quinta-feira, 28 de julho de 2011

Sem dizer adeus volta ao Cuíra em agosto

Nunca tive muita simpatia por Magalhães Barata, o famoso militar e político que reinou no Pará durante grande parte do século XX. A implicância, inicialmente, talvez tenha a ver com minha mãe sempre lembrando da perseguição que um tio meu havia sofrido. Ela própria, em performance maravilhosa, conta de um enfrentamento que teria tido com o caudilho, na escola onde lecionava. Ainda hoje é difícil falar sobre Barata sem esbarrar em alguma pessoa, de mais idade, que também tenha algo a contar. Meu tio Líbero Luxardo lhe foi muito próximo, seja na política, secretariando ou como documentarista. Barata não era muito simpático. Baixinho, aborrecido, disparando ordens a torto e a direito, ameaçando, ouvindo, pisando forte, enérgico. Quase todos garantem que foi um homem honesto, mas que não reprimia como devia, atos escusos de companheiros.
E não é impressionante como essas pessoas acabam envolvendo milhares de outras que passam a dar o sangue, entregando suas vidas, passando a transformar seus objetivos em seus! E de ato pensado ou não, esses líderes sabem usar as palavras corretas, engolfando multidões. Não querem saber se seus seguidores serão prejudicado. Nem pensam. Para eles, é natural. Sinto isso em relação a Barata e a muitos outros.
Por outro lado, sou apaixonado por História. Estava lendo os dois tomos da biografia de Joaquim de Magalhães Barata, escrita por Carlos Rocque. Que beleza, pois ao contar a vida de Barata, também descortinou toda nossa história, principalmente até a primeira metade do século. Pessoas, lugares, momentos. Personagens que viraram nome de ruas. Viraram lenda. Parentes. E vem alguém e relembra o livro de Dalila Ohana, “Eu e as últimas 72 horas de Magalhães Barata”. Sabia da existência do livro, do sucesso de seu lançamento, na Livraria Dom Quixote, de Haroldo Maranhão, praticamente esgotando a edição. Mas não o havia lido. Compulsivo, corri ao Google e pesquisei até encontrar uma edição em sebo de Salvador. Foi o início do processo que resultou em “Sem dizer adeus”, que escrevi para Cláudio Barradas e Zê Charone apresentarem no Teatro Cuíra no ano passado e que agora retorna ao mesmo palco, durante os finais de semana de agosto.
Quando o Cuíra chegou na esquina da Primeiro de Março com Riachuelo, o prédio construído em 1905 era uma garagem abandonada. Ao iniciar a limpeza, uma prostituta, dentre as que perambulavam por ali, perguntou o que seria do lugar. Acabou em “Laquê”, o primeiro espetáculo, contando a história da zona do meretrício, ali. História. Em seguida, contamos os 80 anos da Rádio Clube do Pará. Há tanta coisa a revelar! E há Magalhães Barata, como um estandarte daqueles primeiros 50 anos. Barata no poder, traído, indo para longe e retornando, triunfal, recebido por multidão na escadinha do cais do porto e desfilando 15 de Agosto acima. Veio o projeto “Cuíra por Memórias”, apoiado pela Petrobrás e que resultará em uma grande montagem em 2012. Mas antes, movidos pela imperiosa necessidade de contar, de dizer, revelar como chegamos até aqui, veio “Sem dizer adeus”.
Como transpor para teatro o livro de Dalila? Difícil explicar. Dar a fórmula. Pior, fui levado à direção do espetáculo. Como dar um começo, meio e fim? Manter as tensões. Limitar a dois atores em cena. A cabeça de alguém que não costuma dirigir talvez tenha uma liberdade, uma falta de limites que acaba dando certo. Fui assistir aos filmes da época, feitos por meu tio Líbero e o Mendonça. Sim, as imagens. Tudo em p&b, claro. Assim será. Projeções. Personagens dialogando, instigando, traçando a teia de pequenas perversões que acabaram por expulsar Dalila de sua casa, do lado de seu homem. Como resolver questões técnicas. Difícil. E ensaiar? Cláudio Barradas, exemplo de ator disciplinado, correto, audacioso e talentoso, é de outro tempo. Ter o timing certo para responder à projeção. Difícil, bem difícil. E as roupas? As de Barata, após muita consulta, descobrimos guardadas no Museu do Estado, quando deviam estar no Museu Barata, cheio de visitantes. Fotografamos tudo e mandamos fazer. A realidade é outra, atroz. O museu está fechado, com problemas de infiltração que nunca foram resolvidos. O resto, que se esqueça. Se depender de nós, não.
Outro detalhe muito difícil foi evitar citações polêmicas, poupando familiares e até mesmo gente que está viva por aí. Queremos contar uma história, não promover um acerto de contas. Um trabalho de ourivesaria. De todos, o menos poupado talvez seja o arcebispo Dom Alberto Ramos. Barradas, padre, me diz que infelizmente, ele agiu dentro da lei da igreja, na época. No entanto, também podemos dizer que com um pouco de boa vontade, ele teria resolvido o assunto sem o toque perverso de obrigar a dona da casa a sair, por conta de extrema unção em um lar não católico, pois Barata e Dalila não eram casados.
Zê Charone entrou em contato com a família Ohana. Conversou com amigas. Cláudio conviveu com Barata. No início, pareceu incomodado, sem saber como lidar com o personagem e o respeito pela figura. Não o imite. Faça a peça. Rápido, encontrou o tom. Preciso, justo, correto. Faz uma melodia do texto falado excepcional. Aqui e ali sugiro algo, como escuto. Não tem idéia do tamanho do orgulho que sinto em trabalhar com ele. Zê é a melhor atriz de sua geração. Quem é essa mulher Dalila Ohana? Assistimos Vincere, de Belocchio. Indignação pelo desrespeito. Pela maldade. Perversidade que foi vítima. Faltava um devaneio. Está lá, no livro, quando lembra momentos a dois, especulando sobre sua morte. “Pára de falar em morte, homem!”. E como seria seu enterro? E riem, apaixonados. Não se despediram. Ele gritou e gemeu por seu nome, rodeado pela ex-mulher e filhas, mais parceiros políticos interessados até o final em dividendos. Ela, ouvindo na alma, em uma casa, quase em frente, onde morava seu irmão Rubem. Muitos vinham contar. De repente veio a notícia no rádio. Havia morrido. Ainda não. Algum tempo depois meu tio Líbero saiu do quarto e anunciou sua morte. O Pará chorou. Dalila chorou. O Pará perdeu seu grande político. Dalila perdeu seu grande amor. Tudo acabou e ficaram sem dizer adeus.

