quinta-feira, 24 de maio de 2012

Como era bom!


Será que passou tanto tempo assim? As equipes trabalharam o dia inteiro. À noite, liberaram a pista e todos os moradores desceram para pisar no asfalto, passear.  Os garotos como eu, de bicicleta, na Presidente Vargas. Sem carros, sem paralelepípedos, o vento batendo no rosto em disparada. O ano? Talvez os 60 tivessem começado. A Praça da República era meu playground. Havia tempo de pião, peteca, cemitério e principalmente, tranca com bicicleta, habilidade em que me tornei expert, com uma Caloi vermelha. A cidade desfilava na frente do Edifício Renascença, onde a família morava. No carnaval, desde cedo, passavam os malandros em paletós vermelhos, calça, sapatos brancos e chapéus dos Boêmios da Campina. Era o máximo! No Dia da Raça, desfilava garboso pelo Colégio de Nazaré, enfrentando o principal concorrente, Colégio do Carmo. No térreo havia a Salevy, uma espécie de shopping nos dias de hoje. No mês de dezembro, barraquinhas na calçada e a chegada do Papai Noel, de helicóptero. O “Buraco” era um senhor que fazia as vezes de “bom velhinho”. Chegava cedo e ia para o último andar. Depois, ia descendo, entrando nos apartamentos, atirando bombons para a multidão lá embaixo. Chegou em casa. Meu irmão mais velho veio informar: Papai Noel conhece o papai. Até pediu uma dose de whisky! Papai Noel bebe? As férias eram no Lago Azul ou Mosqueiro. Hoje, o Lago é um condomínio de luxo, cercado por conjuntos habitacionais de baixa renda. A cidade engoliu, aquilo que achávamos distante. E o Mosqueiro antes da ponte? Todos iam no Presidente Vargas, navio de construção holandesa, que navegara antes no Mediterrâneo. Será? A aventura começava no Galpão Mosqueiro Soure e terminava com vaias e aplausos da juventude que se divertia na Vila. Havia carregadores como o “Sete” e carros ingleses de aluguel que levaram as famílias. Cecy era um deles. A energia elétrica ia até dez horas da noite. Depois, na base do candeeiro. De dia, praia, papagaio para cortar e aparar, “jacaré” em pranchas de madeira, varinhas entalhadas, bolas de seringa e picolés de Karo. Biá, que nos criou, me levava para assistir ao seriado de Billy Elliott, no Paramazon, cinema que ficava na Piedade, com cadeiras de madeira e ventiladores. Ia pela rua com meu chapéu, revolveres abastecidos de espoleta e voltava cansado, esbaforido e sem munição. Havia o Olímpia, onde assisti “Woodstock” “A Piscina” e “Romeu e Julieta”. Também era Palácio, palco de grandes emoções, romances e inspiração. Era uma sexta feira gorda de carnaval e passava “McBeth”, de Polanski, dez da noite. Inesquecível. Os bailes eram sempre lotados. A garotada com olhar de lobos famintos ficava em volta, assistindo as meninas passarem cantando marchinhas. Aos domingos havia a “pipoca dançante”, até as dez. Tão cedo! Alguns dançavam a noite toda. Outros, bebiam. Havia os que ficavam pensando, matutando, planejando a abordagem e quando se decidiam, acabava a festa. Dançavam juntos. Rosto colado era começo de compromisso. E tudo acontecia na Presidente Vargas. Em frente ao Palácio do Rádio, havia o Vesúvio, a mais famosa mercearia da cidade. Ao lado, uma barbearia clássica, espelhada, cadeiras niqueladas, barbeiros de bigodões e a nossa eterna perlenga para nos deixarem crescer os cabelos. Ainda peguei Alberto Mota e Orlando Pereira com seus grupos, os Namorados Tropicais e Sayonara. Agora, além das novelas da Rádio Clube, principalmente “Jerônimo, o herói do sertão”, havia a Tv Marajoara, onde assistíamos Os Intocáveis. Bem, às vezes, após muita argumentação, permitiam que assistisse, por conta da idade. Coisa chata. Nequinho e Alecrim eram os dois palhaços. O já saudoso Armando Pinho. Cláudio Barradas e as novelas. Os comerciais. Pierre Show, Pierre Show, Pierre sensacional! Como era bom. A Copa do Mundo no Chile passou depois em película, patrocínio do Banco Novo Mundo. Meu avô me adorava. Quando me dei por gente, ele já não era o tycoon que havia sido. Me chamava de sua “miniatura”, por eu ser baixinho, magro e cabeçudo. Andava do Renascença ao Palácio do Rádio cumprimentando e sendo cumprimentado. Depois, meu pai faria o mesmo. Hoje, eu. Será que passou tanto tempo assim?

