sexta-feira, 30 de outubro de 2015

OLHA O RAUL!

Ao contrário da maioria das pessoas, não gosto de feriados. Considero dias perdidos. No meio da semana, pior ainda. Atrapalha o cotidiano. Na segunda feira passada, Recírio e feriado para comerciários. Uma segunda feira, em que costumo estar de mal humor e agora, o feriado. Havia a necessidade de comprar carne para alimentar os cães, que têm uma alimentação saudável, segundo o site Cachorro Verde. Com tudo fechado, acabamos no Mercado de Carne, ali na 15 de novembro. Estacionamos o carro e fiquei para trás, examinando o ambiente. Com pena, sem todo o trânsito que se apresenta nos dias comuns, percebo a imensa maldade que fizemos contra o casario antigo daquela rua. Pintadas em cores foscas, para esconder seu desenho arquitetônico e favorecer fachadas pavorosas, estão prédios lindos, que ao contrário, deveriam ser destacados. Convivem com alguns edifícios, transformados em gaiolas, onde vivem pessoas de baixa renda. Nas ruas transversais, barracas podres e imundas, estão guardadas por pessoas, certamente para evitar que alguém venha e se apodere. Calçadas e ruas sujas, destroçadas, paredes pichadas. Há um caminhão descarregando o que parece ser uma mudança. Vem passando um homem, que me cumprimenta. Devolvo. Atravessa e fica na porta do Mercado, o belíssimo prédio em ferro, enviado desmontado em navio, da Inglaterra. Uma obra de arte. Deveria estar brilhando em limpeza, de tal forma que tivesse seu verdadeiro valor histórico e arquitetônico considerado. Ao invés disso, miséria, sujeira, uma placa anuncia banhos a 2 reais, e demais usos a 1 real. O homem me pergunta se sou eu quem está fazendo a mudança. Não, não. Minha mulher entrou para comprar carne. Estou tomando conta de dois prédios. Sem dormir a quase três dias. Nas mãos, uma lata de cerveja barata. Pergunto se há muitos ladrões na área. Muitos. Em feriado, aparecem muitos por aqui, mas ninguém fresca na minha área. Me aponta dois que vão passando. Olha aqueles. Tudo Raul. Comigo, não. Ontem de madrugada, estacionou aqui uma Mercedes. O cara saiu e foi comprar peixe. Falei com ele. Nem me olhou. Veio Raul. Tu é que estás tomando conta desse carro? Não. Estou tomando conta de prédio. Então fica na tua e não te mete. Roubaram tudo. O cara voltou. Quem fez isso? Não sei. Não viste nada? Não. Estou aqui tomando conta de prédio. Vou chamar a Polícia! Chama, porra. O cara se enche de graça, só porque tem um carrão. Passa e nem fala. Não quero nem saber. Vem uma mulher desgrenhada e pergunta se ele vai almoçar. Agora não posso. Vai lá na barrada do Zezinho e me espera. Aproveito e ofereço um cigarro. Me dá unzinho aí. Quer dizer que Raul é ladrão? Sim, a gente chama de ladrão essas figuras. Aqui a gente sabe de tudo. Estive há poucos dias em Recife. A cidade tem graves problemas, mas o centro é todo preservado, recuperado, limpo. Grandes empresas como Caixa Econômica, Bradesco, Banco do Brasil, fizeram desses prédios centros culturais que funcionam como museus, teatros e estão sempre ofertando produtos interessantes. Camelôs, não vi. Fiquei pensando no desamor que todos temos por nossa cidade. Na inação da prefeitura. Na falta de gestos dessas grandes empresas que nada oferecem à cidade. A classe alta que vive desfile em importados, pelas ruas esburacadas. Aos pobres que depredam, sujam, picham, gritando por um socorro que não vem e nem virá. A falta de Cultura que já dura vinte anos e nos devolve à barbárie. Que pena, Belém, 400 danos..

