sexta-feira, 20 de julho de 2018

UMA NOITE ESPECIAL

Eles me enganaram direitinho. Eu devia ter desconfiado. Vem a minha chefe dizer que viria um tal de Dr. Sei lá o quê, proferir uma palestra que eu não poderia perder por nada desse mundo. Mas quando eu, já, Doutora? Acho até que estou de plantão.. Não te preocupa, eu já mandei te substituir. fica pronta que eu vou te apanhar de carro. A senhora vai me apanhar? Vou. Bem, se é assim.. procurei algum vestido apresentável, porque enfermeira só se veste de branco a vida inteira. E eu lá vou ter tempo pra comprar vestido?

Vai ser aí nesse Teatro, todo chic, importante? Ih, olhei pra minha roupa e pensei.. a Doutora vai passar é vergonha comigo. Mas já estou aqui e seja o que Deus quiser. Sentamos, assim, na primeira fila. Todo mundo chique, mulheres lindas, e eu ali. O que será isso? Começa uma música e entram bailarinos e bailarinas! Eu nunca tinha visto um balé! Gente, que coisa mais linda, aquelas roupas, aquela dança, meninas lindas, rapazes.. epa, pera aí, não, não pode ser, aquele ali não é o meu filho? Olhei pra doutora e ela riu pra mim. Reconheceu seu filho? Eu nem respondi. Não podia tirar os olhos dele. Alto, forte, um corpo lindo. Aquele negro era o solista, o ponto central do balé. Tinha até orquestra tocando, maestro e tal, mas eu só olhava pro meu filho! Que marotas essas minhas amigas! Deviam ter me contado! Eu não vejo ele há alguns anos! Olha só o que ele fez! E eu me lembro, ele ali, sentadinho e levei uns papeis e lápis de cor para ele ficar brincando. E agora esse tipão aí! A minha vontade era gritar olha aí, olha que esse é meu filho! Mas eu me segurava. Tinha um nó no peito que não sabia o que era. Ele não tinha pra onde ir e eu levei pra casa. Virou meu filho. Filho, mesmo, amor de mãe, porque não precisa sair do ventre pra sentir amor de mãe. E aí, um dia a professora veio me dizer que ele estava fazendo parte de um show de hip hop, sei lá, no colégio e que levava jeito pra dançar. Põe ele no balé.. Eu, hein. Pra depois ele ficar falado, sei lá, falam tanta coisa. Mas eu conversei com a Doutora, porque a irmã dela tem uma escola de dança. Ele foi. Espera aí. Agora ele está só no palco. Ele gira, gira, faz piruetas. Parece de plástico, meu Deus. Será que não cansa? Sabe lá se eu devia levar um copo d’água pelo menos pra ele. Ia, assim, escondidinha, ali pelo lado. Psiu... Toma essa água, meu filho. Rápido, ninguém vai ver e volta lá pro palco. Pois é, ele passou em um concurso e levaram ele pra outra cidade. Fiquei com medo. É uma criança. É o meu filho. Me disseram que ele tinha talento. Que eu não podia impedir. Então eu cheguei pra ele e perguntei: meu filho, tu queres mesmo fazer isso? Ele disse sim. E foi. Manda cartas. Telefona. Mas de uns anos pra cá, nem teve tempo. E agora ali, na minha frente, esse teatro lotado de gente rica, chic, inteligente e ele lá, tão lindo, grande, alto, meu Deus como está alto! Terminou. Batem palmas. Eu levanto e bato palmas! Grito meu filho! Meu filho! Ele não ouve. Fecham as cortinas. Não param de bater palmas. As cortinas abrem novamente. Meu filho! E então pedem para fazer silêncio. Alguém traz um ramalhete de flores. Um microfone. Ele vai lá. Agora tem uma voz grossa! De onde vem esse voz grossa assim, seu moleque! E diz que há uma pessoa muito especial na platéia. E para esta pessoa ele quer dedicar o espetáculo. Mais que isso, quer dedicar toda a vida. Ele diz minha mãe, minha querida mãe, pode subir aqui no palco? Não entendo. Não sei o que fazer. Sinto-me parva. A doutora me tira do torpor. Alguém estende a mão. Olho para mim, meu vestido e caminho até ele. Batem palmas. Palmas pra mim? Ele me entrega as flores e me abraça. E me beija. E me abraça com aquele abraço que só nós dois conhecemos. O teatro inteiro bate palmas, mas não consigo olhar para nada. Só para ele, meu filho. Tão grande, tão lindo, meu filho! Essa foi a noite mais feliz da minha vida.

sexta-feira, 13 de julho de 2018

DAR O FORA DE BELÉM?

