Já
estive aqui há alguns bons anos atrás, quando a Estrela era calma, tranquila e
as famílias até festejavam aniversários com mesas no meio da rua. Havia menos
prédios. Um deles estava sendo construído e claro, abateu a árvore que lhe
prejudicava a entrada da garagem. Agora, a escola bilíngue também tratou de
abater outro vegetal que lhe importunava. Aposto que os arquitetos ainda
ganharão prêmios por seu projeto. Marco, Pedreira e Telégrafo são bairros de
passagem, além de densamente povoados. As pessoas vêm e vão, da Augusto
Montenegro e BR316. A cidade recebe a cada dia um grande número de novos
automóveis e não há solução para isso. Não adiantam binários e outros. O tal do
BRT já nasceu superado. Bem, ainda nem nasceu. É claro que a solução está no
transporte público, o que é impossível, sabemos. Os empresários mandam no
prefeito e na câmara de vereadores. Para ir e voltar ao centro, há que
ultrapassar muros gigantescos, como o de GoT. Engarrafamentos se formam em todas
as vias. Pequenos percursos transformam-se em uma hora e meia gasta, para
chegar. Ainda estou testando vários caminhos e quebrando a cara em todos. O
Marco ainda não é um bairro completo. Tem super mercados, lanchonetes, uma
profusão de farmácias, hospital, mas não tem um shopping com livrarias e
cinemas por exemplo. Há pubs e hamburguerias. Não há bibliotecas nem clubes de
música. Não se trata desses bares onde músicos berram em gigs e a plateia berra
por seu canto, para poder conversar. É o bairro topograficamente mais alto da
cidade, mas o número de prédios erguidos ainda nào foi suficiente para “encher”
a paisagem, o que deve dar, aos que moram nos mais altos andares, bela vista.
Perto de mim há Lojas Americanas, pizzaria, lanchonete e até restaurante, este
último, ainda não tive coragem de testar. Saudades de Dona Fátima no Largo da
Palmeira. À parte isso, há silêncio, ao qual não estou acostumado. Não há
guinchos de freios, putas gritando palavrões, pega ladrão ecoando, e
personagens ainda encontrei. Sempre há. De qualquer maneira, tranco-me em minha
disneylandia particular e desfruto, sem pressa dos prazeres da leitura, filmes,
música, que uma vida intensa de trabalho não me deu tempo necessário para
aproveitar da melhor maneira. Pudesse dedicar-me mais cedo a esse ócio
criativo, mais teria lido, ouvido, assistido e principalmente, produzido.
Amanhã há sessão grátis do “Marias”, da Casa Cuíra, com direção de Saulo
Sisnando, no Sesc Ver o Pêso. É a última, the last, ultimíssima, como diz
alguém que conheço.
sexta-feira, 26 de abril de 2019
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
São
quase duas da madrugada e a Travessa da Estrela está silenciosa e vazia de
carros trafegando. Nem parece a mesma rua às 18 horas, quando milhares de
carros utilizam o binário da área. Na hora da saída dos pequeninos estudantes,
filas triplas se formam, como uma feira internacional de SUVs. Quanto mais
renda, menos educação. Meu angu primeiro É inadmissível e chocante a tranquilidade
com que estacionam no meio da rua. Não apenas eles. Hoje, estaciona-se onde se
quer e pronto. Assim, não há guardas de trânsito que possam dar conta. Nem
policiamento. Não dá para estar em todos os lugares. Sem que o Estado ou
Município encontrem meios para tirar carros das ruas e oferecer chances de
trabalho com remuneração minimamente justa, engarrafamentos e assaltos continuarão
a fazer parte do dia a dia.
sexta-feira, 19 de abril de 2019
O TEMPO DA DELICADEZA
Um
templo em homenagem à Fé, Beleza, Arte, que levou 200 anos para ser construído,
destruído em algumas horas. A Igreja de Notre Dame era o coração de Paris.
Aquele fogo encheu de tristeza o mundo dos que ainda acreditam na delicadeza.
Não há como não deixar de pensar no Brasil desses dias. Na Belém desses dias.
Mais de vinte anos de abandono da Cultura e outros tantos do abandono à Educação,
geraram o que vivemos. A grosseria, a boçalidade, a violência e a burrice. Por
conta da mídia, cidades como Rio de Janeiro e São Paulo têm suas dificuldades
multiplicadas, enquanto Belém, por exemplo, com muito mais problemas, mantém-se
como em estado de choque. Grassa a burrice. Na Educação, algumas gerações de
analfabetos funcionais, alguns pretensamente mais sofisticados, vestindo roupas
de grife, desfilando em carros importados, ouvindo sertanojos, escrevendo
errado e com gosto cultural perto do zero. Sempre leio Claudia Costin e ela
escreveu que tanto quanto mudar radicalmente o olhar para as primeiras séries,
é preciso requalificar os professores, seja em salários, seja em preparo
técnico. Nós, que fazemos Cultura, que escrevemos, atuamos, tocamos, cantamos,
pintamos, enfim, temos pela frente uma barreira, um muro, como aquele do Game
of Thrones, gelado, intransponível, para alcançar este público. Não leio porque
dá sono. Não vou ao Teatro porque de dramas, chegam os da nossa vida. Aquele
músico, aquela cantora, só canta coisa chata. Não entendo pintura. Hoje não
saio à noite porque tem jogo, porque tem BBB, porque tenho preguiça. Não leio
jornais porque os artigos são longos e perco o interesse. Na internet, leio os
highlights e pronto. Vivemos a falta de Educaçào, onde a ignorância é anunciada
como a nova virtude, como disse Joaquim Ferreira dos Santos. Eu sou imbecil mas
sou feliz! Uma terra de surdos, de insensibilidade. Onde foram parar a
elegância, a suavidade, os bons modos? Ser gentil, hoje é frescura. Tempos de
barbárie e grosseria. O inverno é rigoroso. A prefeitura nunca está preparada.
