terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Bookends

É porque eu estava no carro e tocou "Bookends", com Simon & Garfunkel, uma canção que me leva para a adolescência, a alegria, esperança e melancolia pela timidez que me caracterizava. Eu gosto do Natal. Não me interessa se é uma data consumista. Também sou consumista. Me policio quando meu consumo se aproxima de uma atitude contra a ansiedade que tenho, muita. Mas minha família me acostumou ao Natal. Família grande. Quando éramos crianças, a entrega de presentes acontecia na manhã do dia 25. Então ganhei um "papafilas", que havia pedido. Um ônibus, puxado por um "cavalo de aço". E depois fui desfilar com ele no Lago Azul. Meu pai estranhou, quando voltei. Ao invés do "papafilas", eu puxava pelo fio um caminhão artesanal, feito com latas de óleo de cozinha, rodas com tampas de refrigerante. Eu trocara meu "papafilas" com Cícero, um dos filhos do caseiro. Paciência.
Também na minha infância, lembro do primeiro contato com Papai Noel. No térreo do Edifício Renascença ficava a loja Salevy, de Samuca Levy, a quem chamava de tio. Na época do Natal, a loja, que era uma espécie de shopping da cidade, invadia a calçada com barraquinhas e em um determinado dia, fazia a "chegada do Papai Noel". Durante a semana, corriam boatos que Noel chegaria de helicóptero ao teto do prédio. Quanta imaginação. Era um senhor apelidado de "Buraco", que ganhava a vida fazendo propaganda volante, pelas ruas do comércio, aproveitando para cumprimentar os amigos que passavam. Pai da família dona da Rauland. Ele era Noel. Chegava mais cedo e ficava escondido, aguardando o momento. Para passar o tempo, tomava umas e outras. Lá fora, uma multidão vibrava, enquanto Noel descia e em cada andar ia até o pátio para jogar bombons. E quanto mais ele se aproximava do quinto andar, maior era meu sofrimento. Noel em pessoa? Quando enfim ele entrou, me joguei embaixo de um sofá e o deixei entrar e sair livremente. Depois, Edgar veio me contar, curioso: Papai Noel conhece o papai. Chegou, falou com ele e olha, Papai Noel bebe! Papai deu a ele um copo de whisky. Mas como meu pai o conhecia? Será que poderíamos abusar daquela amizade e escolher alguns presentes?
Algum tempo depois quebrei a inocência de meu irmão Janjo ao leva-lo a esconder-se comigo atrás de uma poltrona e assistir nossos pais arrumarem os presentes. Foi mal.
O Natal começava nos primeiros dias de dezembro, na montagem da árvore. Claro que ficávamos distantes e ameaçados, já que certamente quebraríamos as bolas, na época, de vidro. Havia miniaturas, presépios e toda a cerimônia e estórias contadas por minha mãe. Estávamos de férias e aproveitávamos tudo. Hoje penso como ela dominava nossas mentes, povoando-as de imaginação.
Mas houve, mais tarde, um Noel bem interessante. Era Acelino Campos, a quem chamávamos de tio. Já velhinho, aposentado, vestia a roupa vermelha e ia de apartamento em apartamento fazendo carinho nas crianças. O problema é que o Tio Campos também gostava de beber umas e outras e quando chegava no quinto andar, já estava bem "encharcado", dizendo palavrões, xingando todo mundo, até que sua esposa, cuidadosamente o retirava do ambiente.
Eu gosto do Natal. Eu e meus irmãos sempre fomos calorosos e irônicos em nossas brincadeiras. Meus pais. O velho vinha com um envelope e entregava um cheque de presente. Coisa pouca, uma lembrança, claro. Como sinto falta dele!
Um dia me dei conta que era um perfeito adulto. Agora, eu recebia cartinhas de meus filhos. Dava dinheiro para as listas de natal. Mandava preparar bolos, doces, a ceia. É uma sensação diferente, mas confesso que acho um grande barato sair e comprar presentes. Gosto de presentear. Faço isso com amor. Quero presentear meus próximos. Fico feliz, assim. Não me queixo nem fico insuportável por conta do exagerado consumo, como gritam. Neste Natal dois irmãos estarão fora, bem como suas famílias. Eu mesmo estarei sem um de meus filhos que está longe, viajando. Eu e os irmãos somos todos de meia idade para cima mais cônjugues, namoradas, filhos e suas esposas. Um grupo mais heterogêneo. Mas quando chega a meia noite, rezamos e distribuindo presentes, os nomes cantados em voz alta, descubro-me a mesma criança que pediu o "papafilas" de Natal e o trocou por um caminhão artesanal, feito com latas de óleo. Sinto uma melancolia gostosa que nada mais é do que nostalgia pelos Bookends e a emoção de poder estar aqui, com as pessoas que amo, principalmente minha mãezinha querida.

Surpresa?

Quem tem tv a cabo ou é meramente mais curioso além dos jogos de futebol que passam nos canais abertos, sabe perfeitamente o tipo de futebol que vem sendo jogado na Europa, principalmente na Espanha, precisamente pelo Barcelona. Hoje, muitos jovens já torcem abertamente por Barça ou Real, Arsenal ou Manchester, atraídos pelo bom e moderno jogo, os gramados perfeitos e a ética posta em prática. Tudo ao contrário que acontece no Brasil. Durante a semana que antecedeu ao jogo entre Santos e Barcelona, não me preocupei com as manchetes enchendo a bola de Neymar & Cia. Tudo era promoção do jogo. Mas parece ter sido necessário os brasileiros levarem o previsível baile para que todos se dessem conta do abismo em que nos encontramos. O que melhor tem saído é que a derrota fez o futebol brasileiro ir para o divã. Agora, todos querem mudanças. O técnico do Santos, com a estupidez usual, fez de conta que não levou uma lição atordoante. Pepe Guardiola ainda deu a última bofetada, dizendo que o Barcelona tenta jogar como os brasileiros jogavam. Na América do Sul, recentemente, o tipo da Universidade Católica do Chile tornou-se campeão da Copa Sulamericana de maneira invicta. Deu surras no Flamengo e Vasco desmoralizantes. Seu técnico, desconhecido, argentino, copia o modelo catalão de jogar. Quanto menor a distância entre o último defensor e o último atacante, mais compacto estará a equipe. Toque de bola. Toque de primeira. Toque rasteiro. Não desperdice a bola. Controle da bola pelo maior tempo possível. Circulação da bola, como no basquete ou futsal, aguardando uma infiltração, geralmente na diagonal, para driblar o impedimento. E gente que sabe jogar bola. Todos. Um zagueiro como o esforçado Durval, não poderia estar ali, naquele jogo. Não sabe jogar. Está nervoso. Neymar é melhor que Messi? Não brinquem. O brasileiro até pode chegar a ser como o argentino, mas vai precisar jogar competições importantes, suportar pressão, jogar para o time, ter toda ética do mundo, disputar Copa do Mundo e ser um gênio. Ainda falta muito. Fiquei com pena de Ganso. Não conseguiu jogar. Ainda assim, foi autor dos poucos passes, dois ou três, que representaram perigo para Baldez. E Mano Rodrigues, o que diz? Até agora sua seleção serviu apenas para vender o passe de corinthianos ruins de bola. Não tem seleção, não tem esquema, não tem nada. Será que há porvir para nós?

Sem noção

Não é querer ser saudosista. Achar que o passado é melhor, mas creio que a juventude de agora, em Belém do Pará é simplesmente sem noção. Não posso acreditar quando jovens que estudam nas melhores instituições (se é que elas existem por aqui), viajam para os melhores lugares no exterior (se é que realmente vão aos melhores lugares), vestem as roupas de griffe e trafegam em pequenos caminhões brancos, reluzentes, importados, pois bem, não posso acreditar quando lotam lugares tidos como os mais badalados para ouvir música sertaneja! É demais. Mas acontece. Há comerciais na tv dos discos desses ninguéns (para mim). Ouvi alguém chamar de "sertanejo universitário", o que é muito pior. Seria o "agrobrega". Até o final dos anos 80, para não ir muito longe, a juventude optava pelo rock, mesmo o de bermudas dos Paralamas ou o político dos Titãs. O rock continua sendo exaustivamente usado por toda a propaganda jovem, por sugerir uma rebeldia que já não existe. O tal "rebelde sem causa" do Ultraje a Rigor. Mas o jovem brasileiro, com tantas causas a abraçar, prefere uma cerveja e um abadá para pular e beijar até cansar. Mas sertanejo, please, é demais. Estéticamente não consigo achar o ponto. Sei que depois do rock anos 80, veio a mistura de brega e balada. Que os sertanejos entraram na onda. Então houve uma queda, talvez por excesso de exposição de Chitãozinho (que apelido!!!!) e que tais. De repente, duplas de jovens bem apessoados, mas extremamente cafonas toma conta do Brasil e em Belém, muito mais. Sertanejo universitário!!! É o fim do mundo.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Ávida Vida que segue

1. Como foi pensado e produzido o livro. Quanto tempo levou para ser concluído?
Há um ou dois anos atrás, lancei “O Tempo do Cabelo Crescer”, uma seleção feita entre os poemas dos livros “Navio dos Cabeludos”, “Rei do Congo”, “Surfando na Multidão” e “Incêndio nos Cabelos”. É porque fazia muito tempo que não lançava nada em poesia, acabei me dedicando a outros gêneros e com o livro, quis me reapresentar. Já o “Ávida Vida” reúne poemas que escrevi ao longo de uns cinco anos, muitos deles por provocação de meu irmão Janjo, a quem o trabalho é dedicado, autor de todas as capas dos meus livros. Ele me provoca com imagens feitas para toalhinhas do Roxy Bar e eu escrevo. Achei que era o momento de reunir essas obras e pensei em uma frase de Pirandello, que ouvi na peça “O Homem com a Flor na Boca”, encenada pelo Cacá Carvalho: a vida é tão ávida de si mesma que não se deixa saborear”. Então virou “Ávida Vida”, que tem tudo a ver comigo. Sou curioso e ávido por informação. Faço várias coisas ao mesmo tempo. Estou sempre cheio de projetos. E a vida é tão veloz, há tanta informação pipocando aqui e ali que fazem acelerar mais ainda minhas sinapses.
A capa do livro é autoria de meu irmão Janjo, mas a foto é do amigo Luiz Braga. Fiquei feliz em perceber que ele usou a mesma técnica de seus últimos trabalhos, a partir de night shot. Foi feita na Praça da República, lugar importante para mim, em um obelisco feito para homenagear Magalhães Barata em sua Interventoria, creio, em 1930. É um lugar bonito, muito abandonado, mas que nos últimos dias vem recebendo uma maquiagem da Prefeitura. E é foto de Luiz Braga, não é?

2. Faça uma breve descrição do livro.
A poesia é tão rica, tão vária, que me permite escrever. Li um escritor francês, jovem, dizendo algo maravilhoso: escrever é muito fácil. Por isso é tão difícil. Respeito muito os poetas que maturam anos e anos seus poemas, como ourives. Eles estudam, sabem as regras, e eu não sei nenhuma. Me tornei escritor por pura ousadia. Não sei bem se escrevo poemas. Quem sabe pequenas cenas teatrais com um vies poético? Como disse, é tão vária? O golpe poético nos atinge sem mais nem menos e emociona. Como abrir uma gaveta e encontrar pistolas adrianino, fazer a faísca e iluminar a noite de uma cidade cinza. Se são autobiográficos? Não sei, quem sabe? Às vezes. Um escritor escreve sobre o que vê, sobre o que quer dizer. Usa mascaras, personagens, mas às vezes usa mascara de seu próprio rosto. As palavras são navalhas.

3. Ele é distribuido por qual editora? Onde pode ser adquirido?
Não, este livro não é distribuído por ninguém. A poesia tem tido pouco mercado, pouco interesse. Acham chato, respeitável demais, difícil de entender. Queria que o poeta voltasse a ser como um cantor pop, identificado com o público. Queria excitar as pessoas, acertá-las com o golpe poético. Às vezes, um sorriso de canto de boca já me sacia. Como Haroldo Maranhão, sou como um cão hidrófobo que sai pelas ruas à procura de uma vítima, um leitor. Nesta terça, no Teatro Cuíra, onde será o lançamento, haverá no palco um microfone. Quem for até lá e ler um dos poemas do livro, o receberá gratuitamente. Quero que circule. Quero ser lido. Quero a poesia lida. O que sobrar, ainda vou pensar onde colocar à venda.

4. Fale sobre sua carreira como escritor.
Comecei escrevendo uma peça de teatro, “Foi Boto Sinhá”, com a ajuda do grande poeta José Maria Vilar Ferreira. Acho que venci a timidez de apresentar algo de minha autoria. Estava lendo os poetas marginais nos anos 70 e percebi que vinha escrevendo algo semelhante. Paes Loureiro, que fez a apresentação do meu primeiro livro, disse que eu trazia comigo a informação da música pop. Correto. Escrevi outros livros com poemas, duas fitas cassete, reuní meus textos de teatro, depois vieram romances, crônicas, contos e agora retomo a poesia. Com os romances, fui lançado nacionalmente. Um deles, “Casa de Caba”, foi traduzido e lançado na Inglaterra, com o título “Hornets’Nest”. Também participei de coletâneas nacionais e internacionais, estas, lançadas no Peru e no México. Tudo o que escrevo se passa em Belém, meu cenário, minha casa. Pretendo no ano que vem lançar mais um livro nacionalmente, “Selva Concreta, com short stories, episódios de uma fictícia série policial de televisão, claro, passada em Belém.