Futebol é jogo para Ronaldinho e Neymar

Foi bom que o jogo entre Flamengo e Santos acontecesse da maneira que foi. Melhor ainda que muita gente, no mundo, assistiu e comentou. Bom para Ronaldinho, bom para Neymar. Melhor ainda, para o futebol. Este é o jogo que encanta a todos. Vinte e dois jogadores aplicados em jogar. Nada de pescoções, chutes, empurrões e agarra agarra embora, aqui e ali, contato físico tenha havido, como é natural. Acho que Luxemburgo venceu o duelo tático ao colocar Thiago pela esquerda, Ronaldo como centro avante pivô e David voltando para tocar e vir de frente para a bola. Ao girar com Leonardo abrindo espaço para o jovem Luiz Antonio pegar o santista Leo desprevenido. Ali surgiram os melhores lances rubro negros. E Ronaldinho sabia do momento, do jogo, quem estava assistindo, das comparações entre o jovem e o velho. Ele sabia. O gol de falta foi genial. De malícia. Genial. O penalti de Elano foi de quem não tem malícia. Eu já perdi penalti assim em peladas. Faltou-me malícia no momento final. Um jeito de corpo que engana o goleiro pra valer. Um algo a mais. Quanto a Neymar, deu seu show. Não acho que Ganso sumiu. Ele deu passes ótimos para gol. Um jogo alucinante. Futebol é isso. E nove gols! Imaginem se futebol é o do Paraguai que empata em zero a zero..