O comediante paraense Sergio Cunha é mais um a anunciar sua partida para apresentações em rio de Janeiro e São Paulo, com uma esticada até Portugal, onde pretende levar seu show. Aqui, não há espaço para ele. Gostaria de dizer-lhe que aguardasse um pouco, pois essa nuvem negra que se abateu sobre nossos artistas há uns 25 anos, está prestes a sumir. É claro que não podemos saber quem vai ganhar e se colocará, no cargo de Secretário de Cultura alguém minimamente preparado para tal. O estrago feito pelo funcionário público que há tanto tempo ocupa a posição, não tem tamanho. Não há como mensurar. Mas certeza mesmo é que haverá outro Secretário. Quem sabe? Mas reconheço que é quase impossível esperar. Nào nos roubaram apenas espaços e datas em teatros locais, muito menos nas demais cidades do Estado. Fizeram com que passássemos a ser invisíveis. Não existimos para o grande público. Uma peça de teatro local, apresentada em espaços alternativos, quando recebe 40 pessoas é considerada de muito sucesso. Diferentemente, quando um global, traz comédias caça níquel, cobrando preço alto, lota o Teatro da Paz. Estive conversando com um dos nossos excelentes músicos. Não revelo o nome porque não pedi autorização. No momento, com seu grupo, viaja pelo Brasil com uma das mais famosas cantoras nacionais. Quantas pessoas levaria a um show somente da banda, aqui em Belém? Corajoso, o conjunto vai lançar como que um clipe com quase 30 minutos de música instrumental e cenas maravilhosas da Belém que poucos conhecem. O caso dos músicos é mais complicado. Gravar cd? Quem ouvirá as músicas todas? Lançar apenas singles? Não há mercado para artistas locais. Mesmo a rádio Cultura, dispara em várias direções e não acerta. Toca blocos de mpb excelentes, com artistas como Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso e uma música local. A quem quer atingir? Que tipo de público? Que faixa etária e econômica? Uma emissora que não depende de anúncios, que tem a palavra “Cultura” em seu nome, precisa trabalhar apenas para a música paraense. E de maneira profissional, sem pruridos absurdos. Hoje, com a facilidade da gravação, temos ótimas músicas rodando por aí, candidatas a sucesso, se devidamente, tecnicamente programadas. Mas isso é outro papo. Agora nas férias, artistas famosos, desses que fazem versos tipo “dim dim dim”, irão a algumas praias, cobrando cachês fabulosos e sendo assistidos por multidões. E quem quer saber dos artistas locais? Há poucos dias, a Escola Livre de Teatro, uma parceria entre o Grupo Cuíra e o Teatro de Apartamento, apresentou o resultado de seu primeiro curso. Um grupo de dez pessoas, quase todas sem qualquer experiência de palco, apresentou-se por 1 mês. É claro que convidaram amigos e parentes. O mais incrível é que a maioria, nunca havia assistido a uma peça de teatro. Vocês precisavam olhar para suas expressões, sua curiosidade, a mágica ali, sendo feita a alguns poucos metros, sem uma tela de tv como intermediária. O grupo, que saiu, quer prosseguir e procura salas onde se mostrar. Bem vindo ao clube. Eu faço parte. Sei que depois de “Pssica”, muita gente passou a me conhecer como escritor, mas dependendo do público, sou invisível, desconhecido. Posso ter feito um brilhareco na frança e no sudeste, mas aqui, na minha terra, sou igualzinho a qualquer outro escritor local, querendo ser lido e tendo meus livros vendidos somente em uma livraria, a fox. Serginho Cunha, eu te compreendo. Vai na boa, faz sucesso, não esquece da gente. Mas essa nossa desgraça vai acabar depois das eleições.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

