sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

SONHOS, SONHOS

“You may say I’m a dreamer”, cantou Lennon. Talvez devesse escrever um balanço do ano que passou e o que deveria acontecer em 2018. Quais os melhores livros, cds, peças de teatro, filmes, essas coisas todas. Mas é que ao ler a Folha de São Paulo, do sábado passado, encontrei uma reportagem, feita por Diogo Benito, a respeito de um projeto que vem sendo executado na Islândia, por mais de dez anos e que agora apresenta resultados maravilhosos, no que diz respeito à redução de índices que para nós, aqui em Belém e no resto do país, são terríveis. Jovens envolvidos em crimes, drogas e outros delitos. Nossas estatísticas são péssimas e desalentadoras. Vivemos o caos. O projeto “Juventude Islandesa”, criado por Inga Dória em 1997, já está sendo implementado em 35 cidades européias e chegando à Africa, a partir de ações em Reykjavick. Em dez anos, os índices de jovens com idade entre 15 e 16 anos, em relação ao fumo de cigarros normais, caiu de 23% a 3%. O índice de jovens fumantes de maconha, caiu de 17% para 7%. Jovens com problemas alcoólicos, caiu de 42% para 5%. Não foi milagre e sim uma saída óbvia, poucas vezes tentada e onde começava a dar frutos, em função da troca de governantes, abandonada. A aposta em Esportes e Cultura. Grandes centros foram construídos. Áreas para futebol, pista de corrida, academia, piscina, ginásio de artes marciais de um lado. De outro, área para teatro, música, literatura, cinema, pintura e outros. São mais de 600 atividades que podem ser acessadas através da internet. Mais ainda, a ação tem participação direta dos pais que também se comprometem, entre outras coisas, a não permitir que jovens abaixo de 17 anos estejam nas ruas a partir da meia noite. Imaginem isso aqui, em Belém, onde as festas começam a animar depois de 1 da manhã.. A ONG Compassiva está tentando implementar o projeto, agora com o nome “Planeta Juventude”, para São Paulo. Tendo em vista cidades muito maiores que a capital islandesa, começará bairro a bairro.

Fiquei pensando em nós. Na área cultural, somos um deserto. Desde que João de Jesus Paes Loureiro ocupou cargo nessa área ainda no que se chamava Semec, nada mais houve no setor. A cidade sequer tem um teatro. Com o tempo, ficamos cobrando mais ainda da Secretaria de Estado de Cultura, que, convenhamos tem (ou teria) que lidar com os mais de cento e tantos municípios do Pará. Mas esta, há mais de vinte e cinco anos, dedica-se a destruir qualquer manifestação local, tentando impor uma cultura de visão estritamente pessoal e desprovida de qualquer objetivo inteligente. Será que é tarde? O atual prefeito, em sua campanha, anunciou a construção de um teatro com 4 mil lugares na orla do Dudu. Só se for para Anitta se apresentar. Que tal vinte teatros com 200 lugares, nos vários bairros da cidade? Seria loucura conseguir a cessão de toda essa madeira apreendida para a construção desses centros? Bairro por bairro. Sim, diferentemente da juventude islandesa, outros fatores encaminham nossos jovens para o tráfico, por exemplo. Miséria, fome, lares desfeitos, necessidade de ganhar dinheiro fácil. Emprego para professores, monitores, sociólogos, psicólogos. Constituição de melhores cidadãos. Penso se esses milhões queimados nesse BRT infame não ficariam melhor investidos. Mas nossos politicos acham que Esportes e Cultura não dão votos. Construíram um belo ginásio ao lado do Estádio “Edgar Proença” e esqueceram de promover o esporte. O resultado é que agora é palco de festas e shows esporádicos. E a Cultura? Agora, da Fumbel, saiu a advogada que disse, ao assumer o cargo, que precisava se inteirar do assunto, porque não era sua área e agora entrou, bem, entrou quem? Enfim, posso ser um sonhador, mas me sinto melhor assim. Quem dera, não é? Feliz 2018.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