4. Quantos livros publicados (nome + ano)?
Não sou muito bom em datas.
Navio dos Cabeludos, poemas
Rei do Congo, poemas
Surfando na Multidão, poemas
Incêndio nos Cabelos, poemas
Os Éguas, romance, Boitempo Editora
O Teatro de Edyr Augusto, textos teatrais
Moscow, romance, Boitempo Editora
Crônicas da Cidade Morena 1, crônicas
Casa de Caba, romance, Boitempo Editora
Crônicas da Cidade Morena 2, crônicas
Um sol para cada um, contos, Boitempo Editora
O Tempo do cabelo crescer, coletânea de poemas
Ávida Vida, poemas

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Era uma vez o melhor futebol do mundo

Acabo de assistir à derrota do Vasco, no Chile. Somente as circunstâncias próprias do futebol para garantir mera possibilidade dos brasileiros vencerem. O time chileno é melhor. Muito melhor. Agora, até o orgulhoso técnico da nossa seleção já declara estarmos defasados em relação ao futebol mundial. Inteiramente, eu diria. A culpa talvez ainda seja da derrota de nossa seleção inesquecível em 82 e a vitória em 94. Vieram nossos cabeças de área. Nossa preocupação em defender, destruir, justamente quando nossa melhor qualidade era atacar, criar. O futebol mudou. O Barcelona escalou em seu último jogo, dois volantes na zaga central e de quarto zagueiro (para usar nomenclatura antiga, difícil de entender para os mais novos, outro dia explico). Em artigos, desde que militava na imprensa esportiva, já dizia isso. Quem melhor para sair jogando? O primeiro passe é essencial. Disse o locutor da Globo que o técnico da Universidade Católica do Chile escalou laterais como volantes, dois pontas abertos e muita movimentação. É isso. O jogo ficou mais rápido. O passe, não de curva, espetacular, mas difícil de dominar, mas rasteiro, principalmente na Europa, se tornou preponderante. Drible no momento certo, que digam os jogadores do Barcelona. Os ingleses, com pouco menos talento, fazem o mesmo. A distância entre o último homem de defesa e o último atacante é a menor possível. Todos muito próximos. Era final de jogo e havia dois jogadores marcando os espantados vascaínos. Zagueiros hábeis, rápidos na cobertura. Ataque móvel, trocando de posições com os meio campistas. E marcação. Os zagueiros brasileiros ficam loucos quando são marcados, mas aqui no Brasil, parece vergonha atacante marcar zagueiro. Nossos jogadores de meio campo, quatro, cinco às vezes, não têm habilidade. Nossos zagueiros, mano a mano, apelam para a falta, pois são ruins. Quando La U esmagou o Flamengo no RJ, vi tudo. A distância em que estamos. Atrasados. Violentos. Ruins. Lentos. Fazendo ligação direta. Jogando no erro do adversário. Fazendo faltas por falta de categoria. Os chilenos e muitos outros ganhariam, creio, de todos os nossos times. Até do Santos, creio. Sim, eu também torço por Ganso e Neymar. Acho inclusive que há alguma chance contra um Barcelona menos interessado, preocupado porque está atrás do Real no campeonato espanhol. E o futebol tem suas circunstâncias. Mas mesmo com os dois craques, mais Borges na frente, dois ou três outros, o Santos joga antigo. Beques, armadores e atacantes distantes. E não é falta de preparo físico. Correm muito, mas correm para bater, derrubar. Não correm para trocar passes. Dizem que Messi não é o mesmo na seleção argentina. Não é. Cada argentino pega na bola e quer dar dois, três toques. Messi não joga assim. Fica diferente para ele. Outra velocidade. Outra logica. Coisa antiga. Os campos estão melhores. A bola rola. O passe rasteiro. A posse de bola. O domínio da bola sem medo do adversário, sabendo de sua condição técnica e do deslocamento dos colegas para dar o passe. O futebol ficou mais bonito, veloz, inteligente, com passes e dribles lindos, precisos. Ganso é o único armador brasileiro. Os outros são D'Alessandro, Montillo, aquele do Flamengo, todos não brasileiros. Não temos novos craques. Nossa seleção é ruim, mal conduzida, mal escalada, distante dos primeiros lugares no forum mundial. Nossos times também. É hora de acabar com nossa empáfia de ter o melhor futebol do mundo. Não temos mais.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Mamãe eu quero ir a Cuba e quero voltar

Caetano cantou assim. Hoje está melhor. A revista Leal Moreira me pediu umas linhas e dicas sobre a música de Cuba, a partir do documentário Buena Vista Social Club. É por aí.

Como quase todo mundo, adorei assistir Buena Vista Social Club, o documentário sobre a música, os músicos e alguns lugares maravilhosos de Cuba. Logo na abertura, vem Compay Segundo com seu “Chan Chan” a nos amolecer a alma com seu gingado perfeito. As ruas, os prédios, os carros antigos, me lembrando de uma Belém da minha infância, o velho Bel Air onde eu, Jefferson e Wellington Brasil passeávamos, dirigido por Nelson Lima. As cúmbias, os merengues de Haroldo Caraciollo na Rádio Clube. Uma babá de meu irmão Janjo, cantando a plenos pulmões versões de boleros escandalosamente melodramáticos. Que coisa. Vem Caetano Veloso e nos ensina “Tu me acostumbraste”, de Frank Dominguez, que recentemente, soube ter sido tumulto, na época, por ser uma canção de amor feita por homem para homem. Depois que aqueles barbudos fantasiados de militares tomaram conta, ficaram apenas os ecos das big bands americanas que tocavam nos cassinos. Mas dos ecos surgiram bandas como Irakere, cantores e músicos como Compay, Ibrahim Ferrer, Omara Portuondo, porque é bom dizer, a Educação é muito boa. E não esqueçamos de Silvio Rodrigues, o autor de “Yolanda”, tão propagada por Chico, Bethânia. Em tempos de Google, tente ouvir Bola di Nieve, que tornou célebre “Drume Negrita”. E não esqueçamos de Paquito D’Rivera, que conseguiu sair da ilha e é um dos melhores saxofonistas do mundo, ele que era do Irakere, como Arturo Sandoval, que após longa luta, também conseguiu sair, já ganhou Grammy, gravou até erudito e é um trompetista fenomenal, além de Chucho Valdés, Grammy 2011, com o cd “Chucho Steps”, ao lado dos Afro Cuban Messengers, “Best Latin Jazz Album”. Ufa, esse Irakere, hein? Dos novos, sugiro Gonzalo Rubalcaba e Roberto Fonseca, este último com o cd “Zamazu”, pianista sensacional. E gosto do primeiro disco de Marina de la Riva, brasileira, filha de cubano, que gravou “Drume Negrita”. Há muitos outros bem jovens, inclusive flertando com hip hop, mas não cheguei a me empolgar. Comece com “Buena Vista Social Club”. Já é muito bom.

PARA OUVIR
1. Compay Segundo – Chan Chan
2. Ibrahim Ferrer – Dos Gardênias
3. Ibrahim e Omara Portuondo – Quizas Quizas
4. Silvio Rodrigues – Yolanda
5. Paquito D’Rivera – todo o cd “Mosaic”, com Caribbean Jazz Project
6. Arturo Sandoval – todo o cd “Danzón”
7. Chucho Valdés – todo o cd “Chucho Steps”
8. Gonzalo Rubalcaba – Besame Mucho
9. Marina de la Riva – Drume negrita
10. Roberto Fonseca – todo o cd “Zamazu

sábado, 26 de novembro de 2011

Jimi

Votação na Rolling Stone coloca Jimi Hendrix como o melhor guitarrista de todos os tempos. Concordo. Tenho tentado ouvir alguns dos artistas novos, sobretudo brasileiros e não gosto. Talvez esteja ficando velho, deixando que tudo o que já ouvi se sobreponha às novidades. Li um artigo de Ismael Machado, a quem admiro, louvando Marcelo Jeneci. Já o ouvi. Um disco bom, meramente superior aos outros. Admirei sua doçura, entrevistado por Jô Soares. Ponto. E ponho Jimi para ouvir. Viajo. Estava deitado em meu quarto, descansando do futebol que jogara no Colégio Nazaré, naquela manhã de sábado. Meu irmão Edgar chega da Rádio Clube, onde já trabalhava. Éramos três no quarto, contando com Janjo. Vai em direção ao seu aparelho de som e põe para tocar um disco que havia ganho. "Electric Ladyland". E minha vida nunca mais foi a mesma. Era tudo o que precisava. Até então, ouvia tudo o que meu irmão ouvia. A voz, a música, a guitarra, o arranjo. Adiante estava no Rio de Janeiro, com minha avó. Em frente, Posto 6, Av. Nossa Senhora de Nazaré, havia uma loja antiga, dessas com cabine para ouvir os discos, de madeira escura. E lá ouvi "Are you experienced" e "Axis: Bold as Love". Nas maluquices do Brasil, os discos foram lançados fora de cronologia. Com os Beatles foi a mesma coisa. E veio "Woodstock", no Cinema Olimpia. Assisti sete vezes. O tal hino americano. Era muita coisa, ao mesmo tempo. Guardo até hoje um recorte de jornal com uma radiofoto de Hendrix tocando a guitarra com a língua, algo muito chocante para a época. Para mim. E então meu amigo Ivan Novais era dj da boate "Papa Jimi", na Presidente Vargas, ao lado do Edifício Piedade. Volto do estudo para vestibular, tinha 17 anos e subo na cabine para conversar. Encontro em um bolo de discos um vinyl com a gravação do show que Jimi realizou no Festival de Monterrey, sua porta de entrada nos Estados Unidos. Americano, tendo corrido o país acompanhando figuras como Little Richard, havia tentado a chance em Londres, onde rapidamente se tornou um guitar hero para Beatles, Stones & Cia. E abre o show com "Like a Rolling Stone". E arrasa. Não lembro se simplesmente peguei o disco ou se trocamos por outro. Nunca esqueço. E ouço de vez em quando. Do outro lado era o show de Otis Redding, no mesmo festival. Gravou pouco e no entanto, até hoje ainda há gravações inéditas ou remasterizadas. Um dos melhores é The Bag Rehearsals, creio, ensaios gravados em um cassete que estava em uma bolsa. Há pouco ouvi o disco novo de Leslie West, guitarrista e cantor gordo dos anos 60/70, que no Woodstock era da banda Mountain. O som é o de Jimi, na guitarra. O mesmo padrão sonoro. Sensacional. Há muitos grandes guitarristas e essas votações, por leitores, dependem muito do momento em que são feitas. Penso o momento que vivemos é o de jovens terem acesso a tudo, rapidamente. Ouvem uma carreira inteira em quatro horas e vêm conversar com a gente como se soubessem tudo. Não sabem do tempo que tínhamos, o tempo de ouvir cada disco até que saísse outro. As mudanças nossas e do mundo, nesse ínterim. E a expectativa pela chegada do novo. A escolha de Jimi como o melhor guitarrista de todos os tempos é justa por tudo o que ele fez, mais o sistema de relançamento e lançamento de suas gravações que nunca cessou e a nossa internet que facilitou a busca. Enfim, papo furado este, não?

Jards

Acabo de ouvir "Jards", o mais novo cd de Jards Macalé. Sensacional. Já comentei aqui da minha admiração por Jards Anet da Silva, ou melhor da Selva, ou pior, da Silva. Macalé repassa algumas de suas pérolas com novos arranjos e a participação de algumas figuras como Thais Gulin, Luiz Melodia e Frejat. Suas parcerias com Waly Salomão e Capinam. Eu era bem garoto e já admirava a ousadia de "Gotham City", com o verso "há um morcego atrás da porta principal". Depois ele esteve em "Transa", de Caetano, como instrumentista e arranjador, o que valeu uma briga de longos anos, afinal, seu nome foi limado dos créditos. Os caras foram para o exílio e ele ficou, gravado por Gil, Gal e Bethânia. Experimentava blues, rock and roll. Gravou dois dos discos mais lindos da mpb, o primeiro com Lanny Gordin e Tutti Moreno, dois violões e bateria, rolando jazz, blues, rock, samba, forró, tudo. Depois "a linha da morbeza romantica". ainda melhor. Houve uma fase Moreira da Silva. Sumiu, voltou. Há um dvd com documentário. "Não choro, meu segredo é que sol rapaz esforçado, fico parado, calado, quieto, não corro, não choro, não converso". O "Jards" é simplesmente ótimo. Pena que faltou "quando você passa dois, três dias desaparecida, eu me queimo num fogo louco de paixão". Jards canta como bluesman, tem um violão melódico, cheio de acordes e parceiros como Waly e Capinam. É tudo.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Conversa rica

Foi muito boa a "Conversa Barata", que realizamos ontem no Teatro Cuíra. É parte do projeto "Cuíra por Memórias", patrocinado pela Petrobrás através do Ministério da Cultura, Lei Rouanet. Tudo vai desaguar ano que vem em um musical sobre Joaquim de Magalhães Barata. o famoso caudilho que reinou por uns trinta anos no Pará e ao que tudo indica, deixou persistentes sentimentos em muitas pessoas. A "Conversa" tinha por objetivo ouvir histórias, causos do Governador, contados por gente que com ele conviveu. A platéia, considerando a falta do costume cultural que sofremos hoje, foi muito boa. E variada em termos de faixa etária. No palco, José Maria Toscano, que ajudou a organizar; Mizar Bonna, escritora, que vem de uma família ferrenhamente anti-baratista, assim como o jornalista Bernardino Santos; Edson Salame, jornalista, que na época dos últimos dias de Barata, trabalhava como jornalista na Rádio Clube do Pará e o Dr. Aurélio do Carmo, que dispensa apresentações.
Antes da "conversa", foram projetados vídeos sobre o Cuíra e seu teatro e um rápido documentário sobre Magalhães Barata. Subimos ao palco e eu passo a palavra ao Dr. Aurélio, que se diz emocionado, lagrimando, ainda sob o impacto das imagens. E então mergulhamos nos anos 50, alguns acontecimentos de antes, todos pedindo o microfone para falar. Mizar Bonna comenta o que passava por conta da família e também sobre a única derrota de Barata, para o general Zacarias de Assumpção. O Dr. Aurélio pede o microfone e diz que "Barata nunca perdeu uma eleição". Que o general Daltro, que havia presidido a votação lhe contara das irregularidades. Enfim, "Barata nunca perdeu uma eleição". Vem o jornalista Edson Salame e conta que por ocasião da votação para a criação do cargo de vice governador, o PSD, por ser minoria, "convenceu" vários deputados da oposição a votar a favor, ou seja, "comprou" deputados, ao que o jornalista Bernardino Santos protesta: todos, não! O meu pai era deputado e não foi comprado". Ih, e agora? Seguimos conversando e somos interrompidos por alguém da platéia. Um senhor de 94 anos, Aquilon Bezerra, que teve forte vida política, pede a palavra. E logo lhe vem a sensação da tribuna e ele lá, ereto, falando alto, pausado como em um discurso de improviso, defende Barata energicamente. A platéia não queria deixar ninguém ir embora, mas já estava tarde. Haverá outra "conversa". Não sei. Pode ser. Foi ótimo para a platéia. Foi ótimo para mim que agora começo a escrever o musical. Uma conversa riquíssima, essa.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Livros por jornais