terça-feira, 22 de maio de 2012

Minha primeira professora de inglês

Na subida da Presidente Vargas, onde hoje está um monstrengo da Caixa Econômica, ficava um dos primeiros prédios da cidade, edifício de uns três a quatro andares, de arquitetura inglesa, onde funcionavam o escritório da Booth Line e o consulado da Inglaterra. Resquícios  do tempo da borracha, de Belém como cidade portuária, contando com mais de 30 consulados funcionando. A Booth Line ainda é, creio, uma das mais atuantes companhias de carga de navios. O cônsul era Mr. Bolivar Kup, casado com a maranhense Iara Kup. Certamente foram as relações de meu avô, ou de meus irmãos mais velhos, no colégio, fazendo amizade com os filhos, não lembro a ordem, mas eram Rosy, Maria Elissa, Helena Beatriz e Eduardo. Houve algumas visitas nossas ao apartamento, no último andar do edifício. Almoços, o quarto de Eduardo com miniaturas de carros, aviões, essas coisas de meninos. E então a idéia de aprender inglês com Helena Beatriz, a quem chamava apenas de Beatriz. Talvez fosse para ela, uma diversão, um passatempo interessante. Talvez minha mãe quisesse que as relações se intensificassem, afinal, eram representantes da Inglaterra em Belém. Sei lá. A mim não interessava. Baixinho, magro, feio e cabeçudo, eu ia até seu apartamento para ter aulas. Será que ainda descubro onde estão meus cadernos? Linda, com um narizinho arrebitado e sardas, esguia e claro que me apaixonei, como toda criança, Beatriz também era inteligente e soube como conquistar minha atenção, seja me fazendo desenhar, decorar estórias, cantar canções, de tal forma que ainda hoje, lembro delas. Infelizmente, posto à prova, em um jantar, na presença de diversas autoridades, eu a deixei em apuros. Chamou o pai para apresentar seu aluno e este, perguntou "How do you do?" ao que, encabulado, tartamudeei apenas "ainda não dei isso".. Desculpe, Beatriz. Até hoje lembro disso. No entanto, também, hoje, sei que lhe devo muito. A paixão pela língua inglesa me fez seguir adiante e hoje, falo fluentemente, dela fazendo uso diário e tranquilo, com muito orgulho. E sim, tenho muito orgulho de ter iniciado o aprendizado com você. E sim, sinto muita falta porque em determinado momento, a família sumiu, evaporou. Agora lembro, havia uma casa na esquina da Mundurucus com Rui Barbosa, talvez. Casa com piscina. Lá brinquei, também, em algum sábado ou domingo, convidado por minha bela teacher. Como sumiram? Como deixei isso acontecer, atarefado, talvez em crescer, adolescer e a explosão daqueles anos 60 e 70. Tenho a impressão que um dia, véspera do lançamento de algum livro meu ela esteve em Belém e ligou para a casa de minha mãe. Ao que parece, morava no Rio de Janeiro. Mas nem assim obtive um contato mais efetivo.
Gostaria de rever minha professora. Ela foi brutalmente importante para minha formação por sua leveza, educação, cultura e inteligência. E como era linda, suave, fresca em sua beleza adolescente! Nunca vou esquecer. Hoje surgiu em meu facebook a mensagem que Helena Beatriz Kup Pereira da Silva me adicionou como amigo. Como assim? Fiz uma busca, bem tosca, porque não sou muito hábil nisso e não encontrei. Onde você estiver, Beatriz, saiba que nunca esqueci de você.

