Vai
ser aí nesse Teatro, todo chic, importante? Ih, olhei pra minha roupa e
pensei.. a Doutora vai passar é vergonha comigo. Mas já estou aqui e seja o que
Deus quiser. Sentamos, assim, na primeira fila. Todo mundo chique, mulheres
lindas, e eu ali. O que será isso? Começa uma música e entram bailarinos e
bailarinas! Eu nunca tinha visto um balé! Gente, que coisa mais linda, aquelas
roupas, aquela dança, meninas lindas, rapazes.. epa, pera aí, não, não pode
ser, aquele ali não é o meu filho? Olhei pra doutora e ela riu pra mim.
Reconheceu seu filho? Eu nem respondi. Não podia tirar os olhos dele. Alto,
forte, um corpo lindo. Aquele negro era o solista, o ponto central do balé.
Tinha até orquestra tocando, maestro e tal, mas eu só olhava pro meu filho! Que
marotas essas minhas amigas! Deviam ter me contado! Eu não vejo ele há alguns
anos! Olha só o que ele fez! E eu me lembro, ele ali, sentadinho e levei uns
papeis e lápis de cor para ele ficar brincando. E agora esse tipão aí! A minha
vontade era gritar olha aí, olha que esse é meu filho! Mas eu me segurava.
Tinha um nó no peito que não sabia o que era. Ele não tinha pra onde ir e eu
levei pra casa. Virou meu filho. Filho, mesmo, amor de mãe, porque não precisa
sair do ventre pra sentir amor de mãe. E aí, um dia a professora veio me dizer
que ele estava fazendo parte de um show de hip hop, sei lá, no colégio e que
levava jeito pra dançar. Põe ele no balé.. Eu, hein. Pra depois ele ficar
falado, sei lá, falam tanta coisa. Mas eu conversei com a Doutora, porque a
irmã dela tem uma escola de dança. Ele foi. Espera aí. Agora ele está só no
palco. Ele gira, gira, faz piruetas. Parece de plástico, meu Deus. Será que não
cansa? Sabe lá se eu devia levar um copo d’água pelo menos pra ele. Ia, assim,
escondidinha, ali pelo lado. Psiu... Toma essa água, meu filho. Rápido, ninguém
vai ver e volta lá pro palco. Pois é, ele passou em um concurso e levaram ele
pra outra cidade. Fiquei com medo. É uma criança. É o meu filho. Me disseram
que ele tinha talento. Que eu não podia impedir. Então eu cheguei pra ele e
perguntei: meu filho, tu queres mesmo fazer isso? Ele disse sim. E foi. Manda
cartas. Telefona. Mas de uns anos pra cá, nem teve tempo. E agora ali, na minha
frente, esse teatro lotado de gente rica, chic, inteligente e ele lá, tão
lindo, grande, alto, meu Deus como está alto! Terminou. Batem palmas. Eu
levanto e bato palmas! Grito meu filho! Meu filho! Ele não ouve. Fecham as
cortinas. Não param de bater palmas. As cortinas abrem novamente. Meu filho! E
então pedem para fazer silêncio. Alguém traz um ramalhete de flores. Um
microfone. Ele vai lá. Agora tem uma voz grossa! De onde vem esse voz grossa
assim, seu moleque! E diz que há uma pessoa muito especial na platéia. E para
esta pessoa ele quer dedicar o espetáculo. Mais que isso, quer dedicar toda a
vida. Ele diz minha mãe, minha querida mãe, pode subir aqui no palco? Não
entendo. Não sei o que fazer. Sinto-me parva. A doutora me tira do torpor.
Alguém estende a mão. Olho para mim, meu vestido e caminho até ele. Batem
palmas. Palmas pra mim? Ele me entrega as flores e me abraça. E me beija. E me
abraça com aquele abraço que só nós dois conhecemos. O teatro inteiro bate
palmas, mas não consigo olhar para nada. Só para ele, meu filho. Tão grande,
tão lindo, meu filho! Essa foi a noite mais feliz da minha vida.
sexta-feira, 20 de julho de 2018
UMA NOITE ESPECIAL
Eles
me enganaram direitinho. Eu devia ter desconfiado. Vem a minha chefe dizer que
viria um tal de Dr. Sei lá o quê, proferir uma palestra que eu não poderia
perder por nada desse mundo. Mas quando eu, já, Doutora? Acho até que estou de
plantão.. Não te preocupa, eu já mandei te substituir. fica pronta que eu vou
te apanhar de carro. A senhora vai me apanhar? Vou. Bem, se é assim.. procurei
algum vestido apresentável, porque enfermeira só se veste de branco a vida
inteira. E eu lá vou ter tempo pra comprar vestido?
sexta-feira, 13 de julho de 2018
DAR O FORA DE BELÉM?
