quarta-feira, 28 de março de 2012

A Revolução e eu

Eu era uma criança, um bobo na época da revolução militar. Meu irmão Edgar chegou a participar de algumas reuniões, mas começava a ser narrador esportivo e o trabalho tomou todo seu tempo. Lembro um dia em que soldados do exército cercaram o prédio onde hoje ficam clínicas do serviço público, em frente ao meu. O pai ordenou que saíssemos das janelas imediatamente. Haveria comunistas escondidos em algum apartamento. Na minha imaginação fértil, eles deviam ser muito poderosos, perigosos, a necessitar um grupo tão grande de soldados armados, em posição de tiro. É lógico que burlei a vigilância paterna. No final das contas, nada aconteceu, sei lá. Já adolescendo, um bestalhão em aniversário de 15 anos, gabava-se de ter estado na guerrilha, dado tiros, ter enfrentado perigo. Ainda havia resquícios quando encenei “Angelim, o outro lado da Cabanagem”. Fizemos uma sessão à tarde, especialmente para a equipe da Censura. Talvez tenha sido meu momento mais desagradável como autor. Me senti humilhado, agredido e sem poder fazer nada. Meu pai era apolítico. Fui criança pelo maior tempo possível. Adolescente, também. Beber da Cultura não deixava espaço para a Política. Mas fui ler para saber de tudo e no livro “A Revolução Impossível”, de Luiz Mir, famoso jornalista de esquerda, encontrei todas as respostas, contra e a favor, para poder ter uma idéia de tudo o que ocorreu. A partir daí, comprei quase todos os livros que saíram. Recentemente comprei outro exemplar do livro de Mir em um sebo e passei a meu filho. É preciso saber.

Edyr Augusto Proença

segunda-feira, 26 de março de 2012

O fim dos pelos

A espanhola veio participar do BBB. Para trocar de roupa, tirou uma e botou a outra. Normal? Não. Aqui ninguém fica nu em público. Mas como não? As demais moças do programa desfilam com menos de 1 por cento cobertos. Escondem apenas as auréolas dos mamilos, a vagina e o ânus. Qual o mistério que guarda um bico de seio? E o ânus, a não ser que abram as pernas, o mesmo acontecendo com a vagina? Bem, as vaginas, hoje, totalmente depiladas ou apenas com aquele “bigodinho”. Se todas as mulheres têm bicos nos seios, vaginas e ânus, seria correto esconder as diferenças, ou seja, seios enormes, bundas enormes, de maneira a deixar que os homens tentem adivinhar, erotizando a questão. Não. Aqui é diferente.
Sou de outro tempo. A quando de minha iniciação sexual, as mulheres não depilavam o púbis. As europeias não depilavam as axilas. Isso tudo me impressionava. A famosa foto de Claudia Ohana. Nas descrições literárias, lia sobre o cheiro de sexo, o perfume da pele, dos pelos, tudo bem erótico. Além disso tudo, havia a recomendação médica sobre a proteção da temperatura, Ph e outros, a partir dos pelos púbicos. As moças mais modernas, nos anos 