Xuxa, mártir da mídia

Não assisti ao programa em que Xuxa relatou ter sido abusada sexualmente na infância, por um tio. No mínimo, a revelação é importante para manter em discussão um tema incômodo mas extremamente grave, que ocorre diariamente no mundo todo, no Brasil, no Pará, em Belém, perto de nós. Não gosto de me meter, mas como se trata de figura pública, ouso desconfiar da apresentadora, contumaz mártir da mídia, sedenta de atenção e matérias na imprensa. Se até seu irmão, com quem era íntima, não sabia de nada e declarou também nunca ter percebido nada de diferente em suas atitudes, na época, qual afinal foi o drama de Xuxa? Tão forte sua pessoa que não deixou nada transparecer e somente agora, prestes a fazer 50 anos, resolve revelar? Há pessoas que não suportam passar, sequer uma semana sem ter sua foto, sua imagem publicada, suscitando debates. Sentem-se vivas. São addicted de mídia. Pensam que imolando-se em público, justificam sua existência. Me desculpe, Sra. Meneghel, mas desconfio.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Ouvindo Islands, do King Crimson


Meu irmão Janjo me deu de presente o primeiro disco do King Crimson, uma banda inglesa liderada pelo guitarrista Robert Fripp, tendo nos vocais um tal de Greg Lake, que adiante formaria no trio Emerson, Lake & Palmer. Foi como dar de frente com um caminhão. A estética. Uma mistura de rock, jazz, folk e erudito, feita com a maior qualidade. Eu tinha uns 16 anos, se tanto. Hoje, seria como ter uns 9 anos de idade, tendo em vista o conhecimento que hoje se oferece a todos. Pouco antes havia sido Hendrix e Joplin. E já tinha Beatles, Stones e os anos 60. A década seguinte iniciava e a “head music” ou rock progressivo dava as cartas. A garotada corria para os conservatórios. Bandas como Yes lotavam estádios. E o público ouvia contrito, sorvendo as harmonias, a estética. Depois veio o punk rock derrubar tudo. Aprenda três acordes, monte uma banda e mude o mundo. Estou de acordo. Mas não precisavam destruir o progressivo. Foi assim. Era necessário para impor outra coisa. Realmente, o rock não podia ser de conservatório. O rock progressivo ainda existe com seu público fiel. Estou fora há muito, mas absorvi, na época, o que pude. Foi enriquecedor. Formou minha persona, revolucionou meus padrões. Me emocionou. EL&P me fez ouvir Mussorgsky, tocado por orquestra. Muitos outros. O Yes com a “Sagração da Primavera”. Mas nada como o King Crimson de Robert Fripp. É a maior e melhor banda de todos os tempos. Todo esse nariz de cera porque ao tentar incluir em uma melodia, uma voz como Verônica, chorando a morte de Barata, para o musical que escrevo para o Cuíra, lembrei do disco “Islands”. Peguei uma edição que comemora sei lá, 40 anos de lançamento, acho, com refino total do som e percepção de detalhes maravilhosos de instrumentos. Ao ouvir, veio toda aquela época, os sonhos, a emoção da descoberta, o impacto estético em uma torrente. Impossível não chorar.
A banda teve formações bem diferentes a cada disco, portanto, é Fripp o grande catalizador. Os músicos entraram e saíram principalmente por falta de dinheiro. O KG nunca teve o mesmo apelo de um Yes ou EL&P. Lembro de estar no Rio de Janeiro e encontrar, na saudosa Modern Sound, os discos “In the Wake of Poseidon” e “Cirkus”, geniais. Garoto, escondi os discos em meio a álbuns de música erudita, para ir até a casa, pedir dinheiro para minha avó, com quem morava. “Islands” ainda hoje, acho, o melhor de todos. É um tanto embaraçoso ler as entrevistas, a naturalidade com que todos falam de peças musicais, na minha opinião, tão ricas. Falam das dificuldades, das músicas feitas para as groupies, no verão europeu, da ilha de Formentera. Há no cd  comemorativo excertos de ensaios, onde as mesmas músicas surgem com tentativas muito interessantes. E Fripp juntando essa turma. Na abertura, cellos rugem, o ritmo vem lento e marcado. Depois da letra, ficam os instrumentos duelando, Fripp no violão, mais flauta, sax, mellotron e de repente, uma soprano dá um show, terminando com uma guitarra que geme e corta o ar. Há muitos outros tesouros. E as ilhas, “Islands”, como me inspiraram a escrever, divagar, sonhar e me enriqueceram esteticamente. Enfim, foi KG que me inspirou para esse trecho da trilha sonora do “Barata”. E quando mostro no estúdio a outros músicos eles ficam loucos com a genialidade da banda, os timbres, os solos, descobertas, harmonias lindas, o sax que guincha e duela com a guitarra. Foi um privilégio. Hoje consegui gravações ao vivo do grupo, rolando o maior jazz, super show. Afirmo com todas as letras que é a maior e melhor banda de todos os tempos. Fripp é gênio.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Domingo blue

