Foi
um daqueles momentos em que a constante vigilância que Cláudio tinha sobre as
respostas que dava a Selma, sua mulher, falhou. Falhou fragorosamente. Era uma
sexta feira à noite e se aprontavam para ir jantar no Roxy Bar. Cláudio sabia
do risco. É um momento delicado, sempre, quando uma mulher fica frente a frente
com um espelho e se analisa, microscopicamente, à procura de defeitos, alguns
verdadeiros, outros, nada mais que a paranóia normal desses seres fantásticos.
E aí fazem aquelas perguntas, cujas respostas elas sabem muito bem e,
principalmente, das respostas que damos, mentirosas, o que elas também sabem,
mas que naquele grave instante, atenuam suas preocupações, como que “eu sei que
ele sabe que isso é verdade, mas é tão educado e tão devotado a mim que nunca
diria”.. Cláudio disse. Escapou. Ato falho. Assim como quem fala por falar,
naquela melodia perigosa, que os homens conhecem, ela perguntou “você não acha
que eu estou gorda?” E Cláudio respondeu “um pouquinho, querida”. Ela se voltou
abruptamente. Mudou a melodia. Tinha algo de desespero na voz. “Eu estou
enorme!”. De nada adiantou Cláudio dizer que não era nada disso, que era só uma
impressão, que ela estava maravilhosa, que talvez fosse o ângulo que ele estava
olhando, que aquele espelho estava precisando ser trocado, que, enfim, ele não
a trocaria por nenhuma dessas lambisgóias dos desfiles da tv. Que ela estava,
como sempre, linda, gostosa... “Gostosa? Isso quer dizer que eu estou uma
baleia! Porque você não diz a verdade, hein? Vai ver que todos por aí, os seus
amigos, a Cláudia, aquela mulher do Ribeiro, com aquela língua de jararaca, já
deve ter comentado! Meu Deus, eu saio com você por aí, assim, gigantesca e nem
sequer um aviso!” Cláudio também já se desesperava: “meu bem, pára com isso, eu
já nem me lembro o que disse, acho até que entendi mal.. Acho que pensei se
você tinha perguntado se estávamos atrasados e eu disse, um pouquinho..” Ela
estava irredutível: “meu querido, só agora me dou conta da gorda em que me
transformei” E já começou a tirar o vestido que levara horas, escolhendo, para
sair. “O que é isso? Não vamos, mais, sair?”, perguntou Cláudio. “Não. Eu tenho
até vergonha de sair, assim, enorme, como estou. Depois, o que vou comer? Tu
achas que eu vou pro Roxy Bar me atracar com um Sadam Hussein? Hein? Hein?”
Desesperado, Cláudio retruca “meu bem, você come apenas um catfood...” Meu
querido, eu tenho simancol. Acho até que não saio mais de casa até conseguir...
já sei! Eu tenho que fazer uma lipo! Uma lipo geral! Tu me pagas uma lipo? Não,
não vem com essa tua cara! Tu estás me devendo uma lipo, no mínimo, por todos
esse anos te aturando! Esses teus porres de cerveja, aquela pelada muito
estranha, toda quarta de noite, não vem que não tem! Eu quero uma lipo!”
Cláudio não acreditava. Em minutos, a noite de sexta, que ia ser ótima, estava
destruída e ele ainda recebia ameaças.. “Querida os Sampaio já devem até estar
lá no Roxy, esperando. Deixa essa discussão pra amanhã..” “Esquece de mim,
Cláudio. Aliás, não fala comigo. Nem me olha, enquanto não tiver marcado a
minha operação!” E foi andando em círculos, na sala, que ele decidiu reagir.
Irrompeu pelo quarto. “O que é? Já deu até no Jornal Nacional”. Não, Cláudio
disse. “Estou entrando assim para não deixar você cometer um erro grotesco,
movido por uma brincadeira despropositada que fiz, em uma hora errada. Você
sempre me pergunta e eu sempre digo que você está linda. E está. Como sempre.
Magra, elegante, nem parece que teve filhos. Mas é que hoje, em má hora,
resolvi brincar um pouco e você não entendeu. Você é linda e magra, querida. A
mais magra de todas. Pode ter certeza”. Não se sabe se foi pelo rompante com
que Cláudio disse tudo aquilo, mas o certo é que ela deu mais uma olhada no
espelho, olhou para ele e disse: “Você acha, mesmo, isso?” Cláudio, prontamente
“claro que sim. Sabe de uma coisa, eu acho até que nós dois podíamos, né, quem
sabe, aproveitar esta sexta aqui na cama..” Selma, de bate pronto: “Nada disso.