70, usavam biquínis pequenos, deixando entrever os pelos, o que era tremendamente excitante. O topless, tão normal na Europa, aqui não pegou. Uma vez, em Copacabana, uma moça foi até agredida. Ora, os homens também tem dois bicos nos peitos e vivem sem camisa. Se os sutiãs cobrem apenas os bicos dos seios, para quê? E os biquínis continuaram diminuindo. De repente, as revistas de mulheres nuas começaram a mostrar nus depilados. Primeiro o bigodinho, depois, tudo. E todas acompanharam. Hoje, chamadas ao debate, fazem cara de nojo em relação aos pelos púbicos. Ignoram até os argumentos da Medicina. O cabelo vai sumir? Da cabeça dos homens, certamente. Mas qual a razão desta aparente assepsia, ao depilar todos os pelos do corpo? De usar apenas os bicos dos seios, mais vagina e ânus malmente tapados? E ao mesmo tempo, nunca houve tanta permissividade entre os jovens.
E a transformação da mulher em boneca? Pior, em criança. A boneca veio aos poucos, com as roupas apertadas, raspando as pernas, axilas, o salto alto e em seguida, a criança, que não tem pelos.
Estou na praia e ao meu lado está uma mulher com presumíveis 35 anos de idade. Antes, seria uma balzaquiana. Hoje, uma moça na flor da idade. Seu biquíni é tão pequeno que posso dizer que está nua. Uma tira de dois centímetros, talvez, cobre o bico de seus seios, fartos, quase 100% expostos. O mesmo com a vagina e ânus. A bunda, enorme, está à vista para o desfrute de todos os olhares. O que queremos cobrir? Encobrir? Será essa a grande conquista da mulher moderna? Levar os homens à loucura mostrando seus corpos malhados em academia, as bundas gigantescas, coxas infladas, seios injetados de silicone a nos desafiar, como em um MMA onde nos darão uma chave de pernas e feito torniquete, amassarão nossos pênis? E tudo limpo, asséptico, puro como uma criança? Onde estão os pelos? Agora são os rapazes que começam a depilar o peito, transformando-se em crianças, também? Está certo que o bom senso até pede para aparar os pelos daqueles mais hirsutos mas raspar tudo?
Abro as revistas das mulheres nuas e lá estão, pernas abertas, posição ginecológica, vagina e ânus depilados, convidando-nos não apenas a espiar, mas como que a penetrá-las desvendá-las, vagina adentro. A mídia não quer apenas devassa-las mas devorá-las pelas entranhas. E todas com aquele sorriso falso e depois dizem que fizeram pelo dinheiro. As moças do BBB ficaram chocadas com a nudez da espanhola, mas quando saírem, posarão nuas por altíssimo cachê.
A periguete é o modelo da vez. Em um aniversário de 15 anos, vejo as mocinhas, lindas, mas todas vestidas de periguetes, aquele vestido justo no corpo, que a cada passo sobe em direção ao pescoço. Sinceramente, não entendo. Como homem, continuo gostando de mulher de qualquer jeito, mas sinceramente, está virando uma loucura.