Foi uma desgraça, com todos os seus elementos. Dia das Mães, campo lotado, adversário sem tradição, pronto para ser derrotado honrosamente. Em cinco minutos, bem no finalzinho do jogo, como um ápice, tudo pegou fogo. O Cametá empatou com o Remo e sagrou-se campeão paraense. Simples? Não.
Nossa atividade profissional de futebol está falida. Apesar de uma grande imprensa, lutando para, no mínimo, manter os empregos, os dirigentes, sejam dos clubes ou da federação, insistem em empurrar tudo para o buraco negro. Tudo é semi amador, com os principais clubes, um na terceira divisão e o outro, sem nenhuma. Mesmo assim, gastam até 500 mil reais por mês com "jogadores". Nada é investido na formação de atletas e os que, contra tudo e todos conseguem surgir, são cobrados de maneira cruel, sucumbindo diante de tanta pressão. E no entanto, lotamos estádios, em jogos de uma torcida apenas!
A vitória consecutiva de um clube do interior infelizmente não quer dizer nenhuma melhora no nível. Nada disso. A equipe que venceu o Remo é formada por veteranos e enjeitados. Não tem infra estrutura alguma. O Estado grande como um país, com uma população tão apaixonada, continua à mercê de incompetentes que não percebem ou não querem sequer imitar o que acontece em outras praças, ganhando dinheiro, promovendo, espalhando, tirando até dividendos políticos. Jogam em simulacros de gramados, mas lotados, com equipes montadas de última hora. Mas na hora precisa, foram esses homens que ganham mal, machucados, humilhados, diante de 40 mil pessoas, que botaram o coração acima de tudo e venceram. Quanto aos azulinos, de nada adiante lamentar cartões amarelos de um Fábio ou de um Marciano. A culpa é de quem acreditou neles, veteranos, derrotados, sem aquela liga da vitória que sobrou em um Soares. No mesmo dia, em Porto Alegre, o Internacional, na decisão gaúcha, saiu atrás, perdeu pênalti, mas virou e venceu, mostrando o peso da camisa, empurrado pela torcida e acima de tudo, pela flama de vencedor. O que houve com o Remo naqueles minutos em que resolveu encolher-se na defesa? Permitiu um último fôlego, uma última carga do Cametá, aceitando a virada, puro medo, pernas frouxas, diante de uma torcida, esta sim, que foi agredida, humilhada pela falta de hombridade de seus atletas. O quanto valia a vitória para o Remo? O título, a vaga na Quarta Divisão, um título em quatro anos, atividade profissional no segundo semestre. Nada disso fez sentido para esse bando de jogadores que passam a carreira sendo derrotados, de clube em clube, sem criar vínculo, ou dos garotos apavorados, cobrados, mas sem a força para reagir e enfim, passar à maturidade.
No momento do belo gol de falta de Soares, só não houve um silêncio ensurdecedor como o ouvido no Maracanã, 1950, Copa do Mundo, Brasil x Uruguai, porque os mirrados cametaenses e naturalmente os torcedores bicolores fizeram barulho. Uma desgraça. Com 2 a 0 no placar, planos eram feitos, remistas abraçavam-se aliviados e no entanto, dentro de campo, nada estava decidido. Foi uma vergonha.
Agora, fora de questões clubísticas, a derrota remista é mais um degrau que o futebol paraense desce rumo ao amadorismo. Na véspera, a equipe do Paysandu, completa, prestes a iniciar a Segunda Divisão, na presença de seu novo técnico, perdeu jogando fora de casa para o Nacional de Manaus. O Nacional de Manaus, que pior que o Pará, já é praticamente amador? Pois é.
Foi um domingo blues. Uma melancolia me tomou quando tudo foi consumado. Mesmo as gozações foram fracas. Os outros perceberam a desgraça, a tragédia que ocorreu. Ou a tragédia que lhes acompanha, também, nos calcanhares. Que pena.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Ouvir os primeiros de Gil

