sexta-feira, 24 de abril de 2015

AS PEDRAS AINDA ROLAM?

Acabei de ler que os Rolling Stones planejam uma nova turnê mundial. O que moverá esses milionários a correr pelas maiores cidades, batendo recordes de bilheteria, de certa forma humilhando concorrentes bem mais jovens como U2 e Pearl Jam, por exemplo? Penso que muito mais que o dinheiro é a adrenalina, a paixão dos fãs, a fama, todo o glamour que cerca a banda. O que fazem esses caras quando não estão nos palcos? Ficam em suas mansões assistindo séries de tv, jogos de futebol? Cuidam dos netos, vão buscar no colégio? Eles têm mais de 70 anos, sendo que o baterista, Charlie Watts, beira os 80! E não se acomodam? Lembro do show que fizeram na praia de Copacabana, Rio de Janeiro, alguns anos atrás. O perfeito timing, tudo bem ensaiado, com Mick Jagger e sua demonstração de forma física, Keith Richards sendo o maior símbolo do roqueiro, Ron Wood na farra e Watts, tranquilo, na bateria. Uma lição de showbizz. Estou lendo mais uma biografia da banda, esta escrita por Christopher Sandford, que também já biografou alguns dos integrantes. Não há nada de novo, mas para mim, que acompanho a carreira do conjunto desde seu início, a oportunidade de rever minha própria história, lembrar do que significou cada hit e principalmente, perceber o nada de informações que tínhamos, à época, deduzindo tudo a partir de notinhas aqui e ali. Seu empresário, Andrew Loog Oldham teve uma brilhante sacada e tratou de fazê-los a antítese dos Beatles. Soltou a frase “nenhuma mãe quer ver a filha casada com um Rolling Stone”. Contra os terninhos, cabelos penteados e letras apaixonadas, os Stones tinham má catadura e estavam sempre nas páginas policiais por conta de batida por drogas. Brian, Mick e Keith chegaram a ser presos. Poucos sabiam que John, Paul e George também pintavam o sete, mas não davam bobeira. Os Stones procuraram muito por seu som. Começaram imitando bluesmen americanos. Foram aos EUA e na porta do lendário Chess Studios, toparam com Muddy Waters, de macacão, pintando uma parede. O livro mostra Brian Jones da pior maneira. No início ele era o líder, mas a espiral de drogas em que se meteu acabou com sua liderança e vida. A banda ainda não sabia onde ia quando gravou “Beggar’s Banquet” e “Satanic Majesties Request”. Mesmo assim, Brian colaborava com instrumentos diferentes e Keith começava a desenvolver seus riffs. Foi Stu, o famoso stone que por ser feio foi escondido de todos que achou o riff de “Honky Tonky Women”. Mas foi Keith que acordou com os acordes de “Satisfaction”. Mick Taylor foi o melhor guitarrista que passou por lá e redesenhou o blues que tocavam. Mas Ron Wood casou melhor, satisfazendo-se em apoiar Keith e fazer a farra. Foi nessa transição que surgiu “Brown Sugar” e o real som dos Rolling Stones. Daí em diante, Keith assumiu as melodias e as letras ficaram com Mick. Eles enfrentaram a discotheque e conseguiram até hits nas pistas com “Miss You”, por exemplo. Bill Wyman, que com aquela “cara de pedra” toda era quem batia recordes de groupies nas turnês decidiu sair. É dono de um restaurante em Londres. Já estive lá. Anuncia um disco, no momento. A banda segue. Antes, Mick e Keith se reuniam em um hotel e faziam músicas novas. Lançavam disco e corriam para a estrada. Mas quem quer ouvir músicas novas dos Stones? Toquem as antigas. Os tiozinhos e jovens querem ouvir. O disco acabou. A banda continua. Vem aí nova turnê. As pedras ainda rolam.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

BÁRBARA, BELA, TELA DE TV

A imagem transmitida para os mais diferentes receptores, a realidade transportada, a imagem inventada, chegando até nós, se apresentando e se impondo, ficando gravada em nossas mentes, não diminuindo a capacidade de imaginação, ao contrário, aumentando, até colaborando, de alguma maneira armazenando inclusive quem não tem acesso à alfabetização, aos fatos culturais. Quem será o dono das imagens? A quem interessa transmitir esta ou aquela imagem, manipulada ou não? Influir na opinião pública. Imagens editadas como no Big Brother. Criando mocinhos e vilões. Londres é talvez a cidade mais vigiada do mundo. Todos são filmados nas ruas, recintos fechados, públicos, quem sabe, também em privados. Razões de segurança. Em Belém, políticos eleitos usam as imagens para mostrar que estão trabalhando bem, embora todos os moradores discordem. As imagens estão em todos os lugares, nos carros, nos iPads, iPhones, monitores nos banheiros. A autoridade, diante de seus pares, cercada por microfones respira fundo a cada pergunta agressiva feita sobre sua corrupção e responde tranquila que é tudo mentira. Que é inocente. A imagem mente? É possível sobreviver em Brasília sem se envolver com irregularidades? O que assistimos é a realidade? Ou é uma dança, coreografada diariamente, para nosso deleite, ou deles?
Será que ainda importamos alguma coisa? Quem lê jornais? Quem lê análises políticas? Quem lê tanta notícia? Possíveis líderes demonstram ser mestres na dissimulação frente às câmeras. Ninguém sabe, ninguém viu, mas vai mandar apurar rigorosamente.