sexta-feira, 23 de março de 2012

O ego falou mais alto

O pênalti no futebol é assunto até para filmes. O momento em que defrontam-se jogador e goleiro, distantes onze passos, um tendo a bola à frente e o outro defendendo um espaço de sete metros. O que se passa nesse instante? Já houve crimes, choros, decepções, vitórias em Copas. No mínimo campinho de várzea, sem grama, sem público, meio de semana e de expediente, eles estão ali, frente a frente, na cobrança do pênalti. Lembro de meu pai comentando Nelson Rodrigues, dizendo que na mais ínfima pelada existia mais drama do que em toda a obra de Shakespeare.
Pessoalmente, gosto de cobrar pênalti. Gosto daquela adrenalina, o instante, o pré climax. Para alguns, a trave tem sete ou até mais metros. Para outros, o goleiro cresce assustadoramente, vêm o medo da cobrança, a pressão que o ser humano sofre, aí vindo todas as pressões da vida, acumuladas naquele instante aterrador. Ao goleiro, todas as vantagens. Se sofrer o gol, normal. Se defender, herói. Ao batedor, a responsabilidade. Aprendi com meu pai e depois com Zico que pênalti é coisa séria e deve ser cobrado de maneira a não dar qualquer chance ao goleiro. Nada de firula. Um chute seco, forte, no canto e pronto. Se o goleiro não sair antes ou até mesmo se o fizer, não chegará a tempo. Pronto. Mas o ser humano é maravilhoso. O brasileiro, com sua malícia. Primeiro foi Pelé com a paradinha, hoje proibida, inexplicavelmente, em alguns lugares. Outro, chamado Djalminha, inventou um jeito, cheio de malícia, sangue frio, perícia e digamos, um tanto humilhante para o goleiro. Ele corre para a bola, mexendo o corpo, dando a entender que chutará em determinado canto. Com precisão de fração de segundos, seu pé como que espera o goleiro saltar e então, falso displicente, toca de balãozinho na bola, fazendo com que entra mansamente no meio do gol, enquanto o goleiro, desesperado, se arrebenta em outro lugar. Ao longo do tempo, outros jogadores mostraram-se capazes do mesmo estilo. Outros, não. Eu, por exemplo. Uma vez, tentei. Errei. Meu chute saiu certo, no meio do gol, o goleiro jogado em um canto, mas a bola, sem a velocidade correta, tocou nos pés do arqueiro. Perdi. Faltou-me malícia, perícia. Não faço mais. Um dito popular é que "pênalti é tão importante que deveria ser batido pelo presidente do clube". Meu pai contou-me, pelada no Joaquim Craque, e meu tio por afinidade Juracy de Brito, jogando na zaga, ele que se era um ótimo profissional de Anestesia, talentoso poeta e dulcíssima pessoa, no futebol era exatamente o contrário. Bola vai, bola vem, o juiz apita pênalti. Juracy, com a bola sob o braço, contesta. Não foi. Aqui não vai bater. Forma-se a confusão. Entre o respeito a meu tio e o respeito ao homem grande e forte que era, nada se resolve. Como a pelada, na época, acontecia nas dependências do Hospital da Aeronáutica, alguém sugere que chamassem o oficial do dia para "garantir a cobrança". Tio Juracy, imponente, declara: Este, nem o Alacid bate!
Todo esse nariz de cera para comentar a cobrança do jogador do Treze da Paraíba, contra o Botafogo, decidindo quem passaria à outra etapa da Copa do Brasil. Apesar da presumida diferença técnica, o jogo acabou empatado. Começam as disputas de pênalti. Entre erros e acertos, a última cobrança. Veio o jogador do Treze, um carioca desses que rodam pelo mundo inteiro, de clube em clube, procurando uma chance. Se convertesse, haveria outra série. Estavam em jogo a glória de vencer o Botafogo em pleno Engenhão, muito dinheiro para um clube da Paraíba, passando à outra etapa, a alegria da torcida de um Estado inteiro. No gol, Jefferson, goleiro reserva da seleção brasileira. O que você faria? Não, fechar os olhos e dar um bico não funciona. O que funciona é ser sério e preciso. Um chute forte, no canto, rasteiro e correr para o abraço. Mas vem o ego e joga tudo fora. Vem o jogador e joga fora a glória, o dinheiro, a alegria da torcida. O ego de um jogador que deve se considerar injustiçado na vida, que ao invés do coletivo, busca o brilho próprio, não apenas vencendo mas humilhando o goleiro da seleção, para sair correndo, mostrando sua própria camisa, consca, pedindo justiça para uma carreira inteira. Ele corre para a bola, desloca Jefferson que se joga em um canto e dá aquele totózinho de Djalminha, mas de maneira tão incompetente, tão infeliz, tão imprecisa, que ao invés de ir no meio do gol ou no canto inteiro que ficou vazio, vai lentamente na direção do goleiro que com uma das mãos a domina e sai correndo para, idiotamente também, xingar o bobalhão. Depois do jogo seus companheiros o desprezaram. O goleiro, chorando, que havia defendido alguns pênaltis. O presidente nem o deixou embarcar de volta à Paraíba. Coisas do futebol? Não. O ser humano, maravilhoso, insurgindo-se contra tudo e todos, mais do que tudo, o perdedor que mais uma vez, como sempre, quando tem tudo para ganhar, perde e fica dizendo que o azar o persegue. Enfim, é o homem e sua circunstância. Sempre.

