quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

FELIZ ANO NOVO

Sabe quando dois dormem em uma cama e, nos movimentos dos corpos, se esbarram e se acordam? Acordaram. Um olhou para o outro. Esfregaram os olhos. Quem é você? Eu é que pergunto. Quem é você? Eu também não te conheço. Eu não te conheço, com certeza. O que é isso? Não sei. Como, então, viemos parar aqui? Boa pergunta, não faço a menor idéia. Por favor, você me empresta esse pedaço de lençol, porque estou nua. Eu também estou nu. Tem certeza que não me conhece? Sei lá, alguma coisa aconteceu. Eu não te conheço. Nunca te vi mais gordo, posso garantir. Não me lembro de ontem, ter feito algo diferente. Será que botaram essas substancias.. Também não sei. Estou com dor de cabeça, mas fique tranqüilo, eu não bebo. Mas então, que brincadeira de mau gosto.. Me dê licença, olhe para o outro lado, eu vou até o banheiro. Mas aqui não tem banheiro. Deve haver, então, no corredor desta casa, deste apartamento. Eu não sei onde estou. Nem eu. Levanta, cobre-se com o lençol. Minhas roupas. As minhas também. Essas aqui, são roupas de mulher, mas não são minhas roupas. Sim, eu também. Essas roupas não são minhas. Olhe para o outro lado. Vou me vestir para ir ao banheiro. O engraçado é que servem exatamente. Isso aqui está muito estranho. Que horas são? Estou sem relógio. Vou me vestir, também. Você já olhou na janela. Eu não conheço nada. Por favor, venha olhar para ver se reconhece este lugar. Olha. Será que estamos na... não, não é possível. Eu também não sei onde estamos. É um prédio e esta janela é para os fundos. Mas não sei de onde. Escute, você consegue lembrar o que estava fazendo, ontem à noite? Bem, em primeiro, meu nome é Mário Sérgio. Sou gerente de um banco, casado, duas filhas e ontem estava na festa de reveillon de um amigo. Deixa ver.. recebi um telefonema de um amigo, Carlos, que não queria subir até a festa e precisava me dar um abraço. É só o que me lembro. E você? Eu sou Claudia, solteira, vendedora de perfumes a domicílio. A última coisa que me lembro é de chegar em um bar e pedir uma cerveja enquanto esperava o Zé Maria, um amigo. E aí, mais nada? Mais nada. Você vê, não há como imaginar como possamos ter nos encontrado e acabar aqui, nesta cama, no primeiro dia de 2016, nus e sem nunca nos termos visto antes. Meu Deus, o que vou dizer à minha mulher, meus filhos, meus amigos. Sumir, assim.. A essa altura, o Zé Maria deve estar me procurando até na Polícia. Sabe, a gente namorava, assim, de vez em quando. Ele é muito ocupado. Eu, como sou sozinha e também não tenho ninguém em vista, até gostava. Não tinha compromisso, sabe. Bem, vamos lá? Tropeça em algo. Você, como é mesmo seu nome? Claudia. Olha aqui! É uma pessoa! Os pés. Debaixo da cama. Toque, chame.. sei lá.. será que está morto? Não, acho que está dormindo.. ainda respira.. Puxam o corpo. Ao mesmo tempo, exclamam: Carlos! Zé Maria! Entreolham-se.. Mas como Carlos? E Zé Maria? Pra mim esse é o Carlos. Não, senhor, este é o Zé Maria, posso dizer com certeza. Bata nele, faça-o acordar, sei lá.. Batem no rosto, dão tapinhas. Empurram. Nada. E agora? Agora, sei lá, talvez seja melhor avisar a família. Vai ver, é família dele. O Zé Maria não tem família. O Carlos, não sei, nunca falou. É Zé Maria! É Carlos! Ele nunca pareceu estranho? Nunca fez nada, assim, meio sem nexo? Será que ele tem a ver com isso que aconteceu com a gente? Essa roupa, que não é minha, é super cafona. E isso é hora de pensar em roupa? Imagina essa blusa, toda colorida, horrível. Sentam na cama. Não sei o que fazer. Nem eu. Preciso sair daqui. Escuta, afinal, esse seu Zé Maria, que pra mim é Carlos, o que é mesmo, pra você? Me levava pro motel. Motel dos bons. E esse seu Carlos? O Carlos é um namorado, meu.


quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

FELIZ NATAL, MAS NÃO ESQUEÇA O DONO DA FESTA

Dias atrás, fui até a Casa Porto comprar refrigerante. Havia um freguês sendo atendido, mais um homem alto e forte e comigo chegou um taxista, jovem, 30 anos, atarracado, que foi logo estendendo dinheiro e pedindo uma draft. O homem alto disse, cortesmente, que estava na sua vez de ser atendido. O taxista disse que o atendente é que decidiria isso. Ah, é? Pois vamos ver. Senti a tensão do ambiente. O rapaz da Casa Porto serviu primeiro quem estava na vez. Quando se retirou, o taxista resmungou, pegou sua draft e saiu cantando pneus. O que leva uma pessoa a estar com a paciência assim, no limite? Bem, não faltam razões. E eu preocupado com o Natal. Gosto do Natal. Gosto de Papai Noel. Minha lembrança é de momentos maravilhosos com minha família, quando éramos todos crianças. Já contei, aqui, do Papai Noel que descia no edifício Renascença e que passava de apartamento em apartamento, indo até o terraço e jogando bombons para a multidão. E que já chegava meio bêbado, pedindo whisky, levando meu irmão Edgar a nos dizer que Papai Noel bebia e era amigo do papai. Também contei do “Papafilas” que ganhei de Natal e troquei com meu amigo Cícero, por um caminhão feito de lata de óleo de cozinha e tampas de refrigerante. Não tenho problemas com o consumismo da época, tenho minhas tarefas natalinas, e espero a data com alegria. Ouço Beatles. Os presentes, dou com alegria. Compro pensando naquele que vai receber. E gosto de Papai Noel. A recordação é essa imagem linda, do bom velhinho, bochechas rosadas, padrão europeu, mas com rosto bondoso e feliz. Deixo de lado todas as outras intepretações, desde a idéia do Noel ser negro. É outra discussão. A imagem é que está gravada na memória. Me faz bem pensar nele. Mas há exageros como a decoração do shopping Boulevard, que inclui um iglu, em meio a branco total de neve. Um iglu? Isso em contraposição ao calor senegalesco que temos lá fora. Também não entro nessa de Saci Pererê e precisamos lutar contra o sistema. Mas não forcem a barra, também. Lembro também de uma crônica de Carlos Eduardo Novaes, sobre o almoço da família, no dia 25. Em um quarto, as mulheres mostram umas às outras os vestidos ou mimos recebidos, com graves queixas contra os maridos. No quarto das crianças, os adultos disputam acirradas partidas de Fifa 2016, enquanto os moleques estão em um canto, aplicados no what’s up. Fantástico. Publiquei no facebook um grafite que penso ser de autoria do excelente Banksy, onde a imagem de Jesus Cristo, crucificado, tem a pender, de cada braço, sacolas de compras. Grande idéia. É bom festejar o Natal, dar presentes, confraternizar. Mas não podemos esquecer do dono da festa. Sou cristão e duramente procuro seguir a filosofia desse cara que, em uma época bem conturbada, com os judeus aguardando a chegada de um grande herói e seus exércitos para expulsar os romanos e os levar de volta à glória, receberam um homem, pescadores analfabetos e uma mensagem de paz, mansidão e bondade. Pode nem ser a data verdadeira de seu nascimento. Na tv, pesquisam se ainda está por ser descoberta a gruta onde nasceu. Mas para mim, a cada 25 de dezembro, há um renascimento da minha fé, uma alegria por estar por aqui e principalmente, ao lado de minha mãe, que me fez amar a data. A mensagem do Cristo cabe em qualquer das religiões que hoje são motivo para brigas e mortes absurdas. Hoje, adulto, sou eu quem compra presentes e vibro com os olhos acesos das crianças. E quero estar, ainda, por muito tempo, sempre ao lado da minha mãe querida, meu grande presente. Feliz Natal a todos.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

