sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

MEUS SHOWS INESQUECÍVEIS

Momento 68. Este era o título do show promovido pela Rhodia, indústria de tecidos, que veio até o Teatro da Paz, trazendo entre outros, Caetano Veloso e Gilberto Gil em plena Tropicália. Um espetáculo transformador para quem, jovem, tinha contato com aquelas interações. Mas também assisti Caetano cantando no Ginásio do Clube do Remo, acompanhado pelos Baobás. Sentado em um tapete, o baiano, com cara de filósofo hippie, mastigava uma flor. Eu pensava que aquilo era bem moderno, mas o gosto, ruim. Caetano foi o herói da minha geração.
Eu havia entrado na Ufpa e o cartaz anunciava show de Milton Nascimento no Ginásio do campus Guamá. Era um tempo nervoso, com a revolução, política estudantil, essas coisas. Imaginem Milton no auge, acompanhado por Wagner Tiso, Robertinho Silva, Toninho Horta, o Som Imaginário completo. Lotado. Blackout. Há um crescendo instrumental. Ao final, Milton, no escuro, canta “Chegou no porto um canhão”. Arrepiei, tremi, chorei de emoção. Era tudo muito bonito. E depois veio “porque vocês não sabem do lixo ocidental”. Pqp. Inesquecível.
Veio Gal Costa com o show “Índia”. Dominguinhos mostrando sua genialidade e levando o som da sanfona, até então pertencente, digamos, somente ao forró, para os grandes arranjos. Vem a cantora, no ápice de beleza e potencia vocal, senta em um banquinho, toma o violão e fazendo movimentos sensuais, abrindo e fechando as pernas, no ritmo malemolente de “Falsa Baiana”, enlouquece a todos. Usava apenas uma saia estilo indígena. Dezenove, vinte anos, anos 70, aquilo foi demais.
Permitam-me incluir o momento em que Antonio Carlos Maranhão cantou a sua “Nêga”, em um festival de música, dançando com uma boneca de pano. Genial.
Aí vieram os Pixinguinhas no Teatro da Paz. Alceu Valença, que ia na discoteca da Rádio Clube ouvir Ary Lobo. Gonzaguinha também passou alguns dias, tornando-se figura do Bar do Parque. Lembro Alceu cantando, sozinho, voz e violão, com longas botas e roupas rock and roll, seus repentes geniais. Sobre um praticável, batia com os pés e fazia percussão. Foi ele ou Gonzaguinha? Faltou energia. Alguém acendeu uma vela e o show continuou. Havia também Egberto Gismonti. Várias vezes. Sozinho e com banda. Misturava tradições brasileiras com jazz e rock. Uma figura ímpar, mas de difícil acesso.

A primeira vez em que percebi a poeira no ar foi no Recife, áureos tempos da indústria fonográfica, lançamento de um dos discos de Elba Ramalho, ao ar livre. Emocionante. A poeira sobre a multidão, dançando. Isso se repetiu, para mim, em um Preamar, no estacionamento da Mangueirão. Show da Warilou e a plateia ensandecida. A glória. E assistir Roger Water e o famoso solo de guitarra em “Confortably Numb” no Morumbi? Arrepios, tremor, choro. E atrás de mim, tiozinhos queimando fumo e rindo. E chorar, também,  quando Paul McCartney deu os acordes de “All my Loving”, lembrando toda minha infância. E marejar mais uma vez com “and in the end, the love you take, is equal to the love you made”.  Os Rolling Stones em seu show eterno. Eu e meu sobrinho Caio, dançando, dividindo emoções, gritando os versos da música. Tiozinhos e garotada em transe coletivo. Amigos, eu vi.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

A MAIS HONRADA PROFISSÃO DO MUNDO

Professor. Não tenho dúvida. Em países como Finlandia, Coréia do Sul e Espanha, jovens e até 15 anos preferem o magistério à Engenharia, por exemplo. Aqui no Brasil, tudo inverso. Não chega a 2,5% de jovens querendo ser professores. Isso tem de mudar.
Creio que todos nós tivemos professores marcantes em nossa vida estudantil, seja porque não eram tão bons, seja porque nos deixaram ensinamentos importantes. O mano mais velho foi professor de Jornalismo na Ufpa. Eu também. Minha mãe. Após os filhos baterem asas transformou-se em professora de Redação e até hoje a lembram com saudade. Ela tinha o dom. Mais importante, o preparo.
Lembro de professoras no Primário do Suiço Brasileiro. Mercês, exigente, dura. Gabyria, de ótimo humor. Minha inesquecível amiga Beatriz Kup, que me abriu a cabeça para a Língua Inglesa e o coração. No Colégio Nazaré, Irmãos Machado e Afonso, que também pregaram o conhecimento, comportamento, análise e opinião. Alguns inesquecíveis como Edson Berbary, que me fez ler “Menino de Engenho” de José Lins do Rego. Luiz Gonzaga Nogueira, de quem não aprendi quase nada de Química Mineral, mas foi de grande amizade. Manoel Leite em Matemática. Este, vivia em seu próprio mundo, não chegava a ser tão acessível, mas professor por excelência.