Há como que realidades superpostas. Diariamente, no Jornal Nacional, há cobertura da ação policial na Favela do Alemão, Rio de Janeiro. Soldados camuflados, com armas pesadas e postura de guerra, escondem-se nos becos, apontando, procurando inimigos. Como nos filmes. Na mesma cena, despreocupados, moradores, homens, mulheres e crianças passam pra lá e pra cá, na sua azáfama diária. Lojas, casas, ambulantes, mais soldados. Como realidades superpostas. Como se filmados separadamente e depois sincronizados. A guerra de uns e outros, diferente da outra guerra, a da sobrevivência, à margem, criando outra sociedade, sem controle, a sociedade do descontrole, onde o lema é sobreviver. E nessa sociedade tudo é pirata, como uma sociedade cover, sociedade falsa, com outro padrão. É pirata porque não tem dinheiro para ser a verdadeira. Porque, ao contrário de morrer, desaparecer, luta para continuar viva e se reinventar a partir do instinto de sobrevivência. Não há Cultura ou Educação como conhecemos. Uma nova escala de valores é criada. A vida e a morte na tv. A sociedade espetáculo tem fome. A quem vamos devorar nesta semana? A nós não basta desnudar as pessoas em seus 15 minutos de fama, naquilo que representa sua vida, sua ação profissional ou particular. Queremos tirar-lhe a roupa, escanear poro por poro de seu corpo. Queremos ver sua vagina, seu ânus, saber se é depilada, se as fotos precisaram de Photoshop, se os seios têm silicone. Primeiro devoramos seu intelecto, procurando erros em suas respostas. Agora devoraremos seu corpo, em punhetas, inclusive virtuais e após o gozo, pediremos mais. Quem será a próxima vítima. Temos fome. Está tudo na bárbara, bela, tela de tv.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

ESCAPAR DE BELÉM?

“Belém minha terra, minha casa, meu chão”, escreveu Adalcinda e serve para mim. Ao longo da vida tive chances de partir, mas por diversos motivos, fiquei. Todo meu trabalho na Literatura e Teatro fala desta cidade. Estou chegando de uma viagem internacional motivada pelo lançamento de três livros traduzidos para o francês, a partir de “Os Éguas”, meu primeiro romance, que lá, por falta de melhor tradução para o título, saiu como “Belém”. E lá está a “Cidade Morena”, de Edgar Proença, descrita e sendo personagem.

Minha amiga Rejane Barros escreveu em sua famosa coluna que a incomoda quem chega de viagem e passa a comparar Belém com as cidades visitadas. Mas Cora Rónai, em O Globo, também viajou e na volta, escreveu “Basta sair um dia para perceber como nossa vida está deteriorada”. Sim, o contraste é cada vez mais brutal. Voltei encantado com Lyon. Além de trabalhar muito no Festival que me levou até lá, tive um dia de folga para passear e conhecer seus lugares, um anfiteatro romano, construções, museus, igrejas, dois rios que a cortam e um lado totalmente moderno, com belos edifícios. Tudo parece estar pronto e no entanto, aqui e ali, há pequenos reparos sendo feitos. A cidade recebe uma torrente de atividades culturais e esportivas. Não é o paraíso, mas talvez, um sonho feliz de cidade. O Quais de Polar, festival do qual participei, trouxe mais de trinta autores do mundo todo, especializados em Literatura Policial. Grandes mesas de debates em diversos locais, desde uma igreja em reforma, transformada em auditório, até a casa das leis, um verdadeiro palácio com maravilhas para onde se olhava. No anfiteatro romano, nos próximos dias, com a chegada da primavera, shows com alguns dos maiores artistas do mundo estão marcados. Avenidas largas, asfalto e meio fio perfeitos, ônibus silenciosos e em velocidade tranquila, combinando com ônibus elétricos. Nas ruas, as pessoas não parecem ter essa pressa louca que temos aqui, muito menos estão apavoradas, vendo em cada transeunte um assaltante. Incrível, para mim, os postos de bancos 24 horas são ao ar livre, sem qualquer proteção. Viajei no metrô de Lyon, tranquilo, mesmo em horários de pico. Muitos, crianças, adultos e idosos, trafegando de patinete! Isso, patinete! Muitos outros, bicicletas. Fui a uma festa promovida pela minha editora francesa de livros de bolso, Points, em um pequeno navio, ancorado junto a vários outros. Foi transformado em uma casa noturna, com pista de danças e tudo. Eles dizem que é para poderem fazer barulho e não incomodar os que preferem o silêncio. No festival, veio um rapaz, brasileiro. Mora há dez anos em Lyon. Não pretende voltar. Aqui há qualidade de vida. Mesmo as pessoas mais pobres, que moram, digamos, na periferia, moram confortavelmente. Logo na chegada a Belém, o choque das casas próximas ao aeroporto. As buzinas. O trânsito feroz. O risco do crime rondando. A vontade de escapar. Para quem faz Cultura, hoje, não há porvir. Não há saída. Não há como sobreviver, dar de comer à família. Como deixamos nossa Belém ficar assim? Zenaldo diz ser contra o aumento para 2% do orçamento para a Cultura. Parece piada. E é. Há certos momentos em que eu também penso em escapar. Será muito tarde para mim? Lyon é uma possibilidade..