Deu hoje no Diário do Pará. Vai sair uma coleção de livros de autores paraenses, publicada pelo jornal. Bastará juntar cupons e trocar pelos livros. É algo feito em todo mundo. Uma estratégia de marketing para atrair mais leitores. A Literatura Paraense agradece. Sem nenhuma política cultural voltada para si, seja federal, estadual ou municipal; relegada a um stand na tão famosa e calhorda Feira Pan Amazônica, que prefere acarinhar nomes indiscutíveis como Veríssimo, agora alguns autores, entre já falecidos e uns três em atividade, terão seu trabalho chegando a um grupo de pessoas que pode até comprar livros, mas duvido que de paraenses. Estes sequer estão nas livrarias ou quando estão, também escondidos. Haverá um caderno explicando o trabalho de cada um e a distribuição de livros.
Elias Pinto me ligou e eu aceitei. Reunirei crônicas no volume 3 de "Crônicas da Cidade Morena", porque considero uma obra mais popular e de mais fácil aceitação. É também um trabalho que não está preso a nenhum contrato com Editora, como os romances e contos, na Boitempo. E claro, como em tudo o que escrevo, Belém.
Obrigado pela lembrança, Elias. Vai ser muito bom.
Ah, ainda não sei muito bem o que fazer com "Ávida Vida", livro com poemas que já está comigo.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Você compraria um livro com poemas?

A poesia foi minha terceira expressão na área artística. Já havia escrito minha primeira peça de teatro e encenado também. Já havia me tornado letrista, com alguns poucos parceiros, sobretudo meu pai, com quem fiz o samba enredo "Cobra Norato - Pesadelo Amazônico", para o Império de Samba Quem São Eles. Mas vinha mexendo com alguns pequenos textos, até ler alguns livros de poetas cariocas, os chamados "poetas marginais", que muitas das vezes mimeografavam suas obras e as vendiam em bares da noite do Rio de Janeiro. Me identifiquei com eles. Autodidata no teatro, nas letras e agora na poesia. E os marginais cariocas passavam por cima das regras, das rimas, usavam palavras do dia a dia, gírias, palavrões, enfim, era exatamente aquilo que eu buscava. Reuni meus escritos e mostrei a meus amigos que concordaram. Saiu "Navio dos Cabeludos", com capa de Rosenildo Franco. Depois veio uma fita cassete com o que chamei de "áudio poemas". Nunca ouvi nada parecido. Depois veio "O Rei do Congo", e daí em diante, todos com capas do Janjo, meu irmão. Houve outra fita cassete, "Óleo - porque faz a língua passear no céu da boca" e também "Surfando na Multidão, e "Incêndio nos Cabelos". E então vieram as crônicas, romances, textos de teatro, contos e enfim, "O tempo do cabelo crescer", uma antologia, tipo "the best of", que lancei há um ou dois anos. Ao longo do tempo, em relação à poesia, posso dizer que o interesse, que já não era tão grande, caiu vertiginosamente. Sou frequentador de livrarias e dificilmente os encontro. E me pergunto se alguém, hoje, compraria um livro com poemas.
Sempre agi solitariamente. Não pertenço a grupos. Mesmo o Cuíra, grupo de teatro, nem chega a ser um grupo no que diz respeito a pessoas que estão sempre juntas, conversando e impedindo que outras entrem, emitindo conceitos sobre quem não faz. Na hora de lançar, alguns amigos ajudam, muito obrigado, mas me sinto só, na mesa, aguardando a chegada de alguém para comprar. Comprar? Poesia?
Resolvi reunir os poemas que vinha acumulando. Eles não chegam a fazer um conjunto harmonioso. Antes, juntava palavras interessantes e escrevia em um método muito pessoal, difícil de explicar aqui. Mas juntos, não como antes, apenas juntados, digamos, de alguma maneira, eles se harmonizam no estilo que desenvolvi. A maioria foi feita para os guardanapos do Roxy Bar. Um purista pularia de raiva. Poemas em guardanapos sujos? E daí? Meu estilo, feito um Dom Quixote, tinha a idéia de fazer o poeta, a poesia voltar a ter a mesma popularidade de antes. O poeta como artista pop, o poema como a música pop, em comunicação direta com o público, com os jovens.
O amigo Luiz Braga fez a foto. Meu irmão Janjo, a capa. Floriano Neto, a editoração eletrônica e João Carlos Santos, da Cartopack, imprimiu. Ainda não sei o que fazer. Se distribuo entre amigos ou se deixo alguns na Fox Vídeo para venda. Você compraria um livro com poemas?

Poema do livro "Ávida Vida"

Brilho esmeralda
Cometas diamantes
Céu de brigadeiro
Meu amor goza
E faz do meu corpo um pandeiro

Capa do livro de poemas "Ávida Vida"

domingo, 30 de outubro de 2011

Caos

É fim da tarde de domingo e resolvo levar meu cachorro para dar uma volta na Praça da República. Sei que é o pior dia e talvez o pior horário para dar um passeio. O local esteve lotado o dia inteiro. Não fosse um peso residual de energia deixado pelas pessoas, seria o lixo que deixam e principalmente, a galera que vai ficando até mais tarde. Há bêbados costumeiros, turmas que tocam violão já com a octanagem etílica nas alturas e os meninos darks, que se vestem de preto, casacos, e se reúnem para conversar, paquerar, fumar maconha e quem sabe o que mais. Em todos os grupos, é absolutamente liberado o homossexualismo, o que considero até um avanço. Nos dias de semana temos sempre pivetões aqui e ali e os casais homos à vontade. Mas a tarde estava bonita e fui.
Encontro amigas com seus cachorros, crianças e ficamos conversando. Próximo, duas moças e um rapaz fumam maconha. O cheiro chega bem forte até nós, levado pelo vento. Resolvo dar um giro na Praça, para fazer Antonio (meu cachorro) caminhar alguma coisa. Vejo que em direção contrária à minha, vem uma patrulha da Guarda Municipal, três homens e uma mulher. Vai passar próximo ao grupo que fuma. Fará alguma coisa? Olho em volta. Há vários outros grupos à vontade, se me entendem. Tenho mixed emotions em relação à maconha. Não fumo. Já fumei. Não gostei. Nem senti efeito. Quanto aos outros, não sei o que os atrai. Mas acho que se liberam o alcool, deveriam liberar a maconha. Ou proibir tudo. Enfim, caso complicado. Dou a volta e agora encontro a patrulha, que circundou a estátua da República.
Boa noite. Qual a atitude de vocês em relação à maconha. Um deles me responde, em um tom razoavelmente agressivo. Atuamos apenas na prevenção. Pergunto se pode definir melhor o que é a prevenção que fazem. O senhor é advogado, empresário, então deve saber o significado da palavra. Não, eu sou jornalista. Então melhor ainda, sabe o que quer dizer. Você não me entendeu. Sou um usuário da praça, pessoa comum, com meu cachorro, e pergunto ao funcionário público a respeito de um conceito que formulou ao responder uma pergunta simples. Se é um jornalista, devia nos ajudar. Publicar em alguma coluna, para ver se alguém faz alguma coisa. Onde o senhor está escrevendo agora. Não estou escrevendo. Peça para algum amigo. Mas espera aí, vocês estão respondendo à minha pergunta, com outras, de maneira até agressiva. Meu amigo, depois que soubemos da vereadora Vanessa Vasconcelos que paga sua empregada com dinheiro público, você acha que podemos fazer alguma coisa? Outro policial me diz que presta serviço no Ver o Peso e apenas hoje está trabalhando ali. Que conhece todos os maconheiros da Praça. Que não se resolve nada. Fazem flagrante, levam na Delegacia e logo depois estão soltos. Dá em "taturagem" me diz a moça. Pergunto o que quer dizer "taturagem". De maneira agressiva ela pergunta se nunca ouvi falar nisso. Não. Taturagem é quando não dá em nada.
Me pergunto o que pode ser feito. Aqueles profissionais de segurança pública, embora destinados ao patrimônio público, estão em posição absolutamente frágil. Estressados, não estão ali para fazer segurança de nada, a não ser meramente por desfilar daqui pra lá, de lá pra cá. Estão ali para dar seu horário e receber salário ao final do mês. São atores naquele cenário. Maus atores.
Chega um rapaz de bicicleta. Com voz firme, avisa que precisa de ajuda. Uma pessoa que há algum tempo atrás o assaltou e agrediu - mostra a marca de pontos na cabeça - agora está ali na Praça provocando-o. O guarda agressivo pergunta se ele fez um BO. Não. Fui para o hospital pegar pontos. Talvez mexido com nossa conversa anterior, ele chama os colegas para ir até onde o rapaz apontou. Também percebo que com isso, livram-se da conversa desagradável. Resolvo ir junto.
No caminho, o guarda que dá serviço no Ver o Peso vai dizendo o quanto ganha, que tem família e da última vez que prenderam um traficante, ele tentou suborná-los o que não aceitaram. No entanto, alguém levou à delegacia R$2.600,00 reais e o soltou. Assim que saiu, passou a ameaçá-los. O Delegado Éder Mauro colocou aquele traficante Dote na cadeia e no dia seguinte um juiz mandou soltar. Diz-me também que na Delegacia do Comércio, quase não tem ninguém preso. São roubos leves, gente que rouba para matar a fome. Gente que mora na rua.
Como fazer? Ali ao lado do Cuíra, temos uma galera que mora na rua. Nós os chamamos de "nossos imãs de geladeira". Penso que uma oferta de casa, comida e trabalho não os conquistará. Preferem, em seu pequeno pensamento, ficar na rua, onde não têm chefe, obrigação apenas de conseguir comida para almoço e talvez jantar. Passam ali o dia arengando, brincando, brigando, fazendo pequenos furtos, traficando. No centro da cidade. Há uma moça, Érica. Branquinha, chegou magrinha, novinha e caiu na prostituição. Viciou-se em crack. Está morrendo aos poucos. De dia, quase sem cabelo, corpo cheio de espinhas, boca vazia de dentes, pede esmolas, humildemente. À noite, após fumar, vira uma leoa, agressiva. E ninguém faz nada. Todos fazem de conta. Falo das autoridades competentes. Temos o dever de cobrar. Pagamos impostos altíssimos. E agora nos pedem que façamos algo pelo social. Até nas leis culturais, o artista inventa mil coisas para satisfazer o pedido de ter atitudes sociais. O artista quer apenas ser artista e mudar o mundo com sua arte. Social, ora bolas.
Acompanho de longe a ação dos guardas municipais. Eles vão até o grupo. Todos de pé. São revistados. Acusado e acusador falam. Pedem para que o acusador dê o fora. Ele vai. Agora, levam o acusado até o posto, na esquina da Assis de Vasconcelos com a Osvaldo Cruz. O que acontecerá? Nada. Uma gota de nada no oceano caos em que vivemos.
PS. Minha namorada me levou para passear na beira mar de Duciomar Costa. Nós, que vivemos cercados por este "muro de Berlém", se me permitem, somos tomados pelo rio, pela baía do Guajará. Um impacto. Não vai dar em nada. Do nada pra lugar nenhum, como canta Nilson Chaves. Enterraram milhões ali. Ou enterraram em algum bolso.. Até quando continuaremos agindo contra nós mesmos?

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O novo SUS

O médico pediu umas chapas da coluna. Pedi autorização. Tudo bem rápido. Acordei mais cedo, cheguei na Clínica Lobo, de meus amigos Arnaldo, Otávio e Tuca. A atendente recebe os pedidos. Diz algo relativo a dia 16. Como disse? Seu exame está marcado para o dia 16 de novembro. Novembro? Sim, senhor. Qual a razão? A Unimed estipula uma cota de exames para a Clínica e essa cota já foi ultrapassada há muito. Imagine se eu estivesse com dores, alguma suspeita grave, enfim, sem tempo, com urgência. Esperar até o dia 16? A Unimed virou o SUS da classe média. Uma vergonha. Poderia ter ido a outras clínicas menos concorridas, quem sabe. Mas onde achar esse tempo?