GENTE ESQUISITA

Estava zapeando a tv e topei com um filme sobre a lendária fotógrafa Diane Arbus, que se notabilizou por retratos magníficos de pessoas “estranhas”, digamos assim. Diferentes, talvez. Fora do padrão estético. Pode ser. Bem, é precis ver algumas fotos para entender. Nicole Kidman faz Diane. O roteiro pega os dias que antecederam o surgimento da fotógrafa. Até então, Diane fora uma menina rica, que casou com um famoso fotógrafo de capas de revistas de moda. Havia duas filhinhas. Era apenas a mulher do cara, mãe das filhas, talvez assistente, digamos assim. Bela, perfeita, criada como boneca, em seu íntimo, brigava com aquela situação comum, dona de casa, mãe, esposa e tal. Muda-se para um apartamento no segundo andar um homem estranho, usando mascara cobrindo o rosto. Atiça-lhe a curiosidade. O visita. Jogo de sedução. Enfim, o vizinho sofre de hipertricose, uma doença que faz crescer pelos em todo o corpo. Todo. Quem sofre disso acaba trabalhando em circo. Leva-a a lugares onde encontra mulheres sem braços, anões, gigantes, diversas formas, digamos, fora do padrão. Os estranhos, diferentes, esquisitos. Ao invés do susto, ela parece encontrar o mundo que a interessa. O casamento desmorona, o vizinho morre e surge a fotógrafa. Eu também me interesso por pessoas diferentes. Mesmo em meus poemas, nos romances, é nesses personagens onde busco o âmago da emoção. Talvez, como artista, busque exatamente o que quebra o padrão. O mundo do futuro era, nos planos, quase asséptico. Robôs nas tarefas domésticas e mais repetitivas. Mais tempo para a diversão e a cultura. Enfim. Não é assim. Os modernos equipamentos e a internet possibilitaram a qualquer um gravar o que considera ser música, ou filmar. Certo, é democrático, mas com a falta de Educação e Cultura, a música transforma-se cada vez mais em “não música”, o fim da canção. Agora frases curtas xingam, seduzem, engessam a imaginação, com melodias da riqueza de um “atirei um pau no gato”. O ritmo é tribal. Há também death metal rock, puro noise, garotos explodindo seus hormônios em ódio contra o estabilishment. Cantoras declamam o sexo e as delícias da carne e qualquer criança repete. Facebook incentiva a escrita, mas a linguagem é péssima. Terroristas que seguem um Islã totalmente deformado explodem cidades ricas em Cultura e Memória, enquanto americanos tentam levar seu capitalismo a uma região profundamente atrasada, dominada por ditadores que escravizam as mulheres em nome de interpretação absurda do Alcorão. As máquinas, hoje, nos permitem traduções simultâneas em celulares, das diversas línguas, mas ninguém parece querer entender. A idéia de levar uma vida tranquila, seja com emprego fixo, mulher, filhos e missa aos domingos, é tomada por careta, monótona. Pode até ser, mas depende para quem. E quem gostar? É menos que qualquer coisa? Os artistas são sempre considerados “esquisitos”, como diz Sandra Perlin. Pensam à frente. São as antenas da raça. Geralmente são “fora do padrão”. Nós, lá no Cuíra, fazemos teatro para “mudra o mundo para melhor”. Parece muito, utópico, mas os artistas pensam assim. Há peças que chocam a platéia para que reflita. Outras, já propõem novas situações e muita gente torce o nariz para o nôvo. E quando digo “gente esquisita”, diferente, fora do padrão, não é somente sob o ponto de vista físico. Talvez seja o que Diane Arbus buscava. A essencia. Em muitos aspectos, acho que sou diferente, esquisito. Nos meus romances, quero sempre chegar ao âmago de cada personagem. Haroldo Maranhão dizia que, como escritor, era como um cachorro hidrófobo que saía no meio da noite à procura de uma vítima. Assim me sinto quando observo, escuto, ouço as pessoas (vítimas..) e lá adiante, me vejo compondo um personagem, indo ao seu âmago e pretendendo tirar o que há de mais profundo. É isso. Será?

