quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Rosto Colado

Às vezes vou lá no velho baú de prata onde guardo minhas lembranças e me delicio. Um dia desses, alguém comentou do tempo em que se dançava de "rosto colado". Me fez pensar no assunto. Não fui desses adolescentes que cedo já é chefe de turma e trata as meninas de igual para igual, trafegando com naturalidade em território hostil. Que vai às festas, dança com todas, namora com duas, três de cada vez e é disputado. Pelo contrário. Minha infância durou muito tempo, o que acho determinante para a maioria das minhas atividades, para a imaginação, encantamento e ingenuidade. Mas ali, a partir dos 13 anos, começaram a haver os aniversários, 15 anos, tertúlias (como eram chamadas as "Pipocas" de hoje) e os amigos me levavam. Era natural. UM amigo me chamou em sua casa. As vizinhas de apartamento, duas irmãs, fariam uma festa somente para nós, em seu quarto. Apagavam a luz. Não pensem que acontecia algo moralmente discutível. Era para dançar, flertar. Havia as festas. O problema era o que fazer, uma vez ali dentro. Pouca luz, Esmeril Band ou Guilherme Coutinho tocando, ou toca discos, e a garotada em volta. Meu primo corria e pegava a primeira que via, saindo dançando pelo salão. Aquilo é que era coragem! Uma vez, férias de julho, Mosqueiro, o saudoso Dr. Rubem Ohana chega em casa com sua kombi cheia de meninos e meninas do Chapéu Virado. Alguém põe discos. Todos dançam. Eu, assistindo. O que fazer? Onde estava a coragem de chegar, frente a uma das meninas e dizer a fatídica frase: quer dançar comigo? E se a resposta fosse "não"? Pior, "estou cansada".. Pior, pior, bem pior. A garota topa dançar. Vai uma música, outra, mais outra. Ultrapassando três músicas, Houston, temos um problema. A menina cola seu corpo no seu. Cola sua cabeça no seu peito. Temos um problema. Você não estava a fim da garota. Chamou apenas para dançar. O que fazer, então? Decepcioná-la? Uma vez, uma garota com quem dançava foi embora, faltando duas ou três músicas para o encerramento da "tertúlia", na boate da Assembléia Paraense. Inebriado pela música, olhei em volta, disposto a ficar até o fim na pista, dançando. Havia uma moça, linda. Não quis nem saber. - Quer dançar? - Não, estou cansada. Acabou com a minha noite. Ou então, é a garota dos seus sonhos e finalmente ela está ali, de "rosto colado", todos estão vendo e uma atitude terá de ser tomada. Vamos levando, a música vai, o rosto continua colado e nossa cabeça, dá cambalhotas nos pensamentos. Dizer a ela, no pescoço, que a amamos? Pedir para namorar, assim, no pé do ouvido? Convidar para ir até lá fora, onde podemos formalizar o pedido? Parece tão fácil, não é? Jogar para trás a forma de criança e assumir a adolescência. Tomar uma atitude por si próprio. É a idade dos primeiros amores. Aqueles que não esqueceremos jamais. Minha primeira namorada formal, teve de, corajosamente, ter o destemor de me perguntar, uma noite, na boate Papa Jimi, onde dançávamos há horas, como já vínhamos fazendo desde a boate Ressaca, no Mosqueiro, se estávamos ou não namorando.. Que alívio! Sim.. O tempo que levei ensaiando de inúmeras formas, aquele pedido. O que essa garotada de hoje, com toda sua liberdade não sabe, é que nós, garotos, principalmente como eu, mais pro infantil do que para o adolescente, víamos as garotas como seres diferentes. Lindas, audaciosas ou tímidas, com suas vozes, seus rostos, seus corpos a nos enlouquecer e principalmente, sem nos deixar perceber como, realmente, pensavam. E, de repente, ter ali, em seus braços, "rosto colado", corpo junto, corações disparados, "My Cherie Amour", com Stevie Wonder rolando, a garota com que você sonhou. Gente, é uma dessas ocasiões em que melhor seria ir para uma "Situation Room" como nos melhores seriados, e discutir a questão. E então, dar aquele beijo, meu Deus, como será beijar de língua?
Aquele beijo de perder o fôlego, sorrir e se despedir, porque a mãe ou a tia com quem veio já está indo embora. E então, voltar ao convívio dos amigos, como um herói retornando de mais uma façanha, coberto de glórias, peito estufado, tirar por menos, aquela que foi sua primeira conquista na vida e enfim, mais tarde, sozinho, em sua cama, sem conseguir dormir de excitação pura, de espírito, sem malícia, sentir-se feliz, conquistador, poderoso, por saber-se amado, admirado por uma mulher, uma garota que somente ao olhar, piscar ou dizer qualquer coisa, fará você ir até a lua. Você agora é alguém, não mais a criancinha da casa. Você tem uma namorada. Alguém com quem dançará, a partir daí, de rosto colado. Os amigos sentirão ciúmes dela e ela, deles. E voce dividido, tendendo para ela, claro, como um vapor que vai desatracando do porto, as pessoas acenando. Meu Deus, como era bom!