quarta-feira, 27 de julho de 2011

A farra da Copa

A cada dia que se aproxima a Copa do Mundo no Brasil são publicadas denúncias de irregularidades em todos os setores envolvidos. O pior é que nada será feito. Leiam a revista Piauí, nas bancas. Há uma entrevista com Ricardo Teixeira, presidente da CBF, genro de João Havelange, dois dos maiores escroques do planeta. Havelange percebeu cedo o alcance do futebol. Tornou-se presidente da Fifa, correu mundo e repetiu o que nosso presidentezinho da FPF faz para se manter no cargo para sempre. Conseguiu ter mais países na associação do que a própria ONU. São entidades particulares e se encobrirem direitinho seus gastos, cachoeiras de dinheiro para seus nababos. Foi presidente até quando quis, deixando para seu assecla Joseph Blatter. Mas elegeu para a CBF Ricardo Teixeira, até então um garoto zona sul, Rio de Janeiro, que casou com sua filha. Hoje ele frequenta Paris como quem vai ao Mosqueiro. Eu mesmo estive em um mesmo vôo, Paris São Paulo e espantava sua marra, sua pose de biliardário. Leiam a entrevista e entenderão tudo. Agora, com a Copa no Brasil, todos lucrarão. É um sem número de irregularidades, sobrando pequenas vinganças contra inimigos como o presidente do São Paulo. As próximas Copas já foram "vendidas", para Rússia e Qatar, que encheram seus bolsos. No meio disso tudo, o jogo futebol. Como ir atrás se eles compram todo mundo? Houve uma CPI contra Teixeira, mas logo acabou inconclusiva e com aplausos. Mesmo assim, estamos puxando seu saco, quem sabe, ele anuncia a Copa das Confederações para o Pará? Qua, qua, qua..

Futebol é jogo pra homem

Agora que os uruguaios já estão em casa festejando o título da Copa América, o de melhor jogador e espantosamente o de equipe mais disciplinada, talvez seja o momento de debater o que realmente aconteceu no torneio, mesmo que ainda ouçamos o barulho da queda de mais um técnico argentino. Primeiro, algo básico: a Copa América é um torneio de férias. Quase todos os jogadores de Brasil e Argentina vêm de uma temporada estafante, mental e psicólogicamente. Nas outras seleções, há também muitos atletas que jogam na Europa, mas a maioria não atua nos maiores clubes, mais exigidos. Mais ainda, todos as outras seleções têm algo a conquistar. Brasil e Argentina, não, embora os hermanos não conquistem nada há bom tempo e tivessem o torneio em sua casa.
Na Europa, esses grandes atletas atuam em gramados perfeitos e dentro de uma ética dominante, no que diz respeito à intensidade física dos choques. Espero que me entendam adiante. Há um respeito pelo colega de profissão e principalmente pelo público que pagou caro para assistir o melhor. Mas o futebol na América do Sul nem sempre é o mesmo que se joga no Brasil, por exemplo. Os campos são ruins e o que chamam de "raça", "garra", "patriotismo" é, claramente, estupidez, boçalidade, quebra das leis do jogo, da ética e do respeito. Então vêm esses jogadores milionários, cansados, à beira do stress e se reúnem em seleção, onde técnico, dirigentes e imprensa os recebem em alto astral para os grandes jogos. Tudo bem, estar na seleção rende contratos, bons prêmios, vamos lá. A Argentina entra em campo contra o Uruguai. Seu técnico declara que se inspira no Barcelona, mas escala, para fazer companhia ao grande Messi, jogadores que se caracterizam por carregar a bola em lances agudos, como Di Maria e Tevez, por exemplo, ao contrário do Barça, que chega aos poucos, que tem a volúpia do passe curto, rasteiro. A torcida grita pedindo sangue, a bola fica dividida. Do outro lado o Uruguai, com nove jogadores dispostos a tudo, recorrendo a faltas, encontrões, chutes, divididas, mas com dois craques à frente, que recebem cem bolas podres, mas com apenas uma realmente boa, podem fazer gol. Deu no que deu. Eles marcam Messi duramente. Chutam, jogam o corpo, empurram, puxam. Messi não reclama. Se o fizesse, seria acusado de fracote. Futebol é para homens. O juiz também não faz nada. Levanta, levanta, eles passam dizendo. Que jogo é esse em que destruir, de qualquer maneira, é mais produtivo do que construir? E o Brasil com seus meninos mimados? O Paraguai passa a Copa inteira empatando. Não tem um Soares, um Forlan à frente. Empata. Todos atrás. Mourinho fez isso com o Barcelona uma vez e ganhou. Ao final da partida, até Eto'o estava dentro da área dando chutões. E saem vibrando, felizes, ganharam dos melhores. Neymar marcado aos pontapés, agarrões, arranhões, chutes. Levanta, levanta seu garoto mimado. Futebol é para homens. Na Europa, com dez minutos, Uruguai e Paraguai teriam vários atletas expulsos e advertidos. Isso não é jogo de futebol. Entraram no esporte errado. Talvez rugby, aquele em que todos se agarram e se jogam ao chão. E a bola é oval. O time do Brasil não sabia o que fazer. Seus zagueiros, à altura do meio de campo, tornaram-se armadores, sem saber armar, bem como cabeças de área. Ganso sumiu diante dos zagueiros. E os outros? O técnico brasileiro deveria despedir seu empresário. Pior, não deveria convocar atletas que também são empresariados pela mesma pessoa e que, flagrantemente, não reúnem condições para jogar.
Enfim, creio que realmente a Argentina foi mal treinada, mas como o Brasil, mal escalado, dificilmente conseguiria ganhar de Uruguai e Paraguai que, com uma maneira de jogar que não pode ser considerada correta. Com boa arbitragem, não poderia ter acontecido. Com bons campos, também não. Se a América do Sul tivesse alguma importância, já estaríamos pensando em uma mudança de regras. Nos últimos dias, o Palmeiras empatou com o Flamento. O time de Scolari fez um Uruguai, com nove atrás mais Kleber e Maykon Leite à frente. Ao final, 1x1. Joel Santana fez um Uruguai contra o Corinthians e ganhou o jogo de 1x0. Está nas regras? Está, mas termina com o futebol show. Nove, dez ou onze homens, atletas, dispostos a não permitir que o outro jogue, sem se importar em jogar, podem acabar com o jogo futebol. É a vitória da mediocridade. E tem a cumplicidade dos juízes, com seu "levanta, levanta", quase debochando do craque, caído. Deixo pra lá a simulação, porque aqui estamos falando de ética. Mas em nome disso, a destruição do belo não pode vencer sempre.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Amy ou deixe-a

