sexta-feira, 26 de abril de 2019

PRIMEIRAS IMPRESSÕES

São quase duas da madrugada e a Travessa da Estrela está silenciosa e vazia de carros trafegando. Nem parece a mesma rua às 18 horas, quando milhares de carros utilizam o binário da área. Na hora da saída dos pequeninos estudantes, filas triplas se formam, como uma feira internacional de SUVs. Quanto mais renda, menos educação. Meu angu primeiro É inadmissível e chocante a tranquilidade com que estacionam no meio da rua. Não apenas eles. Hoje, estaciona-se onde se quer e pronto. Assim, não há guardas de trânsito que possam dar conta. Nem policiamento. Não dá para estar em todos os lugares. Sem que o Estado ou Município encontrem meios para tirar carros das ruas e oferecer chances de trabalho com remuneração minimamente justa, engarrafamentos e assaltos continuarão a fazer parte do dia a dia.

Já estive aqui há alguns bons anos atrás, quando a Estrela era calma, tranquila e as famílias até festejavam aniversários com mesas no meio da rua. Havia menos prédios. Um deles estava sendo construído e claro, abateu a árvore que lhe prejudicava a entrada da garagem. Agora, a escola bilíngue também tratou de abater outro vegetal que lhe importunava. Aposto que os arquitetos ainda ganharão prêmios por seu projeto. Marco, Pedreira e Telégrafo são bairros de passagem, além de densamente povoados. As pessoas vêm e vão, da Augusto Montenegro e BR316. A cidade recebe a cada dia um grande número de novos automóveis e não há solução para isso. Não adiantam binários e outros. O tal do BRT já nasceu superado. Bem, ainda nem nasceu. É claro que a solução está no transporte público, o que é impossível, sabemos. Os empresários mandam no prefeito e na câmara de vereadores. Para ir e voltar ao centro, há que ultrapassar muros gigantescos, como o de GoT. Engarrafamentos se formam em todas as vias. Pequenos percursos transformam-se em uma hora e meia gasta, para chegar. Ainda estou testando vários caminhos e quebrando a cara em todos. O Marco ainda não é um bairro completo. Tem super mercados, lanchonetes, uma profusão de farmácias, hospital, mas não tem um shopping com livrarias e cinemas por exemplo. Há pubs e hamburguerias. Não há bibliotecas nem clubes de música. Não se trata desses bares onde músicos berram em gigs e a plateia berra por seu canto, para poder conversar. É o bairro topograficamente mais alto da cidade, mas o número de prédios erguidos ainda nào foi suficiente para “encher” a paisagem, o que deve dar, aos que moram nos mais altos andares, bela vista. Perto de mim há Lojas Americanas, pizzaria, lanchonete e até restaurante, este último, ainda não tive coragem de testar. Saudades de Dona Fátima no Largo da Palmeira. À parte isso, há silêncio, ao qual não estou acostumado. Não há guinchos de freios, putas gritando palavrões, pega ladrão ecoando, e personagens ainda encontrei. Sempre há. De qualquer maneira, tranco-me em minha disneylandia particular e desfruto, sem pressa dos prazeres da leitura, filmes, música, que uma vida intensa de trabalho não me deu tempo necessário para aproveitar da melhor maneira. Pudesse dedicar-me mais cedo a esse ócio criativo, mais teria lido, ouvido, assistido e principalmente, produzido. Amanhã há sessão grátis do “Marias”, da Casa Cuíra, com direção de Saulo Sisnando, no Sesc Ver o Pêso. É a última, the last, ultimíssima, como diz alguém que conheço.