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

A PESSOA CERTA PARA VOCÊ

As relações amorosas entre as pessoas acontecem pelos mais variados motivos. As combinações são as mais estapafúrdias e mesmo duas pessoas completamente diferentes, às vezes se completam. Andei conversando com jovens amigos para saber como andam essas relações e do que abririam mão em suas características para agradar ao parceiro. As respostas foram as mais engraçadas. Algumas valem para homens e mulheres. Você está louca pelo cara, mas vai conversar e ele só fala tipo “pra mim fazer”, omite plurais como “essas coisa”, ou erra a conjugação como “tu foi?. Será que a relação tem futuro? Não, a não ser que você decida assumir uma postura de professor de Português, o que acabará por irrita-la, sendo tão frequentemente corrigida. Melhor nem chegar perto.
O cara é bem bonito, tem um carro maravilhoso e ao invés de outras meninas, escolhe você para um fazer um convite para jantar. Você aceita. Ele chega. Você, toda bem vestida, perfumada, entra no carro e no som está tocando pagode. Ou sertanojo. Ou brega. Você precisa tomar uma decisão rápida. Peça licença e dê uma olhada nos outros cds ou dvds. Olhar clínico. Não, ele não se afasta disso. É melhor simular um mal estar e voltar pra casa. Não vai dar certo. Bem, não me imagino passar nem 30 segundos ouvindo esses gêneros. Não vai dar certo. É uma questão de estética.
A menina é linda, você está apaixonado, mas quer ir devagar, obedecer as regras. Faz um convite para irem ao cinema. Ela escolhe o filme. Entram e somente depois de apagar a luz, você dá conta que o filme é dublado. Com uma infinita paciência, você explica que no cinema ao lado, o mesmo filme está passando, com legendas. É melhor, ouvirmos as verdadeiras vozes dos atores, enfim, filme dublado é para analfabetos funcionais. Opa, não diga isso. Ela ficará ofendida. É grosseria. Melhor dizer que vai lá fora comprar uma pipoca. E ficar, lá fora, mesmo, aguardando ela sair. Você diria que aproveitaria a ocasião para beijar muito e nem dar bola para o filme. Não adianta. As vozes dos dubladores, os mesmos dos filmes da televisão bloqueiam qualquer tesão. Não vai dar certo. Questão de estética.

Você devia ter reparado melhor. O tamanho dos bíceps, das panturrilhas, o pulso e a tal da barriga negativa. Azar o seu. A menina é uma malhadora profissional. Passa o dia de legging, meias grossas no tornozelo e tênis de ginástica. Cabelo preso, pouca maquiagem. Ela malha. Seu assunto é malhação. Não pode ver um colega que já começa a falar de pesos e aparelhos. Foi na meia maratona? E que lugar chegou? E aparece, logo nessa hora, um professor da academia. Forte, sarado, vestido com moleton ou camisa justa que acentua os músculos, recebe um abraço pra lá de impactante, de sua garota. Ah, é apenas um amigo! E você a imagina deitada em um aparelho, de costas, e ele ali, passando a mão pelo corpo enquanto faz a contagem e a estimula. Não pode dar certo. Tudo tem um limite. Ah, ele não lê nada? Jornal é coisa de velho. Nunca li um livro na vida. É perda de tempo. O que eu vou fazer com um livro grosso desses? Me dá sono! Vou logo avisando que não vai dar certo. E aquela que vive para o seu celular, ele seu verdadeiro namorado? A conversa não engata, participa de mil grupos, confere instagram, face, what’s up e mil outros. Seria melhor que você ligasse para ela, para conseguir conversar. Achei engraçado. Será que é assim, mesmo?

