sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

ONDE O MUNDO SE DIVIDE

Para mim, o mundo se divide na esquina da Tiradentes com a Quintino Bocaiúva. Ao menos, para os que usam a Tiradentes, em direção ao centro. Explico: o trânsito é forte e recebe carros da Antonio Barreto, bem como da Doca. É uma subida intensa, e desafia a habilidade dos motoristas em manter o carro embreado, mas parado. Quase chegando à tal esquina, uma faixa contínua avisa, segundo as Leis de Trânsito, que está proibida a ultrapassagem. Portanto, quem quiser dobrar à direita, para a Quintino, deve, bem antes, escolher o seu lado, bem como os que seguirão em frente. Mas aí é que está. Enquanto uma minoria, que seguirá em frente, obedece às instruções, a maioria, fiel à máxima de “sou brasileiro e tenho de levar vantagem em tudo”, aproveita-se e vem, lépida, esperta, alegre e saltitante, ultrapassando os “idiotas obedientes”, seguindo em frente, ganhando alguns metros, se tanto. Vale a pena se preocupar com isso? Bem, eu me preocupo. Há motoristas de táxi, e me vem uma baba sagrada, por sabê-los interessados em qualquer nesga por onde possam levar vantagem. Há garotos em carros fantásticos, enormes, ansiosos para demonstrar sua ousadia e competência, em driblar os bobalhões, ali, na fila. Há estúpidos, sempre aborrecidos, que cometem o ato, meramente por grosseria. E mulheres com falso ar ingênuo, tentando levar vantagem. Eu gosto. Antevejo. Percebo sua chegada discreta, atabalhoada, dissimulada, agressiva. Vejo nisso, um quadro da nossa sociedade. Toda a má educação, a falta de cultura e civismo que nos assola, não interessa a marca e o ano do carro. Eles se aproximam, certos que no momento preciso, me cortarão a frente e ganharão os tais metros, saindo felizes, sorriso no rosto, pensando “mais um idiota para trás”. Só de pensar, me dá um arrepio. Eles vêm, com a certeza da impunidade. Não tem a ver com superioridade econômica, luta de classes, sei lá. É preciso boa noção de espaço, domínio do carro e do tempo. Sangue frio. Dissimulação. Estamos lado a lado. Com um discreto olhar, de relance, percebo sua intenção, a respiração do carro, com seu pé no acelerador, a posição em diagonal para realizar a manobra. Permaneço estático, como um leso, mais um leso a ser enganado, vencido. Fico ali, inerte. É preciso manter mínima distância do carro à frente, mesmo que seja uma subida. É agora. Uma pequena aceleração e o bico do meu automóvel toma a frente, para susto do oponente. Ué, o que aconteceu? Pior, a partir daquela esquina, a Tiradentes fica mais estreita, exatamente para a esquerda, de onde vêm os obedientes “idiotas”. Assim, com o bico do carro à frente, resta ao então confiante e panaca do outro carro, a calçada, a não ser que freie, repentinamente, inesperadamente, um corte nas suas certezas, e aguarde a próxima nesga, para, ainda assim, fazer valer sua manobra irregular.

Depois, é só olhar pelo retrovisor suas pragas, reclamações, como garotos apanhados em travessura. Alguns vêm atrás, ligam farol alto, querem vingar-se, mas a rua é estreita, não permitindo ultrapassagem e alguns metros adiante, a maioria cai em si e percebe que estava errada, deixando para lá. Já vi outros “colegas” fazendo a mesma coisa. Que bom não estar sozinho nesta guerra. Alivia o peito. Amansa o tal “espírito punitivo”. Mas antes de tudo, é um pedido a cada um, para que retornemos à civilização e suas leis. No mais simples ato, como esse, na esquina da Tiradentes com a Quintino, está resumido todo o nosso problema. O mundo se divide ali. De que lado você está?