O
comediante paraense Sergio Cunha é mais um a anunciar sua partida para
apresentações em rio de Janeiro e São Paulo, com uma esticada até Portugal,
onde pretende levar seu show. Aqui, não há espaço para ele. Gostaria de
dizer-lhe que aguardasse um pouco, pois essa nuvem negra que se abateu sobre
nossos artistas há uns 25 anos, está prestes a sumir. É claro que não podemos
saber quem vai ganhar e se colocará, no cargo de Secretário de Cultura alguém
minimamente preparado para tal. O estrago feito pelo funcionário público que há
tanto tempo ocupa a posição, não tem tamanho. Não há como mensurar. Mas certeza
mesmo é que haverá outro Secretário. Quem sabe? Mas reconheço que é quase
impossível esperar. Nào nos roubaram apenas espaços e datas em teatros locais,
muito menos nas demais cidades do Estado. Fizeram com que passássemos a ser
invisíveis. Não existimos para o grande público. Uma peça de teatro local,
apresentada em espaços alternativos, quando recebe 40 pessoas é considerada de
muito sucesso. Diferentemente, quando um global, traz comédias caça níquel,
cobrando preço alto, lota o Teatro da Paz. Estive conversando com um dos nossos
excelentes músicos. Não revelo o nome porque não pedi autorização. No momento,
com seu grupo, viaja pelo Brasil com uma das mais famosas cantoras nacionais.
Quantas pessoas levaria a um show somente da banda, aqui em Belém? Corajoso, o
conjunto vai lançar como que um clipe com quase 30 minutos de música
instrumental e cenas maravilhosas da Belém que poucos conhecem. O caso dos músicos
é mais complicado. Gravar cd? Quem ouvirá as músicas todas? Lançar apenas
singles? Não há mercado para artistas locais. Mesmo a rádio Cultura, dispara em
várias direções e não acerta. Toca blocos de mpb excelentes, com artistas como
Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso e uma música local. A quem
quer atingir? Que tipo de público? Que faixa etária e econômica? Uma emissora
que não depende de anúncios, que tem a palavra “Cultura” em seu nome, precisa
trabalhar apenas para a música paraense. E de maneira profissional, sem
pruridos absurdos. Hoje, com a facilidade da gravação, temos ótimas músicas
rodando por aí, candidatas a sucesso, se devidamente, tecnicamente programadas.
Mas isso é outro papo. Agora nas férias, artistas famosos, desses que fazem
versos tipo “dim dim dim”, irão a algumas praias, cobrando cachês fabulosos e
sendo assistidos por multidões. E quem quer saber dos artistas locais? Há
poucos dias, a Escola Livre de Teatro, uma parceria entre o Grupo Cuíra e o
Teatro de Apartamento, apresentou o resultado de seu primeiro curso. Um grupo
de dez pessoas, quase todas sem qualquer experiência de palco, apresentou-se
por 1 mês. É claro que convidaram amigos e parentes. O mais incrível é que a
maioria, nunca havia assistido a uma peça de teatro. Vocês precisavam olhar
para suas expressões, sua curiosidade, a mágica ali, sendo feita a alguns
poucos metros, sem uma tela de tv como intermediária. O grupo, que saiu, quer
prosseguir e procura salas onde se mostrar. Bem vindo ao clube. Eu faço parte.