APROVEITAR A JUVENTUDE

Danuza Leão escreve crônicas dominicais em um dos jornais cariocas. No último domingo, citou uma frase do grande historiador Pedro Nava: Todas as pessoas, entre 18 e 25 anos, não deviam fazer nada a não ser aproveitar a vida. Fiquei pensando a respeito. É claro que isso é impossível em nossa sociedade atual e, falando especificamente da classe média, que consegue pagar colégios e faculdades a seus filhos. As pessoas mais pobres simplesmente nem vão às escolas e quando vão, nada de Educação recebem de proveitoso. Sem nenhum horizonte ou preparo, ingressam em carreiras criminosas ou vivem de “bicos”, camelôs. E sim, penso que os garotos da classe média, deviam, todos, talvez, voltar ao primário para aprender de verdade a ler, escrever, multiplicar, dividir e somar. Devido a gestões desastrosas, temos algumas gerações completamente perdidas, o que nos garante um futuro, como nação, sombrio. Os que podem estudar, aos 15 anos, já são forçados a escolher profissão e enfrentar o vestibular ou as outras maneiras de entrar nas universidades, isso porque no Brasil, além de tudo, se não for doutor, com pós graduação e que tais, não se vale nada. Sinto que digressionei. Queria escrever sobre a beleza de desfrutar da vida, entre 18 e 25 anos, quando todos somos jovens, românticos, sonhadores e o mundo se apresenta com mil planos. Em alguns países da Europa, após concluir o segundo grau, os jovens têm um ano de folga para viajar, conhecer outros lugares e escolher suas carreiras. Já é alguma coisa. Comecei cedo. Aos 18 já havia escrito peça, trabalhava em rádio e já era compositor da ala do Quem São Eles. Mesmo assim, poderia ter feito muito mais. Trabalhava. Muito. Não podia dizer não a nenhuma oferta. Casei cedo, havia filho. Havia o jornal Zeppelin, a loja 33 ¼ e a fundação da Rádio Cultura do Pará OT. E veio meu primeiro livro com poemas, “Navio dos Cabeludos”. E mesmo assim eu já lia todos os jornais, revistas e livros que podia. Assistia às sessões das sextas feiras no Cine Palácio e ouvia a produção musical de Caetano, Gil, Chico, Milton, desculpem aí. As informações eram difíceis de obter. Radiofotos, revistas enviadas por amigos e discos que passávamos meses ouvindo, uma por uma das músicas, sem a sofreguidão de hoje. Mas o que fazer, entre 18 e 25 anos, com tempo e digamos, algum dinheiro, para conhecer o mundo, ler, assistir, ouvir e principalmente, namorar? O mundo ficou pequeno com a internet. Visitamos os grandes lugares através das telas, mas desculpem, somos humanos e nada como estar lá, pessoalmente, sentindo na pele e na sensibilidade a grandeza dos grandes monumentos. Alguém foi para a Índia aprender a meditar. Outro para a África, alguém para a Europa, Estados Unidos, Chile, Panamá, sei lá. Alguém para percorrer o Brasil, esse nosso país que é, na verdade, a reunião de vários países unidos apenas por uma língua. Eu jogaria futebol quase todos os dias. Assistiria a todos os filmes, leria os livros, iria às exposições. E depois dos 25, que tipo de cidadãos poderíamos ser? Meu amigo está completando 40 anos. Lembrei de mim próprio. Meu pai entrou em minha sala, me cumprimentou pelo aniversário e percebeu que estava melancólico. Qual a razão? Respondi que era por ter entrado nos “enta”e não sair mais. Ele pensou um pouco e me disse: pois eu era tão jovem quando tinha 40 anos! Nunca esqueci. Foi uma lição. Mas quando lembro da fase entre 18 e 25, as dúvidas, a luta do trabalho, a respiração através da arte, penso que Pedro Navas, utopicamente, tinha razão.