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

O NOVO LIVRO DE LEONARDO PADURA

Leonardo Padura é um dos maiores escritores da língua espanhola em todo o mundo, tendo recebido, recentemente, o prêmio “Princesa das Astúrias”, a premiação mais importante da Língua Espanhola. Em novembro passado, recebeu o Prêmio Barcino, de novela histórica. Já havia sido lançado no Brasil alguns de seus livros, mas eu não os tinha lido. Isso aconteceu a partir de “O Homem que Amava os Cachorros”, pela Boitempo Editorial, que foi aclamado nacionalmente. Logo depois veio “Os Hereges”, também excelente. Estive ao seu lado, no Recife, visitando a primeira sinagoga do Brasil, o que tem a ver com o romance. E então, a editora relançou os trabalhos com aventuras do detetive Mário Conde, que muitos dizem ser seu alter ego. Quatro livros maravilhosos, na linha noir, mas fundamentalmente nos revelando Havana e cubanos na sua essência, sem cores publicitárias ou políticas. A vida, simplesmente, em seu dia a dia. Também está na Netflix, ainda, suponho, uma série espanhola com as histórias desses livros. Imperdível. Mas é que agora, a Boitempo apresenta seu novo trabalho, “A Transparência do Tempo”, onde mais que uma nova aventura de Conde, Padura se defronta com a chegada dos 60 anos de idade e o que isso representa para cada um de nós. Seus medos, sensação da passagem inexorável do tempo e os poucos sonhos ainda faltando realizar.
A história, datada de 2014 é esplendida, por situar-se em um breve período de esperanças por melhores dias, em função dos gestos do presidente americano Obama, em reatar relações diplomáticas e outras possibilidades. Sonho furado. Trump foi eleito e tudo voltou ao zero. Conde é um policial aposentado, que vive de pequenos bicos. Sua namorada, cinquentona, é descrita como legítima cubana, mulher de opinião, com apetite sexual e dotes culinários. Cada um mora em sua casa. Melhor assim. Também acho. Amigos de uma vida inteira são visitados quase todos os dias. Reunem-se para comer, beber e ouvir Creedence Clearwater Revival. Ajudam nas investigações, dão palpites.
Há sempre um que está prestes a se mandar para Miami, onde já vivem parentes. Conde fica triste. Se não fomos quando éramos jovens e cheios de sonhos, conhecer o mundo foi porque éramos proibidos. Agora, velhos, temos mais é que ficar por aqui, junto aos amigos. Para quê viajar para uma cidade desconhecida, mundo novo, refazer uma vida que durará poucos anos? Há uma certa melancolia em todos. A dificuldade em comer bem, beber do melhor, fumar charutos ou cigarros (Leonardo nem prova outras marcas, tem sempre um maço cubano), casas arruinadas, ruas esburacadas, engenheiros trabalhando como garçons, médicos dirigindo carros americanos pré históricos e autoridades vivendo em mansões maravilhosas, deixadas por seus antigos donos, que fugiram quando Fidel Castro tomou a cidade. Aposentado, vive de comprar e vender livros antigos, importantes, encontrados em sebos ou na mão de viúvas que desejam ver-se livres da papelada colecionada pelo falecido.

O chefe de polícia é um ex-comandado por Conde. Vivem às turras por ele investigar assuntos perigosos, expondo-se muitas vezes e sem avisar aos órgãos competentes. Um antigo amigo de colégio o procura para um trabalho. Especialista no mercado negro de arte, faz com que o detetive desça aos porões da cidade, as zonas, diria, vermelho rubro, em termos de perigo, pobreza, fome e desespero. Eu adorei e recomendo.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

PARAENSES NA CIDADE MARAVILHOSA

O Rio de Janeiro ainda é um sonho para os paraenses? Vi em várias colunas sociais fotografias feitas em réveillons e na praia, claro, maior verão. Há uma parte de Copacabana, logo no começo, onde famílias paraenses ainda têm apartamentos. Era chique morar ali. A classe média, que passava as férias de julho em Mosqueiro, transformando a ilha em uma Camelot, jogava-se para a Cidade Maravilhosa nas férias de começo de ano. O Rio era e é um grande chamariz, mesmo com as balas zunindo as cabeças e arrastões sejam mostrados nos jornais da televisão. Os cariocas bem que tentam, convenhamos, mas não conseguem destruir paisagem tão linda. Penso que muitos outros brasileiros, de outros Estados, também amem a cidade. Uma vez, em Oriximiná, para a festa dos bois, ouvi diálogo em mesa próxima, em um navio onde estavam os vips da região. Entre outros bafos, a coisa de veranear na cidade. Lembrei de nós. Lembrei de mim.

Comecei a ir aos nove anos, para ficar com meus avós, na Barata Ribeiro com Bolívar. Depois, muitos outros endereços. Meu pai foi transmitir Santos x Milan. Noite chuvosa. No dia seguinte, até notas de dinheiro estavam para secar. Mas andar por Copacabana, sobretudo, era ouvir “éguas”, “maninha e “tu viste”, por exemplo, em cada esquina. Paraense gostava e gosta de andar em bando. Assim, levam consigo sua cidade, seu ambiente e amigos. Também são encontrados assistindo peças de teatro. Não faltam. Menos aqui em Belém, onde nunca vão. Quando vão à praia, as meninas logo são cercadas por meninos cariocas e a eles concedem todos os mimos. Em segundos, adquirem um sotaque genuíno, verdadeiras “garotas de Ipanema”. Tudo isso me fez escrever uma peça de teatro, “A Menina do Rio Guamá”, que fez muito sucesso, nos anos 90. Há muitos “causos” a serem contados. Como aquela família que frequentava os restaurantes mais caros, mas a mãe sempre levava, em uma lata de leite Ninho, a farofa feita aqui, para no devido momento, colocar no prato de seus filhotes. E aquela namorada que terminou o namoro em outro restaurante? O namorado, já estava há mais tempo veraneando. Ela chegou, foram jantar. Quando chegou o garçom, o namorado, já enturmado, o chamou pelo nome e apresentou a namorada, dizendo que ela tinha acabado de chegar de Belém e ainda não conhecia a cidade. Audácia! Paraenses também não perdiam shows no Canecão. E como sempre andam em grupo, este era sempre o mais ruidoso do local. Mas as meninas, todas com seu “pet namorado carioca” e seu sotaque praiano, estavam bem colocadas. Nada de passeios a Corcovado e Pão de Açucar. Brega, totalmente brega. Vão para os barzinhos, quem sabe a Lapa, mas as mães todas também vão e ficam em mesa especial, de onde podem vigiar as meninas, loucas para fugir com seus “pets”. Hoje, que as viagens ficaram mais fáceis e passageiros viajam de calção, chinela de dedo e camiseta, já são poucos os grupos de paraense em ação. Houve época de Fortaleza e seu carnaval fora de época. Há muito que todos estão em Miami, com apartamentos abertos somente durante a temporada, mesmo que nos EUA seja inverno. Sim, vão todos em uma grande turma, locomovendo-se em vans enormes, de onde saem em hordas para Outlets gigantescas. Compram desde assento de privada e outras cafonices. Logo cedo, nos lobbys dos hotéis, fazem montinho, praguejando contra esta ou aquela, que sempre está atrasada. Eles saem de Belém, do Brasil, mas na verdade, não saem, entendem? Lembrei de tudo isso quando vi as fotos de gente feliz em suas férias e nos réveillons no Rio de Janeiro.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

