Sempre
fui fã de Saulo Sisnando, desde as primeiras peças, lá no Teatro Cuíra, onde
ainda tateava uma linguagem que agora está sólida e pronta. Talvez por ser tão
urbano quanto eu, ou pela influencia clara dos filmes em p&b, da década de
40, das grandes estrelas de Hollywood. Gosto do humor de seus textos, sutil,
ferino, elegante. Não tem medo do melodrama e até do efeito engraçado que gera,
quando misturado a tentativas do gênero “Terror”. Saulo já surgiu dentro da
escuridão cultural em que vivemos há mais de vinte anos. Por isso, acho, o nome
de seu grupo é “Teatro de Apartamento”, pois é lá que ensaia, com sua turma,
seus espetáculos. Já foi encenado com sucesso no Rio de Janeiro e suas series,
filmadas e postadas no Facebook também são ótimas, corajosas, ousadas. Eu
próprio já escrevi um texto, que se juntou a outros dois em uma peça. A parceria com a Casa Cuíra já
estava anunciada há tempos. Logo que a Casa foi aberta, ali na Cidade Velha,
Dr. Malcher 287, conversamos a respeito de um texto que iniciaria com um
personagem entrando na casa e caindo, ensanguentado, em frente à platéia.
Crime, assassinato, mistério. Ele se encantou. Quando voltou, já foi com um
texto que reúne todas essas possibilidades. É preciso pensar na Casa. Em seus
espaços. Até pode ter um palco italiano, mas pode muito mais. Salas amplas, pé
direito alto, tábuas compridas, um mundo de possibilidades. Chamaram Patrícia
Gondim, Grazi Ribeiro, Alexandre Baena, Dani Cascaes, Maria Luiza Marillac e
Gisele Guedes e a coisa foi tomando forma. Junta, como somente o Teatro é capaz
de juntar, generosamente, gerações diferentes de atores. Olinda Charone, Zê
Charone e Sônia Alão, contracenam com Leoci Medeiros, Leonardo Moraes, Flávio
Ramos, Pauli Banhos e o resultado é maravilhoso. Tem ator fazendo personagem feminino
e vice versa. Tem ator fazendo dois personagens. Tem trecho filmado, projetado
na parede da casa. Saulo, que adora Agatha Christie, foi influenciado pelo
livro “O Caso dos Dez Negrinhos”. Saiu um texto de mistério, vingança, ciúme,
crime e ambição. A famosa escritora de livros de terror, Elizabeth Wilcox, há
muitos anos vive enfurnada em uma mansão à beira mar, próxima a Los Angeles. Tem
a companhia de alguém, muito misteriosa, criada e tratada como serviçal, mas
que ainda poderá herdar toda a fortuna da escritora. Mas há mais mistério
envolvendo a morte de uma das filhas, o nascimento de duas netas, playboys e
caçadores de dotes ambiciosos. Convidada, essa malta estará presente em um
fatídico final de semana, com Wilcox. É claro que contracenar com duas atrizes
famosas na cidade, deixou inicialmente nervosos Leoci Medeiros e Leonardo
Moraes. Mas a troca de energias, o tal famoso processo que permeia toda montagem
teatral, fez com que o elenco formasse novamente o que chamamos de “família do
teatro”. Ali, todos ficam tão unidos, confidentes, que às vezes os colegas
sabem mais de suas vidas do que a própria família. E no entanto, após a
temporada, provavelmente vão se separar, seguindo para novos compromissos, “novas
famílias”, em outras montagens. “A Outra Irmã” é, principalmente, mais um grito
do teatro paraense, que mesmo com toda a maquina trabalhando contra, continua e
se mostrar. O show não pode parar. Os espetáculos são em Casas, como a Casa
Cuíra. São em praças, até em ônibus, com foi recentemente em “Auto do Coração.
Não temos acesso aos palcos da cidade, destinados a qualquer coisa que não
artistas paraenses. Ano que vem está chegando. Amanhã vai ser outro dia.
