sexta-feira, 27 de março de 2015

UM PARAENSE NA FRANÇA 2

Quando estiverem lendo esta crônica, estarei a todo vapor trabalhando no Festival Quais de Polar, aqui em Lyon, França. Em Paris, o Salon du Livre foi maravilhoso, um lugar gigantesco, cheio de editoras francesas, mais alguns países. Uma multidão esteve lá e não apenas olhando ou passeando, mas comprando, saindo com sacolas cheias de livros. Os escritores brasileiros fizeram bonito. Juca Ferreira, o Ministro da Cultura fez a abertura, juntamente com a Ministra da França. No stand do Brasil, livros em português e em francês. Muitos autores, como eu, tiveram suas obras esgotadas, ali. Trabalhamos muito, todos os dias, desde o meio dia, até as sete da noite, dando autógrafos nos stands de nossas editoras e participando de inúmeras mesas, debatendo temas literários e da situação do nosso Brasil, quase sempre com a presença de um escritor francês. Parece fácil, mas não é. Platéias com cinquenta, cem pessoas, todas interessadas, curiosas, fazendo perguntas, ouvindo as respostas. Encontrei muitos paraenses que moram na França e acorreram ao Salão para comprar e matar as saudades, mas acima de tudo, levando seu carinho até nós. O tempo, a concentração, a necessidade de ter respostas criativas e meramente a exposição, me deixavam muito cansado à noite, mas enfim, com uma alegria inédita de estar representando meu país, meu estado, minha cidade, em Paris. De estar falando de meu trabalho e tendo ouvintes respeitosos, admiradores. Isso não tem preço. Melhor ainda foi encontrar os escritores brasileiros. Ficamos todos no Bedford Hotel, belíssimo, lugar onde Villa Lobos e o Imperador Dom Pedro II moraram, sendo que o monarca, exilado, morreu ali. O encontro foi maravilhoso. Conversamos, trocamos informações, rimos muito, nos conhecemos e marcamos próximas reuniões. Depois, enquanto uns voltaram ao Brasil, outros tomaram outras direções para falar de seus trabalhos. Peguei o TGV e vim para Lyon, onde recebi, na Université Jean Moulin, o prêmio Cameleon, com meu livro “Belém”(“Os Éguas” no Brasil), como o melhor livro brasileiro, traduzido para o francês. A votação, maciçamente, foi dos estudantes, o que me deixou mais feliz, por dedicar uma vida inteira de trabalhos aos jovens. Ainda mais orgulhoso por ter concorrido com autores da força de Frei Beto, Adriana Lisboa e Milton Hatoum, este último com seu “Órfãos do Eldorado”. Recebi o troféu, juntamente com meu tradutor, Diniz Galhos. Respondi a perguntas dos estudantes e depois participei de um coquetel, com uma banda formada por estudantes, tocando bossa nova.

Lyon é uma cidade linda, com uma parte antiga e muito bem conservada, incluindo visita às ruínas romanas, como um anfiteatro e outra, moderna, com prédios bonitos, avenidas largas e um povo tranquilo. Tive um dia de folga e depois entrei no Quais de Polar, um festival gigantesco dedicado ao romance noir, com a presença de alguns dos maiores romancistas, na área, do mundo. James Ellroy vem. Don Wislow, também. Cito os dois por serem mais conhecidos no Brasil onde quase todas as suas obras são vendidas. É mais trabalho duro. Autógrafos, mesas, estas, com escritores do mundo inteiro e um público absurdamente interessado em descobrir novidades, o que é meu caso. Vivo momentos de grande alegria. São três romances traduzidos para o francês e muito bem recebidos. Os dois primeiros saíram agora em versão “Livro de Bolso”, de ainda maior penetração por conta do preço de capa. Semana que vem, conto mais.