Minha vida fazendo rádio também foi como professor. Sempre trabalhando com jovens, em função da programação das emissoras, o ensinamento foi constante. Ensinei na Ufpa por pouco tempo mas até hoje me sinto bem pago quando ex-alunos, hoje profissionais de relevo, me cumprimentam com respeito, alguns ainda me tratando como professor. O que mudou? Nos últimos trinta anos, a Educação e a Cultura se deterioraram completamente. Houve apostas em Universidades e hoje temos doutores que não sabem escrever uma receita. Em comparação com outros países, regredimos em notas escolares. Os professores perderam importância. São agredidos em sala de aula. Diminuídos. Com o salario que ganham, ficam incapazes de comprar livros, assistir aos filmes, aos shows musicais, a se informar. A maioria sequer tem computador. E diariamente, em todo o país, enfrentam somente com sua presença, giz e quadro negro, um mundo inteiramente novo, onde os estudantes estão ligados, todos, em seus celulares. Li um artigo na Folha, de Claudia Costin, que trabalha na área de Educação. Agora que o novo currículo foi lançado, vai ser dada total atenção à base de ensino. Mas para que isso seja implementado, é preciso municiar o professor de armas (no bom sentido) para passar esses conhecimentos. É preciso atualizar o currículo que forma professores. Maiores salários. Salários altos, mesmo. Cursos de atualização para todos. Motivação. Computadores, telões, mergulho nesse mundo novo que é uma janela para o conhecimento e não perder tempo em grupos de zap falando besteira. Os colégios precisam ser cuidados. Ar condicionado porque neste nosso calor, pretender que a garotada fique tranquila, impossível. Conforto. Imaginem escolas que nem carteiras têm. O conhecimento é um mundo maravilhoso. Se for bem mostrado, duvido que haja resistência. É preciso aumentar os horizontes das crianças. Somente assim uma nova geração irá assumir o país na direção de uma sociedade melhor e justa. Foco total na Educação de Base. Foco total no professor.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

CELESTE MAGNO CAMARÃO PROENÇA

Uma vez ela foi até a praça da República porque alguns meninos estavam provocando algum confronto. Foi pisando duro, como se para uma batalha. Pronta para defender a ninhada. Nada sério. Talvez nós fossemos realmente muito fechados em nós mesmos. Não deu em nada, claro. Tivemos uma infância maravilhosa. Na maior parte do tempo, éramos apenas quatro. Mais tarde veio a última irmã. Hoje lembrei de minha mãe, Celeste, 97 anos em junho, mas faleceu em 12 de fevereiro. O apartamento no Edifício Renascença era um mundo. Um reino onde tudo era possível. Tínhamos músicas. Meu irmão mais velho compunha paródias para incomodar os demais, com seus apelidos. Comprávamos revistas de bang bang editadas pela Ebal em uma revistaria que ficava no térreo. O mais velho, sempre ele, começou a desenhar suas próprias HQs. É claro que fomos atrás. Uma cômoda que tenho até hoje fazia as  vezes de carruagem que deveria ser assaltada. Ele era sempre Bill, o mocinho, enquanto que a irmã era Maggie. Eu era Brown, o bandido e o menor, curiosamente, foi chamado de Robin Hood. Não sei a razão. E a vida seguia como em um mundo à parte. Um jornal de circulação incerta aparecia, datilografado, contendo fofocas de cada um. Muitas vezes era rasgado em revolta. Sim, eu era o mais danado. Não tinha tempo para nada. Não conseguia concentrar. A cabeça no mundo da lua. Nas noites de réveillon, ouvia os moleques batendo nos postes de ferro. Do meu quarto, deitado, pela janela, uma sombra se projetava sobre o outro prédio e eu achava que era o ano velho indo embora. Eu e o mais velho aprendemos a jogar futebol de botão. Leitores da Revista do Esporte, tínhamos todos os times do Rio de Janeiro, incluindo Campo Grande, Bonsucesso e até Canto do Rio. Tínhamos nossas regras, o mais velho narrava e eu fazia o ponta de gol. A mãe confeccionava traves e a bola de lã. Agora havia as colegas de minha irmã ensaiando hully gully e depois ensinando a dançar junto. As festas começavam e não podíamos perder. Gozado como o mundo de fora vai entrando, o de dentro ficando guardado no coração e a mãe, a criadora de tudo, fica assistindo baterem asas. Ainda dividíamos muitas coisas. Música, principalmente. O pai voltou a cantar e tocar. A mãe aproveitou e também veio. No Mosqueiro, noites e noites, apenas nós, cantando nossas músicas. Cada um precisava cantar uma. Todos tocavam algum instrumento, menos eu. Então fiz uma letra e meu pai musicou. Voltou a compor. E fomos batendo as asas, gozando deste mundo aqui de fora, interessados em tudo, tudo. Moda, música, teatro, artes plásticas, literatura, comportamento. Hoje, dos cinco, somos quatro jornalistas, cada um em seu estilo. Nunca sentimos o peso do nome Proença, que tem significado nesta cidade. Fomos preparados para voar. Vivemos uma Camelot naquele apartamento. Quando estávamos prontos, viemos para o mundo de fora. Em cada um desses momentos, cada um deles, ela está. Celeste, nossa mãe. Se os pais, ao casarem deixaram a vida artística que tinham, antes, para se dedicar ao lar, ela fez de nós sua troupe, para brincar com os sonhos e ensinar a vida. Estava em todas as nossas manifestações. Já adultos, dúvidas do Português, bastava ligar. Era nosso Google. E tudo, para ela, tinha a exuberância de quem sabe que a vida é o grande espetáculo. Fazia gestos, melodiava as palavras. Ouvíamos embevecidos. Sinto sua falta a todo instante, reclamando sua ausência. Minha mãe, minha tudo, amada apaixonadamente, Celeste Magno Camarão Proença.