Sei que me repito, mas tenho vontade. Baixei do iTunes músicas do começo de carreira de Gil, em plena explosão da Tropicália. Gil tem um disco antes, alguns compactos em outra gravadora, um hit como "Lunik 9", mas a profusão de notas, harmonias, poesia, imagens e instrumentação que veio a seguir é algo absolutamente genial.
Da parte dele, melodias riquíssimas, sugerindo novos approaches para frevo, forró,  baião, galope, letras que redefinem a maneira de escrever poesia, mantendo a crítica, mas adicionando amor, talento, ironia, genialidade, uma voz que alcança todas as notas, modula, encanta e um violão competente. E vêm Os Mutantes, com vozes, guitarras, baixo, não sei se o baterista é Wilson das Neves, mas é tudo tão fresco, novo, moderno, arrebatador! E no entanto, não é o suficiente. Chega Rogério Duprat que, com todo o respeito, é superior a George Martin no que fez pelos Beatles. Seus arranjos são de tirar o folego pela criatividade, beleza, talento, comentários, fazendo com que precisemos ouvir as músicas, mais de uma vez, para desfrutar dos arranjos, revolucionários.
Sei que há motivos econômicos, mas dá saudade em ter novamente orquestras acompanhando artistas, mas não somente fazendo um Paul Mauriat ou Mantovani, mas um Duprat, que nos faça vibrar. E louvo o grande Gilberto Gil, que infelizmente, estéticamente, já foi vencido há uns 15, talvez 20 anos, será tudo isso o tempo que tem "Quanta", seu último trabalho com alguma beleza. Desculpem, Gil acostumou com o melhor. Suas melodias secaram. Suas letras, pior. Infelizmente, principalmente, a voz tem problemas que considero, hoje, desagradáveis para quem o ama tanto. Devia parar. Ouvindo suas primeiras gravações, penso nisso. E no segundo disco, aquele do "Cérebro Eletrônico", talvez na guitarra já seja Lanny Gordin, mas ainda há orquestra, não sei se, ainda, de Duprat, mas na mesma direção, maravilhosa. Que emocionante, hoje, ouvir com nitidez os instrumentos, poder absorver toda a riqueza que há, Gilberto Gil no início e já em momento máximo.