Os Sampaio não estão nos esperando, principalmente a Célia?” Ágil, Cláudio
respondeu: “Quem? Aquela gorda?” “Exatamente. Me passa o vestido. Ela vai
morder a calçada de inveja deste corpitcho” “Bravo, querida, é assim que eu
gosto!” E mais não disse. Apenas, ao entrar no Roxy, ela murmurou “Cláudio,
você não estava mentindo, estava?” Ao que ele, “imagina, querida, imagina” E
pensou “ufa!”
sexta-feira, 30 de março de 2018
sexta-feira, 23 de março de 2018
VAMOS DISCUTIR A RELAÇÃO?
Os dois times estavam em campo e o juiz preparava-se para
iniciar a partida. Freitas jantara, tomara seu banho rapidamente e estava em
sua poltrona preferida, diante da televisão, ansioso pelo jogo, decisivo. Foi
quando Mara, sua esposa, chegou e ele pressentiu o perigo. Ela sentou sobre o
braço da cadeira, passou a mão sobre seus cabelos e perguntou, com aquela
melodia especial, como havia sido o seu dia.
-
Bom
-
Bom como?
-
Bom. Só isso.
-
Freitas, você já reparou como nós nunca mais
conversamos direito?
-
É?
-
Ta vendo? Ainda fala comigo com monossílabos
-
Ah, Mara, ta tudo bem..
-
Freitas, pode olhar pra mim?
-
Querida, é que o jogo..
-
Jogo tem todo dia. Freitas, por favor! Não
suporto falar com ninguém de perfil. Dá pra olhar pra mim?
-
Não dá para esperar nem o primeiro tempo,
Mara? Puxa vida, você sabe como eu estava esperando esse jogo..
-
Qualquer jogo, Freitas, qualquer jogo é mais
importante do que eu. Acho que está na hora de nós discutirmos a nossa relação
-
Ai meu Deus
-
Lá vem você! É sempre assim. Você sabe que os
casais precisam conversar a relação de tempos em tempos, pra saber se vai tudo
bem, o que anda faltando..
-
Uhhhhhhh!!
-
Que foi?
-
Quase era gol
-
Freitas, olha pra mim, por favor! Há quanto
tempo você não me beija?
-
Ainda hoje..
-
Não estou falando de beijinho de bom dia, boa
noite, tchau e oi, desses de encostar a boca no rosto. To falando de beijo, me
entende? Há quanto tempo, me diz! Olha que começa assim, viu? O casal vai se
afastando, se afastando..
-
Mara, pelo amor de Deus.. escuta, você está
na tpm?
-
Lá vem você apelar! Não apela! Toda vez que a
gente vai discutir algo importante da nossa vida, você me vem com essa.
-
Está ou não está?
-
Não interessa. Não desvia a discussão.
-
Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus!
-
Não adianta apelar pra Deus. Olha pra mim,
Freitas!
-
Olha, querida, o que quer que seja que você
esteja sentindo falta, vamos fazer uma coisa: eu aceito. Você está com a razão.
Eu vou procurar me esforçar. Tenho ignorado você, tenho passado as noites vendo
jogo
-
Ainda tem a pelada de sábado
-
A pelada de sábado
-
O jogo de futebol na quarta
-
O jogo de futebol na quarta. Enfim, querida,
prometo me esforçar
-
Ta debochando, é?
-
Como assim, debochando?
-
Você concorda com tudo, desde que eu vá
embora e deixe de lado a nossa discussão?
-
Minha santinha, por favor.. escuta, sabe
aquele sapato que você me falou que viu no shopping?
-
Não vem me subornar!
Há certos momentos, e Freitas sabia muito bem, que
todos os truques falhavam. Mara ficava impossível e a cada tentativa, ficava
cada vez pior. Apelou, desligando a televisão.
-
Pronto. Não tem problema, eu perco o jogo,
tudo. Pode falar. Vamos discutir a relação
-
Agora vai ficar fazendo teatro, é? Quer
passar por vítima? Eu é que sou a megera, que não te deixa assistir o jogo, é?