Peter Pans

Quando completei 40 anos, estava um tanto melancólico, quando meu pai veio, me parabenizou e me ouviu lamentar que havia entrado na “casa dos enta”, de onde não mais sairia, enfim, que estava ficando velho. Ele sorriu e fez um comentário que nunca esqueci: “quando tinha 40 anos, eu era tão novo”. Dez anos depois, escrevi uma crônica que iniciava comentando um ato que todos nós geralmente fazemos depois de acordar: ficar em frente a um espelho. Nós, homens, para fazer a barba. Bem, a maioria. Naquele dia, ao contrário de passar o barbeador quase mecanicamente, nos pontos cardeais do rosto, decidi me encarar. Percebi as rugas, os músculos flácidos, algumas cicatrizes, pelos brancos nas sobrancelhas e assustados, dois olhos daquele que vive dentro do meu corpo, querendo negar o que viam. Como fazer 50 anos se este ser que me habita acredita não ter mais do que 25, às vezes 12, dependendo, vá lá, 18.. Como fazer? O tempo passou e recentemente subi mais um degrau na direção dos 60 anos. O susto é o mesmo. Teimo em não me reconhecer. Não estou só neste barco. É toda uma geração. Todos nós que nascemos ali na década de 50 e invadimos os anos 60, com a revolução de costumes, anos 70 de paz & amor, entramos no ano 2000 e agora, nos recusamos a ser tratados como anciãos. E as mulheres? Elas queimaram sutiãs e hoje disputam com as filhas as minissaias, biquínis e roupas de academia, botoxes, silicones, para seguir na liça. O mercado consumidor agradece. Acabaram as divisões entre jovens e adultos. Somos todos jovens e não se fala mais nisso. Isso gerou alguns conflitos, mas na ânsia de parecer uns caras bacanas, temos de ouvir algumas sandices. Os garotos ouvem em duas horas a obra inteira de um Grateful Dead e vêm discutir conosco, como profundos conhecedores. Assistem aos tapes de Zico e vêm achar que Messi é melhor. No reflexo seguramos aquele grito de indignação que sobe pela garganta. Comentar que comprou desde o primeiro disco de Hendrix ou que assistiu sete vezes seguidas, no Olímpia, o filme Woodstock, pode causar má impressão. Pô, tio, tu é véio mermo, hein? Os filhos, ao contrário de nós que fugimos de casa bem cedo para enfrentar a vida, experimentar de tudo, principalmente a liberdade, agora não querem deixar o conforto, água, comida, luz, telefone, internet, canais a cabo, seu próprio quarto onde dormem com a namorada. E fazem todos parte de uma grande turma que cada vez mais se entende, uma emprestando à outra o que tem de melhor. O problema é o que acontecerá daqui para a frente. Até quando seremos jovens? A Medicina, que já alongou bastante a média de vida, alongará ainda mais? Será que com 80 anos continuarei a gostar de rock and roll, ou o que de novo estiver tocando? Me vestindo como hoje, jogando meu futebol, vivendo como hoje? Aos 80, malhando, jogando, consumindo. E a aparência? Ficarei ridículo? E sem abrir espaço para as novas gerações, pois nos recusamos a envelhecer. Haverá lugar para todos? E o consumo? Imagino, em julho, como será ir a Salinas ou Mosqueiro. Melhor acampar nas praias, pois se é difícil ir, pior ainda é retornar. E como Prefeitura e Governo do Estado, como de hábito, vivem brigando em detrimento de seus representados, imagino como ficarão Almirante Barroso e a Augusto Montenegro nos horários de pique. E nos aposentaremos, claro, mas continuaremos trabalhando. Porque me retirar se estou vivendo plenamente, trabalhando, produzindo? Hoje o difícil é parar, sair do circo, botar um pijama, ficar em casa, longe do burburinho do mundo. Do ruído. É tanta coisa acontecendo! Vai ser preciso arranjar emprego para todos. A cada dia, uma enxurrada de jovens se forma em várias especialidades. Nossa geração formou péssimos políticos. Tomara que essa garotada faça melhor. E quem nos dará de comer? De beber? Vai ser bem difícil pedir pra parar, parou. Quando, enfim, desistiremos? Quando será o momento de cair fora, descoberta a cura do câncer, o grande vilão. Quando? Bem, quem sabe, neste momento, qualquer que seja, façamos uma grande festa e no convívio da família, dos amigos, ouvindo as músicas preferidas, os filmes, livros, beijamos os queridos e acionamos um “power off” e saímos em grande estilo. É o mundo dos Peter Pans, onde ninguém envelhecerá!