Nós, os inventores

Não sou um inventor, essas pessoas maravilhosas que estão o tempo todo preocupadas em criar outras maneiras de realizar as coisas mais simples, ou sensacionais, por pesquisa ou talento. Mas hoje, dei de pensar nas pequenas invenções cotidianas. Por exemplo, lembro que em um domingo, eu e meu irmão Edgar, loucos para ir ao campo de futebol com nosso pai, para assistir à uma decisão qualquer de campeonato, fomos chamados pela mãe que impôs: somente iríamos quando aprendêssemos a dar o laço em nossos sapatos. Por algum motivo, até aquele instante, havia sempre alguém para a tarefa. Nem lembro quantos anos tinha. Isso pode ser até embaraçoso, mas não sabia. Nem o Edgar. Ali, no quarto, o tempo passando, angustiante, dei meu jeito. Ele também. O laço do Edgar é bem obtuso, bem imperfeito, eu diria, mas até hoje, ele o faz da mesma maneira. Como eu. Acho que o meu é mais próximo da maneira correta, mas ainda assim, uma invenção. A necessidade, sempre, como foi, um dia, compor jingles publicitários, ou políticos. Agora, com outro irmão, Janjo. Tínhamos a Rádio Cidade. Os anúncios eram gritados, como aqueles "AVISTÃÃÃOOOO", entendem? E ele, sempre empreendedor, comprou aparelhagem e criou um estúdio. Veio a encomenda. Uma loja de vespas chamada "Brito", da turma da Tágide. O que fazer? Pior, não toco nenhum instrumento. Bem, uns três acordes em sol maior, de cavaquinho, que meu pai tentou me fazer aprender. Mas minha cabeça era cheia de vento e ansiedade, não havendo paciência para o aprendizado. Como seria bom. Sem saber tocar nada, precisando da grana, inventei. Peguei a introdução de uma das músicas do Cure. Com a gilete, eu e o técnico Luizinho repetimos até juntar 30 segundos. Sobre aquele resultado, criei uma nova melodia e letra. Sei que parece "bafo", mas é verdade, com o jingle, ganhamos um Prêmio Nordeste Colunistas, algo assim. Depois veio o jingle do Roxy Bar e mais uns duzentos, talvez. Como? Não sei. Invenção. Comecei com o laço no sapato e lembro do nó. Nunca aprendi. Eu e Edgar estávamos na Feij, aprendendo a dar nó. Eu, criança, enrolava e me desculpavam. Não sei se o Edgar aprendeu. Eu, não. E estalar os dedos? Assim, como fazemos para chamar cachorro, ou para dizer que algo ocorreu há muito tempo atrás. Eu estalo. Do meu jeito. Chega a ser ridículo. Tem tudo para dar errado. Mas estala. O barulho é até diferente, mas é o estalar de dedos. Como aprendi? Inventei. E sigo inventando.
Quando penso nos livros que escrevi, penso também na audácia em tê-los lançado. Minha poesia tem berço nos poetas marginais, mas o resto, é tudo inventado. Meu ritmo, as palavras, como fazer. Leio outros poetas, percebo sua técnica e quanto a mim, não percebo nada. Inventei aquilo. Talvez devesse ter estudado antes. Escrevi crônicas, teatro, contos, romances. Inverti o que normalmente acontecem. Escritores começam pelo conto e depois, o romance. Não tinha nenhuma base. Apenas o conhecimento de leitura. Fico pensando se é exatamente esse toque de diferença, de invenção, que é o fator determinante, pois afinal, a vida é a mesma, os acontecimentos, diferindo apenas a maneira de escrever, relatar, contar. Agora vem um musical para dirigir. Como escrevi, tenho cenas na cabeça, terei o auxílio luxuoso de Leonel Ferreira na direção, mas não tenho aprendizado algum. Invenção. E você, o que inventa?

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Sean Penn e Johnny Depp

Penso que são os dois melhores atores em atividade. Assisti seus dois mais recentes filmes. Pena, servem apenas para admirar seus talentos e técnica. Penn está em "There must be a place", no papel de um roqueiro afastado, deprimido por dois fãs que se suicidaram ouvindo suas músicas, feitas de encomenda, para um nicho, nos anos 80. É claramente inspirado em Robert Smith, do The Cure. Cabelos longos, revoltos, maquiagem e batom vermelho. Milionário, vaga pelas ruas, sem nada para fazer. O pai, com quem não falava há 30 anos, falece. Ele vai assistir ao enterro e de lá, volta refeito. O diretor parece italiano, não lembro o nome, bem jovem. O roteiro é tortuoso, oferece janelas que não cumpre e nos pegamos admirando Sean Penn, apenas.
"Rum Diary" é Johnny Depp, baseado no livro de Hunter Thompson, o admirado inventor do "jornalismo gonzo". A cena é em Porto Rico e Depp faz o jornalista Kemp, que chega para trabalhar no agonizante jornal local. Bem, qual jornal não é agonizante? Lembrei de Gilberto Gil que ando ouvindo, extasiado, em seus dois primeiros discos: "o jornal de manhã chega cedo, mas não traz o que eu quero saber, as notícias que leio, conheço, já sabia antes mesmo de ler". Não é somente a vida que se repete, mas hoje, principalmente, a perenidade de um artefato que entre apuração, redação, impressão e distribuição, perde um tempo enorme em que as notícias que traz já foram superadas por acontecimentos. Penso na dificuldade de meu amigo Gerson Nogueira, em decidir as manchetes, por exemplo. Tergiverso. Entre litros e litros de rum, Depp/Kemp se envolve com pilantras, amigos, uma bela mulher e nativos. De maneira absurda, sai incólume, em um veleiro, rumo nowhere. Depp é o máximo. O filme, não. Melhor ler o livro.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Les uns et les autres 2