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Fala garoto

Fale garoto. Anda sumido, hein? Preciso de ti. Lembra o Skazi, o dj israelense? Claro que lembra, né? Ele vem aí pra tocar. Estás nessa? Sei. Pois é, andas sumido, mesmo. Escuta, rola de vir aqui na rádio na sexta, fim de tarde? O Skazi vem dar entrevista. Meu inglês é capenga. Dá uma força? Te espero.
Como dizer não pro cara? Como dizer que havia saltado do barco há algum tempo. Que havia casado. Trabalho novo. Volta por cima. Vai ver é a mesma galera que trouxe novamente. Não, o tempo passou. Agora tem gente nova aí.
Clara, vou falar no rádio amanhã. Me ligaram. Um amigo das antigas. Jovem Pan. O Skazi, um dj que faz sucesso no mundo inteiro vem tocar aqui em Belém. Vai dar entrevista. Querem que eu traduza. Sabe como é. Fim da tarde. Tranquilo. Venho jantar. Quem? Na casa do teu pai? Tranquilo.
You, man! Aquilo foi um abre-te Sésamo. Cheguei mais cedo. Clima de frisson. Muita garotada na portaria. Som de música dançante no ar. Meninas lindas vão e vêm. O Amadeu agradeceu. Mandou servir café e tal. Será que ele vai lembrar de mim? You, man! Ele disse e veio me abraçar. Chamou pelo nome, Leonardo, ou melhor, Leo. Atrás dele vieram Nel, Cláudio e Beto. Eles se entreolham. Beto vem falar e dar um abraço. Somente então vem Cláudio. Nel dá um aceno, sei lá. A entrevista corre bem rápido. No começo, titubeio. Na segunda pergunta já engreno. Entendi até a metáfora. Saímos do estúdio. Skazi me convida para o show. You’re my guest, Leo. Estou casado. Traz tua mulher. Enquanto esperamos a minha hora, botamos o papo em dia. Beto me entrega dois ingressos. É no Parque de Exposições, depois tem um after no Lago Verde, na casa da Tininha, tu lembras onde é? Sim. A gente se vê por lá.
O mais legal de tudo foi ele ter lembrado de mim. Do meu nome. Skazi é muito bacana. A gente se dá bem. O cara corre o mundo e lembra de mim. Quer dar um rolé no show? Depois lá da casa do teu pai. A gente entra, dá um abraço, dá o pivô e vaza.
Clara e eu no Parque de Exposições. A fauna por todo lado. Gatinhas cheias de luzes, algumas fake, outras dopadas. Todos com garrafas de água, porque rola muita sede, outros para compor o visual. Vamos pro cercadinho vip. Meia luz, mas vejo a galera. Parece que foi ontem. Para eles, penso que é a mesma coisa. E eu estou a léguas. Lá vem o Skazi. Perfeito. Fera. Antes da final, chamo Clara. Vamos. Mas já? Antes que saia todo mundo. Quem fica pra última prova é repetente. Já estamos quase no carro. O show terminou. Leo, o Skazi mandou te convidar pro after. Insistiu. Tu sabes, no Lago Verde. Ah, Leo, nunca fui lá. Vamos? É, mas olha a hora. A gente não ia no teu pai? Só um pouquinho, pra ver se ele vem falar contigo. Ta bom.
Lago Verde é um condomínio fechado e caro. Mansões, vigilância top, pois é cercado por conjuntos habitacionais baratos. O pai da Tininha é alguma coisa lá na Vale. A mãe se mandou. A Tininha manda. O pai nunca está. O terreno da casa é enorme. Pega quase todo um lado do lago, açude, no condomínio. Entramos e saímos, tá? Fazemos ato de presença. Também acho que não conheço mais ninguém. Já saí dessa. Agora tenho outra vida. A nossa vida.
O Beto vem logo falar. Passa uma champagne. Duas. Não, só uma. O Nel está trazendo o Skazi na van. Vamos dar uma volta. Conhece quase todos. Há meninas novas. A turma pula e sua na improvisada pista de dança. Vem o Cláudio e pergunta se não animo de tocar um pouco. Nem pensar. Estou por fora. Clara pergunta onde é o banheiro. Apontamos. Ela volta. Está cheio de gente lá dentro. Vem a Tininha, com Sue a tiracolo. Clara não sabe de Sue, mas quando Sue me olha, compreende tudo. Tininha leva Clara ao banheiro do seu quarto. Sue me pergunta se estou bem. Sim. Beto vê um conhecido e vai. Olha. E então. Falamos ao mesmo tempo. Essa é a tua esposa. E tu? É. Clara. Com o Nani, tem um tempo. Nani, menino rico, carro esportivo, traficante da alta. Mas não digo nada. Apenas penso. Olha, sem frescura, se tu quiseres uma cheirada, tenho aqui. Mas não sei se. Não. Vim aqui só pelo Skazi. Cadê ele? Tininha volta com Clara. Passa um garçom e pego uma vodka. Cláudio vem e me estende whisky. Não, tenho vodka. Eu tomo, diz Clara. Skazi chegou. Nel com ele. Nos abraçamos. Apresento Clara. Temos uma meia hora. Ele conta de suas andanças. What about you? Saltei do bonde. Pressão em casa. Cadê trabalho? Formado em Arquitetura mas não era a minha. Meu sogro tem uma grande importadora e agora gerencio uma das lojas. Quer dizer, tem o cara que faz tudo e eu apenas fico por lá. É super cafona, produtos da China, já viu, maior exploração, mas tem a Clara. Se a vida é melhor? Não, cara, bom mesmo é quando ainda é adolescente, a vida é farra, dormir tarde, rir muito. Trabalho todos os dias Trabalho chato. É isso o que eu quero pra mim? E o que posso querer? Não tenho queda pra nada. Talvez a brilhosa tenha queimado muitos dos meus neurônios, man. A galera vem buscar o dj. Fazer as honras, circular, falar com a galera. Skazi, it’s showtime! Você já quer ir embora? Clara tem olhar diferente e agora balança dançando. Ela diz que colocaram algo na bebida. Deixa pra lá. Vamos dançar. Dançamos. A vontade vem coçando forte. Quem sabe uma noite apenas, uma cheirada. Assim não vale. Clara está colocada. Sue me olha. Faço sinal. Deixo Clara dançando. Nem me vê. Sue estende. Aspiro rápido e forte. A cocaína entra feito um raio afetando meus olhos, dando um choque cerebral. Vejo duplo. Ok, agora está bem. Sue beija minha boca. Forte. De língua. Sinto o corpo que conheço me abraçando. Seus seios em meu peito. Desacelero. Afasto. Obrigado. Chego na pista e agora estou no mesmo pique. Mas logo precisarei de outra cheirada. Duas, três. Skazi foi para o hotel. Sentamos em roda. Como nos velhos tempos. Nel e Cláudio, Beto e uma moça, bem bonita, de saia e sem calcinha, que havia jogado para o ar em um momento de euforia, Sue e Nani, ela me encarando, ele cagando pra isso, Tininha e Bob, eu e Clara. E então vem uma louraça, coxas grossas, seios bombados e se joga no divã. Beto me bate que é Keyla, recém separada de um cirurgião plástico e que pirou, decidindo se vingar através do cartão de crédito do otário. Nas festas, quando o ex casal se encontrava, cada um com outro parceiro, tudo podia acontecer. A moça do Beto não está bem. Mandaram fazer café forte. Nada. Beto sai para levar ao Pronto Socorro. Sobre a mesa de centro, várias carreiras. Mas agora já passei do ponto e Clara tem sono. Chegamos em casa. Arranhei o carro na garagem. Clara dorme. Eu assisto o amanhecer. E ainda tenho de trabalhar. No Lago Verde, a rave continuou.
Não durmo. Vejo o dia chegar. Tomo um banho, vou para a Importadora. Circulo. Bom dia. Estou acelerado. Pego o carro. Saiu esgoelando o motor. Entro no Lago Verde. O after continua.

domingo, 16 de outubro de 2011

Ao Mestre, com carinho

Foi lendo um post de Yúdice Andrade sobre o Dia do Professor e a falta de manifestações mais efusivas que pensei sobre alguns professores que tiveram participação fundamental na construção do meu caráter, na minha educação, maneira de ver o mundo, ética, enfim, tudo. "Passei uma chuva" no Colégio São Paulo, tipo Maternal e segui para fazer o Primário no Suiço Brasileiro. Lá, apesar de ter grandes professoras, lembro principalmente de uma, Mercês, pequena, meia idade, na época, seria, talvez, 35 anos, cabelos crespos, boca pintada de batom. Era autoritária e dura. Eu a temia. E estudava. Naquela infância topei com outra grande figura humana, uma adolescente, filha do Consul da Inglaterra, Mr. Bolivar Kup, com quem iniciei meu aprendizado de Inglês. Talvez a maioria levasse como uma distração dela, mas não. Linda, doce, carinhosa, cabelos negros, branquinha, nariz arrebitado, trabalhou em mim o aprendizado ligado à fantasia, que já trazia de casa. Histórias, músicas que sei até hoje, desenhos para colorir. E no entanto, eu a fiz corar de vergonha. Era uma recepção do consulado. Ela vê o pai e o chama para demonstrar meus progressos. Ele pergunta, simpático, "How are you?" e eu, como era de se esperar de uma criança, olho para ela e aviso "ainda não dei isso". No entanto, na primeira vez em que cheguei a New York, já adulto, me enchi de orgulho ao conversar fluentemente com o motorista de taxi. Nunca mais vi Beatriz Kup. Gostaria muito de revê-la. Adiante, no Colégio Nazaré, encontrei Edson Berbary que em um trabalho de pesquisa, indicou-me "Menino de Engenho" de José Lins do Rêgo. Ao invés de comprar, tomei emprestado um exemplar na biblioteca de meu avô, devidamente autografado. E nunca mais parei de ler. Não posso me esquecer do Padre Tocantins. Ele surgiu como professor de História. Até hoje não sei se era um grande gozador, mas suas aulas eram um espetáculo onde nós, alunos, caprichávamos na anarquia e ele, imperturbável, distribuía zeros. Chegava ao requinte de mandar para fora de sala um aluno para, em seguida, anunciar uma arguição, com uma pergunta tipo "Quem descobriu o Brasil". E escolhia para responder, exatamente, aquele que havia mandado para fora. Ainda olhava em volta, como que procurando o aluno. E anunciava o zero, para desespero do anarquista, do lado de fora, gritando "estou aqui!". Ou o Professor Camarão, de Português, grande boêmio, que em determinados dias, tamanha era sua ressaca, mandava filas inteiras irem embora, até a sala ficar vazia. E o Irmão Afonso, figura tão bela, magnífico ser humano, que às vezes corria atrás de nós com um compasso imenso, de madeira, com o qual dava aulas de Desenho. E aí veio o Vestibular e eu não sabia o que queria ser. Queria mais era viver feliz, adiando, talvez, a maturidade que batia à porta. E havia o professor Moura, de Matemática, tão orgulhoso resolvendo problemas que duravam uns três quadros negros, até que meu colega Nassar, tão tímido quanto inteligente o chama e mostra um erro. E ele demora alguns segundos, teima, teima, até, silenciosamente, apagar dois quadros e retornar ao ponto em que havia errado. Havia Manoel Leite, também em Matemática, orgulhoso e nos fazendo amar sua matéria. Nogueira, de Química, grande figura, que partiu tão cedo. Passei em Engenharia Civil e ainda demorei alguns anos para criar coragem e romper com tudo. Em novo Vestibular, passei para Jornalismo, na Ufpa, onde me formei. Alguns anos depois, fui Professor Substituto de Jornalismo 1, 2 e 3, creio, mais Publicidade em Rádio. Pude perceber a riqueza da profissão. O amor por dividir o conhecimento. De ensinar. De revelar o desconhecido. Mostrar o caminho. Perceber, também, o enfrentamento diário, você ali, diante dos alunos, tendo apenas seu conhecimento e um quadro negro. Imagino isso hoje, com os alunos tendo à disposição os gadjets eletrônicos. Pude ver que um professor, ao olhar seus alunos, percebe logo quem quer e quem não quer estudar. E me decepcionei em uma aula de jingle publicitário. Inflamado, escrevo algo no quadro e quando me viro, noto que estou mais entusiasmado que a turma. Isso me fez desistir. Mas eu já tinha muitas outras coisas a fazer. E fiz. E faço. Mas sei que o Magistério é a profissão mais nobre que existe. Aquela que revela. Que dá a conhecer. Que abre a janela do conhecimento. Aquela que merece os mais altos salários para que possa ter a vida digna de sua responsabilidade. Que possa ler, ver, ouvir, assistir e assim, ensinar mais e melhor. Que possa viver, rir, se distrair porque sem leveza também não se vai longe. E que possa amar e ser amado. E aqui me lembro novamente de minha professorinha de inglês, Beatriz Kup. Como eu gostaria de revê-la! E antes que me esqueça, meus parabéns, Yúdice. Que sorte têm seus alunos!

