Ele
nem deu bola, mas Eduardo não gostou. Trabalhamos juntos produzindo a cantora
Ana Cristina. A convivência era ótima, séria e com bom rendimento. Era
descuidado. Adotou como idéia de vida. Bebida, cigarros, tudo o que não
prestava para sua voz. Sem estranhos por perto era uma pessoa doce,
inteligente, que gostava de conversar e era atento a tudo o que acontecia no
mundo. Com outras pessoas, fazia o personagem. Pintava aquarelas lindas. Estava
gravando um disco. Me disse que era pra fazer sucesso. Canções fáceis, na linha
pop. Uma tarde, compus uma música. Na época, a italiana Cicciolina era política
e sofria grande rejeição. “Eu to do lado da Cicciolina”, escrevi. Gravei demo.
Enviei. Acho que não vai dar, disse. O repertório está pronto. Está bem,
gravaremos como uma vinheta, tá? Tá. Que bom, foi a música que mais fez sucesso
do disco. Gravou alguns jingles que compus, um deles, um tango para o
lançamento do edifício Las Leñas. O tempo foi passando. O Cuíra achou de
encenar um texto “Quando a sorte te solta um cisne na noite”. Compus umas
músicas. Chamei Walter, Nilson Chaves e Marco Monteiro para gravar. Deve ter
sido sua última gravação. Ele faz falta. Queixou-se quando ficou insuportável.
Foi muito rápido. Sem espaço para bis. Um amigo, grande cantor, personalidade
da cidade. Talvez tenha achado que a farra lá no céu precisava dele.
sexta-feira, 26 de agosto de 2016
QUERIDO
Walter
Bandeira foi um querido. Talvez o tenha visto pela primeira vez cantando com
Guilherme Coutinho na antiga boate “Tic Tac”. Mas foi na boate da Assembléia
Paraense, primeiro aos domingos, depois aos sábados, que o tenho na lembrança.
O hit “Curtição”, uma mistura de samba e balada, com Guilherme fazendo Cesar
Camargo Mariano e ele fazendo Simonal. No entanto, para mim, funcionava “eu e
eu, neste amor que só vive em mim, que nem mesmo pode morrer, sendo eterno na
dor, de amar..”, romântica, fundo musical de meus sonhos de amor na
adolescência. Sim, naquela época, dançávamos juntos, havia um pequeno intervalo
preenchido com música mecânica e pasmem, tocava até “Whole Lotta of Love”, do
Led Zeppelin. Naquela época, os gays já saíam do armário, primeiro como
“engraçados”, aqueles que diziam gracinhas com um fundo de verdade. E Walter se
colocou muito bem. Cantor preferido do soçaite, sua performance era cheia de gestos
femininos e xistes na direção dos homens, ironias, tudo provocação. Ele vestia
essa persona para dizer que estava ali por dinheiro e aproveitava a liberdade
para dizer algumas verdades. Quanto a mim, gostava de conversar. Nos
aproximamos na base da provocação. Satisfeito com as respostas, estendia os
temas, discutia a evolução ou involução da cidade e seus costumes. Professor de
dicção, foi um grande locutor e apesar de se tornar marca da Rádio Cultura, foi
por mais tempo funcionário da Rádio Rauland. Nunca o vi atuando no Teatro, mas
assistia a quase tudo o que era apresentado. Seu estilo pessoal era desleixado,
na base do “se dependesse de mim, nào estaria aqui”. E fazia isso mesmo que a
festa onde cantava fosse black tie. Todos diziam que devia seguir para o sul e
tentar uma carreira nacional. Preferiu ficar. Produzi um show dele, parceria
com o saudoso Eduardo Silva. “50 Caetanos”. Agora não lembro se o baiano fazia
50 ou ele. Depois, Eduardo o convenceu a fazer um show bem produzido, bem
vestido, com orquestra, no Teatro da Paz, onde não fizesse as piadas e ironias de
sempre. Escrevi no jornal que era um Walter “lobotomizado”.
sexta-feira, 19 de agosto de 2016
HOMEM BOM
Não
é que eu queira me meter na vida de ninguém. Cada um vive como quiser, é claro.