Enquanto isso, te convido a assistir “A Outra Irmã” e garanto diversão e
entretenimento. Sobretudo, a mágica ali, na sua frente, à distância do tato. O
Teatro.
sexta-feira, 24 de novembro de 2017
sexta-feira, 17 de novembro de 2017
O LUGAR DA EMOÇÃO
Estava
ouvindo o último cd de Guinga, com o Quarteto Carlos Gomes e devaneando,
pensando na emoção que seria ouvir músicas de minha autoria, a maioria trilhas
de teatro, por um quarteto de cordas. Uma de minhas melhores recordações foi
assistir, no Teatro da Paz, Nilson Chaves e Vital Lima, cantando e sendo
acompanhados por uma orquestra. A casa de meus pais sempre esteve envolta em
música. Havia discos em 78rpm e ouvíamos algumas árias lindas e inesquecíveis.
Adiante, apaixonado pelo tal rock progressivo, após Emerson, Lake & Palmer
gravar “Quadros de uma Exposição”, de Mussorgsky, corri para ouvir o original.
Fui atrás de “A Sagração da Primavera”, de Stravinsky, após o Yes abrir seus
concertos com um trecho.
Não
queria ser David Gilmour, que inventou e gravou o solo de “Comfortably Numb”,
clássico do Pink Floyd em “The Wall”, mas queria ser o guitarrista trazido por
Roger Waters, que assisti em São Paulo. Do alto de um cenário onde estava o
“muro”, ele sola deliciosamente, apaixonadamente para profunda emoção de todos
os que ouvem e assistem. A construção da cena é perfeita e atinge nossos
corações. Me pergunto a respeito da emoção pessoal desse músico, que executa
com maestria, várias vezes, nos shows realizados, o tal solo. Lá em cima,
sentindo o vento da noite, iluminado por potentes holofotes e tendo abaixo uma
multidão emocionada, será que ele sente arrepios ou apenas executa
profissionalmente, com precisão? Uma vez, em NY, assistia ao musical “Tommy”,
na primeira fila. Dava para ver, no fosso, os músicos da orquestra. Entre eles,
uma violinista, que lia um livro, até aguardar seu momento de tocar, o que
fazia perfeitamente. Qual o distanciamento ideal para o artista, porque sem
emoção, tudo vira automático e o público, mesmo sem perceber, sentirá. Um ator,
muitas vezes, durante a peça que interpreta, “assiste” ao público. Sabe quem
está dormindo, bocejando, conversando. Mas são momentos em que sabe que pode
fazer isso. Sabe dosar. Quando vem aquele momento em que é necessária a emoção,
ele tem técnicas para buscar dentro de si a motivação que encantará a plateia.
Não sou músico. Se estivesse no alto do cenário de “The Wall”, aguardando para
solar “Comfortably Numb”, provavelmente cairia lá de cima, as pernas tremendo,
o coração pulsando, os olhos lagrimando de emoção. E o músico? Tanto no show
quanto na peça de teatro, repetem as mesmas notas e textos, mas cada noite,
cada show, é diferente. Somos humanos. Temos motivações diárias e particulares.
O público também vibra diferente, em conjunto. Dizem que a plateia de sexta é
curiosa, a de sábado é crítica e a de domingo é ótima. Eu fazia sonoplastia em
“Toda minha vida por ti”, do Cuíra, dirigida por Cacá Carvalho. Havia o que
chamamos de “golpe teatral”. Magistralmente, ele preparou uma cena intensamente
hilariante, seguida de outra, profundamente emotiva. Trabalhamos em conjunto.
Atores, iluminação e som. Naquele instante, tal como no show de Nilson Chaves,
no TP, lembrei de meu pai, que havia morrido há pouco tempo e me emocionei. No
palco, um dos atores, por exemplo, dizia palavras bonitas, mas objetivamente,
para ele, sem que o público soubesse, estava repetindo uma cena pessoal e
emotiva, de sua vida. Assim, havia organicidade em sua fala. A plateia que ria,
agora chorava. Onde colocar a emoção? Pensei nisso e resolvi dividir com vocês.
sexta-feira, 10 de novembro de 2017
FEIOS, RUINS, CAFONAS E POBRES
Fui assistir “A Mulher de Bath”, com
Maitê Proença, dirigida por Amir Haddad, semana passada, no Teatro da Paz.