terça-feira, 11 de outubro de 2011

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Na Fronteira

No final dos anos 60, eles todos eram adolescentes, entre 14 e 16 anos de idade. Passavam o dia no colégio e aos finais de semana, encontravam para os primeiros flertes, com as meninas, em clubes da cidade. Reuniam-se antes na cada de um. Comentavam entre si as possibilidades, as pretensões. Claro, nem todos já tinham aquele olhar "matador" dos gaviões que pensavam em ser. Saíam com hora marcada para voltar e alguns trocados para o refrigerante. Lá fora, faziam coleta e uma vez no clube, dividiam garrafa de rum misturado com Coca Cola, a Cuba Libre, para dar mais coragem. Ficavam ao redor do bar, desfilando de copo na mão, fazendo pose, investigando quem chegava ou saía. E elas, reunidas, fofocando, ou emburradas ao lado dos pais, aguardando um convite. Quer dançar? Meu Deus, para alguns era tão fácil que mal começava a música estavam rodando o salão, trocando de par, levando essa ou aquela para uma conversa. E ele continuava ali, ensaiando o convite, por horas, ate criar coragem, testar a voz de locutor. E vem a dança, ele sente o perfume da garota, que vai chegando mais próximo até colar o rosto, sentir a protuberância discreta dos seios, My God, o que fazer agora? Ache palavras, frases, ou quem sabe, pergunte se ela não quer ir ali adiante conversar um pouquinho. Muito ousado, muito saído, hein? Então fazer o quê? Aguardar as músicas passarem até ela, aborrecida, dizer-se cansada e voltar para a mesa e você passar mais uma semana desesperado, ensaiando frases? E então tocam a última música e eles todos vão saindo porque hoje é domingo e amanhã tem aula. Muitos saíram antes, mais ajuizados. E na rua, antes da despedida, vem um e convida "vamos dar uma volta na Condor", e todos sentem, sem demonstrar, o frio na espinha. Com rapidez, respondem que não têm dinheiro para o taxi, para pagar a mulher, mas o amigo logo diz que tem uma sobra e dá para os quatro irem de taxi. Claro, todos respondem.
A Condor era ou é um pedaço do Guamá onde chegou a funcionar uma estação de recepção de passageiros que chegavam no hidroavião. Naquele tempo, ao redor da Praça Princesa Isabel, funcionavam boates populares onde prostitutas atendiam até na rua. A iniciação sexual dos rapazes era, quase sempre, com prostitutas, quase sempre entre 14 e 16 anos. Quase sempre. E ali, todos eram virgens. Aceitar o convite para ir à Condor era um desafio que os deixava ao mesmo tempo com os cabelos em pé e outros órgãos também. O amigo que convidou foi sentado no banco da frente. O motorista pergunta o endereço e ele diz: Condor! Todos nos entreolhamos. O motora abre um sorriso. Assim é que é bom. Tem que começar na sacanagem desde cedo. O amigo concorda e ele passa a contar suas próprias aventuras, deliciado. Não damos uma palavra. Só o amigo da frente. Há uma tensão crescente no banco de trás. Súbito, passamos de decorar frases para garotas tão virgens quanto nós para um encontro com as prostitutas. A fronteira entre a criança e o adulto em questão de minutos. Você revê todos os seus gestos, pensa no que dizer, lembra de fotos, filmes, causos, sonhos, masturbação e pergunta a si mesmo se está preparado para aquilo. A primeira resposta é NÃO. Naquele instante preferíamos, estranhamente, ser crianças inocentes, mas não podemos externar para não passar vergonha diante dos outros. Nem sequer nos consultamos. O silêncio pesa toneladas no banco de trás enquanto o motora prossegue e seu relato e ri com sua própria história. Chegamos. À nossa frente, a Praça Princesa Isabel, redonda, cercada por homens e mulheres que conversam, bebem, namoram, combinam e entram nas boates ou desaparecem por aqui e por ali. Frio no estomago. Onde eu páro? Dê a volta na Praça! Ah, já sei, querem dar uma olhada nas mulheres logo aqui do carro. Eu acho bom, acho muito bom. Tem que olhar antes a mercadoria, não é? Vocês, moleques.. Damos a volta. E agora? Paro aqui? Não. Pode voltar para o lugar onde nos apanhou! O motorista olha, incrédulo para o amigo que está na frente. Olha para nós, atrás. Dá de ombros, retoma o volante e retorna. Em silêncio, ele. Em silêncio, nós. Descemos, nos despedimos e voltamos a falar do assunto apenas no dia seguinte, no colégio. Bem, o assunto foi resolvido pouco tempo, para todos mas naquela noite, quase cruzávamos a fronteira.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Uma visita ao "Edgar Proença"

Não concordo com a Fifa. Não concordo com a CBF. Não concordo com essa Copa Roca, nesse instante. Não concordo com Mano Menezes e sua seleção cheia de negócios. Não concordo com a seleção de Mano Menezes que sequer tem esquema tático. Não concordo com o beija mão a Ricardo Teixeira (argh!). Não concordo com o futebol local. Me emocionei com o público entoando o hino nacional. Eu estava lá, cantando. Não concordo com nada do que está aí, mas resolvi atender ao convite da Vivo para assistir a partida entre Brasil e Argentina, ainda que ambos sem equipe titular. Há muito não ia a um estádio. Comecei muito cedo, sentado, quietinho, ao lado de meu pai, irradiando, e Grimoaldo Gonçalves, comentando. Adiante, o velho passou a comentarista e ao seu lado, desde Jair Gouveia, Cláudio Guimarães, Zaire Filho, Edgar Augusto, Abias Almeida e alguns outros que agora esqueço. Ali, aprendi a ler o jogo, entender o que se passava. E tudo isso sem esboçar qualquer emoção, para não prejudicar a narração. Com meus amigos, fui algumas vezes às arquibancadas. Muito pouco. Já adulto, passei a ir apenas nos clássicos. Adiante, por diversos motivos, comecei a escrever sobre futebol em A Província do Pará. Logo depois, fui chamado para comentar jogos para a equipe da Mais Tv, primeiro com Edson Matoso, depois com Paulo Cecim, de saudosa memória. Quando isso acabou, deixei de ir aos estádios, vendo somente na televisão. Nos dias de hoje, desde campeonato russo, inglês, francês, holandês, alemão, português, espanhol e até argentino, além do brasileiro. Com as tecnologias, acostumei com o replay, com outros ângulos, com o som ambiente, com tira teima. Por isso, ao ficar confortavelmente instalado nas cadeiras do Mangueirão, senti falta, senti distância. Não ouvia o som ambiente, talvez porque havia apenas uma torcida. Às vezes a jogada ficava distante demais. Quem é? Quem entrou? Não tem replay da jogada? E nos momentos de perigo, aquela multidão de pé, gritando. Parem de gritar! Futebol é para ser desfrutado, analisado, percebido, entendido. Torcedor de tv ou de cabine, é o que sou. Por outro lado, que lindo o estádio iluminado, lotado, cantando. Os jornalistas queixaram-se do gramado. De onde eu estava, não percebi tanto, fora alguns buracos. Não era para isso. Não havia jogos por lá. Enfim. Mas com o foco totalmente ampliado, diferente da tv, disse a meu irmão, quando Lucas recebeu o passe, que seria gol. Além de conhecer suas características, a ampla visão deixava claro que ele não sofreria nenhum assédio até o chute definitivo. Também é interessante ouvir o comentário das pessoas, a maioria cheia de absurdos, mas que fazem pensar. A ida ao Estádio demorou uma hora e meia. Para voltar, rompendo a confusão local, o caminho estava tranquilo. Claro, há uma emoção fortíssima no estádio, no testemunho do que acontece, mas confesso que minha chaise, minha tv digital com suas ofertas me atraem muito mais. Ou ainda há muito a fazer. Meu filho passa uma temporada em Londres onde já compareceu a dois jogos do seu Arsenal. Comenta as facilidades, o conforto e a ampla visão de qualquer lugar. Conta também que qualquer coisa é vendida e tem o símbolo do clube, que fatura. E não é assim? Uma iniciativa particular, com milhares de gastos. Pois no "Edgar Proença", em certo momento, o locutor anuncia que houve um total de 15 mil pessoas não pagantes. Oi? Como disse? Isso mesmo. Um escândalo sem tamanho. Como pode uma iniciativa particular sobreviver com 15 mil não pagantes? É essa a capacidade do Baenão, da Curuzu, sei lá. Não dá para entender.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Meu Experiência

É muito bom, em meio ao deserto de idéias que vivemos, poder festejar o Grupo Experiência por sua carreira nos palcos paraenses e sobretudo por sua permanência, a despeito de tantas dificuldades. É claro que com tantos eventos, tantos espetáculos e figuras, muito tenha ficado de fora não sendo, por isso, menos importante. Como aqui é meu blog, posso escrever sobre "Meu Experiência", afinal, foi o grupo, foi Geraldo Salles a permitir que eu estreasse com um texto teatral., "Foi Boto Sinhá". Com 16 anos, eu e meus irmãos ouvíamos, líamos a respeito das ópera rock "Jesus Christ Superstar" ou "Hair". E também David Bowie, Alice Cooper e outros. O rock andrógino. Mas o que era mesmo ser andrógino era algo vago, embora moderno, ligado a tudo de novo na cena. Why not escrever uma ópera rock? Assim, veio a idéia do "Boto andrógino", que comecei a escrever, para musicar com meu irmão Janjo, ambos adolescentes efervescentes. Tanto que Janjo decidiu ser pintor e eu segui escrevendo. Como veio o contato com Geraldo, não sei. O que lembro é de estar em minha casa, na companhia do poeta José Maria Villar Ferreira, mexendo, colocando poesia, estrutura, no que se chamou "Foi Boto Sinhá", onde contávamos a famosa lenda até o momento em que, em vez do Bôto pegar uma caboca, pegava o caboco! E quebrávamos a estrutura regional e caíamos em algo de cabaré, em um deboche do macho amazônico, terminando em grande festa. As músicas, uma escrevi a letra, mas não lembro se a música foi de Waldemar Henrique ou Roberto Reis. As outras, faixa título do grande maestro e alguns carimbós tradicionais, já tocados pelo grupo de Mestre Venâncio. Estréia no Teatro da Paz, lotado! Nunca esqueci do começo. Black out e os tambores do carimbó fazendo meu coração dar saltos. Houve várias outras montagens, em todas havendo mudanças no texto, na maneira de encarar a questão do gay na sociedade. Seu ápice foi em um Mambembão onde o Grupo fez Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, colhendo aplausos, bis, matérias entusiásticas. Lembro de SP. Estréia em uma quarta feira de cinzas. Estamos chegando ao Teatro Anchieta, do Sesc, umas cinco da tarde. Havia uma fila. Deve ser para o cinema. Não. Era para um espetáculo extra do Boto. E ao final, pedidos de bis para a última cena. Fizemos o Bôto em Barcarena e Abaetetuba. Nesta, em um ginásio de esportes, duas, três mil pessoas em profundo silêncio, com medo do boto.. O que veio depois? Talvez tenha sido "Angelim, o outro lado da Cabanagem". Eram 150 anos do movimento. Cacá Carvalho havia passado por aqui com seu "Macunaíma", de Antunes Filho. Muita gente no palco. Rui Barata me aconselhava. Escrevi. Meu amigo Rohan Lima decidiu fazer. Não era Experiência, mas lá estavam Paulo Fonseca, Rui Cabocão, Cleodom Gondim, Edgar Castro, tantos outros, mais Sonhão, então, apenas manequim, Henrique da Paz, emprestado do Gruta, mais Teka Sallé e suas bailarinas, Ronald, o saudoso bailarino e até Fafá de Belém que gravou, gratuitamente a música tema, de Antonio Carlos Maranhão. Foi a primeira peça patrocinada. Banco do Pará. Se estou certo, deu CR$80 mil. Pior, ao final de três meses em cartaz no Teatro da Paz, devolvemos a quantia, integralmente. Era assim. O que veio então? Uma comemoração pelos 20 anos do grupo? Sei lá. Decidiram encenar duas peças, com elencos diferentes, turma mais velha, turma mais jovem. A mais velha fez "Quem te fez saber que estavas nu", de Nelson Rodrigues, direção de Mercês, com Geraldo Salles, Natal Silva, Paulão e Beth Dopazzo em cena. Fiz a música. Pela primeira vez, a melodia. Até hoje acho bonita. A turma mais nova se deu melhor. Pegaram o texto de um jovem autor paulista e fizeram "A terra é azul". Fiz toda a trilha. Ganhei prêmios. Eu, Carlos Reimão e a gaita do Edgar Augusto, tocando em estúdio. Viajaram. Estiveram com Antunes e Gerald Thomas. Houve também "Dom Chicote", infantil, onde fiz a trilha, novamente. E aí fizeram "Quem te fez saber que estavas nu". Não lembro a autoria. Fiz novamente a trilha sonora. E então voltei de uma viagem disposto a escrever comédias tipo as que faziam no Rio de Janeiro e chamaram de "besteirol". Escrevi "A Menina do Rio Guamá" e foi mais um super sucesso. Teatro da Paz e Schivazappa lotados. Sessões extras. Festival do Experiência. Um espetáculo por dia. Era muito legal. Mas o tempo passou. Alguns saíram. Outros voltaram. Alguns foram e não voltaram mais. Me vi começando a trabalhar com o Grupo Cuíra. Veio Cacá Carvalho, mais próximo. Qual a razão de um texto? O que eu quero dizer com isso? Ficou o amor e a admiração por Geraldo Salles e a turma toda. Amizades eternas que se renovam a cada encontro, mesmo que esporádico. O "Meu Experiência" foi especial, emocionante, revelador e formador, sobretudo.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Eu já morri