terça-feira, 13 de março de 2012

Eles odeiam o futebol

A renúncia de Ricardo Teixeira está em todos os jornais. A Folha noticia que ele teve medo de ter o passaporte apreendido e deixou o cargo correndo. Viajou para Miami, fugiu feito um criminoso, o homem poderoso que reinou por mais de vinte anos, dirigindo o órgão máximo de um esporte que é a paixão nacional. Filho da puta. Os ingleses pegaram o cara. Estão atrás de Blatter. Desde que a Fifa negou a Copa na Inglaterra por motivos aparentemente sórdidos, a coisa começou. Investigação. Lupa nos negócios milionários. A única pergunta que faço, quando leio notícias sobre Ricardo Teixeira, João Havelange, Eurico Miranda e vários outros nomes, incluindo, claro, os dirigentes do Pará é: eles gostam de futebol? Amam o esporte? Jogam ou jogaram? A resposta é não, começando pelo grande mentor de tudo, João Havelange. Meu pai o adorava, enganado por palavras bonitas, postura de gentleman e elegância. Quando o velhinho Stanley Rous deixou a Fifa, o futebol demonstrava crescer muito. A televisão o levava para o mundo. Havelange pensou: o método que inventei aqui, que faz com que os pequenos tenham o mesmo peso dos grandes, aparentemente democrático, faz com que os presidentes das federações se perpetuem nos cargos e mais ainda, votem em mim que lhes dei dinheiro, levei para Copas, hospedei em hotéis faraônicos, arrumei mulheres. Que tal usar tudo isso na Fifa? Sim, foi uma época em que se dizia, com razão, que a Fifa tinha mais membros do que a ONU. E claro, a Tasmânia, feliz em receber professores de futebol, bolas, uniforme, participar de reuniões com tudo pago e outros mimos, votava em Havelange que lá se perpetuou. Mas, antes de sair do Brasil, Havelange decidiu deixar um herdeiro: Ricardo Teixeira, garoto do Rio de Janeiro que se criou no turfe, nas apostas no Jóquei Club, casou com a filha do Soccer Boss. Bastou manter tudo onde estava. No meio do caminho, houve um golpe e Havelange rompeu relações. Voltou mais tarde, por conta dos netos e, principalmente, da neta Joana, que agora já está no comitê da Copa. Sim, Ricardo sairia e deixaria para Joana. O poder de volta. E dinheiro, muito dinheiro. Para não ter preocupações, Ricardo vendeu jogos da seleção para uma empresa européia. Assim, a equipe passou a jogar pelo mundo, enfrentando quem pagasse o preço. Futebol brasileiro? Calendário? Leis? Balela. Money. E eu pergunto novamente: Ricardo Teixeira gosta de futebol? Alguém já o surpreendeu num bate bola, sábado de tarde qualquer? Em um campo de futebol, sem estar oficialmente? Ele continua gostando de cavalos. Se entendem que é uma maravilha. O que vai acontecer agora? Nada. Todos os presidentes das federações pensam da mesma maneira. Elegem-se e reelegem-se usando os mesmos métodos. Quando estava na ativa, como comentarista esportivo, fiz muitas críticas ao sr. Nunes, há longos anos na presidência da FPF, embora seja conselheiro do Paysandu, o que não aprovo. Meu pai foi locutor e comentarista, apesar de conselheiro do Clube do Remo, mas era uma outra época. Quando chegou minha vez, abdiquei do título que tinha, em nome da postura que acho necessária. Sei que hoje, em uma narração, há um fio tênue entre o entretenimento e o jornalismo, mas acredito que principalmente o comentarista, aquele que dá sua opinião, deve haver a famosa presunção de imparcialidade. Não, eles não gostam do futebol. Odeiam. Mas perceberam um filão sensacional para ter poder e dinheiro. São entidades particulares, não públicas. Vivem segundo seus regulamentos e pronto. E no entanto, influem no ânimo de milhões de brasileiros. Na Europa também existem bandidos, mas há um controle melhor e um calendário que tenta ao menos ser mais organizado. Não haverá mudanças. Não acredito em ninguém. Há muitos interesses envolvidos. É uma pena. Eles odeiam o futebol.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Crônica encontrada no fundo do baú