-
Você não queria conversar? Pronto, vamos
conversar
-
Assim não quero. Olha, um dia você vai se
surpreender comigo, viu?
Incontinenti, saiu pisando forte na direção do
quarto. Ainda foi atrás, mas sabiam, os dois, estar cumprindo uma espécie de
roteiro, encenado de trinta em trinta dias.
sexta-feira, 16 de março de 2018
INTERROMPIDOS
Era
uma noite linda de verão. As filas eram enormes, mas lá dentro, dava para ouvir
a alegria reinante. Edu e Márcia já estavam aguardando o show de Anete, cada um
com sua latinha de cerveja. Edu, 18 anos, deu um tempo nos estudos para o vestibular.
Aproveitou o show de Anete para dar uma relaxada, chutar o balde. Márcia, 16,
faria vestibular no ano seguinte. Deixou para estudar no domingo, quando
acordasse, Matemática, prova na segunda. Quando Alfredo chegou, Anete estava
entrando no palco. Edu e Márcia estavam bem na frente. Alfredo, 27, foi
rodeando até ficar próximo. Comprou duas latinhas. Na fila, já havia aberto os
trabalhos. Ia passando um trenzinho. Foi atrás de Linda, de quem roubou o
primeiro beijo da noite. Ã frente dela, José Carlos e Otávio, bem animados,
roubando beijos. Era hit atrás de hit. Paravam apenas para reabastecer de
cerveja. Veio Raimundo e botou um comprimido no copo de José Carlos. Alfredo
era bancário e estava preocupado com o chefe novo que se apresentaria na segunda
feira. Mas naquela noite, era tudo para Anete. Linda, 25, era realmente linda.
Promotora de eventos, no dia seguinte, de emendada, ia trabalhar no lançamento
de um produto no shopping. Mas quando se é jovem, ninguém se poupa de nada.
José Carlos, 20, não trabalhava. Repetia vestibular ano após ano, mas ficava
mesmo era em casa, ouvindo os discos de Anete. Os pais esperavam quando, enfim,
iria amadurecer. Otávio, 32, era vendedor. Engravidou a namorada, casou, deixou
os estudos para trabalhar. Descasou. Juntara dinheiro para o show. Raimundo,
23, traficava ecstasy. Bundeava pela cidade, aguardando os shows para faturar.
Linda
estava passando mal. O trenzinho seguiu adiante, menos Otávio, que ficou
preocupado e foi ajuda-la. Vomitou muito, pediu um tempo e saíram da muvuca.
Ela o abraçou procurando conforto e ele gostou. Quando melhorou, tomou uma
granada de água e o beijou. Ficaram se amassando num canto. José Carlos pulava
como se não houvesse amanhã. O ecstasy pegou forte, misturado com a cerveja. Acabou
esbarrando em um casal e o cara, malhado, deu um soco. Abriu clarão, mas José
Carlos, caído, não oferecia perigo. Levantou e seguiu pulando e cantando. Edu e
Márcia deram um tempo porque Márcia ia ao banheiro. E também porque o Edu
achava que Márcia estava olhando para um bonitão, ao lado. Encontraram Linda e
Otávio. Edu conhecia Linda. Já haviam paquerado. Então Márcia voltou e juntos,
foram lá para a frente. A Márcia de olho no Edu e na Linda, que voltou a beber
e Otávio já estava bem ligado. O show terminou. Mas continuou rolando som
mecânico. O público foi saindo, mas Edu, Márcia, Linda e Otávio continuaram. Tá
bom, vamos. Na saída, encontram José Carlos, com o rosto inchado, mas feliz.
Alfredo estava encostado em um Gol. Era o carro de Linda. Já haviam se visto.
Quem quer carona? Nós estamos indo lá para a Cidade Velha, continuar, sem hora
pra acabar. Todos vibraram. José Carlos avisou que ficaria antes, em Nazaré.
Fica no caminho? Vai todo mundo! Compraram mais umas latinhas. Vocês vão ficar
aí, bebendo? Vamos no carro! Sentaram Linda e Otavio na frente. Atrás, quatro
se apertaram, sendo que Márcia sentou no colo de Edu. Alfredo se acomodou no
bagageiro. Uma farra. Linda ligou o som do carro e ouviram, novamente, Anete.
Márcia estava apagando no colo de Edu, mesmo que rolasse uma leve excitação em
ambos, prometendo, mais tarde, sexo. Os outros contavam piadas. Riam alto.
