Foi somente há alguns poucos anos atrás, já bem maduro, que pude ter idéia da trajetória de Gal Costa, uma das maiores cantoras brasileiras, a qual acompanhei bem de perto. Saiu a caixa "Gal Total", idéia das fábricas para provocar os tiozinhos, público que ainda adquire cds, com a vantagem da remasterização do material. Com efeito, podemos ouvir melhor as gravações e até detectar evoluções instrumentais que antes estavam escondidas.
O que mais me chama atenção na carreira de Gal, é a impressão de ter sido marcada pela falta de um foco pessoal, algo que ela realmente queria. Gal, aparentemente, é dessas cantoras que não sabem a razão de cantar, o que realmente dizem as letras, ao contrário de uma Elis Regina. Há muitas.
Maria das Graças Burgos e Caetano Veloso eram muito ligados. O primeiro disco deles, na hoje Universal, foi lançado em 67, chamado "Domingo", bem joãogilbertiano, voz pequena, correta, arranjos limpos, feitos por Dori Caymmi, Roberto Menescal e Francis Hime. No repertório, além de Caetano, há Edu Lobo, Gil e Sidney Miller. Ali está a cantora, inteira, voz linda, límpida.
Mas então vem o vendaval do final dos anos 60, Tropicália, Janis, Hendrix, Beatles, tudo o que se sabe. E Gal surge em 69 como a diva da Tropicália, cabelos revoltos, roupas rock and roll e interpretação de Joplin. Os arranjos agora são de Rogério Duprat, Gil e Lanny Gordin. Um dos maiores discos da música brasileira. Tem Jovem Guarda/Tropicália em "Não identificado", guitarras com orquestras, timbres diferentes, uma dificuldade de mixar; "Sebastiana", com arranjo rock, Caetano, Tomzé, Roberto e Erasmo, Jorge Ben, maravilhosos. Tudo é moderno, transgressor, perfeito. Há "Saudosismo", "Se você pensa", "Divino Maravilhoso", "Que Pena" e "Baby", só para adiantar. E há Gal, gritando, esganiçando, excelente, super cantora. Agora, não é Gal e sim a Gal planejada, ensaiada, direcionada. Ela vai muito bem.
No mesmo ano, mas outra situação, Caetano e Gil exilados, ainda com arranjos de Rogério Duprat, mas agora com participação especial de Lanny Gordin e violão de Jards Macalé. Arranjos maravilhosos, econômicos, modernos, ousados, como "Cinema Olympia", "Tuareg", "País Tropical", "Meu nome é Gal", uau. No repertório, Caetano, Ben, Gil, Roberto e Erasmo e Macalé. Há um lado mais popular e outro onde se misturam canções mais políticas, mais áridas, mais rock and roll e Gal botando a voz Janis. Gal é Janis. Bem direcionada.
Em 1970 eu estava no Rio e a Rádio Mundial tocava todo tempo o "Legal", com uma capa absolutamente genial, feita por Helio Oiticica. Lanny Gordin e Jards Macalé são os principais arranjadores, mas há alguma orquestra com Chiquinho de Moraes. Duprat está fora. A Tropicália acabou. Mesmo assim, que show de arranjos, evoluções de bateria, baixo e guitarras, sopros. O repertório vem logo de "Eu sou terrível", de Roberto e Erasmo. Sim, eles estavam sempre presentes e sempre ótimos. Havia também Gil, Macalé, Caetano e Geraldo Pereira. Gil e Caetano exilados. Caetano mandou "London London "e "Deixa sangrar"(que apresenta o frevo baiano com guitarra elétrica). Há a música tradicional com arranjo elétrico, "Acauã", de Zé Dantas e o remake de "Falsa Baiana". Há "Hotel das Estrelas", cara, genial. Gal era a musa, a diva do pop. As dunas de Gal, em Ipanema, durante a construção de um emissário submarino. E novamente percebo que Gal é verdadeira somente no arranjo bossanovista de "Falsa Baiana". Amanhã escrevo sobre "Fatal", um dos mais emblemáticos discos brasileiros em todos os tempos.
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