PENSANDO ALTO
Escrevo, como se diz, pensando alto, ou seja, pensando e escrevendo, sem me deter em nenhuma questão. “Livre pensar é só pensar”, segundo Millor Fernandes, gênio brasileiro. Mick Jagger está percorrendo a passarela sobre a praia de Copacabana, assistido por milhões, lá e pela tv. O quadro tem luz forte sobre a figura pequena, mas articulada, corpo em movimento, músculos no lugar, pairando sobre cabeças e braços que vibram intensamente. É adorado. Todas as atenções estão sobre si. Todas as energias. E ele, aos sessenta e tantos, responde na mesma medida, injetando energia, através da música, do corpo, da voz. E no entanto, se entregasse o microfone a qualquer um, o mais alegre, quem sabe, muito provavelmente, este um não saberia dizer duas ou três palavras do hit. Do hit. Sim, porque, para a maior parte da população brasileira, algo cantado em outra língua, inglês, por exemplo, significa o mesmo que um sopro de saxofone, por exemplo. No fundo, amam a música instrumental. Ou entendem através da sensibilidade, do corpo, da voz, do som, o que Jagger quer dizer. Penso em como Mick ajudou a acabar com o mito da velhice, que a partir dos quarenta anos tornava todos os homens pessoas sérias, mais velhas. Penso também na perenidade de sua música. Hoje, isso não é mais possível. Canta “Satisfaction”, coisa de, talvez, pouco mais de quarenta anos atrás. Rapazolas, nos Estados Unidos. Keith experimenta, antes de dormir, um pedal na guitarra. Dorme, sonha, acorda e mostra para Mick. Está pronto o sucesso de todo esse tempo. E eles ainda não estão satisfeitos. Qual o segredo da banda? Algum pacto com o senhor do tempo?
Algumas vezes, tentaram acompanhar outras correntes. Quando a banda surgiu, imitava o blues dos negros que gravavam na Chess. Um dia, o empresário trancou Jagger e Richards em uma sala. Saíram quando compuseram alguma coisa. Não era possível que Lennon e McCartney já ganhassem dinheiro com isso e eles, nada. Havia Brian Jones. Ele queria sofisticar. Acompanhar Sargent Pepper’s. Quando se foi, veio um garoto bonito, excelente guitarrista de blues, embora branco, louro, olhos azuis. Até aí, Keith era guitarra ritmo. Só. Taylor foi embora. Chamaram Ron Wood, do Faces. Amigo farrista. Liberou Keith, que no entanto sola usando acordes. Estilo. E cristalizou. O estilo é esse. A partir do riff. Keith manda nessa área. Jagger ajuda na melodia e faz as letras. E vamos que vamos. No tempo da discotheque, tentaram algo mais dançante. Aqui e ali, deu certo. Voltaram atrás. Mick e Keith são donos do nome. Creio que nem Charlie Watts manda. É contratado. Bill Wyman, o “cara de pedra”, também desistiu. Contrataram Doug Wimbish, o negão do baixo. Os Stones recusam-se a fazer parte do circuito da velha guarda. Caem na estrada, mas antes lançam um cd. Mesmo que nenhuma das faixas chame atenção, tecnicamente eles excursionam para mostrar a novidade. E eu penso, novamente, guitarra e voz. Eles são diferentes. Os acordes de Keith são básicos, mas são marca registrada. A voz de Mick, potente e a imensa boca. A língua, criada por Andy Warhol. Mesmo assim. Os discos dos Rolling Stones são bons, mas já não causam tanta comoção. Qual o segredo, diante de tantos concorrentes, tantos jovens, tantas novidades, todos os dias, no mercado? Está bem, temos guitarra e voz, mas temos também uma cozinha potente, Charlie Watts e Doug. O veterano baterista, 64 anos tem um estilo maravilhoso, técnico, jazzista, básico, sem firulas. Serve ao grupo. Lá está Mick, pela passarela, sarado, barriga tanquinho e olho para o palco onde vejo dois ratos molhados, Ron e Keith. Magricelos, flácidos, Ron tentando mais uma vez escapar do alcoolismo e drogas, Keith já fora, mas para o resto da vida com as marcas da heroína. Quer dizer que esses dois ratos molhados reúnem esses milhões? Que força tem essa música, onde a maior parte nem entende a letra? Foi o chamado da Tv? Quem, lá atrás, mesmo com o auxilio dos telões, pode dizer que chegou próximo de Mick? E olha que o palco percorreu alguns metros, em trilho. Foi