Sei que depois de “Pssica”, muita gente passou a me conhecer como escritor, mas
dependendo do público, sou invisível, desconhecido. Posso ter feito um
brilhareco na frança e no sudeste, mas aqui, na minha terra, sou igualzinho a
qualquer outro escritor local, querendo ser lido e tendo meus livros vendidos
somente em uma livraria, a fox. Serginho Cunha, eu te compreendo. Vai na boa,
faz sucesso, não esquece da gente. Mas essa nossa desgraça vai acabar depois
das eleições.
sexta-feira, 6 de julho de 2018
APROVEITAR A JUVENTUDE
Danuza
Leão escreve crônicas dominicais em um dos jornais cariocas. No último domingo,
citou uma frase do grande historiador Pedro Nava: Todas as pessoas, entre 18 e
25 anos, não deviam fazer nada a não ser aproveitar a vida. Fiquei pensando a
respeito. É claro que isso é impossível em nossa sociedade atual e, falando
especificamente da classe média, que consegue pagar colégios e faculdades a
seus filhos. As pessoas mais pobres simplesmente nem vão às escolas e quando
vão, nada de Educação recebem de proveitoso. Sem nenhum horizonte ou preparo,
ingressam em carreiras criminosas ou vivem de “bicos”, camelôs. E sim, penso
que os garotos da classe média, deviam, todos, talvez, voltar ao primário para
aprender de verdade a ler, escrever, multiplicar, dividir e somar. Devido a
gestões desastrosas, temos algumas gerações completamente perdidas, o que nos
garante um futuro, como nação, sombrio. Os que podem estudar, aos 15 anos, já
são forçados a escolher profissão e enfrentar o vestibular ou as outras
maneiras de entrar nas universidades, isso porque no Brasil, além de tudo, se
não for doutor, com pós graduação e que tais, não se vale nada. Sinto que
digressionei. Queria escrever sobre a beleza de desfrutar da vida, entre 18 e
25 anos, quando todos somos jovens, românticos, sonhadores e o mundo se
apresenta com mil planos. Em alguns países da Europa, após concluir o segundo
grau, os jovens têm um ano de folga para viajar, conhecer outros lugares e
escolher suas carreiras. Já é alguma coisa. Comecei cedo. Aos 18 já havia
escrito peça, trabalhava em rádio e já era compositor da ala do Quem São Eles.
Mesmo assim, poderia ter feito muito mais. Trabalhava. Muito. Não podia dizer
não a nenhuma oferta. Casei cedo, havia filho. Havia o jornal Zeppelin, a loja
33 ¼ e a fundação da Rádio Cultura do Pará OT. E veio meu primeiro livro com
poemas, “Navio dos Cabeludos”. E mesmo assim eu já lia todos os jornais,
revistas e livros que podia. Assistia às sessões das sextas feiras no Cine
Palácio e ouvia a produção musical de Caetano, Gil, Chico, Milton, desculpem
aí. As informações eram difíceis de obter. Radiofotos, revistas enviadas por
amigos e discos que passávamos meses ouvindo, uma por uma das músicas, sem a
sofreguidão de hoje. Mas o que fazer, entre 18 e 25 anos, com tempo e digamos,
algum dinheiro, para conhecer o mundo, ler, assistir, ouvir e principalmente, namorar?
O mundo ficou pequeno com a internet. Visitamos os grandes lugares através das
telas, mas desculpem, somos humanos e nada como estar lá, pessoalmente,
sentindo na pele e na sensibilidade a grandeza dos grandes monumentos. Alguém
foi para a Índia aprender a meditar. Outro para a África, alguém para a Europa,
Estados Unidos, Chile, Panamá, sei lá. Alguém para percorrer o Brasil, esse
nosso país que é, na verdade, a reunião de vários países unidos apenas por uma
língua. Eu jogaria futebol quase todos os dias. Assistiria a todos os filmes,
leria os livros, iria às exposições. E depois dos 25, que tipo de cidadãos
poderíamos ser? Meu amigo está completando 40 anos. Lembrei de mim próprio. Meu
pai entrou em minha sala, me cumprimentou pelo aniversário e percebeu que
estava melancólico. Qual a razão? Respondi que era por ter entrado nos “enta”e
não sair mais. Ele pensou um pouco e me disse: pois eu era tão jovem quando
tinha 40 anos! Nunca esqueci. Foi uma lição. Mas quando lembro da fase entre 18
e 25, as dúvidas, a luta do trabalho, a respiração através da arte, penso que
Pedro Navas, utopicamente, tinha razão.
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