Também ninguém deixa de jogar lixo onde não deve. Há mais carros que ruas, mas
ninguém deixa de fazer fila dupla, em qualquer lugar, se lhe apetece. Fazer
Cultura em Belém é torcer para que a mídia divulgue matérias de sua obra e
ficar aguardando. Será que “eles” vêm? Depois, passar pelos bares, lotados de
gente enchendo a cara, assistindo em monitores, lutas no UFC. A nova Secult e a
Fundação Tancredo Neves (foda-se o nome que o infame deu), esta comandada por
um neófito, têm à sua frente tarefa hercúlea. Construir estruturas, primeiro.
Refazer tudo o que foi destruído. Os artistas, famintos, alguns impacientes.
Grupos que fazem Cultura, mas ainda no alcance da Prefeitura, com sua completa
ausência, também querem que o Estado resolva seus problemas. Quando minha
primeira peça estreou, foi no Teatro da Paz, lotado. Hoje, impensável. Mas
ninguém parou. A Secult é que está voltando. Na ausência de tudo, escritores
criaram a Flipa, já em seu quarto ou quinto ano. Até agora, seus organizadores
não foram chamados para qualquer consulta. Quem entrou deve saber tudo. Será?
Repito, não paramos. Temos artistas suficientes em todas as áreas, aguardando
não paternalismo, mas fomento para que o mercado volte a existir, a Educação
forme pessoas interessadas, que tenham opinião, para que a vida fique melhor. A
vida de todos, não somente dos artistas. Está melhor que antes, a escuridão.
Mas o tempo da delicadeza pode voltar.
sexta-feira, 12 de abril de 2019
DO ZERO
Senti
pena do presidente da Fundação Cultural do Pará, no palco do Teatro Waldemar
Henrique, no encerramento da Mostra de Teatro promovida pela Secult. No palco,
peixe fora d’água, sem graça, seu olhar passava da curiosidade ao espanto
assistindo à sua frente, a história do teatro paraense desfilando, com pessoas
diferentes, roupas, cabelos, linguagem, do seu mundo mais comportado de
advogado. Ele olhava querendo entender. Nunca tinha ouvido falar daquela gente.
E eu pensei que há um longo caminho de recuperação da nossa Cultura, destruída
pelo infame por mais de vinte anos.
Uma
das maldades foi fatiar a gestão da Cultura em diversos órgãos. Assim, geridos
por pessoas que pouco entendem do assunto, cada um foi atirando para seu lado e
ninguém acertou o alvo. Acho que essa era a idéia, assim como, principalmente,
separar a Fundação da Secult. O reizinho ficaria em seu trono e a Fundação
distribuía minhocas a seus apaniguados. Trabalhei com Guilherme de la Penha e
ele dizia que tinha a importância de ser Secretário e a agilidade da
presidência da Fundação. Penso que a Secretaria é o órgão máster. Dela parte
toda a política a ser desenvolvida e cada uma das outras partes converge, atua
para um único objetivo. No meu pensamento, até a Funtelpa estaria debaixo do
guarda chuva.