sexta-feira, 3 de abril de 2015

OS ABUTRES DA NOTÍCIA

Quando era mais jovem, ouvia nas emissoras AM o noticiário policial feito com grande estardalhaço. Havia os Comandos da Notícia, de Randolpho Coelho, na Rádio Clube e a Patrulha da Cidade, de Paulo Ronaldo, na Marajoara. Desde o prefixo, havia adrenalina no ar. Os locutores trabalhavam a melodia da voz contando os acontecimentos do dia, entrevistando policiais e meliantes. Eram heróis da sociedade e creio que na população de baixa renda, que lhes dava maciça audiência. O tempo passou e as emissoras de televisão, com a chegada de equipamento mais leve e mais técnico, através de programas populares, começaram a trazer a realidade para as telas. Vieram os repórteres mostrando cenas escabrosas, corpos em pedaços, meliantes agonizando, tiroteios, um clima antes visto apenas nos filmes de ação. Com o sucesso, desses programas, o material gravado passou a ser utilizado, também, em noticiários, ganhando em audiência da notícia em outros campos. Lentamente, todos os concorrentes, inclusive a mais forte emissora, transformou seu antes asséptico jornalismo em um jornal de assassinatos e crimes. Hoje, temos na hora do almoço, de jantar, madrugada, manhã cedo, esses vídeos perturbadores, delegados e assassinos, ladrões e outros se mostrando. Já sabemos o que uma “bala traçante”, uma AK47 e outros termos. Onde essa corrida vai parar, não sei. Mas há uma possibilidade bem perigosa, sugerida pelo filme “O Abutre”, "Nightcrawlers", que acabo de assistir e que me deixou bem preocupado. O sujeito era um vagabundo até assistir à performance de um vídeo jornalista em um acidente automobilístico que acabara de acontecer. Após a filmagem, o ouviu no telefone negociando as imagens com um canal de tv. Fez um empréstimo, comprou um equipamento básico, que incluiu rádios capazes de ouvir todo o tráfego interno da Polícia e pôs-se, todas as noites, a aguardar os acontecimentos. Pior, sem escrúpulos, chegava primeiro, filmava pessoas agonizando, ensanguentadas, às vezes fazia algumas perguntas. Vendeu para o canal de menor audiência que a partir daí, começou a elevar seus números. Como sempre ocorre, a espiral foi até o insuportável. Ouve antes da Polícia um alerta. Chega em uma casa. Tiros. Dois homens saem e são filmados inclusive no carro. Após, iro entra na casa e filma todos os mortos. Há discussão ética na tv, mas a força dos números de audiência é mais forte. Sucesso. Não, ele não mostrou, nem à Polícia, o rosto dos matadores e a placa do carro. Através dela, descobre o endereço. Fica de tocaia. Quer que estejam em um local de movimentação para dar o alerta e filmar tudo em primeira mão. Agora, está manipulando a realidade a seu favor. Eles chegam a uma pizzaria. Dá o alerta. Há tiroteio. Um dos bandidos, ferido, foge. Ele vai atrás. Uma batida faz capotar o carro do bandido. Nosso amigo tem um ajudante. Recebe ordens de levar a filmadora e ver o que ocorreu. Não, o bandido ainda não estava morto. Mata o funcionário e depois é morto pela Polícia. E tudo foi filmado. Mais, filma o funcionário em suas últimas palavras. É só negócio. Onde vamos parar? Li em “Sangue Azul”, escrito por um policial do Rio de Janeiro que os soldados, cansados de tanta exploração e conhecimento de acertos entre seu comando e traficantes, entram no negócio. Roubam o paiol dos caras e o revendem para outra favela. Sequestram traficante e cobram resgate dos bandidos. Outra coisa. Dinheiro e drogas corrompendo consciências. Um outro mundo.