a muvuca? Ainda há outros aspectos a discutir. Mas já passo para o estádio Morumbi, São Paulo, onde quatro irlandeses reúnem mais de 70 mil pessoas, pagantes, para assistir o mesmo show que está nas locadoras, em DVD, divulgando o cd “How to dismantle an atomic bomb”. Super produção. Toneladas de equipamentos. Mais de cem caminhões. Cenário hitech. Nos telões, mensagens de paz, linguagem de hq, simbologia, muita velô. Eles pensam muito antes de cair na estrada. Quando vão, pisam sempre no mesmo palco, onde quer que estejam, no mundo. Tudo bem ensaiado, orquestrado, nada fora do lugar. E no entanto é rock. Ao contrário dos Stones, vinte aos mais jovens, surgidos nos anos 80, os irlandeses usaram o rock não como rebeldia, mas como veículo do catolicismo e com o tempo, da liberdade, justiça. As letras são sempre messiânicas. Bono também é baixinho, mas não tem os músculos de Jagger. Veste-se de maneira bem coberta, protegida, negro, jaqueta, óculos, enquanto o stone mostra o tanquinho o tempo todo. Um quer seduzir sexualmente, como o Peter Pan que sempre será jovem, olhar desafiador, andar altaneiro, rebolando, chamando “venha, venha ser jovem também”. O outro é o pastor, pensa nos pobres, na dívida do Terceiro Mundo, no amor incondicional. E chama uma moça para dividir as atenções. Sempre. Jagger, não. Bono foi visitar Lula. Jagger foi visitar a escola do filho que fez em uma brasileira. Bono é católico. Jagger compôs, no Brasil, o “samba “Symphathic for the Devil”. Mas tal como os Stones concentram tudo na guitarra de Keith, letras e vocais de Mick, o U2 concentra tudo na guitarra de The Edge, letras e vocais de Bono. The Edge é básico. Seus solos são simples e cheios de energia. Mas ninguém o chamaria em um concurso de guitarristas velozes e espetaculosos. The Edge é técnico. O U2 flertou com a música eletrônica. Os Stones, com a discotheque. Todos voltaram ao básico. Mas ao contrário do Stones, que fazem um som propositalmente tosco, cru, rhythm & blues, rock and roll, embora nos melhores estúdios do mundo, o U2 constrói suas músicas como uma cebola. Está nas bancas de revistas um DVD que mostra a gravação do histórico “The Joshua Tree”, álbum emblemático de sua carreira. Quando mostrada, em vários canais, a guitarra de The Edge é maravilhosa em seu trabalho de somatória, adicionando som por som, enriquecendo o todo com harmonias, enchendo os canais. E há, novamente, uma cozinha poderosa, baixo e bateria, Larry e Adam, ou o contrário, não sei. E há uma criança no palco. É durante “Miss Sarajevo”. Bono tenta fazer o garoto cantar. Mas é impossível. Ele não tem idéia do que está sendo dito. Para ele, para a maioria, Bono cantando é como um solo de sax. Não falam inglês. E fico pensando, mais uma vez, no segredo do sucesso, afinal, era um show pago, ao contrário do Rio de Janeiro. Sei que grandes nomes há muito não vinham aqui e agora chegam, aproveitando a queda do dólar. Acabam de me contar que no show dos Stones, em Buenos Aires, houve confronto com a polícia, gente ferida, mortes. Enquanto isso, percentualmente, o show em Copacabana foi absolutamente pacífico. Difícil. Dois milhões? De graça? Bebendo todas? No Rio, que vive uma guerra civil? Ou os brasileiros gostam tanto dos Rolling Stones que resolveram fazer uma trégua? Mas é fato. Percentualmente foi um passeio. Fico pensando se não é mais uma vez a alma de viralata dos brasileiros, desejando ardentemente ser aceitos no mundo. Comportamo-nos como uns bobocas, diante de gringos. Tudo o que queremos ouvir é que nos amam, nossa terra é linda, somos amigos e eles nos admiram. Pense bem. É isso. O show está sendo transmitido para outros países. Não podemos vacilar. E se Mick Jagger nos der uma esculhambação? A bela e idiota Luciana Gimenez não disse que os brasileiros deviam vibrar por Mick ter escolhido uma compatriota para ter filho? Não queremos que nada prejudique a transmissão, a gravação de DVD, de tal forma que possam dizer de nós “Brasil realiza o melhor e maior show do mundo”. Que fofos, que somos. Penso também que