Era para ser um dia normal, de aula. Mas Janalice percebeu algo diferente ao entrar. Não que sua passagem no pátio do colégio não provocasse, sempre, algum frisson, por conta da altura de sua saia. Mas era mais do que isso. Dentro da sala, cochichos e risos. Então a professora se irrita e alguém se levanta. Entrega um celular. A professora põe a mão na boca. Sai. O que é que tem no celular? Então Jacilene assiste a uma demorada cena de felação que ela protagoniza, junto a seu namorado Fenque, com direito a closes de sua genitália, a pedido. Chocada, não sabe o que dizer. A professora retorna. A diretora vem junto. Pede que ela saia. Que volte para casa. Que somente retorne com seus pais. E atravessando o pátio, agora ouve claramente o deboche de todos.
Jacilene tem 14 anos.
Em casa a mãe chora. Grita. Estapeia. Rasga suas roupas. Entra o pai, com a farda de cobrador de ônibus. Tira o cinto. Espanca. Expulsa de casa. Ela sai chorando pela rua. Em uma esquina, Fenque está com os amigos. Ela chega e pede ajuda. Ele a trata mal. Ri de sua cara. Os amigos também. Ela cobra. Ele dá um tapa. Sai fora.
Jacilene vai andando, pela noite, na cidade, até o porto. Pede esmola. Consegue o dinheiro da passagem. Está no barco. Belém ao fundo. Desembarca e vai à pé até a casa de uma tia, que vivia no centro, com um namorado, e era sua madrinha, embora estivesse brigada com a mãe, por suas posições. Jacilene espera a manhã chegar para subir. Conta seu drama. A tia precisa perguntar ao namorado, dono do apartamento. Tudo bem, pode ficar, depois a gente conversa. A tia vai trabalhar. Jacilene vai dormir. O namorado fica por ali, assistindo tv. De tarde, Jacilene toma banho. Penteia-se em frente ao espelho. O namorado da tia entra. É a conta que precisa pagar para morar ali. Não pode denunciar nada. Fazem sexo. A tia chega no início da noite. Nada é dito.
Agora, Jacilene passa os dias zanzando no centro, com medo de voltar para o apartamento e enfrentar o namorado da tia. Encontra uma putinha, Dionete, próximo a uma farmácia popular. Conversam. Se identificam. Brincam. Acham graça. Passa um cliente. Ela vai. Jacilene fica interessada. Está feliz. Arranjou uma amiga. No dia seguinte vai ao quarto da amiga, em uma pensão. Juntas, fazem confissões. Jacilene experimenta roupas. No outro dia, aparece um pivete, namorado da amiga de Jacilene. Conversam. Quer fumar? Ele presenteia a namorada com um cordão. Sentam em um bar. Outro dia, estão no quarto da amiga. Quer fumar um crack? Fazem sexo a três. Chega tarde. Leva bronca. Outro dia, estão juntas. Chega o cafetão. Expulsa o pivete a pontapés. Dá safanões na amiga. Olha com interesse para Jacilene. Ela volta para casa. Considera. Outro dia, com a amiga. Chega o cafetão. Vamos ali numa casa? Que casa? De quem? Um amigo. Vão. Ela entra e é agarrada. Grita, mas ninguém vai ouvir. O cafetão e a amiga pegam um dinheiro e se mandam. Entra em um quarto onde há mais quatro. Dois dias. No terceiro, tomam leite. Sentem sono. Mas cambaleiam em direção a uma Kombi de vidros peliculados. Circulam. Param. Jacilene está tonta mas vê que estão próximos de um colégio. Empurram para dentro uma menina. Assustada. Tremendo. Não consegue gritar. Alguém abafa. Escuro.
Agora estão em uma casa, com quintal, fora da cidade. Jacilene sente o ar, o cheiro de mato. Um sítio? Uma tiazinha negra, alta, fica tomando conta, levando no banheiro e tal. Ela pede, com sotaque forte, para se comportarem, serem boas. Que foram escolhidas. Que são especiais. Que vão viajar para a Europa. Chega com umas roupas. Calcinhas, minissaias, corpetes, tops, tudo bem sexy. Vistam. Jacilene faz amizade com uma das meninas. Ela conta que foi sequestrada num show de pagode. Perdeu-se, por instantes, das amigas. Agora estão vestidas com as roupas sensuais. Uma a uma, desfilam na frente de alguns negros altos, fortes, que falam outra língua. Algumas são escolhidas. A amiga foi. Ela, não. Não há despedidas. Janalice fica. Ela vai trabalhar com a turma que ficou.
A Kombi entra em um motel. Vai para o lado reservado. Uma piscina. Homens aguardam e saúdam a chegada. Alguns estão nus. Elas saem. Algumas gostam e já vão sorrindo. Uma churrascada. Dentro da casa. O cara é gordo, feio, bêbado. O cara estica umas carreiras de cocaína. Ensina como faz. Janalice já está muito dopada. Começa a vomitar. A fazer espuma. O homem a toma e faz sexo mesmo que ela nem reaja. Ele se aborrece. Dá um potente murro na cabeça. Ela se acaba pelo chão. Ele vai embora procurar outra. Ela acorda, junta roupas. Sai andando, meio dopada, atordoada. Não sabe como, acaba na rua. Vai andando sem rumo. Não dão por sua falta.
Agora ela faz confusão em uma esquina. O policial a repreende. Ela enfrenta o policial. Está muito diferente agora. Para pior. O policial a leva para a cadeia. Não há cela para menores. Muito menos para mulheres. Ela continua respondendo torto. É colocada na cela com 20 homens e ali fica, sendo usada por eles. Um deles tem pena. Você não quer sair daqui? Não quer viver? Não. Eu já morri.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Película para não ver a verdade

Mais uma vez, alguém olha meu carro e me sugere colocar película. Em seguida narra o assalto que foi vítima. Não uso película. Há muito. Por várias razões. Primeiro porque acho feia sua utilização. Cafona. Antigamente, essas películas eram usadas apenas por autoridades com medo da população. Depois, ressurgiu como moda e logo depois, como proteção contra a violência. Alguma lei imbecil liberou. Não uso película porque, ao ficar atrás de um carro peliculado, não consigo olhar através de seus vidros, antecipar qualquer problema de trânsito. Quando vou atravessar alguma rua e há um carro peliculado, não consigo ver se vem outro carro. Tem de ser uma lei errada. Não uso película porque, um dia, li uma matéria onde o sujeito, sequestrado, contava que os ladrões passavam frente guarnições da Polícia rindo, porque não eram vistos. E também me recuso a ser covarde, me esconder. Me recuso a prejudicar os outros carros por conta de meus vidros peliculados. E me recuso porque é cafona pacas. Sim, sei que hoje um assalto é uma questão de loteria. Sorte. Qualquer um de nós, a qualquer hora do dia, em qualquer local, pode ser assaltado. Acontece a todo momento em vários pontos da cidade. É uma terra sem lei e somos as vítimas preferenciais, burgueses, classe média, que estudaram, trabalham loucamente e mantém um mediano padrão de vida. Às vezes, quando me falam, até fico pensando, mas chego às mesmas conclusões. E também avisei aos amigos. Não adianta passar de carro e apitar, chamando minha atenção. Não vemos nada. Não podemos reconhecer ninguém. Talvez seja isso. Não queremos ver a verdade. Enquanto ficamos em nossos altíssimos prédios, onde temos academia de ginástica, piscina, tv a cabo, internet, todos os serviços, estamos bem. Quando pomos os pés na rua, pisamos na lama. Pegamos o carro e queremos ficar dentro de um cocoon, protegidos de tudo, quem sabe, blindados. Bucéfalos importados, off roads disfarçados, cheios de luxo, parecem tanques de guerra e sim, preparados para chafurdar na lama da selva, mas sem se sujar. Não encaramos a verdade. Vivemos na selva. Voltamos para a selva. Fiquei primeiro aborrecido quando mais uma vez fomos ao noticiário nacional e internacional com violação de direitos humanos. Mas como se aborrecer? Vivemos a selvageria. Adolescentes que já praticam sexo há muito, violentadas por presidiários. Presidiários que prestam favores sexuais a presidiárias. É o fim do mundo. Selva total. E isso vivemos no dia a dia, quando vamos às ruas. E quando vamos, não queremos ver nada. Ficou confuso? É assim mesmo que está.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Tropeçando em assuntos

Li por esses dias duas publicações de pensadores interessantes, o primeiro um sociólogo polonês, Zygmunt Bauman e o outro, Leonard Mlodinov. Entre eles, pode haver alguma semelhança, não sei, mas o que dizem é bom para refletir. Zygmunt está preocupado com mecanismos como Facebook, criando a ilusão de amizades, sendo que nada é face to face, e com um clic, desconectamos toda a amizade. Acha que somos solitários em uma multidão, cada um com seu headphone, alguns com headphone desligados, mas nas orelhas, apenas para evitar qualquer contato. Disse também que o mundo, a civilização, não pode viver sem dois valores essenciais: segurança e liberdade. O problema está na correta fórmula de equilibrar esses valores. Segurança sem liberdade é escravidão. Liberdade sem segurança é o caos. Encontre a mistura certa e seremos felizes. Zygmund diz que nosso caráter é que vai fazer a opção certa do destino que teremos. Sócrates acreditava que o segredo da felicidade estava em criar uma forma de vida para si. Uma maneira de viver, afinal, cada um é cada um. Pense. Escolha seu destino. Mas é preciso estar preparado. Leonard Mlodinov não acredita na existência de um Deus. Acredita no princípio da aleatoridade. Tudo é aleatório. O que é preciso, como Shakespeare escreveu, é estar pronto. Para tudo, é preciso estar pronto. Leonard diz que seus pais se safaram do campo de concentração e ele pôde nascer. "Que Deus é esse que decidiu matar toda a minha família mas poupou apenas meus pais para que eu pudesse nascer". Tudo é o acaso. Tanto que ele, físico, em algum momento largou tudo e foi para Hollywood onde escreveu roteiros para dois ou três grandes blockbusters. Depois virou escritor. Ele acha que é preciso perceber quando o acaso surge e ir em frente, aproveitar as chances, mesmo que isso signifique mudar tudo o que vinha fazendo. Até lembrei dos versos de Ferreira Gullar em "Onde andarás", que Caetano Veloso musicou, "e é por isso que eu saio na rua, sem saber pra quê, na esperança, talvez, de que o acaso, por mero descaso, me leve a você". E o garoto que de repente, começou a ter notas baixas na escola e queixas dos professores. A mãe chamou pra conversar. "Ah, mãe, eu não quero ser chamado de nerd!". A mãe argumentou que grandes e famosos se tornaram assim por estudar, por tirar notas altas. Nananana. O máximo que conseguiu foi que ele elevasse as notas, mas nada de tanto destaque. Que coisa! A professora Rosely Sayão está preocupada com essa sociedade do espetáculo em que mais importante de tudo é a aparência, estereótipos que deixam de lado o conhecimento, trocado pelos highlights de rápida pesquisa no Google. E você, o que acha?

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A Feira do Livro

Havia decidido nada comentar sobre a Feira do Livro, que acontece anualmente em Belém. É que desta vez, após 15 anos, meu nome parece ter sido retirado da ficha negra, da censura, sei lá. Fui "reabilitado", digamos, como na União Soviética de Stálin. O Grupo Cuíra convidado a apresentar a peça "Abraço", que escrevi e dirigi, com Cláudio Barradas e Zê Charone. Não pude dizer não e assim prejudicar outras pessoas. Fomos bem tratados. Não posso dizer que recebemos o melhor dia da semana, segunda feira... Mas estava lá nossa caixa preta e mínimas condições. A Sala Marajó, de difícil acesso, recebeu bom e respeitoso público. Ao sair e dar uma volta, já com avisos de encerramento da noite, deparei, no stand do IAP, com o meu nome ao lado de famosos e excelentes escritores paraenses. Até uma foto havia. Bom, isso é que é reabilitação!
Nada disso pode retirar minha principal divergência em relação à Feira. A falta de uma razão sensata para sua existência, promovida por uma Secretaria de Cultura. Se um empresário resolve fazer uma feira. Aluga o Hangar. Negocia espaços com editoras e livrarias. Contrata alguns palestrantes de renome. Dá, como política de boa vontade um stand para os escritores locais, nada tenho contra. É negócio particular. Mas quando é o Estado que a realiza, inventando tratar-se de Feira Pan Amazônica, homenageando países, no caso, a Itália e escritores como a desconhecida Dulcinéia Paraense, mas sem ter NENHUMA política cultural para a Literatura, está errado. Se é o Estado que realiza, a Feira precisa ser o ápice de um trabalho anual que não somente republica livros importantes, esgotados; faz com que os escritores da atualidade circulem pelo Estado, com status de artistas e lança novos autores, na idéia de, futuramente, constituir um mercado. Então, a Feira seria esse ápice, onde os escritores locais seriam os destaques, muito embora se possa ter, também, escritores como Ignácio de Loyola Brandão, Veríssimo e outros. Assim, como está, é bom negócio apenas para livrarias. E olha que elas se queixam. O povão vai até lá dar uma volta. Poucos têm dinheiro para comprar. E raríssimos compram algum autor local. Afinal, quem ganha com o esforço da Secult? Os escritores de fora que chegam, são cortejados, bajulados, acarinhados, levados a passear e voltam contando maravilhas. Quanto aos escritores locais? Nada. Li que desta vez será lançado livro de Dulcinéia Paraense. Corretíssimo. Muito prazer, Dulcinéia, que com mais de 90 anos, veio do RJ onde mora. Mas não basta. Uma seleção de seus livros deveria estar sendo motivo de exame e discussão nos colégios estaduais, municipais. Assim a homenagem se justifica. Como está, não é correto, para dizer o mínimo. Mas fui "reabilitado". Qual a sensação? Nenhuma.