Gritavam. Era um carro de festa. Linda dirigia rápido. Otávio com a mão em suas
coxas. Na primeira curva, cantaram pneu. Oi! Todos gritaram, felizes. Sem hora
pra terminar! Agora estavam na Avenida João Paulo, em alta velocidade. Havia um
calombo na pista. Para quem estava dentro do carro, não houve tempo para nada.
O mundo virou de cabeça para baixo, choques, tudo ficou escuro.
Edu
tinha prova na segunda. Márcia, prova de Matemática. Alfredo teria um novo
chefe na agência. José Carlos não tinha nada para fazer. Otávio pensava em
bater o recorde de vendas. Raimundo tinha dinheiro no bolso. Eram. Tinham. Que
pena. Vidas interrompidas.
sexta-feira, 9 de março de 2018
ELA NÃO MORA MAIS AQUI
O apartamento está vazio. Ela não
mora mais aqui. Saíram móveis, quadros, lembranças. Estão arrancando o carpete.
Ressurge o piso de tacos, antigo e perfeito. O salão de entrada, vazio, parece
ainda maior. Construção antiga. Janelas grandes, pé direito alto. Olho para o
canto onde armava a árvore de natal. Do corredor vem um vento interessante, ao
mesmo tempo levando para longe tudo o que ali aconteceu, mas também trazendo
aquelas crianças levadas, correndo pela casa, circundando a grande mesa de
jantar em algazarra. Lembrei de Adalcinda, certa noite, de pé sobre uma
cadeira, declamando para convidados. Meu pai, após a passagem da Santa,
distribuindo bebida e já com o violão, para iniciar os “trabalhos”. E agora, de
onde assistirei o Círio? Nunca perdi nenhum. Sempre dali, abraçado a ela. Passo
à sala de refeições onde não há mais nada, apenas um armário velho. O pai
chegava mais tarde, da Radio, por causa do programa de esportes. Ela comandava.
Os danados, se provocando. Vocês sabem. Sabem? Sigo um itinerário nào
planejado. Deixo-me levar pelo vento, quem sabe, que desnuda os aposentos, já
desnudados. As paredes também estão nuas. Ela gostava de pintores
regionalistas. Amazônia, sempre. Um foto gigante, feita na fatídica final
Brasil e Uruguai em 1950, na entrada. Em breve vocês a encontrarão em um
bar/restaurante famoso. Existe um lugar. Passaram tantas empregadas, mas a
rainha foi Adelina, a nossa Biá, que nos criou e encheu de afetos e mimos.
Entro e me ponho a lembrar. Então percorro os quartos enormes, mais ainda, sem
móveis. Revivo as brincadeiras, lembranças boas de uma infância e adolescência
feliz. Uma vez, tão criança, outra mocinha, que trabalhava, me pedia para
chutar uma bola. Eu hesitava. “Achuta, bestão!”. Recebeu graves reprimendas.
Imaginem. Ou a cômoda, que não há mais, transformada em diligência de filme
de cowboys, perseguida por índios
terríveis. A cama em que meu pai sentou e tocou, ao violão, a melodia que fez
para meus versos, no samba enredo “Cobra Norato, Pesadelo Amazônico”, do Quem
São Eles, cantado pelo irmão. Outros dois quartos já estavam divididos há
muito, um escritório para cada um, pai e mãe. Seguro, apaixonado, uma máquina
datilográfica “manual”, as aspas são pelo peso que tem, onde meu pai teclava rápida
e velozmente, usando uns dois dedos de cada mão. Previdente, ela me inscreveu
em um curso de Datilografia. Ia emburrado, hoje agradeço. Penso se devo entrar
em seu quarto. Ela esteve ali nos últimos meses. Mesmo morando só, com
cuidadoras, sua presença ocupava todo o apartamento. Passo uma vista d’olhos em
seus escritos, à mão ou datilografados. Amazônia, sempre Amazônia. O quarto era
lotado. Móveis, santos, livros, tv, penteadeira. No criado mudo, um verdadeiro
exército, um time perfeito de imagens sagradas. Santo Antonio sempre foi o
preferido. Agora é um vazio. Posto-me ao centro e giro memorizando cada coisa
que ali fez a vida. O vento circula, talvez comece a chover. Será que vou
embora? Estático, a mente cheia de recordações. Meu pai dublava em casa,
trancado em um quarto, jogos do Brasil na Copa de 62. Ameaçados de torturas
terríveis, não podíamos fazer barulho. Horas terríveis para crianças tão
danadas. Nasci nesse prédio, onde passei infancia e adolescencia. Adulto, vim
duas vezes por dia, todos os dias. Agora é como se alguém estivesse apagando o
cenário em que vivi. Cenário físico. Na mente, nunca me esquecerei. Muito menos
dela. Minha mãe.