Estamos
recomeçando tudo. Do zero. O orçamento deste ano já está comprometido. Mas
deixemos todos esses dias para reconstruir estruturas. A Prefeitura, há mais de
30 anos, afastou-se da Cultura. Sua Fundação, hoje, cuida apenas das quadrilhas
juninas. Até a Lei Tó Teixeira está parada. Seu presidente, que se diz músico,
não conhece os músicos locais. Nem nós o conhecemos. Como chegou ao cargo? Com
esse afastamento, passamos todos a exigir da Secult, ações que estão ou
deveriam estar no âmbito da Prefeitura. A Secretaria do Estado tem mais de
cento e trinta municípios para atender, formular uma política, estruturar algo
que pode dar resultados em dois, três anos. Começar do zero. Tudo foi destruído
em termos de organização. O Pará tem o tamanho de um país. Paciência. Nós, da
Cultura, que nunca fomos muito unidos, nos distanciamos mais ainda. Quem dera
um Luiz Otávio Barata, hoje. Foi cruel. Imaginem quantas carreiras passaram
esse tempo todo sem qualquer alento. Quantos desistiram. A Educação também
emburacou. Por isso todo esse caos. A Secult está recomeçando, mas nós nunca
paramos. Não paramos. Ninguém nos deteve. Temos músicos magníficos. Atores
maravilhosos. Artistas plásticos, escritores que participam da Flipa. Até
cinema. Foi difícil. Muito. Sem apoio oficial. Sem a compreensão que a Cultura
é um bem de todos e essencial para a formação de cidadania. O resultado está em
todo país, mas me preocupo essencialmente com o Pará. Com Belém. O Teatro
sobreviveu em espaços alternativos. Músicos voltaram aos bares cantando
qualquer coisa. Artes Plásticas em guetos. Escritores aproveitando a internet e
a Flipa. Não morremos. Não nos mataram. Mas há quanto tempo não lotamos espaços
para ouvir música que faz pensar? Peças que pedem reflexão? Filmes
inteligentes? Isso ficou perdido? Estamos recomeçando. Não acho que tudo esteja
bem. Por isso deu vontade de escrever essas linhas aqui. Nós existimos. Fazemos
Arte para o bem comum. Para melhorar o mundo. Não fazemos por dinheiro mas
precisamos pagar as contas, o super mercado. E ainda nos exigem 50% nos
ingressos para estudantes. Há muito a fazer. Vamos recomeçar.
sexta-feira, 5 de abril de 2019
ADEUS BATUCADA
Como
se fosse necessário para voltar. Não estou saindo da cidade. Mudei de endereço.
Pela primeira vez na vida, saio da Presidente Vargas e Serzedelo Correa, um
corredor que percorri diariamente. Meu avô dizia, como blague, que além do
Grande Hotel ou Manuel Pinto da Silva, era outro município. Eu alongaria mais
os limites até o final da Serzedelo Correa. Conheço cada detalhe, casa,
calçada, prédios. Meu playground foi a Praça da República e lembro do dia em
que a Presidente Vargas foi asfaltada pela primeira vez. À noite, as famílias
desceram para passear e eu com minha bike. Brinquei no terrace do Grande Hotel,
dancei nos bailes no Palace. Em casa, ouvíamos os apitos dos navios chegando ao
porto. No carnaval, via os Boêmios da Campina, paletó vermelho, calças e
sapatos brancos. Ainda desfilei pelo Quem São Eles, orgulhoso, cantando o samba
enredo em parceria com meu pai. No réveillon, havia batidas nos postes de
ferro. A Barbearia em frente ao Palácio do Rádio. A Mercearia O Vesúvio. O Cine
Palácio, maravilhoso, onde assisti grandes filmes e tive a educação perfeita às
sextas feiras quando Fellini, Buñuel e Godard, entre outros, eram exibidos.
Mesmo quando morei mais adiante, na Serzedelo, o caminho diário ao trabalho, no
Palácio do Rádio. Havia desfiles escolares e o mais importante, Trasladação e
Círio. Nunca deixei de assistir em toda a vida. Agora que meus pais se foram,
nem sei. Piso naquelas calçadas com respeito. Quando escrevi o musical sobre
Barata, o Cuíra queria falar da história da cidade e lembramos de Calvino e
suas “cidades invisíveis”. As pessoas, hoje, pisam naquele chão, onde tantos e
tantas histórias passaram, como se o mundo tivesse começado no dia em que
nasceram. Sem dar importância. A Presidente Vargas, hoje, é uma avenida
destroçada, abandonada. Suja, esburacada, cheias de ambulantes, mendigos,
párias e edifícios desertos. E é um monumento de Belém.
Morar
ali é estar no centro de muitos acontecimentos. Carros guincham, ambulâncias
gritam, prostitutas discutem, carros som (que deveriam ser coisa do passado)
dizem propagandas. Já sinto falta de toda essa vida à minha volta. De falar com
Baldo, que toma conta dos carros. Da Travestriste, detonada nas manhãs de
sábado. Maria de Fátima, trabalhadora, desde as oito da manhã, esperando
fregueses. Os motoristas de taxi, comandados por Seu Wilson. Dona Maria, desde
as 5 da manhã vendendo cafezinho e cigarros. Alvino e sua banca de revistas.
Raimundona e seu carrinho de guloseimas na parada de ônibus. Blake, que desafia
as intempéries a que está exposto e continua vivinho, de vez em quando
superando a deficiência motora e roubando cordões de senhoras desavisadas.
Roni, Seu Carlos e José, os engraxates, que velam pela esquina com a Aristides
Lobo. Não eles que precisam gostar de mim e siu, eu. Meus personagens. O
corredor polonês absurdamente instalado na esquina com Manoel Barata, onde
muitas pessoas comem, na calçada, em cadeiras de plástico, iguarias regionais.
O Bento que aos domingos passa, impune, com seu som de. Ainda em adaptação,
penso estar em uma capsula, sem nada em volta. Sem aquela vida toda que me
cercava. Meu coração está enterrado lá, na Presidente Vargas.
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