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

A MPB MANDA LEMBRANÇAS

Felizmente não estava assistindo ao “Programa do Faustão”, semana passada, que conferiu ao cantor trans Pablo Vittar o prêmio de melhor música do ano. É curioso que qualquer crítica feita a ele/ela é respondida como um preconceito contra sua condição, o que é uma bobagem. Todo apoio aos trans e que sejam felizes e aceitos pela sociedade da melhor maneira, como merecem. Mas o cantor é péssimo. A música também é péssima. Sua vitória vem ressaltar o profundo mau momento que vivemos com os artistas atuais. Uma situação clara do abismo em que o país se encontra, por conta de sua Educação e Cultura. Um poço sem fundo. Trabalho com música, profissionalmente, desde os 16 anos. A curiosidade sempre me moveu. Ouvir o novo. Perceber sua chegada. E foram tantos artistas! Tinha um programa na Rádio Clube, “Gente da Pesada”. Lembro de ter lançado o “Acabou Chorare”, dos Novos Baianos, percebendo ali, o futuro sucesso. E foi assim até alguns anos atrás, quando percebi que algo não ia bem. Cantores inexpressivos, letras inócuas, músicas frágeis. Pior, isso atinge inclusive artistas que ao invés do sucesso fácil, tentam propor novos sons. Não gosto de nada. Isso me dói muito. Como se finalmente ficasse velho, lembrando somente do passado. E os chamados artistas mainstream? Sertanojos, Ivetes, funks. Cada vez pior. A não melodia, a não letra, com riqueza inferior ao simples “Atirei o pau no gato”. Onde foi parar a música popular brasileira? Nos anos 80, o rock brasileiro veio com nova proposta poética, mais direta, simples. Era criativo e bom. Daí em diante, degringolou. Mas a mpb ainda respira. Ou seria a mcb, Música Culta Brasileira, aquela que tem variações harmonicas, instrumental, intérpretes e letras poéticas? Será que é coisa de velho?
Em um momento em que a internet domina a distribuição musical e os cds passaram ao pen drive e sei lá mais quê, ainda queremos ouvir albuns inteiros ou somente nos interessa o hit?

Zélia Duncan, que há muito não lança músicas de sua autoria, uniu-se a Jaques Morelenbaum e lançou um cd onde interpretam jóias de Milton Nascimento. O contraste entre a voz médio grave de Zélia e o violoncello de Jaques é maravilhoso. Escolher qual? “Ponta de Areia”, “O que será?”E quem ouvirá essa beleza toda? Nós, os velhos?. Interessante. E o que há com Lulu Santos? Esse show de ruindades do The Voice Brasil o influenciou? Homenageia Rita Lee em “Baby, Baby”, errando em todas. Arranjos ruins. Voz abaixo do tom, sem inspiração. E olha que canta todos os hits de Lee. “Desculpe o auê”, “Lança Perfume”, tudo. Chato, Lulu, um dos maiores hitmakers surgidos nos anos 80. Gal Costa, mais de 70 anos, arrebenta com “Estratosférica ao vivo”, onde cercada por novos músicos, mistura sucessos de seu melhor momento, no início da carreira, com os bem recentes. A cantora é ótima, mas quando vem “Mal Secreto”, “Hotel das Estrelas” e outras, onde Lanny ou Pepeu Gomes registraram altíssimo padrão instrumental, os garotos de Gal ficam inferiores. Em tempos normais, o hit “Quando você olha pra ela, teu rosto te entrega” estaria em todas as premiações. Maravilhoso é “Paulo Jobim e Mario Adnet, Jobim, Orquestra e convidados”, onde são apoiados por Antonia Adnet, Luiz Pé, Daniel Jobim, Julia Vargas, Alice Caymmi e Yamandu Costa. Como era maravilhosa nossa música! E não há mais espaço para registrar “Campos Neutrais”de Vitor Ramil, “Mano, que Zuera”, sensacional volta de João Bosco e parcerias com o divino Aldir Blanc. E eu lá quero saber de Pablo Vittar? Estarei ranzinza, velho, ultrapassado ou nosso Brasil que emburacou?