A Paradinha

Quer dizer então que o Sr. Blatter quer proibir a "paradinha" em cobrança de pênaltis? Quanta burrice! Então, terá de proibir ou punir o jogador que ao cobrar um lateral, refugar e tentar novamente. Proibir uma cobrança de falta onde, quase no momento de tocar na bola, o jogador decida outra ação. É um absurdo. Na "paradinha", o jogador não toca na bola. E enquanto não tocar, ela não estará em jogo. Pior, sua perna está no ar, movimentando-se, ou driblando. Ele não refuga, volta, toma outra distância e bate o pênalti. Como punir algo que não ocorre em momento propício, já que a bola não está em jogo? Sim, eu acho que em muitos casos, o cobrador chega a humilhar o goleiro com sua habilidade, sua sonsidão, malícia. Lembro daquele jogador, Djalminha, aguardando até o último segundo, como caçador experiente, a presa mover-se, para, com algum nojo, tocar a bola, mansamente, em outro lugar enquanto o goleiro se arrebentava, perdido. É preciso muito sangue frio e sonsidão, qualidades boas em um batedor. Quanto ao goleiro, só pode mover-se após a bola ser chutada. Se ela não sai do lugar, o que fazem, caindo antes? Pior, o pênalti é a penalidade mais grave do futebol. Porque dar mais chance aos goleiros? Vamos então a essa disposição mundial, que vai de encontro ao princípio básico do futebol, que é o gol. Hoje, por todos os motivos, desmarca-se um gol. Não se marca pênaltis por diversas e malucas interpretações. Marca-se impedimento por qualquer dúvida. E a disposição é contrária! Na dúvida, deixe seguir o lance. Na dúvida, marque o pênalti!
Tem cada uma! Será que Blatter já jogou futebol?

Teatrinho

Foi muito desagradável ler, pela segunda vez, em menos de três meses, o Comendador Mário Sobral escrever em sua coluna diária em O Diário do Pará, que o Teatro Cuíra é um teatrinho, indigno de receber o grande Cláudio Barradas, que em companhia de Zê Charone, acaba de completar dois meses em cartaz na primeira temporada da peça "Abraço". Sobral sempre faz elogios a Barradas, de quem foi colega em rádio novelas e novelas de televisão para o grupo Marajoara. E sempre deplora que, ao invés de estar em um Teatro da Paz, por exemplo, e como merecia, está num "teatrinho" como o Cuíra, em plena zona do meretrício. Barradas pode dizer porque está no Cuíra. Mas posso, também, dizer aqui o que ele acha, porque me disse e é meu amigo. Barradas sabe a barra pesada de fazer teatro em Belém e não é de hoje. Também acha que o tipo de texto da peça em questão, é melhor para teatros com menor capacidade de público, de maneira a travar-se um encontro mais íntimo, cara a cara, ator e platéia. Isso é uma coisa. A outra é o preconceito de Sobral, que insistindo em chamar de "teatrinho" para o Cuíra, favorece apenas a prosperidade para o preconceito que só faz crescer, entre os belemenses, contra o teatro local. O Teatro da Paz, o Schivazapa e o Maria Nunes, estão todos lotados, aos finais de semana, com peças caça níqueis vindas do Rio de Janeiro, com artistas globais, atuando em novelas ou até em humorísticos de qualidade duvidosa como Zorra Total. Sei perfeitamente que ele não faz isso para nos agredir, por nos desprezar, por má vontade. É por ignorancia, uma vez que sua coluna, hoje não tão muito lida como antes, pela repetição das piadas e pouca graça, sempre defendeu a Cultura local. Sobral não vai a teatro, não sei se nesses espetáculos "globais", mas não tem idéia da complicação em montar um espetáculo em uma terra sem nenhuma ação cultural por parte do Governo do Estado ou Prefeitura, reunir dinheiro, ensaiar, figurinos, enfim, tanta coisa e depois de três meses de ensaio para mostrar um bom produto, ter apenas um final de semana disponível nos teatros da terra. Três meses em três dias. Não sabe que foi por isso que o pessoal do Cuíra teve o peito de alugar o Teatro, bem na zona do meretrício. Não sabe dos trabalhos sociais e culturais que são desenvolvidos. Que agora será um Ponto de Cultura. Não lembra mais que antigamente, atores e prostituras tinham a mesma carteira de identificação para a Polícia e assim, nada de estranho em estar ali, na Primeiro de Março com Riachuelo. Não sabe que o Cuíra, ou os diversos grupos que já ocuparam seu ótimo palco, precisam ficar, no mínimo, 30 dias em cartaz! Não sabe que há cem confortáveis poltronas. Não sabe que não temos ar condicionado, mas vários ventiladores garantindo um mínimo de conforto para todos. Não sabe. Ele acha que Cláudio Barradas se diminui indo para o "teatrinho" Cuíra, mas não vê que ele, Sobral, se diminui e ajuda a aumentar o fosso existente entre os artistas locais e o público. Fosso para ele, também, como se ler colunas compradas no sul do país, fosse melhor que a dele, no mesmo jornal. Puxa, que mancada, que decepção, caro Sobral! Teatrinho!