THE WALL - DOCUMENTÁRIO

Acabo de assistir ao documentário “The Wall”, sobre o show de Roger Waters, que percorreu quase o mundo inteiro e novamente fiquei extasiado. Assisti ao show em São Paulo e renovei minha admiração. Nele, fiquei sentado muito próximo ao palco, o que foi ótimo e também ruim, porque as grandes cenas, as grandes projeções, não puderam por mim ser apreendidas totalmente, o que agora consegui. Como novidade, a visita aos cemitérios onde estão o avô e o pai, mortos na Primeira e Segunda Guerra Mundial. Há conversas interessantes, Roger, filhos e netos juntos. Há cenas de bastidores onde se percebe o tamanho do espetáculo, a precisão dos músicos, cenários, luzes, projeção, operação de infláveis. E não há como não se emocionar. Talvez desse a vida para ser David Kilminster, o guitarrista que do alto do Muro, contemplando aquele mar de gente, sola belamente “Comfortably Numb”. A emoção é enorme. A plateia chora, canta, grita, sente a guitarra. Daí para as lágrimas, um passo. Mas agora me pergunto, o que é “The Wall”? Comprei em vinil o álbum duplo, com ilustrações geniais de Gerald Scarf. Assisti ao filme dirigido por Alan Parker. Vi “Another brick on the wall” chegar aos primeiros lugares das paradas. E também a briga que acabou com a banda. A verdade, por mais dura, é que a cabeça de Roger estava bem adiante e os companheiros não conseguiam acompanhar. Impaciente, foi afastando os colegas. Músicos de estúdio gravaram muitos trechos. Havia, por vezes, dois ou três estúdios gravando. E depois de tanta briga, o produtor Bob Ezrin levou as fitas para casa, onde passou um final inteiro montando, digamos, o setlist que escutamos. Há de tudo. Uma faixa diz “Fear builds walls”. O medo constrói muros. Há crianças oprimidas por professores. O artista pop, comandando uma multidão, com marchas militares, uniformes com símbolos, fazendo um ditador. O poder do artista diante da massa. O sofrimento de quem, após encantar as pessoas, fica sozinho em um quarto de hotel, sem ninguém para lhe dar carinho, amor. As drogas. Você precisa acordar e ir para o palco. Há milhares de pessoas esperando. Há a morte do pai de Roger, em Anzio, na Segunda Guerra. Há o grito pelos que morreram em guerras absurdas. Até o brasileiro Jean Charles é citado. Tem mamãe te protegendo de tudo, construindo um muro ao redor do filho. A banda é formada por veteranos competentes. Mesmo entusiasmados, nem chegam a suar. Tudo é feito de maneira eficiente. Roger, já nos 70, comanda, canta várias, toca baixo, está em tudo. E há David Kilminster e Snowy White, guitarristas maravilhosos, repetindo David Gilmour. Agora, fora uns dois ou três discos solo sem grande destaque, o que fez Waters esses anos todos? Uma ópera pouco divulgada.

E o que faz David Gilmour, seu par no Pink Floyd? O guitarrista ocupou as páginas das mais famosas publicações de música com seu disco novo, “Rattle that Lock”. Fui ouvir e me decepcionei. Tudo bem tocado, a guitarra lendária está lá, mas as músicas não passam de boas introduções, duas ou três canções mais ou menos e pronto, acabou. Eles nunca vão concordar, mas a química que existia entre os dois funcionava maravilhosamente. Gilmour ainda gravou sem Waters um disco do Pink Floyd, apenas razoável. E seus discos solo são muito fracos. Milionários, lendários, mas um, sem o outro, nada. E nós é que perdemos. São humanos. Lennon & McCartney, somente para dar um exemplo. O dinheiro, stress, showbizz, família, drogas, bebida. É difícil. Agora é tarde. Eles nunca vão voltar.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