Ainda estamos todos traumatizados com a morte de Amy Winehouse, ocorrida no final de semana. Acompanhamos as homenagens, o choro dos pais, do ex-namorado, ainda preso. Seus discos já estão bombando nas paradas. Outros com material inédito também virão. E outros artistas querendo aproveitar uma beirinha. Amy teve uma vida, que mesmo no ápice do sucesso foi muito triste e solitária. Foi uma pessoa doente, que morreu aos poucos, diante da mídia, sem que os esforços feitos para evitar isso tivessem efeito. Só não se pode proteger uma pessoa contra ela própria. Foi o namorado que a apresentou às drogas. Isso ele nunca vai poder se perdoar. Mas penso que mais cedo ou mais tarde alguém ofereceria, ela aceitaria e tudo aconteceria, por conta de sua saúde. Um amigo brincou dizendo que iria assistir seu show no RJ antes que fosse tarde. Em nossa sociedade de espetáculo, passou a ser mais show ela bêbada, drogada, tropeçando, errando letras, caindo de quatro do que seu repertório, que era muito bom. Parecia sempre perturbada, mesmo fora do alcance das lentes. A persona que Mark Ronson inventou para ela a partir de Back to Black era estranha. Bizarra. Obtusa. Aquele penteado, nariz grande e pontudo, queixo idem, olhos com maquiagem aumentando tudo. Um corpo que foi ficando cada vez mais magro, perdendo cintura, quadril, tudo, encimado por seios grandes. E a roupa de prostituta dos anos 60, barata.
Confesso que Amy não me ensejou tanta paixão, ainda que tenha realmente gostado de seu hit “Rehab”. Mais gozado é que nem a banda era dela e sim de Sharon Jones, creio, uma negona que esteve há poucos dias no RJ e SP. Um “produto” muito bem embalado. Agora, ela cantava bacana e suas letras, principalmente, eram ótimas, modernas, ácidas, cruéis, sem self pity. As garotas ouviam e topavam. É com essa que eu vou. Mas aí Amy passou a frequentar mais clínicas de rehab do que desfiles e shows. Será que foi mais um mártir da mídia, ou seja, se esborrachou por nós, bebeu e se drogou por nós, que ao final do dia estamos em nossas caminhas, aquecidos, assistindo Jô Soares? Em nossa sociedade, pagamos caríssimo por jeans rasgados e sujos propositalmente. Compramos a idéia que o gastamos em mil peripécias, vidas, histórias. Amy se arrebentou por nós. Cantava o que queríamos dizer? Drogava-se e bebia por nós? Think about it. Seu maior hit brincava que todos queriam que ela fosse para uma clínica de reabilitação e dizia “no, no, no”. E nós cantávamos em côro. No, no no. Fique em cena e se foda por nós. Talvez ela tenha sofrido ao não conseguir compor outras músicas como as do “Back in Black”. Houve um material que não foi aceito pela gravadora. Onde estava toda a inspiração que estava aqui? Que vinha com a facilidade de um estalar de dedos? Ruy Castro disse que Jimi Hendrix, Janis Joplin, Kurt Cobain, Jim Morrison e Amy Winehouse teriam sido os mesmos grandes artistas senão tivessem sido vítimas das drogas. Eu concordo. Não consigo perceber a influência de Baco na verdadeira criação. Talvez porque não beba nem me drogue. Tomara que Amy agora esteja em paz.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Marina, Chico César e Laurie Anderson