A MORTE DE UM PERSONAGEM

Estava aguardando o portão da garagem do prédio abrir quando veio o T. Rex (Kiko) avisar que o Ailton morrera. Ailton? Que Ailton? Ah, o Peito de Pombo. Acordou se sentindo mal. Levaram ao Pronto Socorro mas morreu logo. O corpo está ali no Gempac. O senhor vai passar lá? Mais tarde. Há poucas horas o havia visto com um corpo na mão. As noites de domingo, por ali, são quentes. A galera fica assanhada desde cedo. Ganha trocados tomando conta dos carros. Passa o Bento tocando merengue. Há uns três bares, certamente sem alvará nenhum, garantindo a cachaça. Fiquei triste. Partiu um personagem. Alguns não entenderam ou não fui bem claro no facebook. Não, ele não era meu amigo. Era personagem. Ele, a família e agregados. Nós os apelidamos de "imãs de geladeira". Por alguma razão, acamparam na esquina do Cuíra. Ouvi dizer que Ailton e Bete, sua mulher, tinham uma casa em área de invasão. Mas preferiam morar ali ao ar livre. Sujeitos às intempéries. Aos domingos, vinha um casal de filhos e criança de dois anos. Um dia desses, bebido, empilhou tudo na esquina e tocou fogo. Os bombeiros vieram. Virou tudo cinza. A Bete passou uns meses presa. Tráfico, claro. O velho ficou por lá. Um dia ela reapareceu. Gorda, aparência saudável e não como antes, quando parecia dissolver-se entre maus cuidados, fome, droga, sei lá. Reapareceu e ficou. O apelido de Peito de Pombo foi pela postura. Moreno, magro, cabelos quase brancos, olhar desafiador. Quando passava, rolavam a saudações respeitosas. Sempre. Mas que diabos, porque não iam para suas casas? Morar naquela esquina? Talvez fosse vida o que estivesse procurando. Morar em área de invasão, num dia a dia repetitivo? Morar ao ar livre. O mundo é sua casa. As discussões em voz alta, quem quiser que ouça. O mundo é minha casa. E eu assisti a várias discussões. Bebido, se abria em gestos. Braços se movimentando, aumentando a amplitude do que dizia. Batia no peito. Argumentava parecendo erudito. Traficante, certamente, mas a Polícia nada achava nas revistas. Um dia desses implicou com a Raimunda, puta velha, gorda, mas com boa clientela, chova ou faça sol, dias úteis e feriados, sentada na esquina. Ficaram se arengando. Será o imã do teatro que os atrai? De manhã, se espreguiçando na calçada, cigarro na boca, lendo jornais. Começo de noite, banho tomado, sapato branco, um dia pintou até paletó. Uma coisa! Todos ao seu redor. Em noite de teatro, tomam conta de carros. Procuram ser respeitosos, usam palavras difíceis, gentis. Até o Kiko, o T.Rex também já queria tomar conta. Agora não sei o que será da Bete. O filho, pivetão, anda por lá. E também um papudinho que há alguns meses trocou de turma e pode estar arrastando uma asa, se me entendem. Se dentro do teatro o público assiste às minhas obras, aqui fora sou eu que não perco uma sessão deles. E quando morre um personagem, fico triste.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Isso não pode ser esporte

Há muito tempo atrás, criança, assisti no Palace Teatro, que ficava atrás do Grande Hotel, uma luta entre dois famosos lutadores de "Vale Tudo". Não lembro a razão de estar ali. Não devia. A luta não durou nem dois minutos. Um chute na lateral da cabeça pôs um dos litigantes a nocaute. Nunca esqueci. A rapidez. A violência. A agressividade do ato. Tempos depois tivemos em Belém nossos próprios lutadores, mas na base da mentirinha. Havia Bufalo e Tourinho, eternos rivais, ele era o malvado, o outro o galã. E tantos outros. Na televisão Ted Boy Marino reinava. Rapaz, lembro do Bufalo como porteiro de festas, aguentando as provocações absurdas de João Batista, que hoje todos conhecem como "Dentinho", ou Azevedo Barbosa. Coisas de rapazes. Meu filho mais novo, aficcionado de lutas americanas que passavam no canal fechado, ficava revoltado quando lhe garantia que tudo aquilo era ensaiado, cheio de truques e ninguém se machucava tanto assim. Era de mentirinha. Mas então veio Mike Tyson. Meu pai dizia necessitar um banho gelado após assistir suas lutas. Parecia uma fera que se atirava ao oponente com um ódio desmedido e um sem número de socos potentes. Passei a assistir suas lutas, misturando curiosidade, nojo, agressividade, medo e talvez morbidez, como quem assiste a uma tourada onde aquele animal de toneladas vai para o chão. Não gostava das categorias mais leves. Via as lutas como quem assiste a uma tourada. Um dos bois irá ao chão.
Agora, temos o MMA ou UFC, sei lá. Os Gracies chegaram ao Japão e aos EUA onde as lutas quase não existiam e transformaram tudo a partir do jiu jitsu que sabem, começou aqui em Belém, com Conde Koma. Os Gracies foram saindo. Seu estilo, perceberam, não era tão espetacular. Queriam sangue, muito sangue. Aqui enfim chegamos. Nas madrugadas de domingo, assisto algumas lutas. Percebo que me contraio, torço, e depois tenho dificuldade em dormir. Não é esporte. É carnificina. Lembro dos grandes filmes sobre gladiadores. Maciste, Spartacus. Agora mesmo, tentei assistir à série Spartacus, ao que tudo indica, feita na Inglaterra, o que seria um selo de qualidade. Uma decepção. Ótima produção, para vermos muitos nus femininos e masculinos frontais, cenas de sexo e muita violência. Há um outro dado que talvez as mulheres possam contestar, já que são sempre corpos femininos a terem preferência a aparecer nus. É que a nudez de homens, ou seus corpos sujos de sangue e lama sugere algo homossexual também. As câmeras lambem corpos masculinos sem parar. Nas cenas de sexo, são suas bundas que ficam em close. As lutas são espetáculos de balé e explosão de sangue. Zuenir Ventura escreveu sobre isso, hoje, em O Globo. Arnaldo Jabor. Parece que há um anseio pela destruição. Uma vibração por uma espada que fende um humano de cima abaixo. Que espetacularmente espalha miolos pelo chão. Pior, não parece haver uma história, um enredo em si. E eu fui assistir porque acabara de ler uma biografia de Julio César, que em algum momento passa próximo ao levante comandado por Spartacus. Parei.
Entendi quando Lúcio Flávio em seu Jornal Pessoal sugeriu ao nosso Lyoto Machida sair fora do circo. Machida, tentando impor a filosofia do karatê, a honra do lutador, em um circo onde isso é o que menos interessa. Lyoto levou o soco e já caiu desmaiado. Shogun seguiu socando, provocando um grande corte em seu rosto, até o juiz suspender o combate. O paraense talvez não interesse mais à organização. Seu estilo é discreto, de poucos mais potentes golpes. E o circo quer sangue, muito sangue. Cotoveladas, pontapés como o de Anderson. E passam em câmera lenta, os rostos se contundindo, explodindo em sangue, muito sangue. Vai haver um combate no Brasil nos próximos dias. Todos os ingressos já foram vendidos. O coliseu estará armado. Algumas milhares de pessoa verão ao vivo. Milhões pela televisão. Isso não é esporte. Recuso-me a aceitar. Desculpem a brincadeira, mas somente me imaginar treinando oito, dez horas por dia, me abraçando, rolando pelo chão com outro homem, ao invés de minha namorada, francamente...
Mas assistirei. Não resistirei. Também seria inócuo. Ficarei tenso, contraído, excitado para a violência e não adianta nada os lutadores, arrebentados, cumprimentarem-se como grandes amigos. Não é esporte. É um quadro dos dias que vivemos. A festa da violência. Rasgar, quebrar, machucar, contundir o outro. A não perfeição. A destruição como mobilizadora da sociedade e não a construção. Não é o brilho da inteligência e sim o da agressividade. A festa da violência. Da degradação que vivemos. Retornamos ao que disse aquele famoso deputado do mensalão, "instintos mais primitivos". Não é só dinheiro. É a sede da violência. Talvez assistamos para que o lutador, com seus murros, dê murros em nossas decepções, ilusões, falta de dinheiro, dificuldades. Nos cinemas, os filmes de destruição estão lotados. Destruído, nocauteado, sangrando abundantemente o lutador no octógono, comemos mais uma pipoca e nos sentimos vingados. Isso não pode ser esporte.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Os artistas de teatro de volta à sua casa

Não faço política partidária. Faço política cultural, meramente por escrever livros, peças de teatro, atuar com um grupo que audaciosamente administra penosamente um teatro há uns cinco anos, talvez. Lá no começo dos anos 90, minha barra estava pesada financeiramente e tive a oportunidade de trabalhar para o Governo. Foi a segunda vez. Na primeira, foi para fundar a Rádio Cultura Onda Tropical. Agora, foi na Secretaria de Cultura, sob as ordens de Guilherme La Penha. Quando cheguei, tinha apenas boas idéias. Nada sabia dos trâmites burocráticos, os relacionamentos internos, a vida em um órgão público. Foi difícil, apanhei e aprendi para a vida inteira. Mas creio que juntamente com minha equipe deixei boas sementes nas mais diversas áreas em que estive, seja porque estudei, viajei, aprendi e ousei tentar. Infelizmente, a única área em que pouca coisa foi feita foi a de Artes Cênicas, imaginem, justamente a área em que mais atuava, na época. E bem que devia dar certo. Houve várias e longas reuniões. Não lembro de todos, mas lembro principalmente de Luiz Otávio Barata, o genial, o temível, polemista, criativo. Tivemos longas conversas. Proveitosas, respeitosas, altíssimo nível. Luiz era um gentleman. Costuramos todas as arestas, procurando atender ambos os lados em suas questões. Enfim, tudo aceito, marcado, foi pedido uma última instância. Uma Assembléia com a turma de teatro. Disseram que seria coisa simples. Infelizmente, tudo foi negado. Questões políticas, intransigências. Pena. Nada aconteceu. E depois disso, veio a noite que se abateu sobre nós. Até agora, quando abrem possibilidades. Estivemos em uma reunião com Nilson Chaves, superintendente da Fundação Tancredo Neves. Um a um, alguns dos fazedores de teatro foram chegando. E cada um exclamando há quanto tempo não pisava ali. Olhamos as paredes, divisórias, cumprimentamos servidores antigos. Uma novidade. E lembramos como, antigamente, todos transitavam ali como sua casa, que é. Encontramos em Nilson e Marcos Quinam a vontade de ouvir. De fazer. Ouvimos palavras de conforto, de possibilidades claras. Debatemos questões. Lançamos idéias. Agora cada um faz o trabalho de casa. Reunimos na próxima semana, creio. As coisas se acertam. Há planos da Fundação que ainda não posso revelar, por não ter autorização, mas se metade do que foi conversado se realizar, começaremos a recuperar vinte anos de escuridão. E eu confio em Nilson. É meu amigo. Não tocamos em nenhum momento em política, a não ser em política cultural. Nilson quer a volta dos artistas, não só do teatro, mas de todas as outras áreas aos corredores do Centur. E eu os estimulo a ir. É a nossa casa. E sei que serão recebidos, antes de tudo, por outro artista. Um grande artista. Um cara com uma trajetória exemplar. Vamos voltar ao Centur?

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Kelly - mas falta um título melhor

Kelly. Diz que veio lá de Ourém mas pra mim é maranhense. Vai ver já é até foló, disse a Irene. Péra lá, Irene, não força. A menina é jeitosa. Periguete, mas aqui vai fazer sucesso. Te mete! O macho dela vive rondando de moto. Distribui crack na João Alfredo. Eu, hein? Tenho mais o que fazer. E eu lá vou me meter!
E lá estava a Kelly. Morena de corpo bem feito. O que fazia na Primeiro de Março? Seus atributos poderiam leva-la a clubes noturnos com público de maior poder aquisitivo. Ali, em breve o corpo estragaria, a mente explodiria e puf, desapareceria. Andava de top e shortinho, mostrando tatuagens, pra lá e pra cá, rebolando. Andava rebolando, mas rápido, parecendo resolver vários assuntos importantes ao mesmo tempo. Batonzinho básico e esse frescor da juventude que ilumina por onde passa. Quantas kellys já passaram por ali? Que o digam a Raimunda, a Maria, Irene, coroas, algumas com casa montada e tudo e clientela seleta. Amor? Amor? Vem cá.. Tudo bem? Vamos fazer um amorzinho gostoso? Não, obrigado. Eu sou aí do Teatro. Ah, do teatro. Do pessoal que faz Cultura, né? E não tem uma vaga pra mim? Não, acho que não, mas de repente, quem sabe, eu te chamo, tá bom? Eu sou a Kelly. Tem certeza que não quer ir ali comigo? Também tenho umas coisas pra vender. Não, obrigado. Tchau. Tchau, amorzinho.
Riachuelo e Primeiro de Março. A primeira liga duas avenidas importantes, Presidente Vargas à Padre Eutíquio. Mas ali, naquela meiuca da Campina, funcionou uma lendária zona de prostituição. Hoje, acabou. Restam dois ou três bares. Quartinhos imundos. Putas velhas com alguns velhinhos que recebem a aposentadoria e vão pra lá. E de repente, algumas meninas novas, cada vez mais novas, atiradas, ousadas, desafiadoras. Rápido se tornam as donas do pedaço. A Primeiro de Março é a lata de lixo da Presidente Vargas. E há consumo de crack. A Polícia passa, faz revista, mas nunca acha. O Teatro e sua gente são respeitados. Muito. Relação ótima. O público nunca vai correr perigo. Isso é certo. Mas nem sempre a turma se comporta.
Domingo. Tarde da noite. A sessão terminara. Pela Primeiro de Março, uma birosca havia começado vendendo pipoca, cheetos, refrigerante, sabão, coisas básicas. Agora vendia bebida. Agora tinha som alto. A galera estava mamada. A festa começou desde que o Bento passou no final da manhã, pela Praça da República, tocando merengue. A algazarra perturbou os atores. Fomos lá, na boa e nada. Veio a baratinha, conversou e seguiu na ronda. Kelly dava um show de tecnomelody. O namorado, jogado num canto, apreciava. Apareceu a Rotam. Moradores ligaram. Correria. O motoqueiro se mandou. A birosca não tinha alvará pra nada. Lá vai o dono. A Kelly rebarbou. Encarou. Tu queres me dá-lhe tu me dá-lhe. Agora tu vai pagar se me encostar um dedo. Vamos, me dá-lhe que eu quero ver. Me dá-lhe. O guarda tentou pegar o braço. Levou na cara. Mão aberta. Foi demais. Devolveu. Rolou na calçada suja. Levantou com uma pedra. Veio o Peito de Pombo, de gestos largos quando está bêbado. O perneta, que pede esmola pra fumar crack. Puxaram pelo cabelo. Ela agatanhou. Jogaram na viatura. A Rotam foi e ficou o silêncio. Um olha pro outro. Cada um pro seu canto.
Passaram três, quatro dias. Vejo Kelly botando quente no Bom Paladar, na esquina com a Riachuelo. Rosto inchado. Murros. Na barriga. O namorado libertou. Não contou como. Nem eu sei. Agora tinha uma colega. Deusa. Uma moleca de 14 anos se tanto. Kelly sua heroína. Olhos esgazeados de crack. Top, shortinho e topando todas. Chegou o namorado. Montou na garupa. A moleca também. Saíram rindo e felizes. Poderosos. Fiquei com vontade de ligar pro Ismael. Ele faria uma bela reportagem. Foi bom não ligar. Acabei ganhando a matéria.
A Érica está se desfazendo aos poucos. Foi mais uma Kelly. Branquinha, bonitinha, olhos espertos. Pegou a coisa. Não tem mais cabelo. Um ou dois dentes. Corpo cheio de feridas. O que resta é um humor ácido e inteligente. Fez dois canudos de papel e botava na cabeça, dizendo que a Kelly já era e a dona do pedaço agora era a Deusa. A Deusa? A molequinha de peitinhos salientes, bundinha assanhada e que era aprendiz da Kelly? Essa não. O Ricardão veio e crau! E a risada da Érica? Tinha uma mordacidade feroz. E todo mundo rindo. O perneta se divertia. O Peito de Pombo, também.
Lá vêm as duas. A Kelly arrastava pelo cabelo a Deusa. Tinha uma faca de cozinha em uma das mãos. Havia sangue nas mãos da moleca. Parava onde tinha galera. Agora diz quem e a dona do pedaço. Diz. Quem é dona do homem. Do motoqueiro. Terminou? Pede perdão. Pede. Vamos adiante. Vai nada. O Peito de Pombo se meteu. Tu vais parar com isso agora mesmo. Aqui mesmo. Acabou. Tá doida? Dás ouvido pra qualquer uma? Isso não é contigo, velho. Sai que vai sobrar pra ti. Comigo não. Tu me respeita. Levou facada, mas foi de raspão. Não continuou. A Luana, mulher do Peito de Pombo, se rebarbou. Eles moram na rua. Na esquina. O Peito de Pombo lê jornal, despacha, conversa, trafica também. Ela até atende telefonemas. Mas agora Luana deu-lhe no pé do ouvido. O que é que tu tens com essa piva? Se ela está apanhando é porque merece. Me incomoda a violência. Ah, te incomoda? Tu pensas que eu não ouvi que tu andaste te engraçando pro lado dela? Hein? O Perneta me disse que pediu pra ela o xibiu mas ela deu foi pra ti. E foi esse o pagamento do crack. Cadê o dinheiro? Agora confessa se tu és homem. Diz aí se tu és homem, agora, na frente de todo mundo. Mulher, tu me respeita que eu não sou macho de ser peitado assim na frente da galera. Tu me respeita. Então diz aí, macho de merda. O Peito de Pombo se atacou. Saiu catando colchonete, roupa, sapato, fazendo um monte. A Luana tentou impedir mas levou safanão. Ficou de longe, xingando. O Peito de Pombo tocou fogo. Doido. Tocou fogo, o sacana. E virou pra ela e disse. Tu me respeita. Tu não mexes comigo. Agora tu vais ver. A fogueira cresceu. A Luana se mandou. O Peito de Pombo ficou com os braços parecendo aqueles bonecos de posto de gasolina. Vieram os bombeiros. Risco do fogo atingir a fiação elétrica. Mas não sobrou nada.
A Deusa ficou sem as duas orelhas. Alguém contou. Foi parar na Casa de Transição, depois foi pro ... de Menores. E o vício de crack? Sei lá. Naquela noite, o motoqueiro ficou girando por todos os quarteirões entre a Padre Eutíquio e Presidente Vargas, procurando, procurando. De manhã cedo os programas policiais de rádio, o Barra Pesada e a turma do Diário do Pará trabalhando ali perto daquele prédio grande da Importadora, na Carlos Gomes. O perneta contou. Tava na fissura por crack e nessa, o cara faz qualquer coisa. Nem raciocina. Quase não dava pra reconhecer a Kelly. Talvez pela tatuagem de um anjo, no calcanhar. O motoqueiro passava de moto sobre seu corpo quando a Rotam chegou. Eles se atrasaram um pouco. Kelly era a isca da armadilha, mas não deu. TRAFICANTE MATA NAMORADA PASSANDO COM A MOTO SOBRE SEU CORPO. Os repórteres vieram checar algumas informações. O único que quis falar foi o Kiko. Mas o Kiko não tem condições. Não diz coisa com coisa.
Noélia é o nome, a Irene disse. Aposto que esse cabelo dela é pintado e alisado. Irene, dá um tempo. Tu não dispensas nenhuma? E eu vou lá gostar de concorrência? Irene, tu já passaste dos 60, tens tua clientela, poxa. Mas sabe lá, de repente um boyzinho desses se engraça.. E olha que eu sou foló..