O REI DA ROLETA

Sim, eu já ganhei na loteria esportiva. Há muitos anos atrás. Como arrisquei somente um palpite duplo, no valor de dois cruzeiros, muita gente ganhou, também. O prêmio foi suficiente para comprar um carro, o que para mim, muito jovem, foi ótimo. Ainda hoje, de vez em quando, deixo-me seduzir por prêmios acumulados na mega sena e volto a arriscar, claro, sempre na aposta mínima. Meu pai conseguiu incutir em mim e meus irmãos uma certa antipatia ao jogo. De baralho, cheguei a jogar partidas inocentes de final de semana de férias em Mosqueiro. E só. Apesar do jogo estar proibido desde ato do Presidente Dutra, ali na metade da década de 1950, sempre se jogou muito no Brasil. Principalmente em Belém, onde funcionam cassinos e de vez em quando a Polícia faz uma batida. Todo esse “nariz de cera” para recomendar a vocês o livro “O Rei da Roleta – A incrível vida de Joaquim Rolla”, lançado pela Casa da Palavra e escrito por João Perdigão e Euler Corradi. Como quase sempre acontece, Rolla começou bem pobre, como tropeiro em Minas Gerais. De conquista em conquista, inaugurou o lendário Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, tendo como adversário o Sr. Bianchi, dono do Cassino Atlântico, no Posto 6 de Copacabana, onde chegou a funcionar a Tv Rio e atualmente um hotel de luxo. Na Urca, funcionou a Tv Tupi e agora, o Instituto Europeu de Design. Empreendedor a vida inteira, semeou amizades com o poder, sendo amigo da Primeira Dama, Alzira Vargas, realizando eventos beneficentes. Seu cassino, além de receber toda a alta sociedade, apresentava shows de inesquecíveis artistas nacionais como Grande Otelo, Aurora de Oliveira, Francisco Alves e Carmen Miranda, entre outros. Houve também grandes cartazes internacionais, que de passagem para a Argentina e Uruguai, paravam no porto do Rio e eram levados para o Cassino. Abriu cassino em Araxá, Minas Gerais, tendo sido muito amigo de Juscelino Kubitschek. Construiu o famoso Quitandinha, mesmo já enfrentando a clara possibilidade da proibição do jogo no Brasil. Muitos filmes da Atlântida, de chanchadas, foram gravados por lá. Carlos Machado, que adiante seria o Rei da Noite, começou com ele. Carlos Lacerda também, atuando como publicitário em uma de suas empresas. Dutra proibiu o jogo. Foram tempos terríveis. Quando Vargas retornou, pensou que tudo voltaria a ser como antes. Não foi. O mundo mudava, lentamente. Havia Brasília, Bossa Nova, Brasil Campeão Mundial de Futebol. Havia, além de Lacerda, o Marechal Lott, João Goulart, Jânio Quadros, Brizola e Juscelino. Joaquim Rolla cansou. Os amigos chamaram para voltar a jogar peteca, em Copacabana. Desceu, jogou como nunca, voltou para casa e sofreu um ataque cardíaco fulminante durante o banho. O livro não chega a examinar se havia alguma influência de máfia, os percentuais financeiros, qualquer possibilidade de ilegalidade nas atividades. Até hoje, de vez em quando, o Congresso discute a volta do jogo no Brasil. Vários empresários torce, com grandes espaços preparados para funcionar imediatamente. Não tenho opinião formada. Há jogo em outros países vizinhos, Europa e Estados Unidos onde, em diversos filmes e livros, a máfia está por trás, sobretudo em Las Vegas, uma cidade para o jogo, construída em meio a um deserto. Ser contra o jogo é ser contra o livre arbítrio de quem quiser participar do “jogo de azar”? Ou porque há certeza de utilização do dinheiro em coisa ilícita? Mas o Governo Federal é o maior patrocinador de jogos de azar, como a Loteria, Mega Sena e uma série de outras possibilidades. Deixo a discussão no ar. Mais que a história de Joaquim Rolla, o livro vale a pena por revelar um Brasil maravilhoso, cheio de artistas inesquecíveis, que ficou para trás.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

GUERRA DE PAPAGAIOS


Durante onze meses do ano, aquele juiz federal temido, seríssimo em suas demandas judiciais, trabalhava quase quinze horas por dia, incluindo finais de semana. A família, os amigos reclamavam, mas compreendiam o acúmulo de serviço que tinha. A falta de um maior número de juízes, os milhares de recursos, tudo era motivo para aumentar sua tarefa. Mas, durante um mês apenas, ele trocava de vida. Em julho, tinha suas férias e ia para Mosqueiro, onde sem camisa, bermudas, havaianas, óculos escuros e um boné velho, entregava-se à prática de empinar papagaios. Na área, também era conhecido. O “tio do Gasgo”, como era chamado, não por ter qualquer sobrinho chamado Gasgo, mas por uma habilidade específica, em cortar os papagaios adversários “no gasgo”, ou seja, na “garganta”, digamos assim. Para isso, sua atividade começava bem cedo. Ele próprio construía seus papagaios, comprando papel de seda, tala, cola e utilizando sua grande experiência. Seu segredo estava, também, no cerol, mistura não revelada, mas que continha vidro esfarinhado e que servia, justamente, para “cortar” os outros papagaios. O juiz orgulhava-se de, há muito, não perder um único papagaio e dava-se ao luxo de utilizar um novo a cada dia, por mero capricho, tendo, também, uma sala em sua casa, onde pregava na parede os papagaios com maior pontuação, ou seja, adversários cortados.