Apenas a plateia e uma ou duas frisas ocupadas. Direção correta, atriz
esplêndida, usando de todos os seus recursos, sobre um texto literário, em
versos, longo e difícil. Que memória! Mas exatamente por ser mais literário,
não funciona como teatro, mesmo com tanta gente boa. E nosso público de TP,
hoje, ou vai para ver o galã da Globo ou para rir. Houve discretas risadas,
mais pela ansiedade em rir do que pelo texto. Fiquei ali pensando em quantas
vezes esteve ali uma peça de minha autoria, com teatro lotado. Já em minha
estréia com “Foi Boto, Sinhá”, depois com “Angelim, o outro lado da Cabanagem”
e, finalmente, com “Convite de Casamento”, esta última já dentro do período negro
que atravessamos há mais de vinte anos. Fomos recebidos pela direção com alguma
ironia. Quando topamos pagar o preço por noite, risinhos sem graça. Menos dos
funcionários que pareciam torcer por nós. Pois lotamos o final de semana. Uma
peça paraense. Muitos vinham perguntar se éramos de fora ou daqui, mesmo.
Imaginem. Naquele mesmo domingo, nos jornais, uma pesquisa sobre as
preferências culturais do povo paraense. Que bom que a Literatura apareceu mais
ou menos. Mas o Teatro, no rabo da fila. É claro que o Teatro sempre esteve em
crise. Mas eu lotava o Teatro da Paz, como fiz no Schivazappa, Líbero Luxardo e
quem mais se apresentou. No decorrer desses anos todos, a concorrência aumentou
muito em atrações artísticas. A música, se resolverem ligar os aparelhos na
hora e se apresentar em improviso, conseguem. O Teatro é mais artesanal, mas é
a base de tudo. Infelizmente, o povo paraense foi apartado do Teatro. Hoje,
vamos ao TP para assistir espetáculos por artistas globais e principalmente,
comédia. “Se não é comédia, não vou. De problemas, já bastam os meus”, pareço
estar ouvindo. E o funcionário público incompetente, que há mais de vinte anos
destrói nossa Cultura, considera que somos feios, ruins, cafonas, pobres,
enfim. Incapazes de pisar no TP. Essa é boa. Mas hoje, realmente não dá. Não
porque não tenhamos condições, ou sejamos feios, ruins, cafonas, mas pobres,
certamente. O preço do aluguel é alto. E sem global no elenco... Mas o Teatro
não morreu. Estamos em locais alternativos. Saulo Sisnando, um dos ótimos novos
autores está ensaiando um espetáculo para estrear no fim do mês, na Casa Cuíra,
chamado “A Outra Irmã”, excelente. Será que lhe fará levantar da poltrona em
casa, sair da novela das nove, ou dez, botar uma roupa e ir assistir? Ou também
acha que somos feios, pobres, ruins e cafonas?
LES VALSEUSES
Maiween Le Nedellec, diretora da
Aliança Francesa, matou a charada que perseguia há anos, querendo saber o
título de um filme que aqui se chamava “Loucos de Amor”. Eu o assisti no Cinema
1, creio, anos 70, quando tudo era possível. Gerard Depardieu cabeludo,
magérrimo e Patrick Dewaere, lindos, em uma corrida louca por Paris e
arredores, como um easy rider francês, dirigidos por Bertrand Blier e música de
Stephane Grapelli, ainda com participações de Miou Miou, Jeanne Moreau e
Isabelle Ruppert. Que time! Hoje parece um tanto naïve, mas na época era tudo
de bom. Sair por aí, sem lenço, sem documento, sem hora para nada, sem lugar
para ficar, aproveitando a juventude, cometendo pequenos roubos, pequenos delitos
e rindo, rindo muito. Sim, eu sou da turma dos 70’s, que ajudou a revolucionar
o mundo em costumes. Aprecio a turma dos 80’s, sobretudo em Belém, na área do
Teatro. Grandes nomes, hoje, ainda, mas precisando, novamente, quebrar tudo e
mostrar uma direção para jovens de agora que me parecem acomodados, preferindo
estar na plateia do que no palco, fazendo o mundo girar.
sexta-feira, 3 de novembro de 2017
GIL ENGENDRA EM GIL ROUXINOL
Leio
no Estadão que Gilberto Gil vai lançar uma caixa contendo três gravações de
shows que realizou no começo dos anos 70, pouco depois de retornar do exílio na
Inglaterra, para onde foi “delicacamente” enviado pelos militares, no poder,
naquele tempo. No primeiro deles, Gil vem de guitarra elétrica em punho, um
band leader, cantando “Back in Bahia”. Ao contrário de Caetano Veloso, dedicado
ao violão, Gil gravou em inglês um álbum já com a guitarra e seguia o caminho.