Há quem nem pense nisso. O sujeito cresce, faz vestibular, se forma, casa, tem
seu emprego, dois filhos, vai à missa aos domingos, ao futebol mais tarde e
está tudo certo. Quando morrer, pode deixar a viúva com lugar para morar,
algumas economias, dois filhos criados. Isso será seu legado? Lembrarão dele
apenas como um cara bacana, ou houve alguma realização marcante de sua passagem
por aqui? Ela nunca foi tão bonita e encontrou outro mais ou menos. Enquanto os
bonitos brigavam entre si, eles eliminaram esse problema, namoraram e casaram.
Ela, do lar. Quando perguntam como vai a vida ela diz que vai levando. Só. É
suficiente? Qual foi sua marca, algo para lembrar aos outros daquilo que você
foi? Eu me pego pensando nisso. Repito que não quero me meter na vida de
ninguém, mas quais suas expectativas? O que te faz levantar nas manhãs e
realizar alguma coisa realmente relevante, digamos, para a sociedade, para si
próprio, algo em que acredite, mesmo que não acreditem em você? Algo pelo qual
valha uma briga incessante, para chegar a um resultado. Eu já passei dos 60. Li
no facebook que após os 50, devemos dar um break. Parar de pagar qualquer coisa
para os outros. Sustentar filhos. Faltarão menos anos para o fim. Qual a razão
para não aproveitar a vida, viajar, simplesmente não fazer nada? Mas o que terá
feito até então? Já fiz algumas coisas. Trabalhando com Cultura, Rádio e
Jornalismo, cheguei a alguns resultados que, olhando para trás, me agradam.
Olho e percebo que há registros de minha passagem por aqui. Não sou bom em
datas, teria problemas em localizar cada pequena vitória, para mim tão
importante, nessa trajetória. Há quem leve uma vida apagada, meramente
tranquila e, de repente, no clube, seja festejado por ser bom de futebol. Passa
o dia completamente anônimo e à noite, no clube, transforma-se em herói. Todos
querem estar no seu time, abraça-lo a cada gol. Depois, volta para sua
obscuridade. Mas é feliz. Descobriu no esporte um caminho para a realização.
Quando se for, não dirão que foi um grande economista, por exemplo, mas que jogava
muito. É alguma coisa? Depende de cada um e sua expectativa. E é mesmo
necessário fazer alguma coisa? Se não houver público, o que será do artista? Se
não houver ciclistas, o que será do mecânico de oficinas? E o que se intitula O
Rei dos Churrascos. Quem há de desmenti-lo? Tudo isso me leva ao início. O que
ficará, depois de mim, nesse mundo? Hoje tudo é tão veloz, descobertas
imediatas, um futuro que já chegou e talvez até já tenha ido. Na velocidade em
que vivemos, o presente elimina o futuro a cada segundo que passa. O terrorista
islâmico, além de ter à sua disposição mil virgens, terá seu nome lembrado pelos
companheiros como um mártir. O que pode querer um carrasco a ser lembrado? Ou
aquele matador, cheio de orgulho por tantos crimes. Em nossa bondade, após a
morte, lembramos sempre os melhores momentos dos que se foram. Bem, às vezes há
muito pouco a recordar. Meu pai ficava incomodado, a partir de uma certa idade,
em ter visitas a velórios cada vez mais frequentes. Era uma geração que estava
trocando. E ali, quase os mesmos, sempre, se entreolhavam e pensavam quem seria
o próximo. E o que ficaria de sua trajetória? O que sei é que uma vez perguntei
ao meu pai como queria ser lembrado e ele me disse: como um homem bom. Só isso
importa. Pensei muito nesse conceito. Concordo. Às favas com as conquistas.