sexta-feira, 13 de março de 2015

SAUDADE DAS MINHAS PRETINHAS

“Minhas pretinhas”, assim Millor Fernandes chamava as teclas de sua máquina de datilografar. Na transição para o teclado de computador, houve muita resistência. O Jornal do Brasil imprimiu uma cartilha ensinando a lidar com a novidade. Millor, em uma crônica, disse que o que mais o irritava era um som que o teclado emitia quando ele pressionava alguma tecla errada. “E ele ainda te chama a atenção”. O ruído, na agora silenciosa redação, era a revelação de inabilidade.
Na época, fiquei chateado, mas agradeço à minha mãe por ter feito minha matrícula em um curso de datilografia. Hoje, passo a maior parte do tempo em frente a um monitor e teclado. Peguei as mudanças todas. Meu pai tinha uma portátil, Royal, linda. Veio uma Lettera, grande e me divertia em travar suas teclas escrevendo com rapidez superior ao movimento mecânico de imprimir as letras no papel. Não lembro o que veio antes, mas houve uma Facit elétrica, com tecla de limpar erros. Era lenta. A de esfera, IBM, maravilhosa. E então, avassalador, veio o computador. As primeiras máquinas de datilografar surgiram na segunda metade do século XIX, por Christopher Latham Sholes, juntamente com o teclado “Qwerty”, que se impôs no mercado. Um longo caminho a partir da descoberta de Gutemberg. Meu irmão resistiu até onde pôde. Rendeu-se. Meu pai, já depois dos 70, comprou um computador e começou a aprender escrevendo suas crônicas. Muitas vezes me ligou desesperado porque, de repente, tudo o que havia escrito sumia e no lugar, um espaço em branco. É que ele, velocíssimo no teclado, acabou adquirindo o vício de deixar o dedo mindinho tocando alguma parte. Na máquina de datilografar, nenhum problema. No computador, era exatamente no lugar da tecla que abria um novo documento, em branco, evidente. “Vou jogar essa pinoia fora, dizia.
Tenho algumas manias. Embora use um Mac, uso o programa Word, do Windows, para escrever textos. Também tenho uma família de letras que uso sempre, no caso a Letter Gothic 12. Coleciono algumas máquinas antigas. Tenho umas quatro, de diferentes épocas, uma delas, presente uma grande amiga. Pertenceu a seu avô e foi fabricada em Leicester, Inglaterra. Sim, elas funcionam, algumas muito bem, outras, nem tanto. É curioso como minha letra foi diminuindo de tamanho e se assemelhando a um texto impresso. E também com algumas linhas escrevendo, tanto há dores na mão que empunha a caneta, como também impaciência por não conseguir seguir o raciocínio. Para não perder a delícia da escrita à mão, mantenho uma agenda com os compromissos, embora vários gadgets contenham agendas eletrônicas. E a diferença de geração quanto ao uso dos dedos? As pequenas teclas do smartphone, aperto com os dedos indicadores, com pouca velocidade. A garotada usa os polegares, com grande rapidez. As mídias sociais trouxeram de volta a escrita. As pessoas se comunicam. Infelizmente, há muitos erros gramaticais, de concordância, perturbando as idéias. A Educação não evoluiu como os aparelhos. No mais, saudades das minhas pretinhas..