Um grande momento. Meu herói de geração foi Caetano Veloso. Me identificava com
suas ações, cabelo grande, roupas coloridas e influencias musicais. Mas, sem
dúvida, Gil, além de ser ótimo, com uma voz maleável e perfeita, violão
certeiro, letras e músicas, foi mais atuante, sem dúvida. Mesmo nos primeiros
discos, antes da Tropicália, era Gil que arrebentava com “Roda”, que dizia “não
é obrigado a me ouvir, quem não quiser escutar”. Assumia posições. “Domingo no
Parque” era super incisiva, misturando guitarras, orquestrações sensacionais de
Rogério Duprat e viola. E no disco seguinte, havia “Coragem pra suportar” e,
principalmente, “Marginália 2”, esta, um primor de colagem, frases
emblemáticas, melodia e arranjo. No disco do movimento, lá estava Gil em
“Geléia Geral”, o grande hino. No movimento da “abertura política”, gravou a
versão de “No Woman no Cry”, cantada por todos. Eu me lembro de alguns shows
aqui em Belém. Lembro do “Momento 68”, maravilhoso happening, no Teatro da Paz,
misturando moda, teatro e música, patrocinado pela indústria Rhodia. Em outro
momento, bem ensaiado, Gil coçava a cabeça, ensejando algum comentário racista,
como se um macaco. Bingo, alguém se manifestava e ele abria o discurso,
pertinente toda a vida. Mas, tenho certeza, a delícia de Gil é cantar. Sua voz
se moldando a qualquer tipo de ritmo e harmonia. Alongava-se em improvisos.
Chamava a platéia a participar. Agora estão festejando 40 anos de “Refavela”
onde mergulhou ainda mais na cultura negra, provocado por uma viagem à Angola.
E depois veio “Refazenda”, que reputo, um de seus melhores momentos. Foi antes
ou depois dos “Doces Bárbaros”? E a prisão por porte de maconha? Ele se
mostrou, se apresentou, desafiou com argumentos, antenado com a mudança dos
costumes. Ali nos anos 80, voltou à guitarra, ao bandleader e houve “Palco”,
“Realce”, “Toda Menina Baiana”, e várias outras. E adiante, “Nos Barracos da
Cidade”, “O Eterno Deus Mudança”, “Extra”, sempre à frente de tudo, botando a
cara pra bater. Chegou a internet e ele fez o “Parabolicamará”. A experiência
política, veio junto com problemas na garganta. Adiante, nos rins. No começo do
ano que vem, mostra disco novo. De verdade, e talvez seja absurdo cobrar tanto,
caiu um tanto a potencia de sua produção musical. Exigentes, cruéis, ouvimos seus
novos trabalhos querendo a genialidade de sempre. Nos decepcionamos com a voz
rouca, sem grande alcance, não mais as evoluções vocais deslumbrantes, o grande
e orgulhoso vocalmente Gilberto Passos Gil Moreira. Seu par, Caetano, apesar de
manter a performance vocal excelente, também caiu em sua produção autoral.
Estão lá pelos 75 anos! E ainda exigimos a mesma genialidade, jovialidade e
agressividade de antes! Crueis, somos todos. Admito, sou cruel. Hoje, ao ler a
notícia no Estadão, fui ouvir “Domingo no Parque”, “Back in Bahia”, “Chuckberry
fields forever”, “Extra” e outras tantas maravilhas que ele compôs e gravou,
para o país inteiro ouvir, dançar e cantar. Aos mais jovens, sob todo o risco
de um tiroteio em favor das músicas atuais, minhas desculpas, mas a turma dos
anos 60 e 70 foi demais. Ainda está muito difícil chegar perto.
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