sexta-feira, 29 de maio de 2015

ROBINSON CRUSOE EM MARTE

Agora que o futuro já chegou, os escritores de ficção científica precisam rebolar para nos oferecer algo interessante e mais do que tudo, crível. Não há mais espaço para carros que voam e outras invenções.. Já passaram 14 anos de “2001, uma Odisséia no Espaco”. Foi sem muita fé que comecei a ler o livro de Andy Weir, pela Editora Arqueiro, chamado “Perdido em Marte”. Outros livros e filmes, razoavelmente recentes já trataram de missões espaciais, mas nada muito convincente. Nem sou, inclusive, um grande leitor do gênero. Mas a partir das primeiras páginas, não larguei mais esta aventura sensacional, ainda que com final feliz, que vai se delineando com alguns exageros.

Mark Watney é tripulante do Programa Ares e está em uma nave que após vários meses, chega até Marte. A equipe começa as pesquisas quando vem uma grande tempestade de areia. Todos conseguem chegar ao módulo e escapam, menos Mark, que foi lançado contra antenas que havia instalado, uma delas perfurando seu traje. Os colegas não puderam espera-lo. Escolha difícil, mas houve treinamento para isso e pronto. Pensaram que havia morrido. Mas não. Daí em diante, tem início um processo de sobrevivência absolutamente lógico, que mistura eletrônica, química, agricultura e bom senso. Avistado daqui da Terra por satélite, sua vida provoca uma comoção mundial. Adiante, ele consegue comunicar-se. Fica a dúvida se devem avisar ou não a tripulação que retorna à Terra. Constroem em tempo recorde um foguete com mantimentos para que fique vivo até enviarem outra nave socorro. O foguete se desmancha ao decolar. Os chineses iam lançar um foguete. Pedem socorro, trocam favores. Mark raciona a comida. Os meses vão passando. Um engenheiro aparece com a solução. A nave do Programa Ares, que retorna, dez meses passando, não deve penetrar na atmosfera e sim fazer a volta em órbita e aproveitar a velocidade para retornar e buscar Watney. Antes, pega os mantimentos deixados em órbita. Não, dizem as autoridades. Colocarão em risco a vida de uma equipe inteira. Agora o pessoal da nave já sabe da vida do companheiro. Secretamente recebem a sugestão recusada de retornar. Anunciam que voltam. Enquanto isso, Watney precisa se dirigir a determinado ponto onde está um módulo que ficou lá, com combustível para alcançar, lá fora, a Ares. E tome aventura, sem nenhum Sexta Feira para ajudar nosso Robinson Crusoe. Apenas a luta pela sobrevivência. Ele chega a colher batatas plantadas dentro de uma nave, onde mistura terra da Terra, de Marte e excrementos. Ao chegar ao módulo, precisa jogar fora todo o peso supérfluo em equipamentos que não precisaria utilizar. Daqui em diante, não conto mais, não sou nenhum spoiler. Claro que deve virar filme, mas a exatidão de suas atitudes, a coragem, os golpes de sorte e o conhecimento mostram como o ser humano, em momentos decisivos para manter a vida, luta com denodo e esperança. Não, ele não está em uma ilha deserta. Ele está em um planeta, absolutamente só, com atmosfera hostil, comida acabando e rara chance de escapar. O astronauta Chris Hadfield, comandante da Estação Espacial Internacional, conferiu a correção dos dados. Quando termina, mesmo que preferisse um final mais previsível, não há como não sentir um grande ufa! Recomendo.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