Quero é ser um homem bom.
sexta-feira, 12 de agosto de 2016
OS JOGOS OLÍMPICOS
Até
o momento em que escrevo, espero que as Olimpíadas no Rio de Janeiro decorram
da melhor maneira. Um amigo, que chegou da Cidade Maravilhosa, me diz que
apesar de todos os problemas, os benefícios para a cidade são sensacionais, sob
o ponto de vista do transporte público e atrações para turistas. O chamado
legado das Olimpíadas. E que chegando de volta a Belém, vem uma tristeza e
consternação com nossa situação. Não sei quantas medalhas conquistamos, mas a
cada uma delas, raras, as emissoras de televisão chamam os atletas de heróis,
“a menina da comunidade tal”, e outros títulos buscando o emocional de suas
vitórias. O pior é que se trata de heroísmo, sempre. Enquanto potencias
mundiais usam o esporte como formação de bons cidadãos e principalmente, como
força de propaganda, movimentando também milhões de dólares em patrocínios,
nossos atletas - heróis – passam fome, têm dificuldade de transporte e treinam
com aparelhos antiquados ou adaptados. Nunca vou entender a razão da falta de
um apoio total, planejado, adequado ao esporte. Sei que há, aqui e ali, alguns
patrocínios e por parte do governo, algum incentivo, pequeno. Qual a razão para
não ser grande? Isso ao mesmo tempo em que ouvimos milhões sendo desviados na
Lava Jato e outras. Há também o futebol, com meninos mimados, desde cedo
elevados a craques, cheios de tatuagens, piercings, brincos, relógios de marca
e carrões importados. Quando sofrem a vaia, olham perplexos, sem entender.
Descarregamos nossas decepções de “gênios do futebol” em Neymar, grande
jogador, mas que se deixa flagrar em farras e aviões particulares, o que é seu
direito. Mas aqui no Brasil, o sucesso que às vezes não corresponde em campo a
toda riqueza que ostenta, termina em vaia. E vem o olhar perplexo. Marta! Chega
de queixas. Imaginem se os jogos fossem em Belém. Lançamento de disco seria com
o mano Edgar Augusto. Às torcidas organizadas de Remo e Paysandu, deixo o
lançamento de peso, tentando acertar os juízes. Imbatíveis. E o tiro ao alvo?
Resisto em mencionar o candidato delegado. Corrida de obstáculos seria fácil
com os pivetões do centro da cidade, correndo entre as barracas de camelôs,
após arrancar cordões de senhoras desatentas. Ciclismo evitaria para começar
comentar sobre pedaladas. Mas esses que sempre estão na contramão, desafiando
taxis e ônibus são campeões por antecipação. Salto à distância poderia ser
disputado na hora do rush, ali na Almirante Barroso, a caminho de Icoaraci e
com a ameaça constante do BRT. Deixaria a ginástica olímpica para a galera do
Treme, já homenageada na cerimônia de abertura. Nas lutas marciais, creio que
nossas gangues seriam medalha de ouro. Na corrida dos cem metros, em que Usain
Bolt é campeoníssimo, colocaríamos torcedores de Remo e Paysandu, após os
jogos, fugindo das brigas e ameaças. Duvido que alguém chegue na frente. Acrescentaria
outras práticas como prova de paciência, para nós que aguardamos ficarem
prontas as obras da Prefeitura. Prova de resistência para os passageiros dos
ônibus caindo aos pedaços, todos os dias na volta para casa. Prova de
desperdício para todos os que deixam o lixo na rua, amontoando. Prova de
agressividade para aquele Sectario de Cultura que conseguiu matar a Cultura no
Pará e sequer conseguiu impor sua Ópera, mesmo gastando milhões. Prova de calor
aos que se dirigem ao aeroporto, com taxas tão altas e sem ar refrigerado. E
finalmente, prova de amor à cidade, que nos testaria individualmente. Dizemos
que amamos Belém, mas nada fazemos para melhora-la. Sim, seriam jogos bem
interessantes.
sexta-feira, 5 de agosto de 2016
FESTA SURPRESA
Pois
eu gostei de cara da Rosaly, a nova gerente. Talvez quase 40, elegante, rosto
forte, olhar atento, se integrou rapidamente ao ambiente da agência, sem deixar
de cobrar forte e assumir o comando. O pessoal comentava nas internas sua beleza.