quinta-feira, 12 de março de 2015

UM CULTO NO CINEMA PALÁCIO

Depois de ler um post de Carlos Barreto, no facebook, resolvi publicar esta crônica que escrevi para uma revista que nunca saiu. Fui assistir a um culto, na companhia de minha amiga Rejane Barros. Alguns bons anos atrás. Mas ainda vale, pela indignação, profanação em uma casa de artes, uma igreja da cultura.
Um Culto no Cinema Palácio
Dor, decepção, frustração. Impossível entrar no Cine Palácio e não sentir. Lembrei daquela música, “Almost Paradise”, que tocava para abrir as cortinas. Entrei, vestido sobriamente, para não despertar atenções. No lugar dos cartazes anunciando as próximas atrações, cartolinas com a “Corrente da Felicidade”, “Corrente Contra as Drogas” e outras “novidades”. Ao entrar na sala, a dor foi mais forte. Desânimo de estar em uma cidade tão anestesiada para com a Cultura. Ainda estão lá as luzes nas paredes laterais. Mas não estão ligadas. Agora há enormes fosforescentes. As cadeiras vermelhas, desiguais, culpa da última administração. E NÃO HÁ TELA! Ficou tudo devassado. O palco, quase nu e ao fundo, escadas mal feitas. Sobre o palco, foi construído há pouco e ainda está sendo pintado, uma espécie de pórtico e lá dentro, sob uma cortina de tule, parece um altar com cálice, algo assim. Mas tudo se passa embaixo.
Ao invés dos espadachins de “Scaramouche”, passam engravatados, solenes, sérios, imagino, pastores. Há um pequeno púlpito e um deles ouve o relato de suas senhoras. À minha direita, um senhor, humilde, de joelhos, gesticula para ninguém. Parece desesperado em suas preces. Chega outro. Primeiro, ajoelha com a cabeça no assento e ali fica vários minutos. Outros fazem a mesma coisa. Poderia estar em um filme de Buñuel, daquelas sessões inesquecíveis às 22.30, sextas feiras. Mas não. Está chegando a hora. O Palácio é grande e está quase lotado. Nos últimos tempos não conseguia isso. Ligam o sistema de som. Lá do alto, dois holofotes estão ligados e conforme a intensidade das orações aumentam e baixam. Ilusão. Truque. Como no cinema. Um piano toca uma melodia. O pastor pede a todos que estendam os braços para o alto. Obedeço mas, abrigado pela multidão, baixo. A prece começa lenta. Todos acompanham, não sei se repetindo as palavras, ditas lentamente, ou repetindo seus pleitos. As vozes vão ganhando volume. O pastor também acelera e de repente, canta um trecho da música. Todos acompanham. Ele sabe o break, pára e reinicia a oração. Agora fala dos desvalidos, dos que comem o pão que o diabo amassou, dos incompreendidos, dos que não têm chance, dos que vivem à margem, sem dinheiro, com as dívidas, as ameaças. E todos se encontram. A voz do pastor é teatralmente chorosa, ele diz o que todos sentem. Desespero. As vozes aumentam de volume, os holofotes aumentam a intensidade, estão quase gritando, chorando e vem mais um trecho da canção. Intervalo. Alguns enxugam os olhos. À minha frente, um homem forte, bíceps à mostra, não baixa os braços, firmes, olhando para o alto (os holofotes?), clamando. Os pastores passam reparando em quem está emocionado. Futuras vítimas? Como em “Amarcord”, de Fellini, onde a Gradisca está à disposição do príncipe.. Noto, pelo corredor lateral, a entrada de um homem forte, pasta tipo de representante de remédios. Vai para o interior do palco, onde antigamente era a saída pela Ó de Almeida. Rápido, retorna por dentro do palco, segurando sua Bíblia. Sem titubear, pega o microfone do pastor que até então chorava e comovia. Com uma voz forte, firme, transforma aquilo que era um choro, uma lamentação em uma certeza. “É Hoje! Hoje tudo vai mudar, hoje tudo vai acontecer, hoje tudo vai se transformar!”. Imediatamente as pessoas entram em transe. Gritam “é hoje!” e estão confiantes. Os holofotes piscam, o pastor fala forte, as ovelhas estão domadas. Lembro as bruxas de “McBeth” o filme de Polanski, sobre Shakespeare. A energia está no ar e ele, ciente do seu domínio, pega o break da canção que não cessa e canta, dando uma esfriada na galera. Bacanagem. Cessa a música. Ele vai começar outra jogada e de repente, lembra de “homenagear” os que pagam dízimo. “Correndo, vamos, venham deixar o seu dízimo”. Correm para pagar. Não têm medo de mostrar ternos bem cortados, poder. Afinal, Deus lhes deu a riqueza por serem fiéis. Não é isso o que todos querem? Então façam como eles. Paguem para receber em dobro. Achei que era suficiente. Saí discretamente, mas alguns olharam reprovando. Sair naquele instante? Paciência. Peguei um folheto, do Grupo Jovem, contra as drogas e perguntando se meu problema é espiritual, familiar ou sentimental. Há reuniões aos sábados e domingos. Agora reparo, na saída, uma cartolina onde está desenhada uma máquina registradora e pelos lados, sacos de dinheiro como aqueles do Tio Patinhas. É a “Corrente dos Empresários”, às segundas feiras, não lembro o horário. Vou saindo, uma mão me pega o ombro. Assustado, penso “pronto, o Edyr Macêdo mandou me pegar”. Não, era um pastor, lógico, ninguém ali passa despercebido, me perguntando se havia gostado, a que horas havia chegado e se voltaria. Perguntei pela sessão da Sexta feira, meia noite. Agora não tem mais. Pensei comigo que as sessões de cinema, aqui em Belém, também não deram certo. Disse que apareceria. Lá dentro, o clima fervia. E na esquina, fica a sede da Fininvest, onde também todos vão se ajoelhar, depois. O Cinema Palácio não merecia isto que todos nós deixamos acontecer como se não fosse com a gente. Imagino que ali, quando fecham a porta, devem aparecer os espectros de Fellini, Buñuel, Scaramouche, os grandes personagens, grandes diretores, se batendo, andando trôpegos em várias direções, perguntando “o que aconteceu?” ou “por quê???”. Não há resposta. Mais um já teve.

sexta-feira, 6 de março de 2015

MARCHA PARA CONVENCER QUEM?