Os tiozinhos estão bem servidos. Na loucura em que se transformou o mercado fonográfico, grandes nomes da mpb parecem ter ficado sem espaço. Onde seus discos são vendidos se as lojas estão fechando? Onde estão tocando? Como saber se saíram? Talvez lendo jornais e revistas, mídias ainda adquiridas por pessoas acima de 40 anos, talvez. Em outra época, o país estaria discutindo apaixonadamente os novos discos de Marina, Chico César e Laurie Anderson, esta última, inclusão minha. Há os novos de Chico Buarque e Zélia Duncan, mais o de Gal que vem aí. Bela temporada, não?
Marina ainda funciona em trabalhos gravados em estúdio. É claro que ela já deu seu melhor. E sua voz foi embora há muito. Ainda assim, Climax, o disco novo tem bons momentos. Ela descobre acordes bacanas em melodias quase monocórdicas, mas tornadas palpáveis por intervenções de instrumentos. A parceria com Adriana Calcanhoto, na abertura, Não me venha mais com amor, é a melhor. A voz, em estúdio, quase fala, sussurra, mas passa. E o que se passou com Chico César, uma das, digamos, vítimas da morte do cd, das mídias que comentavam para uma turma jovem, tudo o que fazia? Jornalista, Chico gravou o primeiro trabalho e explodiu com sua mistura de ritmos nordestinos com eletrônica, letras que uniam tradição e modernidade com altíssimo bom gosto. Ele foi se encolhendo, mantendo a qualidade altíssima, mas se fechando na música mais tradicional, gravando com orquestras nordestinas e atualmente, sendo Secretário de Cultura da Paraíba. Gostaria de perguntar. Nas vezes em que esteve aqui em Belém, tive a oportunidade de privar de sua amizade e inteligência. No disco da Biscoito Fino, que substitui a antiga MZA, ele registra sucessos acompanhados por sua banda de sempre, mais um quarteto de cordas, penso, com tonalidades próximas da rabeca. Recebe Elba Ramalho, Ana Carolina e Maria Bethânia, esta, em gravação de estúdio. Sua voz, seus olhos de garoto esperto, poeta maravilhoso, cantando seus hits, possibilitando um reencontro com suas músicas que gostamos de cantar junto. Que maravilha, como é gostar de Laurie Anderson. A atual mulher de Lou Reed é uma das minhas paixões desde muito, movido pela curiosidade, quando soube de uma canção estranha, nas paradas americanas, chamada "O Superman". Laurie, artista multimídia, em uma época em que os computadores chegavam ao mercado fazia seu trabalho com um rosto de moleque levado, cabelos como quem leva um choque e uma mensagem poética potente, linda, moderna, agressivamente terna, se me permitem. Usava vocoders, sequenciadores, sua voz curta, quase sussurrando, nunca imaginando ser cantora, apenas mestre de cerimônias, xamã moderno. Flertou depois com as pistas de dança e após circulou pelos EUA com uma proposta sonora e visual, projetando imagens, filmes, cenas. Esteve no Brasil e não posso me perdoar de não ter ido vê-la em SP ou RJ. Andei ouvindo um de seus últimos trabalhos, "Homeland", hoje repetindo os sons de antes, com melhor aparelhagem, claro. São texturas leves, que conduz com seu violino e os poemas, sussurrados, calmos, mesmo os mais agressivos. Que coisa linda.