PORQUE TUDO O QUE VOCÊ SABE SOBRE FUTEBOL ESTÁ ERRADO

Colegas que trabalham com futebol, atletas, treinadores e interessados precisam ler este livro, “Os Números do Jogo”, de Chris Anderson e David Sally. Como todos, eu prefiro jogos com lances bonitos e às vezes vibro mais com uma bola na trave do que com um gol simples, mas a verdade é que a matemática está em todas as ações, mesmo que, na maioria dos casos e certamente por falta de qualidade de professores, não tenhamos uma boa relação com a matéria. Cursei alguns anos de Engenharia Civil, antes de me formar em Jornalismo. Uma das matérias mais chatas era Estatística e realmente, o professor não tinha nenhuma didática. E essa cadeira é de brutal importância em nossas atividades, hoje e sempre. Mais ainda quando aplicada ao Esporte. Os autores do livro vão buscar desde os primeiros que aplicaram os números na atividade esportiva. Cricket, basquete, beisebol, entre outros são mais fáceis de trabalhar do que com o Futebol, que é um jogo de erros. Estimaram em 50% o talento que faz a diferença e os outros 50%, no treinamento, repetição de jogadas e principalmente, no conhecimento não apenas do seu próprio time, mas do adversário, sobretudo. Hoje, grandes empresas trabalham como analistas de números para equipes como Real Madri, Barcelona, Milan e Manchester United. Quando se enfrentam, todos sabem que jogador executa que tipo de jogada, em que parte do campo e a frequência em que isso dá certo. Se o adversário tem um desfalque e seu reserva tem alguma deficiência. O Stoke City, da Premier League, por exemplo, tinha em seu treinador sua principal arma. Sabendo da fraqueza da equipe, ele procurou trabalhar lances de bola parada, como escanteios, cobrança de faltas e lateral. Entregava a bola ao adversário, fechava-se e ficava à espera. Obteve grandes resultados. Fico pensando se Cacaio tivesse esses números todos do Cuiabá, jogando em casa, sabendo quais as manobras que seriam feitas, os jogadores mais eficientes e as deficiências da equipe, não armaria melhor o Clube do Remo em Cuiabá. Os números são aplicados inclusive para saber qual o melhor dia e horário da semana, para a torcida ir ao estádio. Se vendem mais cerveja, refrigerante ou sorvete. E quais. O técnico, após o jogo, assiste ao vídeo umas quatro vezes e com a ajuda de um software, compila dados para discutir com a equipe. O Barcelona, por exemplo, vai jogar no campo de jogo do adversário e lá, realiza incontáveis triangulações, à medida em que se aproxima da área e lá, em triângulos velozes, chega ao gol. O passe sendo a mais efetiva ação e principalmente, a bola rolando na grama. Para jogar contra essa equipe, é preciso recuperar a bola e fazer passes longos, cruzando o campo, de maneira a descobrir espaços vazios, tudo em alta velocidade. É assim quando se enfrentam, Barça e Real. Tem um lateral que não cruza bem e isso é necessário ao esquema? Faça-o treinar em separado ou procure nos números um jogador que execute o cruzamento de maneira perfeita. A garotada de hoje já utiliza esses scouts quando em vídeo games e tem a oportunidade de negociar jogadores e armar esquemas táticos. Números estão se tornando parte do dia a dia. É claro que continuarei a vibrar com grandes jogadas, a parte romântica, mas para quem trabalha com isso e sabe que uma vitória por 1 x 0 ou 5 x 0 vale os mesmos 3 pontos, é preciso pensar, analisar números seus e do adversário para escalar sua equipe. Agora mesmo o Real foi eliminado pelo Juventus, que ficou atrás, tirando a velocidade dos merengues e esperou o momento certo para ganhar. Números. Amigos, vocês precisam ler.

terça-feira, 19 de maio de 2015

19 de Maio

Vivo, meu pai faria, hoje, 95 anos. Não tenho dúvidas que chegaria a essa idade. Sua vida foi interrompida por uma infecção hospitalar. Aos 78 anos de idade, era um homem tranquilo, feliz e extremamente produtivo. Às vezes dizia que depois da aposentadoria, passara a trabalhar mais. Em outras, "nem posso sair de tarde. Pela manhã tem o mundial de vôlei, à tarde tem basquete da NBA e à noite, futebol". No intervalo, pegava o violão. Tinha adoração por Tom Jobim e Paulinho da Viola. E era um especialista em contar anedotas. Interpretava os personagens e ao final, dava um tapa leve no ombro do ouvinte, anunciando o desfecho e o convidando a rir. Meu pai me inspirou em tudo. Quando jogava pelada, me levava para assistir e alguns minutos antes do final, me dava a vaga, para começar a sentir o jogo, dentro dele. E depois, milhares de jogos onde eu sentava a seu lado, na transmissão da Rádio Clube, aprendendo a assistir em silêncio e mais que nada, observar cada movimento tático. Fomos parceiros musicais. Ele pensava que eu inscreveria uma música no Festival da Ufpa, mas não. Eu já havia inscrito outras. Acabou sendo uma das nossas mais conhecidas. Fizemos sambas de enredo. Gostava de filmes de bang bang ou de Charles Bronson. Ia a todas as minhas estréias teatrais, mas não era sua praia. Com o sucesso de seus dois primeiros livros, comprou um computador. Veloz, com dois dedos, o mindinho sobrava e tocava, sem querer, abrindo outro documento em branco. Me ligava dizendo que ia vender aquela "pinóia" e lá ia eu, colocar de volta o que ele achava que estava perdido. Todos os dias sentava comigo, em minha sala, para botar o papo em dia. Meu melhor amigo. Meu ídolo. Meu pai. Eu o amo tanto! Todos os dias penso nele e peço que, de onde esteja, ilumine meu caminho. Quisera eu chegar próximo do seu tamanho. Sua correção, ética, credibilidade, bondade, humor e amor pelo próximo. Meu pai querido, de quem herdei o nome, com tanto orgulho. Como eu queria que estivesses aqui! Mas fica bem onde estás. Saudades. Muitas. Amado Edyr Proença.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

EM QUE DIA MORREM OS TEATROS?