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Pai

Antes de mais nada, quero dizer que meu teclado nao esta colocando acentos, ok?
Chega mais um Dia dos Pais, data apropriada para o comercio mas, why not, aproveitamos para homenagear nossos pais, tao queridos. O meu ja nao esta mais por aqui. Nunca pensei que faria tanta falta. Penso nele diariamente, para tudo e por isso, considero que ele anda ao meu lado. Nos seus ultimos anos de vida, viramos amigos muito proximos. Aposentado, passava diariamente em minha sala, para conversar. Altos papos. Herdei alguns dos seus amigos. Todos ja se foram, tambem, mas iam la comigo, tomar um cafezinho. Por questao de temperamento, nunca fui proximo fisicamente dele. Nada de abracos apertados, beijos e que tais. Se comunicava pelos olhos. Nao gostava de teatro. Nao era a dele. Preferia musica ou os filmes de Charles Bronson. Mas ia a todas as minhas estreias. Quando trabalhei fazendo comentarios esportivos, muitas vezes os colegas, ao inves de me chamarem Edyr Augusto, chamavam Edyr Proenca e queriam se desculpar. Desculpa nada, para mim, uma honra. Mas tambem nunca tive medo de seu nome. Nem eu nem meus irmaos. Nao fomos criados assim. Fomos livres, cada qual escolhendo sua direcao, sem pensar ou sofrer com comparacoes. Fomos parceiros de musica e futebol. Fui seu companheiro, calado, no banco da Prc5, nas cabines dos estadios durante muitos anos. Ele me ensinou a ver o jogo. Serve ate hoje. Foi com uma letra minha que ele voltou ao violao, a compor. Tenho musicas ineditas dele, aguardando a oportunidade para lancar em cd. As vesperas de sua morte, cheguei perto e passei a mao em seus cabelos. Nunca havia chegado tao proximo. No dia em que se foi, nao tive tempo de chorar. Precisava cuidar dos preparativos para o enterro. O choro veio algumas semanas depois, quando meu filho contou um sonho que teve com ele. Puxa, como sinto sua falta.
E no entanto, agora sou um pai, na espera de mais um Dia dos Pais. Meus filhos sao adultos, um deles esta casado com uma pessoa fantastica. Meu pai dizia que sabia lidar com cada filho, pois cada um era diferente do outro. Isso mesmo. O amor de um pai para com seus filhos talvez seja o maior possivel. Maior ate do que por pai e mae, se e que podemos medir isso. E dizer que sao adultos! Para nos serao sempre criancas. E procurei ser muito proximo. Beija-los, abraca-los, elogia-los. Os tempos sao outros. Dividimos roupas, discos, livros. Discutimos todos os assuntos. Mas cada um e cada um. Desde os primeiros dias, quando me perguntavam o que desejava que fossem, quando grandes, respondia: que sejam felizes. Penso neles o tempo todo. Agora um vai fazer uma viagem. Dessas que nos, dos anos 70, sonhavamos em fazer e nao fizemos. O menor quer viajar. Mas ja e um homem feito. Claro que vai. Vai em frente. Mas ja disse, nao posso evitar, vai partir meu coracao. Mesmo. De chorar so de pensar. Vem mais um Dia dos Pais. Vamos sair para almocar. Felizmente, por forca de trabalho, estamos quase todos os dias juntos, de modo que o almoco e algo pro forma, embora o facamos com grande prazer. O que quero ganhar? Sempre me perguntam, claro. E eu respondo: Quero o amor de voces.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Sem dizer adeus volta ao Cuíra em agosto

Nunca tive muita simpatia por Magalhães Barata, o famoso militar e político que reinou no Pará durante grande parte do século XX. A implicância, inicialmente, talvez tenha a ver com minha mãe sempre lembrando da perseguição que um tio meu havia sofrido. Ela própria, em performance maravilhosa, conta de um enfrentamento que teria tido com o caudilho, na escola onde lecionava. Ainda hoje é difícil falar sobre Barata sem esbarrar em alguma pessoa, de mais idade, que também tenha algo a contar. Meu tio Líbero Luxardo lhe foi muito próximo, seja na política, secretariando ou como documentarista. Barata não era muito simpático. Baixinho, aborrecido, disparando ordens a torto e a direito, ameaçando, ouvindo, pisando forte, enérgico. Quase todos garantem que foi um homem honesto, mas que não reprimia como devia, atos escusos de companheiros.
E não é impressionante como essas pessoas acabam envolvendo milhares de outras que passam a dar o sangue, entregando suas vidas, passando a transformar seus objetivos em seus! E de ato pensado ou não, esses líderes sabem usar as palavras corretas, engolfando multidões. Não querem saber se seus seguidores serão prejudicado. Nem pensam. Para eles, é natural. Sinto isso em relação a Barata e a muitos outros.
Por outro lado, sou apaixonado por História. Estava lendo os dois tomos da biografia de Joaquim de Magalhães Barata, escrita por Carlos Rocque. Que beleza, pois ao contar a vida de Barata, também descortinou toda nossa história, principalmente até a primeira metade do século. Pessoas, lugares, momentos. Personagens que viraram nome de ruas. Viraram lenda. Parentes. E vem alguém e relembra o livro de Dalila Ohana, “Eu e as últimas 72 horas de Magalhães Barata”. Sabia da existência do livro, do sucesso de seu lançamento, na Livraria Dom Quixote, de Haroldo Maranhão, praticamente esgotando a edição. Mas não o havia lido. Compulsivo, corri ao Google e pesquisei até encontrar uma edição em sebo de Salvador. Foi o início do processo que resultou em “Sem dizer adeus”, que escrevi para Cláudio Barradas e Zê Charone apresentarem no Teatro Cuíra no ano passado e que agora retorna ao mesmo palco, durante os finais de semana de agosto.
Quando o Cuíra chegou na esquina da Primeiro de Março com Riachuelo, o prédio construído em 1905 era uma garagem abandonada. Ao iniciar a limpeza, uma prostituta, dentre as que perambulavam por ali, perguntou o que seria do lugar. Acabou em “Laquê”, o primeiro espetáculo, contando a história da zona do meretrício, ali. História. Em seguida, contamos os 80 anos da Rádio Clube do Pará. Há tanta coisa a revelar! E há Magalhães Barata, como um estandarte daqueles primeiros 50 anos. Barata no poder, traído, indo para longe e retornando, triunfal, recebido por multidão na escadinha do cais do porto e desfilando 15 de Agosto acima. Veio o projeto “Cuíra por Memórias”, apoiado pela Petrobrás e que resultará em uma grande montagem em 2012. Mas antes, movidos pela imperiosa necessidade de contar, de dizer, revelar como chegamos até aqui, veio “Sem dizer adeus”.
Como transpor para teatro o livro de Dalila? Difícil explicar. Dar a fórmula. Pior, fui levado à direção do espetáculo. Como dar um começo, meio e fim? Manter as tensões. Limitar a dois atores em cena. A cabeça de alguém que não costuma dirigir talvez tenha uma liberdade, uma falta de limites que acaba dando certo. Fui assistir aos filmes da época, feitos por meu tio Líbero e o Mendonça. Sim, as imagens. Tudo em p&b, claro. Assim será. Projeções. Personagens dialogando, instigando, traçando a teia de pequenas perversões que acabaram por expulsar Dalila de sua casa, do lado de seu homem. Como resolver questões técnicas. Difícil. E ensaiar? Cláudio Barradas, exemplo de ator disciplinado, correto, audacioso e talentoso, é de outro tempo. Ter o timing certo para responder à projeção. Difícil, bem difícil. E as roupas? As de Barata, após muita consulta, descobrimos guardadas no Museu do Estado, quando deviam estar no Museu Barata, cheio de visitantes. Fotografamos tudo e mandamos fazer. A realidade é outra, atroz. O museu está fechado, com problemas de infiltração que nunca foram resolvidos. O resto, que se esqueça. Se depender de nós, não.
Outro detalhe muito difícil foi evitar citações polêmicas, poupando familiares e até mesmo gente que está viva por aí. Queremos contar uma história, não promover um acerto de contas. Um trabalho de ourivesaria. De todos, o menos poupado talvez seja o arcebispo Dom Alberto Ramos. Barradas, padre, me diz que infelizmente, ele agiu dentro da lei da igreja, na época. No entanto, também podemos dizer que com um pouco de boa vontade, ele teria resolvido o assunto sem o toque perverso de obrigar a dona da casa a sair, por conta de extrema unção em um lar não católico, pois Barata e Dalila não eram casados.
Zê Charone entrou em contato com a família Ohana. Conversou com amigas. Cláudio conviveu com Barata. No início, pareceu incomodado, sem saber como lidar com o personagem e o respeito pela figura. Não o imite. Faça a peça. Rápido, encontrou o tom. Preciso, justo, correto. Faz uma melodia do texto falado excepcional. Aqui e ali sugiro algo, como escuto. Não tem idéia do tamanho do orgulho que sinto em trabalhar com ele. Zê é a melhor atriz de sua geração. Quem é essa mulher Dalila Ohana? Assistimos Vincere, de Belocchio. Indignação pelo desrespeito. Pela maldade. Perversidade que foi vítima. Faltava um devaneio. Está lá, no livro, quando lembra momentos a dois, especulando sobre sua morte. “Pára de falar em morte, homem!”. E como seria seu enterro? E riem, apaixonados. Não se despediram. Ele gritou e gemeu por seu nome, rodeado pela ex-mulher e filhas, mais parceiros políticos interessados até o final em dividendos. Ela, ouvindo na alma, em uma casa, quase em frente, onde morava seu irmão Rubem. Muitos vinham contar. De repente veio a notícia no rádio. Havia morrido. Ainda não. Algum tempo depois meu tio Líbero saiu do quarto e anunciou sua morte. O Pará chorou. Dalila chorou. O Pará perdeu seu grande político. Dalila perdeu seu grande amor. Tudo acabou e ficaram sem dizer adeus.