Julho começou e lá estava o juiz saindo, solenemente, como se vestisse uma toga especial, à base de bermuda, chinela e boné, para sua atividade. Que os adversários tremessem. Bem, quase todos não tinham mais de quinze anos. Alguns prendiam, outros, treinavam o ano todo para derrota-lo. Outros, já passados da idade, sentavam para assistir e torcer contra, claro. O juiz adorava vencer. Não satisfeito, os mais bonitos, os que davam mais trabalho, saía correndo, deixando com um auxiliar o seu papagaio, “no treme”, e ia conquistar o papagaio que chinara. Com treinamento diário, na esteira, feito todos os dias, bem cedo, enquanto lia processos, levava vantagem sobre os garotos e com a altura, ganhava as disputas. Nesse dia, colocou o seu no ar e logo chegou próximo um garoto de uns nove anos. Ficou ali, olhando, sem dizer nada. Aos poucos, começou a fazer comentários. Por enquanto, estava fácil, mas o garoto dizia, olha o vento, foge pra cá, não vai conseguir dar no gasgo, dá cabeça, dá cabeça, ih.. O juiz foi se aborrecendo. Acabou por dizer que o garoto devia ir dar técnica para os outros, que ele estava cortando tão facilmente. O garoto, imperturbável, disse que ia era buscar o seu próprio papagaio em casa. Contente com este súbito adversário, o juiz o animou, dizendo que o dia estava, mesmo, muito monótono. E o garoto voltou. E colocou no ar. Começou um duelo que parou a praia. Claro, toda a torcida era para o menino, não somente por ser tão criança, mas diante do grande e imbatível campeão. Parecia ser um golpe de sorte, ou falta de atenção que acomete, às vezes, os grandes campeões, mas quando tentou a manobra para dar no gasgo e humilhar, o juiz foi cortado. Simples. Foi um oh! Toda a praia em silencio. Depois, palmas. O juiz nem se moveu. Controlado, fez um aceno para o garoto, como quem diz ter sido sorte e pediu para esperar. Ia buscar outro papagaio. Quando chegou em casa a mulher estranhou, fez algum comentário mas ele não respondeu. Saiu com outro papagaio. Foi cortado. Dessa vez, no gasgo. Salva de palmas. Tranqüilo, voltou novamente com novo papagaio. Agora foi cortado e aparado. Agüentou firme. Quando retornou, já babando de ódio, sem controle de suas habilidades, deparou-se com uma curica. Sim, o garoto agora empinava uma curica. Era demais. Uma curica, não. Queria desqualificar o oponente. Gritar que era gozação. Pensou em suas atribuições como juiz federal. Não, melhor era cortar, não no gasto, mas cortar, aparar e trazer até si a presa, para mostrar quem era, de verdade, o rei dos papagaios. Desta vez a disputa foi renhida, com muitos momentos de emoção, que a praia respondia, tal torcida de RexPa. Acabaram emaranhados. O papagaio e a curica, chinando, emaranhados. Não teve dúvida. Saiu correndo atrás. O garoto também. Agora, a praia assistia aquele duelo. Entraram na água, afastando criancinhas que brincavam no raso. Ao mesmo tempo, seguraram os papagaios. Não largavam. Se engalfinharam, ele, com o cuidado de não usar mais força física que devia, claro. Banhistas resolveram intervir. Acabaram na delegacia. Eu sou juiz federal, tenho imunidade! Foi somente quando bradou sua autoridade que deu-se conta do ridículo. Pediu desculpas a todos, sobretudo ao menino e saiu. Pediu revanche para o dia seguinte. Ia botar uma rabiola sensacional no ar.