De Edyr Augusto Proença
e Wlad Lima.

Os bares, às quartas, escreveu o Elias Pinto. E os teatros, morrem exatamente em que dia da semana? O Grupo Cuíra está fechando seu teatro, na esquina da Riachuelo com Primeiro de Março, após nove anos de atividades. É uma morte lenta, não anunciada, sem pompa nem cerimônia. Como um corpo jovem que falece, seus orgãos são imediatamente doados para fazer viver tantos outros. Já saíram as cadeiras e arquibancadas. As cadeiras, uma doação para uma instituição religiosa, afinal precisamos de todas as orações possíveis, nesses tempos de luto. As arquibancadas foram devolvidas para o nosso grande parceiro, a Loc Engenharia, que tanto acreditou em nós, a ponto de, durante nove anos, manter suas estruturas de ferro para nos sustentar sentados, e  nosso público. Agora o prédio está vazio. Antes de fecharmos pela última vez a porta e sairmos, queremos deixar no espaço os nossos desejos: que aqui, continuem a circular os fabulosos personagens que aqui se apresentaram; que essa esquina seja um marco para todos nós de teatro da cidade. Temos certeza que já é para os moradores daquela esquina.
Para compreenderem nosso amor por um lugar, um galpão, uma zona, vamos contar um pouco de nós para deixarmos uma memória viva para uma cidade dita desmemoriada: sem lugar para ensaiar ou encenar, procuramos um espaço, encontramos aquele galpão vazio, servindo de estacionamento para um clube de bingo. Ele está no centro da cidade, praticamente na Presidente Vargas, bem no caminho da Virgem de Nazaré. Um galpão vazio pronto para dar abrigo a ações artísticas em meio a um processo de destruição da Cultura no Pará, principalmente em Belém, desenvolvido pela Secult? Parecia coisa dos céus! Sem bolso nem documentos, o Cuíra inaugurou sua casa, às custas do próprio suor, igualzinho a que fazem todos do mundo das artes. Sem tempo de realizar montagem própria, porque estava as voltas de produzir o Espaço Cuíra, o grupo deu a honra da inauguração a um grande companheiro de estrada, o Gruta, uma companhia de teatro de Belém de mais de meio século – grupo sem sede, sem casa, como tantos outros. Aí veio o “Laquê”, primeiro espetáculo da casa, do Grupo Cuíra. A ideia foi dialogar com o entorno da nova sede, respeitando e brindando seus moradores mais famosos: as meninas da zona do meretrício. Foi com elas que o Cuíra compôs metade do elenco. Com o Laquê, vieram uma série de espetáculos: Quando a sorte te joga um cisne na noite, Prc5 – A Voz que Fala e Canta para a Planície, Barata, pega na chinela e mata. Grandes trabalhos, grandes elencos, textos, músicas, músicos, equipe técnica; tudo de cima. Com todo esse repertório, fomos acreditando cada vez mais na potência do espaço como TEATRO. Uma empresa emprestou as arquibancadas. Comprou-se poltronas. O palco, banheiros, aparelhos de ar condicionado. Sem nenhuma ajuda das autoridades competentes, o Cuíra abriu pauta para espetáculos da cidade, do Estado, do Brasil. E foram tantos! Cacá Carvalho, que em São Paulo desenvolve projeto semelhante de manutenção de grupo e espaços de criação teatral, esteve por conosco e muito nos honrou. O mais irônico é que de repente,  o Cuíra acreditou que poderia compartilhar seus ganhos: inventou o projeto Pauta Mínima. Através do projeto Pauta Mínima, o pessoal da cidade não só teve direito a cachê por participação, como ensaio, divulgação e 50% da bilheteria. Por seu lado, através de diversos prêmios nacionais do MinC e da Funarte, proporcionou oficinas profissionalizantes, parcerias com o Gempac e outros órgãos independentes. Sim, o Cuíra enfrentou todas as adversidades, uma das piores: o medo da população em chegar até ele, por conta da fama daquela esquina. Como convencer as pessoas? Como convencer alguém que não gosta de teatro a ir até lá, não para ver globais bobocas e interesseiros, mas para ver o teatro paraense? Agora, não adianta ganhar prêmio Funarte, ensaiar e realizar um belo espetáculo, com toda qualidade. Quem vai ao teatro aqui em Belém? Poucos. Muito poucos. Então, temos peças de alta qualidade e apenas vinte pessoas na plateia. Hoje, os amantes do teatro local são como aqueles cristãos na Roma de César, encontrando-se em catacumbas. O Teatro Cuíra fechou. Parabéns às autoridades. O serviço está completo. Em resumo, a dizimação da Cultura está em seu ápice. Enquanto isso, a cada semestre, a Escola de Teatro da Ufpa habilita vários jovens às Artes Cênicas. Mas para quê, mesmo? Para quem?
O Teatro Cuíra fechou suas portas na esquina da Primeiro de Março com Riachuelo. O Teatro Cuíra fechou, num dia qualquer da semana. Foi bom enquanto durou. Encheu o peito de alegria, orgulho, felicidade. Dever cumprido. Agora é mais um “já teve”. Quem não foi, não viu, perdeu! Vitória da incivilidade, da cretinice, da estupidez. Doeu. Doeu muito. Mas houve muita felicidade. Viva o Cuíra!