dificilmente outras bandas reunirão tanta gente para assistir, com dólar baixo ou o que for. O Oásis está vindo e vai tocar em casa menor. Talvez Paul McCartney. Elton John. Madonna, quem sabe. Os últimos moicanos. É que hoje há muita oferta. Diminui a perenidade. Antes, ouvíamos os discos durante semanas, degustando, decorando. Hoje, quantas vezes ouvimos o cd que compramos? Já há outro. Já há outro. Já há outro. Stones, U2 e Oásis. Curiosamente, britânicos. No mundo dos iPods, não há espaço para perenidade. A briga é grande. Bono pede e todos ligam seus celulares, iluminando o estádio. O que isso representa? Exibicionismo, tecnologia, globalismo, comunicação moderna, cerimônia da tribo, como se ao invés de celulares fossem tochas, diante do totem. Passo o show inteiro ao lado de um desconhecido. Ambos temos celulares. Não nos falamos pessoalmente. Mas estamos sempre ao celular. Somos da mesma tribo. Mandando sms. Torpedos. Fotos. Eu estou aqui, viu? Levantem os celulares, seus troféus de individualidade. Estamos em grupo, setenta mil, unidos pela música, mas não trocamos palavra com quem está ao lado. E com tanta gente indo assistir Stones e U2, penso que mais do que nunca, rock é situação. Antigamente, gostar de rock era rebeldia. O rock era um comportamento marginal, contra o mundo. Hoje, é o pai que compra a guitarra e dá para o filho. Claro, é uma forma de dizer. Continuamos sem dinheiro para comprar uma guitarra decente. Enquanto grupos de pagode, axé e calypso faturam, todas as campanhas publicitárias, todas, destinadas a jovens ou com espírito de jovialidade, atualidade, festa, usam o rock. A energia do rock. Moda, refrigerantes, tecnologia, cigarros, carros. Digo isso porque o rock não toca no rádio nem na tv. Há grupos iniciando carreira, em todo o Brasil, na linha independente, alternativa. E velhos, da década de 80, ainda em atividade, aqui e ali obtendo um brilhareco. Mas tocando na mídia, não. O jovem brasileiro quer festa. Não quer pensar. Não quer gostar desta ou daquela banda por esta ou aquela razão. Ele acha que música é apenas um veículo para se divertir, beber, pular, beijar, e depois ir para casa dormir. Não fica nada, depois do show. A música é qualquer coisa. E o rock pede atenção, pede cultura, educação, reflexão, entendimento das letras, do som, comportamento, discussão, debate, escolha. Qual a razão? A bomba Z. Há muitos anos atrás, o cearense Ednardo escreveu uma música sobre a bomba Z, que seria essa “massa atônita”. Isso. Direto. Tem muito tempo. Vinte, trinta anos. Nossa democracia é recente. No momento, há espaço somente para criminosos, ladrões, espertalhões, com raras exceções. Os bons, nesses instantes, se afastam. Vai passar, mas vivemos um momento punk. Não há investimento em Cultura, nem Educação. Não passa, pela mente dessas criaturas, sua importância vital para a vida das pessoas, para a construção de um país. Assim, o que temos é uma massa atônita. Que não sabe falar, escrever, pensar, ler. Que não tem opinião. Há pouco, a paraense Thaís esteve no BBB. Psicóloga, já trabalhando. Foi péssimo ver alguém tão despreparado para a vida. O resultado é esse. Pagode, axé, calypso. Nada contra os gêneros, mas tudo contra seus representantes, no momento. As músicas são horrorosas de letra, melodia e performance. São o grito da massa atônita. Outro dia conversamos mais sobre isso. O rock pode não ser brasileiro, mas sua força ultrapassou as fronteiras. Tanto que Copacabana e Morumbi lotaram. Não acho que o que é dos outros é melhor. Mas vivemos a globalização. É preciso misturar o que rola lá fora, com o que temos aqui dentro. Mas se não temos força em Cultura e Educação, ao invés de trocar, somos invadidos. E ouvimos Mick e Bono como se fosse um saxofone, porque não entendemos xongas. E os saudamos como caciques de algo que não entendemos. Queremos fazer parte de outra tribo, mais importante, no mundo. Queremos ser aceitos. Somos Brasil, Terceiro Mundo, capital Buenos Aires, mas temos carnaval e somos legais. Gostem de nós! Enfim. Chega, por hoje.