As meninas desdenhavam, mas não deixavam de concordar com sua simpatia. Foi em
um happy hour, num boteco próximo, que o
Olinto disse que havia descoberto a data de aniversário da Rosaly. Era costume
festejar essas datas e sempre aprontar alguma coisa engraçada. Servia para nos
unir ainda mais. E o que faremos para Rosaly? Apesar de toda sua simpatia,
nunca dera muito espaço para intimidades. Sabíamos que já fora casada e
atualmente estava solteira. Dizia-se casada com o trabalho. Vamos fazer uma
festa surpresa, em seu apartamento. Mas como entrar lá? A Graça, secretaria,
disse que faria um molde da chave com um sabonete. Olha, ela pode não gostar.
Isso é invasão de domicílio. Ah, não estraga, não complica. Quando acontecer a
surpresa ela vai ficar é feliz. E depois, nós somos bem animados, né? Bom, não
digam que não avisei. Fizeram uma cópia da chave. Coleta para o bolo, bebidas,
salgadinhos, balões, enfim, tudo discretamente. Chegou o dia. Ela tinha uma
reunião que ia durar até umas nove da noite, talvez. Que bom. Dá para aprontar
tudo após o expediente. Difícil controlar a ansiedade. E lá fomos nós. A chave
funcionou. Entramos. Todos estávamos excitados, rindo, arrumando, quando
ouvimos um barulho. Gritos. Me soltem! Abram a porta! Socorro! As meninas
gritaram de medo. Nós, temerosos, sem saber o que fazer. O Bob tomou a
iniciativa. Abriu a porta. Dentro, uma menina cheia de marcas, hematomas e
sangue, amarrada com correntes. Instrumentos cortantes, de tortura e fotos de
gente sofrendo nas paredes. Recuamos assustados. A menina pedia para ser salva.
Estava ali há dois meses sendo torturada por aquela sádica. As meninas
choravam. Nem coragem para fotografar tivemos. Desamarramos. A menina não
conseguia andar. Estava nua, abalada. Alguém providenciou um cobertor.
Perguntávamos e ela não conseguia responder. Coitadinha, está em choque. E o
que é que a gente faz? Chama a Polícia, as meninas disseram. Bem que eu sabia
que ela tinha cara de sonsa. Sonsa? Ela é uma serial killer! Olha o risco que
nós corremos! Não pode ser, deve haver algum engano. Ela é que nunca me
enganou! Liga Alfredo, liga pra Polícia agora ou eu vou começar a gritar!
Ligamos. Eles estão vindo. Talvez seja melhor ligar pro Samu socorrer a menina.
Então ouvimos o barulho da chave na fechadura da porta. Veio aquele frio na
barriga de todos. Uma das meninas correu para vomitar no banheiro. E a Rosaly
entrou. O que significa isso? O que era para ser uma recepção festiva, virou,
sei la o quê. Silêncio sepulcral. Ela olhava para nós. Nós olhávamos para ela.
A Olga disse que era para ser uma festa surpresa, mas agora.. Então a Rosaly
disse que era sim uma surpresa! Imediatamente a menina que estava em choque se
levantou rindo e se abraçou com ela. Feliz aniversário! Ninguém respondia. Era
tudo uma brincadeira, gente! Vocês armaram pra cima de mim, eu armei pra cima
de vocês! Ei, gente, é tudo brincadeira. A Emília, aqui, é uma atriz. Vocês
acreditaram? Dêem parabéns a ela! Parabéns nada, as meninas disseram. Você é
uma louca. Vamos embora! Gente, vamos festejar.. Saíram todos para o corredor.
O elevador chega e nele, uma equipe de policiais cheios de urgência. Olha, foi
difícil explicar, ouvir a esculhambação por termos feito uma denúncia
inexistente, enfim. Todos foram embora. Eu fiquei. A noite foi ótima com Rosaly
e Emília.
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