blocos. E os clubes?
Em toda a cidade, as festas eram lotadas. Jovens e adultos. Formavam blocos.
Havia desfile de fantasias mais bonitas. Até o Sol Raiar, “Baile das Máscaras”,
o baile do Clube do Remo, AABB, Tuna. Namoros de carnaval, alguns duraram para
sempre. Onde estão? Sobrevive o Baile dos Artistas onde, mais do que artistas,
encontramos foliões saudosos, de fantasia, lindos vivendo seu momento. Onde estão,
então, os foliões que lotavam as micaretas com músicas baianas? Onde estão? O
desfile das Escolas de Samba aconteceu na semana passada. Como assim? Alguns
grupos têm se juntado em blocos para desfilar nas ruas da Cidade Velha. Poucos,
muito poucos, comparado ao movimento de antes. Onde foi parar nossa alegria? O
carnaval era uma maneira de extravasar. De juntar os amigos. As famílias.
Bairros. Ruas. Lamento informar, já teve. Reina, a partir de hoje, uma grande
tristeza. As ruas, os salões, choram a ausência daquela turba cantando em pleno
século XXI marchinhas como “Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é”. E não se
enganem, o número de pessoas que sai da cidade para descansar nas praias, até
para brincar em cidades do interior, é ínfimo em comparação com aqueles que
ficam, trancados em casa. Querem assistir ao desfile das escolas do Rio de
Janeiro, hoje, um programa de tv que não anima a mais ninguém. E qual a razão
de ficar em casa? Parece que a própria cidade ficou triste. Os problemas do dia
a dia. Dançar e pular para quê? Perdemos a inocência, a vontade de soltar o
corpo no ar e cantar a plenos pulmões. Abandonamos a cidade, abandonamos o
carnaval em troca de quê? Uma comunidade que não festeja suas datas e ao
inverso, pula carnaval nas três horas de agonia da Sexta Feira Santa. Que vibra
com os feriados, sem tomar conhecimento de seu significado, apenas por ter sua
folga. Individualidade ao invés de grupo, rua, bairro, vizinho, que não
respiram mais. Desconhecidos que moram parede com parede. Meu pierrô, rôto,
empoeirado, me olha de soslaio, desconsolado. Sim, hoje, Sexta Feira Gorda,
para a cidade, é Quarta Feira de Cinzas.
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015
OLHEI PRO AMANHÃ E NÃO GOSTEI DO QUE VI
A
bunda de Paola Oliveira foi trend topic nos últimos dias. Nada de escândalo de
Petrobrás. A bunda de Paola Oliveira, aliás, uma injustiça com a bunda de Maria
Fernanda Cândido, que também fez seu, digamos, “ass catwalk” de maneira
competitiva. Escrevo sobre “Felizes para Sempre”, a série da Tv Globo, remake
de “Quem ama não mata”, de Euclydes Marinho, com excelentes atores, à cores ou
preto e branco, mudando de linguagem, câmera nervosa, flashbacks, tomadas feitas
em drones sobre Brasília, a cidade símbolo do poder e da corrupção. Onde todas
as relações se dividem entre a ganancia e a traição. E a libido reina. São três
irmãos. O mais velho, líder, dono de uma empreiteira, corrupto até a alma,
participando de licitações com cartas marcadas, propinas e também priápico,
deixando pela companhia de prostitutas, ele próprio, um prostituto nos
negócios. Sua mulher, linda, elegante, honesta, infeliz no sexo, mas incapaz de
deixar aquele mundo de riqueza. Têm uma desgraça, um filho que se afogou na
piscina da casa. O irmão do meio, que parece honesto, descobre que o mais velho
falsificou sua assinatura em um projeto, por conta de aditivos espúrios.
Indignou-se, mas após alguns dias, voltou por conta do dinheiro. Bebe desesperadamente
para fugir da realidade. Sua mulher é famosa cirurgiã plástica, mas vai para a
cama com outro médico, de quem precisava ser sócia em clínica. Têm um filho, 16
anos, descobrindo o amor, indo para passeatas, jogando pedras nos prédios
públicos, simbolismo da inocência, quebrando os templos do pecado. Pior, o
irmão do meio, descobre ser estéril e após muita discussão, descobre que o
garoto é filho do irmão mais velho. O irmão mais novo não é de sangue e sim
adotado. É pau mandado do mais velho. Apaixonado pela mulher que o troca pelo
caseiro do sítio. Este, descobre que a mulher está grávida, possivelmente, do
antigo marido. E os pais? Festejam muitos anos de casado. Ele encontra uma
fotografa, amor antigo e com ela volta a fazer sexo apaixonado. Ela,
professora, é assediada por um aluno. Doce família, não é?
E
entra em ação uma prostituta, a princípio, convidada para apimentar a relação
do irmão mais velho e esposa em ménage a trois. Vira amante do mais velho e
amante da esposa. Paola de Oliveira, troca de nome, de peruca, vive uma outra
pessoa, falsa, sendo aquela que pagam para ser. A corrupção reina. A traição. O
desamor. Então vai à casa do irmão mais velho, namora sua esposa e
sorrateiramente vai até o closet e fotografa documentos suspeitos. Para quê?
Prostituta, espiã, policial? Saberemos hoje, no último capítulo. Quem morrerá? Ao
contrário do título inicial, ninguém ama. Não precisava matar. Ninguém é feliz,
pelo título atual. Quem vai matar? E a bunda de Paola de Oliveira? Metáfora da
beleza calipígea, trazida ao Brasil pelas africanas? Sinônimo de sexo
escravizador? Sexo anal? O ânus, excretor? E os filhos não declarados. O útero,
o inverso, para filhos não declarados? Seria Cândido o Brasil inocente,
enganado, roubado, vilipendiado? Mas o personagem foi seduzido. E onde fica o
amor? A audiência da série terá a ver com a qualidade do trabalho ou com a
patifaria reinante? Termina o Jornal Nacional e vem a série, como uma
continuação? Que dias terríveis vivemos. Reféns são decapitados, incendiados e
nos revoltamos, mas nos cadernos policiais estão todos, também, esfaqueados,
baleados, estuprados, diariamente. Paulinho Moska disse “olhei pro amanhã e não
gostei do que vi”.
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