Mas como CHEGA é nossa palavra de ordem, dizemos a nós mesmos: chega de choro e de velas! O Grupo Cuíra do Pará continuará seu trabalho, como vem fazendo nesses últimos 35 anos. Tem projeto aprovado na Myriam Muniz e já está preparando um novo local, menor, mais caloroso e caseiro, mais condizente com a realidade artística inóspita da cidade de Belém, proporcionada, a mais de duas décadas, por uma fria e elitista política cultural do Estado do Pará, reforçada, silenciosamente, por todos os dirigentes e gestores da cultura, velhos ou recentes. Como estamos ao relento, abrigados pelas estrelas, logo anunciaremos as ruas por onde passará nosso novo espetáculo: o Auto do Coração.  Uma declaração de amor a uma cidade que agoniza.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Unidunitê


Normal ou anormal? Afinal, todos os dias, seja nas mídias sociais, seja nos meios de comunicação, temos assaltos e assassinatos. Podemos discutir o número de “presuntos” nos cadernos policiais, mas não os fatos. Os jornais da noite, de nossas emissoras de televisão transformaram-se em “jornais policiais”, na briga pela concorrência. E aí inicia a novela das sete e alguém manda matar outra pessoa. Na novela das nove, vários assassinatos. A violência tornou-se normal em nosso cotidiano. E ao final das reportagens, os apresentadores dizem que falaram com as autoridades de segurança que, invariavelmente, declaram ter rondas 24 horas naqueles lugares onde diariamente acontecem os crimes. Além dos assassinatos motivados por desavenças no mundo das drogas – a maioria, agora temos os assaltos cometidos no centro da cidade, em locais considerados nobres, onde os moradores pagam os impostos mais altos. Essa massa de malfeitores, empurrada pela falta de Educação, Cultura, Saúde e emprego vem, com sangue nos olhos, tomar da classe média tudo aquilo que não tem mas quer ter, após assistir na televisão artigos caros e bonitos. Esses desesperados, nervosos, com armas alugadas, ao menor movimento da vítima, involuntário, disparam e acabam com vidas. Ou então fazem reféns e exigem autoridades, familiares, lanches, antes de se entregar.
Semana passada, duas da tarde, atravessava o canal da Tamandaré. Minha atenção estava no ônibus, à frente, que manobrava. Minha mulher gritou que íamos ser assaltados. Apesar da chuva forte, naquele instante, dois homens chegavam pelo lado do passageiro em uma moto. O da garupa, com a mão no cós da calça onde estava uma arma. O que fazer? Entregar-me, evitando, possivelmente, violência? Fugir? Sim. Infelizmente, sou dos que reage. Imprimi velocidade ao carro. Eles ainda vieram ao meu encalço. Me senti como aqueles cowboys que dirigiam diligências no Velho Oeste americano. Enfim, os caras desistiram. Como ficamos? E se estivéssemos reféns e a polícia atirasse, absurdamente e fôssemos mortos por “fogo amigo”? Racionalmente, buscamos saída para esse caos. Emocionalmente, quero todos nas cadeias. E as autoridades com suas respostas vazias garantindo que estão agindo? Penso se esses meliantes, quase sempre reincidentes, não são monitorados. Os locais onde preferencialmente atacam. Como podem as autoridades ser sempre surpreendidas com sua ação? Onde está a “Inteligência da Polícia”? Meu carro não tem película nos vidros. Não tenho dinheiro para blindar meu automóvel. A fazer isso, melhor seria andar com guarda costas e também estar armado. E aí, voltamos ao Velho Oeste. Você, na mira de um bandido. Ele, alteradíssimo, nervoso, a arma, apontada para sua cabeça, treme. Não é filme, televisão, vídeo game. À menor ação, mesmo involuntária, ele apertará o gatilho. No susto. Isso está acontecendo diariamente, como se todos participássemos de uma roleta russa. Unidunitê, o escolhido foi você! Em qualquer rua da cidade, qualquer horário, obedecer ou não aos sinais de trânsito? E mesmo que não pare, eles estão de moto, circulando, livres, procurando uma vítima. Seja por desespero, seja por auto confiança, não parecem ter medo de nada. Agridem para quebrar o escudo mais íntimo da nossa segurança. Será que merecemos isso?