Chama-se, no Brasil, "Esses Amores", o filme de Claude Lelouch que acabo de assistir, tão bonito, romântico e bem feito. O cineasta retoma a base de "Retratos da Vida", onde a guerra serve de elemento catalisador de vidas, encontros e separações. Aqui, uma moça, cuja mãe e padrasto começaram a namorar ao som de "Stormy Weather", tem a vida afetada fortemente pela guerra, em termos de amores e de sua família. Tudo pelas circunstâncias. Seu padrasto é dono de um cinema. Os filmes estão sempre por perto. Os alemães em Paris. Os americanos que chegam. Paixões, traições, crimes, reconciliação. Francis Lai, mais uma vez, é autor da trilha que cita, algumas vezes, "Les uns et les autres". Há imagens, também. Ao final, o close de uma senhora, que seria a moça, retratada no cinema, que seria mãe de Lelouch? Há defeitos, mas as qualidades são tantas, que é melhor esquece-los. O filme é lindo, europeu, romantico.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Um Culto no Cinema Palácio



Achei o texto, que afinal nunca foi publicado, e resolvi postar aqui neste blog. 

Um Culto no Cinema Palácio 
 Dor, decepção, frustração. Impossível entrar no Cine Palácio e não sentir. Lembrei daquela música, “Almost Paradise”, que tocava para abrir as cortinas. Entrei, vestido sobriamente, para não despertar atenções. No lugar dos cartazes anunciando as próximas atrações, cartolinas com a “Corrente da Felicidade”, “Corrente Contra as Drogas” e outras “novidades”. Ao entrar na sala, a dor foi mais forte. Desânimo de estar em uma cidade tão anestesiada para com a Cultura. Ainda estão lá as luzes nas paredes laterais. Mas não estão ligadas. Agora há enormes fosforescentes. As cadeiras vermelhas, desiguais, culpa da última administração. E NÃO HÁ TELA! Ficou tudo devassado. O palco, quase nu e ao fundo, escadas mal feitas. Sobre o palco, foi construído há pouco e ainda está sendo pintado, uma espécie de pórtico e lá dentro, sob uma cortina de tule, parece um altar com cálice, algo assim. Mas tudo se passa embaixo.
Ao invés dos espadachins de “Scaramouche”, passam engravatados, solenes, sérios, imagino, pastores. Há um pequeno púlpito e um deles ouve o relato de suas senhoras. À minha direita, um senhor, humilde, de joelhos, gesticula para ninguém. Parece desesperado em suas preces. Chega outro. Primeiro, ajoelha com a cabeça no assento e ali fica vários minutos. Outros fazem a mesma coisa. Poderia estar em um filme de Buñuel, daquelas sessões inesquecíveis às 22.30, sextas feiras. Mas não. Está chegando a hora. O Palácio é grande e está quase lotado. Nos últimos tempos não conseguia isso. Ligam o sistema de som. Lá do alto, dois holofotes estão ligados e conforme a intensidade das orações aumentam e baixam. Ilusão. Truque. Como no cinema. Um piano toca uma melodia. O pastor pede a todos que estendam os braços para o alto. Obedeço mas, abrigado pela multidão, baixo. A prece começa lenta. Todos acompanham, não sei se repetindo as palavras, ditas lentamente, ou repetindo seus pleitos. As vozes vão ganhando volume. O pastor também acelera e de repente, canta um trecho da música. Todos acompanham. Ele sabe o break, pára e reinicia a oração. Agora fala dos desvalidos, dos que comem o pão que o diabo amassou, dos incompreendidos, dos que não têm chance, dos que vivem à margem, sem dinheiro, com as dívidas, as ameaças. E todos se encontram. A voz do pastor é teatralmente chorosa, ele diz o que todos sentem. Desespero. As vozes aumentam de volume, os holofotes aumentam a intensidade, estão quase gritando, chorando e vem mais um trecho da canção. Intervalo. Alguns enxugam os olhos. À minha frente, um homem forte, bíceps à mostra, não baixa os braços, firmes, olhando para o alto (os holofotes?), clamando. Os pastores passam reparando em quem está emocionado. Futuras vítimas? Como em “Amarcord”, de Fellini, onde a Gradisca está à disposição do príncipe.. Noto, pelo corredor lateral, a entrada de um homem forte, pasta tipo de representante de remédios. Vai para o interior do palco, onde antigamente era a saída pela Ó de Almeida. Rápido, retorna por dentro do palco, segurando sua Bíblia. Sem titubear, pega o microfone do pastor que até então chorava e comovia. Com uma voz forte, firme, transforma aquilo que era um choro, uma lamentação em uma certeza. “É Hoje! Hoje tudo vai mudar, hoje tudo vai acontecer, hoje tudo vai se transformar!”