sexta-feira, 19 de abril de 2019

O TEMPO DA DELICADEZA

Um templo em homenagem à Fé, Beleza, Arte, que levou 200 anos para ser construído, destruído em algumas horas. A Igreja de Notre Dame era o coração de Paris. Aquele fogo encheu de tristeza o mundo dos que ainda acreditam na delicadeza. Não há como não deixar de pensar no Brasil desses dias. Na Belém desses dias. Mais de vinte anos de abandono da Cultura e outros tantos do abandono à Educação, geraram o que vivemos. A grosseria, a boçalidade, a violência e a burrice. Por conta da mídia, cidades como Rio de Janeiro e São Paulo têm suas dificuldades multiplicadas, enquanto Belém, por exemplo, com muito mais problemas, mantém-se como em estado de choque. Grassa a burrice. Na Educação, algumas gerações de analfabetos funcionais, alguns pretensamente mais sofisticados, vestindo roupas de grife, desfilando em carros importados, ouvindo sertanojos, escrevendo errado e com gosto cultural perto do zero. Sempre leio Claudia Costin e ela escreveu que tanto quanto mudar radicalmente o olhar para as primeiras séries, é preciso requalificar os professores, seja em salários, seja em preparo técnico. Nós, que fazemos Cultura, que escrevemos, atuamos, tocamos, cantamos, pintamos, enfim, temos pela frente uma barreira, um muro, como aquele do Game of Thrones, gelado, intransponível, para alcançar este público. Não leio porque dá sono. Não vou ao Teatro porque de dramas, chegam os da nossa vida. Aquele músico, aquela cantora, só canta coisa chata. Não entendo pintura. Hoje não saio à noite porque tem jogo, porque tem BBB, porque tenho preguiça. Não leio jornais porque os artigos são longos e perco o interesse. Na internet, leio os highlights e pronto. Vivemos a falta de Educaçào, onde a ignorância é anunciada como a nova virtude, como disse Joaquim Ferreira dos Santos. Eu sou imbecil mas sou feliz! Uma terra de surdos, de insensibilidade. Onde foram parar a elegância, a suavidade, os bons modos? Ser gentil, hoje é frescura. Tempos de barbárie e grosseria. O inverno é rigoroso. A prefeitura nunca está preparada. Também ninguém deixa de jogar lixo onde não deve. Há mais carros que ruas, mas ninguém deixa de fazer fila dupla, em qualquer lugar, se lhe apetece. Fazer Cultura em Belém é torcer para que a mídia divulgue matérias de sua obra e ficar aguardando. Será que “eles” vêm? Depois, passar pelos bares, lotados de gente enchendo a cara, assistindo em monitores, lutas no UFC. A nova Secult e a Fundação Tancredo Neves (foda-se o nome que o infame deu), esta comandada por um neófito, têm à sua frente tarefa hercúlea. Construir estruturas, primeiro. Refazer tudo o que foi destruído. Os artistas, famintos, alguns impacientes. Grupos que fazem Cultura, mas ainda no alcance da Prefeitura, com sua completa ausência, também querem que o Estado resolva seus problemas. Quando minha primeira peça estreou, foi no Teatro da Paz, lotado. Hoje, impensável. Mas ninguém parou. A Secult é que está voltando. Na ausência de tudo, escritores criaram a Flipa, já em seu quarto ou quinto ano. Até agora, seus organizadores não foram chamados para qualquer consulta. Quem entrou deve saber tudo. Será? Repito, não paramos. Temos artistas suficientes em todas as áreas, aguardando não paternalismo, mas fomento para que o mercado volte a existir, a Educação forme pessoas interessadas, que tenham opinião, para que a vida fique melhor. A vida de todos, não somente dos artistas. Está melhor que antes, a escuridão. Mas o tempo da delicadeza pode voltar.










sexta-feira, 12 de abril de 2019

DO ZERO

Senti pena do presidente da Fundação Cultural do Pará, no palco do Teatro Waldemar Henrique, no encerramento da Mostra de Teatro promovida pela Secult. No palco, peixe fora d’água, sem graça, seu olhar passava da curiosidade ao espanto assistindo à sua frente, a história do teatro paraense desfilando, com pessoas diferentes, roupas, cabelos, linguagem, do seu mundo mais comportado de advogado. Ele olhava querendo entender. Nunca tinha ouvido falar daquela gente. E eu pensei que há um longo caminho de recuperação da nossa Cultura, destruída pelo infame por mais de vinte anos.
Uma das maldades foi fatiar a gestão da Cultura em diversos órgãos. Assim, geridos por pessoas que pouco entendem do assunto, cada um foi atirando para seu lado e ninguém acertou o alvo. Acho que essa era a idéia, assim como, principalmente, separar a Fundação da Secult. O reizinho ficaria em seu trono e a Fundação distribuía minhocas a seus apaniguados. Trabalhei com Guilherme de la Penha e ele dizia que tinha a importância de ser Secretário e a agilidade da presidência da Fundação. Penso que a Secretaria é o órgão máster. Dela parte toda a política a ser desenvolvida e cada uma das outras partes converge, atua para um único objetivo. No meu pensamento, até a Funtelpa estaria debaixo do guarda chuva.