segunda-feira, 4 de maio de 2015

JIMI - TUDO A MEU FAVOR

Foi em um sábado qualquer de 1968. Eu chegara do colégio onde joguei futebol. Estava deitado, no quarto. O mano Edgar chegou da Rádio Clube, ligou o pick up e colocou um disco que acabara de ganhar. “Electric Ladyland”, com Jimi Hendrix Experience. E aí minha vida mudou. Dei meu jeito de comprar e encontrar tudo o que eu esperava da música. Agora imaginem o que era um garoto de 14 anos, naquela época, vivenciar a revolução musical proposta por Hendrix. No ano seguinte, no Rio de Janeiro, encontrei “Smash Hits” e “Axis: Bold as Love”. A gravadora, aqui no Brasil, misturou tudo. As notícias eram esparsas. Guardo até hoje um recorte de jornal com uma radiofoto da UPI, mostrando Jimi tocando a guitarra com os dentes. Um escândalo. Para mim, sensacional. É terrível que ele tenha desfrutado do sucesso por tão pouco tempo. Passou feito um cometa, revolucionando, misturando tudo de maneira tão criativa. Veio “Woodstock” e eu fui ao Cinema Olympia diariamente. Na Presidente Vargas, havia a “Papa Jimi”, boate super moderna, na porta um desenho dele. Uma noite, voltando do estudo, visitei meu amigo Ivan Novais que estava discotecando. Havia um vinil com gravações do Festival de Monterey. De um lado, Otis Redding. Do outro, Jimi. E ele abre com “Like a Rolling Stone”, de Bob Dylan. Até hoje me arrepio ouvindo. Hoje, tantos livros depois, tantos discos que continuam sendo lançados com gravações demo que ele deixou e shows, assisto “Jimi – Tudo a meu favor”, de John Ridley, com André Benjamin no papel do guitarrista e volto no tempo.

Jimi me faz pensar em pessoas que conheço, que somente são felizes quando estão trabalhando. Quando saem de seus consultórios, escritórios, não sabem o que fazer da vida. Não têm hobbies, distrações. Mas em seu ofício, estão felizes. Ele corria os EUA acompanhando os mais diversos artistas de r&b. Tocou com Little Richards que o expulsou da banda por chamar mais atenção do que ele, no palco. Era o “doidinho” da guitarra. Uma modelo inglesa, namorada de Keith Richards, amante de blues o viu em um clube. Levou vários amigos para assistir, inclusive Andrew Loog Oldham, que não se interessou. Chas Chandler, que encerrava a carreira dos Animals se apaixonou. Levou para Londres. Enquanto nos EUA, tentavam rotular sua música, na capital da Inglaterra vivia-se a explosão do rock and roll, da psicodelia. Beatles, Stones, The Who, The Cream, somente para citar alguns. Seu trio foi formado com um guitarrista que aceitou tocar baixo e um baterista de jazz que aceitou tocar rock. Sua vida era a guitarra. As experimentações. Os truques. As brincadeiras lascivas. Próximo à sua morte, tentou ser apenas músico. A plateia reclamou. Ele misturava tudo. Rock, blues, funk, jazz, todas as linguagens. Me ensinou a ouvir música. O sentimento. É o herói da minha geração. O filme vai até o Festival de Monterey, indicado por Paul McCartney. Em seu país, finalmente, explodiu. Tinha dificuldade em viver fora do palco ou do estúdio. As namoradas, os interesses financeiros. Ele queria tocar. Gravar todos os sons que estavam em sua cabeça. André Benjamin está ótimo. A maneira de falar, as esquivas, timidez. Voltei a um tempo que vivi, mas não assisti, morando tão longe, em Belém. Vocês não têm idéia, no mundo de hoje, o que era ter 14 anos em 1968 e ouvir “Crosstown Traffic”. O filme está à venda em DVD. Eu adorei.