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

A CAÇA DO RÈVEILLON

O ônibus chegou no Terminal Rodoviário pouco depois das dez da noite. A cidade vivia a efervescência de um 31 de dezembro. Muita gente já festejava. Foguetes aqui e ali. Casas cheias. Pediu ao motorista do táxi a indicação de um hotel no centro da cidade. Médio, em termos de qualidade. Fora uma viagem longa. Apontara no mapa, olhara para a bilheteira em São Paulo e decidira. Seria Belém. As coisas estavam difíceis para ele. Tinha bom senso. Sabia o momento de se retirar. Agora, havia desfrutado de bons momentos, vida boa, mas sabia que nunca durava o suficiente. Era assim, mesmo. Estava com uma barba rala que veio retocando. Cortou o cabelo bem rente, deixando para trás longa cabeleira. No hotel, tomou um longo banho, escolheu a melhor roupa e desceu. Deu uma rápida olhada nos jornais locais. Queria saber onde aconteceria o reveillon mais badalado, mais chique. Perguntou o endereço. Pegou outro táxi.

Agora estava na porta daquela casa noturna, examinando as pessoas que chegavam, alegres, felizes, algumas já acima do normal, para participar do reveillon. Vinham sempre em turma. Em casais. Decidiu esperar mais um pouco. Atravessou para um famoso bar, pegou uma mesa na janela, pediu uma cerveja e ficou. Aproveitou para jantar uma boa comida, o que não fez durante toda a viagem. Acompanhou a passagem de ano. Buzinas, fogos, um brinde coletivo no bar. Estavam em 2017. Estava na hora. Voltou. Não havia mais ingressos, mas a boa aparência e o bom papo resolveram tudo. Entrou. A festa estava animadíssima. Música dançante. Gente dançando, gente circulando, nas mesas, falando alto. Como um bom caçador, ficou à espreita da vítima. Observou cuidadosamente quem lhe interessava. Umas cinco ou seis. Foi eliminando, eliminando, até que se fixou em uma mulher. Do bar, onde se instalara, percebeu quando ela se levantou para ir até o banheiro. Estava sozinha, em uma mesa cheia de casais. Bonita, discreta, não era das mais alegres, o que demonstrava, sabia, timidez. Usou um de seus inúmeros truques, infalíveis e teve sucesso na abordagem. Ficaram conversando. Atento, sabia que o pessoal da mesa olhava, comentava e tal. Veio um rapaz. Ela lhe apresentou. Como é mesmo o seu nome? Tão simpático que ele lhe convidou para ir se juntar a eles. Charmoso, dominou a conversa, sem deixar de dar atenção exclusiva a ela que, sentia, o analisava, admirava, avaliava. Era hora de sair. O dia clareava. Alguém sugeriu comer alguma coisa no restaurante em frente. Agora até o apelidavam. Ela não reagiu quando, andando, ele a envolveu com o braço. Sentaram juntos. Roçando corpo com corpo. Na hora de sair, fez questão de pagar a conta. Sim, ela tinha seu carro. A aposta era correta. Fez o número de procurar um táxi. Todos se ofereceram para dar carona, mas abriram caminho para ela, sem que fosse preciso dizer nada. Somente o olhar. Ficou claro que ela era uma mulher de negócios bem sucedida, bonita, mas sem grandes aventuras românticas, por conta da timidez e excesso de trabalho. Ficou claro que eles adoraram sua corte a ela. E que o aprovaram com seu charme, seu sotaque paulista, sua aparência, suas roupas e o interesse por ela. Na porta do hotel, uma longa conversa, que ele soube manobrar muito bem. Agora, a caça estava à sua disposição, ansiosa, tremenda, ansiosa. Mas ele sabia que não devia assustar. Sabia jogar. Enfim, ela se entregou. Subiram juntos. O caçador faturava mais uma. Não sabia o tempo que iria durar, mas sabia que ia passar muito bem.