sexta-feira, 2 de março de 2018
QUARAQUAQUÁ
O
excelente narrador Guilherme Guerreiro, da Rádio Clube do Pará, aos chegar aos
últimos minutos regulamentares de uma partida, diz essa quase onomatopeia, que
deixa ainda mais ansiosos os torcedores, conforme o placar, para uns ou outros.
Sobre a crise dos 40 anos, assisti um filme francês, estrelado pela maravilhosa
Marion Cotillard. Um casal de atores. Ele filma e seu personagem é o pai de uma
bela e jovem atriz. Vão conceder entrevistas. É uma espécie de Tony Ramos
francês, sempre fazendo o galã direitinho, certinho e romântico. Tanto a
repórter quanto a atriz comentam, naturalmente, a chegada dele à faixa da,
digamos, maturidade, não estando mais na lista dos jovens galãs do país. Isso o
deixa revoltado e passa a enfrentar a famosa crise dos 40. Muda o figurino,
cria problemas com o papel, vai para a night e começa a discutir com a esposa.
Esta, pratica o sotaque francês de Quebec, para um filme que faria no Canadá.
Em todas as discussões, a sério, fala com o sotaque. Coisas de quem é casado
com uma atriz. Eu sei muito bem o que é isso. Ele está com raiva de sua imagem
de “bonzinho”. Agora quer ser algo mais “rock”. O filme vai adiante. É uma
comédia que, para os que estão naquela idade ou até já passaram, é de um humor
ácido. Há muitas peripécias e ao final, separados, ela pede sua presença aos
prantos. A essa altura, anda mancando porque praticava para um papel em que a
personagem tinha problema nos pés e também era gaga. Chorava porque havia
perdido o papel. A desculpa é que era velha demais. De fato, é um problema
grave para grandes atores que se acostumaram a ser desejados e festejados por
sua beleza e jovialidade. A transição para outros papeis, talvez até sem ser o
protagonista é sofrida. Muitos homens e mulheres passam por isso, mas creio que
a minha geração vem superando a crise com galhardia. Lembro de fazer os 40 anos
e meu pai me ver um tanto melancólico. Perguntou a razão e lhe disse que era
por ter entrado na casa dos “enta”, da qual não sairia mais. Nunca esqueço da
resposta. Já na casa dos 70 anos, ele me disse “eu era tão jovem quando tinha
40 anos..”. Uma lição. Hoje, mulheres com 40 a 50 anos, são tão competitivas e
lindas que passou a ser a tal crise dos “30 anos”. Enquanto isso, os homens
chutaram os 40 e agora, aos 60 também participam de tudo. Sim, na música tenho
me sentido à parte. Não consigo gostar do baixo nível do que hoje é sucesso.
Meu pai, que veio de outro tempo, em alguns anos compreendeu os novos padrões e
gostava de vários artistas como Paulinho da Viola, João Bosco, Chico e Caetano,
por exemplo. Mas eu não consigo achar qualidades em Anitta, Pablo, Ludmila e
outros. E olha que trabalhei a vida inteira no ambiente musical, identificando
sucessos. Mas meus colegas de idade até devem ir aos shows. Usamos jeans e t
shirts, os quais trocamos com nossos filhos, talvez até netos. O israelense
Yuval, aquele do livro “Homo Deus, disse que as próximas gerações viverão até
os 150 anos. O problema é a geração seguir bem viva e participando. Minha mãe
faleceu aos 95, queixando-se que a maioria das amigas já havia morrido, que o
mundo mudou muito, os costumes, a maneira de pensar. Se é para viver tanto, que
seja com a sua galera de faixa etária. Assim como minha mãe viu toda a
modernização da humanidade, imagino que ainda possa assistir até os carros
voadores, quem sabe? E lendo, vendo, ouvindo, jogando meu futebol e namorando,
por certo. Se o tempo de futebol tivesse 60 minutos, Guerreiro narraria
“Sesserentatá”.
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