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

SEGUNDA FEIRA LITERÁRIA DO PARÁ

É com imensa alegria que convido a todos para a segunda FLiPa, Feira Literária do Pará, que acontece amanhã e no domingo, na Livraria Fox, com a parceria da Editora Empíreo. Minha felicidade é que o número de pessoas interessadas em participar e escritores é muito grande, ensejando que a iniciativa é realmente uma realidade. Devo dizer que a idéia foi do escritor Salomão Laredo, que há dois anos atrás, ao mesmo tempo em que ocorria a farsesca Feira Pan Amazonica do Livro, fez, na Livraria Fox, a “Feira do Salomão”, colocando à venda, com descontos, os livros de sua autoria. Elogiei e dei a sugestão para me juntar a ele. Em conversas na Fox, frequentada por autores locais que têm seus livros à venda, foi criada a Feira Literária do Pará. Não temos nenhum apoio oficial, como era de se esperar. Contamos com o entusiasmo dos proprietários da Fox e de Filipe Laredo, da Empíreo. Vieram, também, Andrei Simões e Roberta Spindler e formou-se o grupo que chegou à primeira FLiPa, já obtendo êxito em vendas e comparecimento de público. E porque pensamos altruisticamente naquilo que é melhor para todos e o objetivo que é dar ao escritor local o destaque que merece e ao público, a possibilidade de desfrutar do que aqui é produzido em Literatura, decidimos também criar prêmios. O Prêmio Nobre de Literatura, concedido a um escritor que tenha um livro importante, esgotado, e que precisa retornar às prateleiras. No caso, Alfredo Oliveira, com seu “Belém, Belém”, que agora, na segunda FLiPa, é relançado pela Empíreo. Olhamos para trás e olhamos para a frente. Realizamos um concurso de romances, com o Prêmio Fox de Literatura, com Flávio Oliveira vencendo com “Atalhos do Tempo”, lançado agora, também pela Empíreo. Mais ainda, na primeira FLiPa, elegemos como patrono o cronista Jacques Flores, que teve obras à mostra e comentários sobre o seu trabalho. E agora, chegamos à segunda FLiPa, empolgados, certos de estar na direção precisa, embora saibamos que muito mais precisa e deveria ser feito pelos órgãos de Cultura. Fazemos nossa parte. Desta vez, como escritores convidados, todos com livros recentemente lançados ou em lançamento neste sábado, Alfredo Oliveira, Benny Franklin, Daniel Leite, Bella Pinto, Álvaro Martins, Aline Brandão, Antonio Juraci, Flávio Oliveira, Salomão Laredo, Andrei Simões, Roberta Spindler e este cronista. O autor a ser premiado com o Prêmio Nobre de Literatura é o historiador Ernesto Cruz, que terá uma de suas obras relançadas, ano que vem. Haverá novamente concurso para o Prêmio Fox de Literatura, no modelo romance. E como patrona, a poeta Adalcinda Camarão, cujas obras estarão em exposição, além de ser comentada por ninguém menos que João de Jesus Paes Loureiro, que já publicou há algumas semanas atrás, na página de Elias Pinto, um belíssimo artigo sobre a autora da “Balada de Monte Alegre”. Seu filho, Líbero Antonio, veio especialmente de Niterói para assistir a homenagem. Para arrematar, ainda teremos a prosa de Habib Frahia Neto, a respeito do grande paraense Gaspar Vianna, homenageado com livro e HQ, contando sua história. Os autores todos estarão presentes, na companhia de outros escritores que estarão presentes, mostrando seus trabalhos. Serão dois dias de muita alegria, por conta da realização do evento, da certeza do dever cumprido e saber que alguns dias depois já reuniremos para planejar a próxima FLiPa. Estão convidados.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

PSSICA NO RECIFE

“Dora rainha do frevo e do maracatu, ninguém requebra nem dança melhor do que tu”. Dentro da van que me levava ao hotel, olhava para Recife, onde estive para a Bienal do Livro. Lembrava de um 78 rpm que minha avó deu a meu irmão mais velho, juntamente com uma eletrola portátil (pesava uns dez quilos). Dorival Caymmi, no esplendor da forma vocal, cantava a música tão linda e tão significativa. Na abertura, um naipe irretocável de metais entrava em chamas, tocando um frevo. No encerramento, também. Será que era regida pelo maestro Cipó? Não sei. Nunca mais ouvi a gravação. Mas veio à mente enquanto a van passava por viadutos, avenidas largas, prédios, monumentos. Sim, Recife tem os mesmos problemas de segurança e disparidade social que se verificam em Belém. Mas nos trechos por onde trafeguei, à beira da praia e no lugar da Bienal, as ruas estão boas, sem tanta pichação, iluminadas e aparentemente em segurança. O centro da cidade, todo iluminado, permite o passeio e a conversa em bares, centros de cultura, museus, restaurantes, ah, quem dera a João Alfredo e grande parte da Cidade Velha!

Estivemos juntos, novamente, eu e Leonardo Padura, cada um falando de seu livro. Ele, cheio de glórias merecidas e muitos leitores. Eu me apresentando e lançando curiosidade sobre meu trabalho. Os dois, na abertura da Bienal. Vem um tiozinho fazer as apresentações. Ignorou-me, enchendo a bola do cubano, a quem chamou de “novo Tólstoi”. Então Padura pediu a palavra e por vários minutos, discorreu sobre meu trabalho e o dele, repetindo meu nome várias vezes. Generoso. Aprendi mais uma. Ficamos amigos, conversamos muito. Fomos conhecer Olinda. Também a primeira sinagoga das Américas, a respeito dos “Hereges”. A um que perguntou sobre questões políticas em Cuba, respondeu que estava ali para falar de seus livros. Quando chegamos, hotel em frente à praia de Boa Viagem, disse-me que até então, Nordeste, para ele, era seca, fome, miséria e ali, parecia com Rio de Janeiro. O calçadão, o marzão verde, lindo, a brisa marinha. Mas nem pense em dar um mergulho. Placas imensas avisam que há tubarões à espreita. Não precisa dizer mais nada. Amigos ofereceram um almoço de longo curso. Interessantes, educados, amabilíssimos, engraçados, precisei sair mais cedo para outro compromisso, agora entrevistado por Schnneider, que embora seja bem jovem, é um dos curadores da Bienal. Sabe tudo sobre “Pssica”. Lê trecho, indaga e comenta, para um público interessado. Depois, nos separamos. Leonardo foi para Cuba, através do Panamá. Eu voltei para Belém. Falamos, comunicamos, lançamos, fizemos nosso trabalho. A repercussão do “Pssica” tem sido excelente. Parece que deu um “clic” e de repente todos prestaram atenção à minha literatura. Depois de lerem o novo, vão atrás dos mais antigos. Isso faz um bem enorme. Voltei com energia renovada para, ao lado de meus pares, participar da segunda FLiPa, na próxima semana. É curioso que nem com todo esse destaque, consigo ter um livro à venda na Saraiva ou na outra cadeia. De qualquer maneira, é um sucesso de vendas na Fox. Meu primeiro público é o da minha cidade, meu Estado. Quero que leia e se identifique, forme imagens sabendo como são as ruas, os lugares, o sotaque. Será que desta vez consigo isso? “Eu vim à cidade pra ver meu bem passar, ô Dora!” Caymmi canta e Recife fica para trás. Até outra vez.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