Os grandes líderes

Acabo de chegar ao fim de uma longa jornada, lendo os quatro livros da série "Imperador", escrita pelo inglês Conn Gulden, romanceando no limite entre ficção e fatos a vida de Júlio César, a grande figura de Roma. Imaginem que ao mesmo tempo venci a primeira temporada da série Boardwalk Empire e também de Game of Thrones. De grandes líderes, traições, mistérios, conquistas e amores, estou lotado. Nos próximos dias assistirei alguns filmes, antes de retornar aos livros.
"Imperador" é uma grande série. O incrível é perceber que mesmo as grandes figuras, que conquistam multidões, povos, países, no fim, acabam por lutas internas, questões íntimas. Da infância à adolescência, Cesar teve Brutus como principal amigo, este criado ao seu lado sem grandes explicações, sem pai nem mãe. Em terreno limítrofe à propriedade do pai de César, Suetônio, garoto grande, malvado, que lhes dava grandes surras como somente os garotos e sua crueldade podem fazer. Adiante, Brutus descobre ser filho de Servília, famosa prostituta que depois se apaixona por César. Suetônio passa a vida invejando o vizinho e se preparando para o grande momento. Conn por vezes inventa personagens para fazer fluir a história, mas as explicações mostram que o mais importante é todo verdadeiro. César vai conquistando tudo, inclusive Cleópatra, e aumentando, também, a profunda inveja de seu amigo mais próximo, Brutus. O filho de Servília era belo, o melhor espadachim, guerreiro, mas não era César. Traiu a primeira vez e foi insuportavelmente perdoado. Que bem que eu te fiz pra você me querer tão mal? Além de Suetônio, é Brutus a desferir a facada mortal, no coração de Júlio César. Aquela série "Roma", que passou na HBO já mostrava este César que chega após uns dez anos guerreando e encontrando a cidade. O livro também serviu para reafirmar minha antipatia por certos grandes líderes. Pessoas com extraordinário poder de manipulação, que usam para reunir gente sem horizonte, ou cheias de vontades que não têm coragem de realizar, mas que se sentem movidos por um outro. Morrem pelos líderes. Lutam até o último sangue. O objetivo do líder vira seu objetivo, embora de nada dele possa aproveitar. E aí é que está. Manipulados, elevam aos píncaros esses líderes egoístas, que usando belos argumentos querem, realmente, um triunfo muito pessoal. Essa é a história de César e de tantos outros. Nesse sentido, é interessante assistir Game of Thrones, série inglesa muito bem produzida, inventando uma terra onde há sete reinos unidos em um só rei, além de uma muralha que os separa do inóspito e gelado norte, época medieval. A bravura, a honra, a honestidade, o nome da família, tudo é posto em jogo. Já foi dito antes, mas hoje, o cinema mais inteligente feito nos Estados Unidos está nas séries. Vale para The Boardwalk Empire, localizado em Atlantic City, época da Lei Seca, onde uma cidade é refém de uma quadrilha de contrabandistas. Grandes atuações, figurino, cenário e roteiro. Já rolou a primeira temporada e a segunda, lá fora, penso que deve ir ao ar antes do final do ano. Há figuras como Lucky Luciano e Al Capone engatinhando no crime. Misturam fato e ficção de maneira exemplar. Estive na Fox e há um livro, bem grosso, contando a história de Júlio César. Fiquei tentado a comprar, para checar tudo, conforme a coleção que acabei de ler. Mas achei maluquice demais. Há muitas outras histórias para ler, não é?