. Imediatamente as pessoas entram em transe. Gritam “é hoje!” e estão confiantes. Os holofotes piscam, o pastor fala forte, as ovelhas estão domadas. Lembro as bruxas de “McBeth” o filme de Polanski, sobre Shakespeare. A energia está no ar e ele, ciente do seu domínio, pega o break da canção que não cessa e canta, dando uma esfriada na galera. Bacanagem. Cessa a música. Ele vai começar outra jogada e de repente, lembra de “homenagear” os que pagam dízimo. “Correndo, vamos, venham deixar o seu dízimo”. Correm para pagar. Não têm medo de mostrar ternos bem cortados, poder. Afinal, Deus lhes deu a riqueza por serem fiéis. Não é isso o que todos querem? Então façam como eles. Paguem para receber em dobro. Achei que era suficiente. Saí discretamente, mas alguns olharam reprovando. Sair naquele instante? Paciência. Peguei um folheto, do Grupo Jovem, contra as drogas e perguntando se meu problema é espiritual, familiar ou sentimental. Há reuniões aos sábados e domingos. Agora reparo, na saída, uma cartolina onde está desenhada uma máquina registradora e pelos lados, sacos de dinheiro como aqueles do Tio Patinhas. É a “Corrente dos Empresários”, às segundas feiras, não lembro o horário. Vou saindo, uma mão me pega o ombro. Assustado, penso “pronto, o Edyr Macêdo mandou me pegar”. Não, era um pastor, lógico, ninguém ali passa despercebido, me perguntando se havia gostado, a que horas havia chegado e se voltaria. Perguntei pela sessão da Sexta feira, meia noite. Agora não tem mais. Pensei comigo que as sessões de cinema, aqui em Belém, também não deram certo. Disse que apareceria. Lá dentro, o clima fervia. E no térreo do Palácio do Rádio, lado a lado, várias lojas de crédito com vendedores disputando clientes, que depois vão se ajoelhar. O Cinema Palácio não merecia isto que todos nós deixamos acontecer como se não fosse com a gente. Imagino que ali, quando fecham a porta, devem aparecer os espectros de Fellini, Buñuel, Scaramouche, os grandes personagens, grandes diretores, se batendo, andando trôpegos em várias direções, perguntando “o que aconteceu?” ou “por quê???”. Não há resposta. Mais um já teve.
Cultura, quanto vales? Aqui em Belém, imagino que nada. O Cinema Palácio virou Igreja Universal de Deus e salvo algumas reclamações após as transações serem confirmadas, nada se fez. Todos nós fizemos de conta que não era conosco. Cinema é cultura. Claro que também tem sua metade comércio. Mas é Cultura, totalmente, em sua parte. A falta de público no Palácio e nos outros cinemas decorreu principalmente da ausência de Cultura na cidade. Secretarias de Cultura, Estadual (hoje completamente perdida em sua finalidade) e Municipal  não atuam. Hoje viceja o beber e pular até cansar. Ninguém quer pensar. Se vão ao cinema, teatro, música, perguntam se é drama porque já bastam os seus. Nenhum órgão público se apresentou a comprar o Palácio para mante-lo Casa da Cultura, tão bonito e luxuoso para shows, teatro, enfim. Nem os empresários que hoje só pensam em dez mil pessoas bebendo e pulando até cansar, desde que gastem, desde que paguem seu dízimo e não pensem, não tenham cultura a não ser para saber o que significa a palavra “abadá”. Nós, jornalistas, artistas, deveríamos ter feito barricadas, gritar por aí para salvar esta casa que era nossa e deixamos levar. O pessoal da Igreja faz sua parte e não temos nada com isso. Vai lá quem acredita e é trouxa, achamos. Direito de ir e vir. Mas a Cultura perdeu, com certeza. Experimentem entrar no Palácio, hoje. Dá vontade de chorar. O que fazemos conosco?