Muitas pessoas participaram, domingo, da Marcha Contra o Trabalho Infantil, iniciativa de vários órgãos. Pessoas alegres, políticos, crianças, gente bacana, todos com camisas alusivas, mais show do Arraial do Pavulagem. Creio que voltaram para suas casas com a alma leve, por participar do evento. Não quero ter razão, muito menos ser melhor que qualquer um que participou, mas considero mínimo, muito pouco, quase nada, estar nessa marcha. Ninguém em sã consciência pode ser a favor do Trabalho Infantil. Qual a razão para sair em marcha, patrocinada por diversos organismos, quase todos envolvidos diretamente no assunto que até hoje não foi resolvido? Ao mesmo tempo em que a marcha passava, ali mesmo, na Presidente Vargas, pouco antes de chegar na Praça da República, conheço uma criança que estava trabalhando, ajudando sua avó que tem um carrinho em que vende refrigerante, água e biscoitos. Certamente, algumas pessoas devem até ter adquirido qualquer coisa. Uma família inteira vive da renda desse carrinho. Durante a semana, a menina vai ao colégio e depois, ao invés de brincar, cuida de um sobrinho que deve estar com dois anos, se tanto. Seus sábados e domingos são no centro da cidade. Ninguém, muito menos os mais pobres é a favor do Trabalho Infantil, mas há algo terrível que se impõe que é a necessidade. A falta de emprego falta de dinheiro, renda, para comprar a comida diária, fazendo com que todos trabalhem, alguns pedindo esmolas, limpando vidro dos carros ou em funções mais pesadas e de responsabilidade. A passeata queria gritar para as autoridades, enfim, resolverem esse desequilíbrio em nossa sociedade? Devíamos era exigir do governo em todas as esferas, oferta de emprego, formação de mão de obra, espalhar escolas e dota-las de professores de alto nível, enfim, devíamos fazer tanta coisa e não fazemos nada. Achamos que não vale a pena, o governo não está nem aí, mas a verdade é que votamos nessas autoridades. Damos o voto e não cobramos? Vejo, da janela do meu prédio, grupos de pessoas, às vezes de igrejas, chegando de carro e distribuindo alimento às pessoas homeless. Servem, rezam e voltam para casa com a alma leve, certos da boa ação feita. Os sem teto, crackeiros, vagabundos, em cinco, oito horas, estarão com fome novamente. É preciso agir. Ter coragem de sair do seu conforto e agir. Individualmente ou em grupo. Tome uma criança dessas, ou um grupo. Construam uma creche. Procurem seus pais. Juntem dinheiro e paguem médico. Ou professores. Dêem uma chance. Insistam. Comprem o material pedido na Escola. O uniforme, por exemplo. Sapatos. Façam uma escola. Arranjem empregos. Assistência psicológica. Acompanhem. Tenham notícias. Ajam. É preciso agir. O governo não vai sair do seu imobilismo, seja por incompetência ou malícia. Se não vamos às ruas e exigimos sua renúncia, nas três esferas, façamos grupos e vamos agir, junto a esses que precisam de uma ajuda. Domingo, além da criança citada, muitas outras, estavam trabalhando ali mesmo, na Praça. Políticos foram ao microfone. Pessoas felizes. Fizeram fotos. Publicaram nas mídias sociais. Não tiro o mérito de ninguém. Não sou nada. Posso até não ter razão. Mas a quem se queria atingir com essa marcha? Será que alguém é a favor do trabalho infantil, repito. Saia do seu conforto, se puder. Um pouco de cada um, dado com coração, já ajuda muito. Dessa maneira, o resultado aparece. Aí vamos correr para o abraço.