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Flamengo até debaixo d'água

Vocês não sabem como já foi terrível ser Flamengo. Ser gozado pelo pessoal do Botafogo a cada final de semana. Era uma época em que o rubro-negro tinha em suas linhas atletas como Onça, um zagueiro destemido e ruim, atarracado e forte, usando calções enormes. Um meio de campo chamado Liminha, horroroso, e um beque paraguaio chamado Reyes. Por sorte, no gol, estava outro gringo, Dominguez, que tendo à frente tão promissora zaga, fazia as vezes de líbero. Mas eu perseverei. Meu pai, diante da deserção do filho mais velho, apaixonado por Garrincha e Didi, do Botafogo, tratou de me presentear com um relógio onde havia, no centro, um escudo do mais querido. Antes, no meu Flamengo de botão, o ataque era formado por Joel Henrique, Dida e Babá, que apenas meu pai havia assistido jogar. Dida era o craque. O camisa dez da seleção brasileira, na Copa de 58, até um garoto chamado Pelé tomar conta da posição. Pouco tempo depois, meu avô Edgar me levou ao Maracanã. Flamengo e Vasco. Não lembro se decidia alguma coisa. O ponta rubro-negro chamado José Ufarte, mais conhecido como Espanhol, fez um golaço e saiu do campo vibrando. Nunca esqueci. Em quase todos os outros grandes momentos, meu pai estava a meu lado, vibrando. Assistimos na tv o recém eleito Márcio Braga anunciar os novos tempos, que vieram com Zico e aquele time inesquecível. Estávamos juntos, colados à tv, juntamente com o saudoso Jocelyn Brasil, quando Nunes driblou o zagueiro do Atlético Mineiro e venceu o goleiro mineiro, dando o campeonato nacional ao Flamengo. Quando Andrade fez o sexto gol da goleada contra o Botafogo. Ou quando Zico bateu aquela falta e o goleiro chileno Wurth ficou olhando a bola entrar, confirmando a Taça Libertadores. E que tal contra o Liverpool, no Japão, começando a festa logo de manhã? Quando o Flamengo vinha a Belém jogar pelo campeonato nacional, lá estava o Edyr Proença com a delegação, com a turma da Fla Fla de Belém, recepcionando, sendo homenageado, todo feliz. Não sei explicar. Será uma combinação de cores no uniforme, que com o sol ou a iluminação noturna, provoca um sentimento de euforia? Cada vez que a equipe entra em campo sinto um arrepio de emoção. Já cheguei a passar mal. Estávamos no auditório da Embratel, quando os jogos ainda não eram transmitidos com essa facilidade de hoje. Flamengo e Vasco. O ponta do Flamengo livra-se de dois ou três e cruza. Zico entra e escora. Flamengo campeão. Todos no auditório levantam-se para vibrar. Não consigo. Algo me deixa preso à cadeira. Quero respirar e não consigo. Disfarço. Não vou estragar a alegria de ninguém. É bom ser Flamengo. É mais uma maneira de lembrar meu pai. Sempre que vou ao RJ, passo na Gávea. Por nada. Para dar uma volta. Para ir à Flaboutique. Lá, comprei a camisa 43, de Petkovic. Era um domingo de sol. Sozinho, assisti o vôo lindo da bola, chutada pelo sérvio, fazendo a curva e entrando no ângulo, dando mais um título. Levantei, quis gritar, mas veio apenas choro de emoção. Como recentemente, Maracanã, Ronaldo Angelim, o feio, magro, tímido e excelente zagueiro, marcando o gol de mais um título. Sou Flamengo e por isso, quando choro, choro de alegria, choro por lembrar de meu pai querido, que pegava o violão e cantava “Flamengo eu sou de coração. Flamengo até debaixo d’água. Quem fala mal do clube campeão. Ou é de inveja ou é de mágoa”. Em tempo, meus filhos são Flamengo.