Estamos recomeçando tudo. Do zero. O orçamento deste ano já está comprometido. Mas deixemos todos esses dias para reconstruir estruturas. A Prefeitura, há mais de 30 anos, afastou-se da Cultura. Sua Fundação, hoje, cuida apenas das quadrilhas juninas. Até a Lei Tó Teixeira está parada. Seu presidente, que se diz músico, não conhece os músicos locais. Nem nós o conhecemos. Como chegou ao cargo? Com esse afastamento, passamos todos a exigir da Secult, ações que estão ou deveriam estar no âmbito da Prefeitura. A Secretaria do Estado tem mais de cento e trinta municípios para atender, formular uma política, estruturar algo que pode dar resultados em dois, três anos. Começar do zero. Tudo foi destruído em termos de organização. O Pará tem o tamanho de um país. Paciência. Nós, da Cultura, que nunca fomos muito unidos, nos distanciamos mais ainda. Quem dera um Luiz Otávio Barata, hoje. Foi cruel. Imaginem quantas carreiras passaram esse tempo todo sem qualquer alento. Quantos desistiram. A Educação também emburacou. Por isso todo esse caos. A Secult está recomeçando, mas nós nunca paramos. Não paramos. Ninguém nos deteve. Temos músicos magníficos. Atores maravilhosos. Artistas plásticos, escritores que participam da Flipa. Até cinema. Foi difícil. Muito. Sem apoio oficial. Sem a compreensão que a Cultura é um bem de todos e essencial para a formação de cidadania. O resultado está em todo país, mas me preocupo essencialmente com o Pará. Com Belém. O Teatro sobreviveu em espaços alternativos. Músicos voltaram aos bares cantando qualquer coisa. Artes Plásticas em guetos. Escritores aproveitando a internet e a Flipa. Não morremos. Não nos mataram. Mas há quanto tempo não lotamos espaços para ouvir música que faz pensar? Peças que pedem reflexão? Filmes inteligentes? Isso ficou perdido? Estamos recomeçando. Não acho que tudo esteja bem. Por isso deu vontade de escrever essas linhas aqui. Nós existimos. Fazemos Arte para o bem comum. Para melhorar o mundo. Não fazemos por dinheiro mas precisamos pagar as contas, o super mercado. E ainda nos exigem 50% nos ingressos para estudantes. Há muito a fazer. Vamos recomeçar.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

ADEUS BATUCADA

Como se fosse necessário para voltar. Não estou saindo da cidade. Mudei de endereço. Pela primeira vez na vida, saio da Presidente Vargas e Serzedelo Correa, um corredor que percorri diariamente. Meu avô dizia, como blague, que além do Grande Hotel ou Manuel Pinto da Silva, era outro município. Eu alongaria mais os limites até o final da Serzedelo Correa. Conheço cada detalhe, casa, calçada, prédios. Meu playground foi a Praça da República e lembro do dia em que a Presidente Vargas foi asfaltada pela primeira vez. À noite, as famílias desceram para passear e eu com minha bike. Brinquei no terrace do Grande Hotel, dancei nos bailes no Palace. Em casa, ouvíamos os apitos dos navios chegando ao porto. No carnaval, via os Boêmios da Campina, paletó vermelho, calças e sapatos brancos. Ainda desfilei pelo Quem São Eles, orgulhoso, cantando o samba enredo em parceria com meu pai. No réveillon, havia batidas nos postes de ferro. A Barbearia em frente ao Palácio do Rádio. A Mercearia O Vesúvio. O Cine Palácio, maravilhoso, onde assisti grandes filmes e tive a educação perfeita às sextas feiras quando Fellini, Buñuel e Godard, entre outros, eram exibidos. Mesmo quando morei mais adiante, na Serzedelo, o caminho diário ao trabalho, no Palácio do Rádio. Havia desfiles escolares e o mais importante, Trasladação e Círio. Nunca deixei de assistir em toda a vida. Agora que meus pais se foram, nem sei. Piso naquelas calçadas com respeito. Quando escrevi o musical sobre Barata, o Cuíra queria falar da história da cidade e lembramos de Calvino e suas “cidades invisíveis”. As pessoas, hoje, pisam naquele chão, onde tantos e tantas histórias passaram, como se o mundo tivesse começado no dia em que nasceram. Sem dar importância. A Presidente Vargas, hoje, é uma avenida destroçada, abandonada. Suja, esburacada, cheias de ambulantes, mendigos, párias e edifícios desertos. E é um monumento de Belém.

Morar ali é estar no centro de muitos acontecimentos. Carros guincham, ambulâncias gritam, prostitutas discutem, carros som (que deveriam ser coisa do passado) dizem propagandas. Já sinto falta de toda essa vida à minha volta. De falar com Baldo, que toma conta dos carros. Da Travestriste, detonada nas manhãs de sábado. Maria de Fátima, trabalhadora, desde as oito da manhã, esperando fregueses. Os motoristas de taxi, comandados por Seu Wilson. Dona Maria, desde as 5 da manhã vendendo cafezinho e cigarros. Alvino e sua banca de revistas. Raimundona e seu carrinho de guloseimas na parada de ônibus. Blake, que desafia as intempéries a que está exposto e continua vivinho, de vez em quando superando a deficiência motora e roubando cordões de senhoras desavisadas. Roni, Seu Carlos e José, os engraxates, que velam pela esquina com a Aristides Lobo. Não eles que precisam gostar de mim e siu, eu. Meus personagens. O corredor polonês absurdamente instalado na esquina com Manoel Barata, onde muitas pessoas comem, na calçada, em cadeiras de plástico, iguarias regionais. O Bento que aos domingos passa, impune, com seu som de. Ainda em adaptação, penso estar em uma capsula, sem nada em volta. Sem aquela vida toda que me cercava. Meu coração está enterrado lá, na Presidente Vargas.