AS CERTEZAS DE UM NOVO TEMPO

Acho um avanço, sem querer achar muito por faltar-me um conhecimento técnico melhor, a Base Nacional Comum Curricular, que está sendo lançada no Brasil. Aos 16 anos, ainda não havia amadurecido e não sabia que carreira pretendia seguir. O fato é que cursei alguns anos de Engenharia Civil, na UFPa, para enfim formar-me em Jornalismo, onde me encontrei, já adulto. Se a Base já funcionasse, desde cedo meus pendores seriam identificados as escolhas melhores, definindo uma direção. Mais do que nunca, a Educação me parece o assunto mais importante. Estamos atrasados em relação à maioria dos países. Temos, diria, gerações perdidas, com analfabetos funcionais, jovens em idade de trabalho mas sem qualquer qualificação em um mercado cada vez mais exigente. Segundo o World Development Report 2019, apresentado pelo Banco Mundial, todos precisaremos adquirir novas competências. Os robôs estão aprendendo cada vez mais, extinguindo profissões, diminuindo a demanda por empregados. Isso nos leva para o começo do século XX, Revolução Industrial quando os cocheiros, por exemplo, perderam emprego para os chaufferes dos carros. E, recentemente, os fabricantes de máquinas de datilografar, para os teclados dos notebooks. Isso apenas para citar dois casos. O mundo está em pleno movimento e as descobertas, invenções são quase diárias, deixando obsoletas coisas que ontem considerávamos essenciais. Eric Ries, que escreveu o livro The Start Up Way, disse que vamos utilizar cada vez mais o empreendedorismo como veículo de modernização e mudança cultural para enfrentar os novos tempos. Ou seja, invente, crie, ofereça sua novidade, pense. Pensar. Aí reside um dos grandes obstáculos. Lembram de Henry Kissinger, o Secretário americano que agiu predominantemente na época da Guerra do Vietnã?  Nem todos, claro. Ele declarou que a  cognição humana está perdendo velozmente seu caráter pessoal. A internet está afastando as pessoas da História ou Filosofia. Querem respostas rápidas, práticas. Informação rasteira. Ou seja, não pensamos, não refletimos, não analisamos. E assim, não formamos opinião própria a partir de argumentos positivos e negativos, alcançando um equilíbrio. Concordamos com o que nos afirmam. Fica tudo muito simples e ralo. Sem o conhecimento, sem o argumento, sem a Filosofia, não somos nada. Qualquer um que tiver minimamente esses instrumentos, digamos, nos reduzirá a pó em segundos. As frases são cada vez mais curtas. Se há mais de três linhas ainda avisam “ih, lá vem textão”.. O resultado está claro nas músicas de sucesso, com letras cada vez mais tolas, até onomatopaicas. Digital Influencers, jovens que vivem de expor a tolice de suas vidas para um público que não tem vida. O vocabulário está cada vez menor. No cinema, apenas as comédias lotam as salas. Ninguém quer pensar. Teatro é chato. Livro me dá sono. Quero apenas os destaques. Mesmo assim, parece que o melhor do cinema está nas séries. Está tudo na Nuvem. Ninguém mais precisa ter cds, livros, dvds. Tudo por streaming. Confesso que nunca pensei que chegaríamos a isso. Foi tudo tão rápido. Olho para meus poucos vinis que guardo mais como lembrança, para os cds e sinto que são passado. Nem mais tenho em casa um cd player, por exemplo. Nesse mundo de velocidade, será que chegaremos ao implante de dados culturais em nossos cérebros? Porque já percebo a falta de tempo para alguém sentar e ouvir um cd inteiro, ler um livro inteiro, assistir a um filme com mais de duas horas. Onde isso vai dar?