ENAMORADOS PELOS LIVROS

O cubano Leonardo Padura disse algo, no debate que fizemos na Livraria Cultura do shopping Iguatemi, em São Paulo, que gostei muito. Diferente de mim que demoro pouco tempo para escrever meus livros, ele escreve e reescreve, até considerar pronto, sofrendo muito por terminar. Diz que esse é o tempo em que se enamora da obra que está escrevendo. É verdade. Mesmo trabalhando em menos tempo, no período em que estou ligado ao livro, sinto-me enamorado da trama, dos personagens. Mesmo tendo outras atividades e destinando apenas umas duas horas por dia à tarefa, durante aquele tempo, nada consegue tirar meu bom humor, minha alegria de viver. Em algum lugar da minha cabeça, as idéias continuam fluindo, a trama vai avançando, encontrando outros personagens, estabelecendo um ritmo, até que terminamos, entregamos e vivemos o típico vazio que se verifica ao final dos relacionamentos amorosos. Percebemos que o mundo real continua, as tarefas, compromissos, mas fica um vazio que aos poucos vai sumindo, talvez por encontrar novas idéias para um próximo trabalho.

Por enquanto, vou aproveitando a onda de interesse sobre meu último romance, “Pssica”, que vem recebendo críticas elogiosas aqui em São Paulo, com interesse também de cariocas, gaúchos e paranaenses, na forma de entrevistas. Vou me adaptando, encontrando respostas para perguntas que até poucos dias não tinha. Como você escreve? O que quer dizer seu livro? Como é seu processo? Nem todas essas perguntas têm respostas fáceis. Cada escritor tem seu processo. Para muitos é dolorido. Para mim, feliz. Tenho também conversado com livreiros das maiores livrarias da cidade, contado sobre o que é ser paraense, morar distante dos grandes centros, meu cenário, meus personagens, explicado a razão do título, seu significado. Paulistas são às vezes muito centrados, crendo que o mundo se circunscreve à sua enorme cidade. Assim foi participar da Paulicéia Literária, promoção da Associação de Advogados de São Paulo, com a presença de grandes nomes nacionais e internacionais. Fiz um debate com Bernardo Carvalho e Carlos Lima, ele paulista, o outro, mineiro, com o título “Aberrações Arcaicas”, que nada mais é do que uma provocação para começar a conversa. A presença de bom e interessado público me deixou animado. Mais ainda nos jornalistas que já leram meu livro e chegam cheios de perguntas sobre a trama. Agora ainda há a Bienal do Livro de Pernambuco, onde novamente estarei com Padura em um debate e também lanço o “Pssica”. Leonardo estourou no Brasil com “O Homem que amava os Cachorros”, Boitempo Editorial, após ter outros livros lançados, mas com pouco destaque. Agora está aqui divulgando “Os Hereges”, novo trabalho. É um homem discreto, que fuma cigarros cubanos, fortes, toma seu vinho e tem um ótimo discurso. Prefere responder às perguntas sobre seus livros, mas a maioria delas se refere à imensa curiosidade que temos sobre Cuba e o momento que atravessa. Padura diz que o grande desafio será construir uma infraestrutura para receber tantos turistas, principalmente americanos. Já há desigualdades, pois um carregador de malas em hotel pode conseguir até cem dólares de gorjetas em um dia, salario de mês inteiro de um médico. O dinheiro que Cuba receberá servirá para manter os programas sociais, mas é certo que um planejamento muito sério precisa ser feito para manter a essência das conquistas do regime. Até por aí.