terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Crítica do Flanar - Francisco Rocha Junior

Um sol para cada leitor

Li de um tapa, neste final de semana, o último livro do escritor e teatrólogo Edyr Augusto Proença, “Um sol para cada um” (SP, 2008, Ed. Boitempo).

A edição da Boitempo, da publisher paraense Ivana Jinkings, é bem cuidada, com orelha da atriz e professora Wlad Lima e prefácio do escritor paulista Nelson de Oliveira. O livro apresenta 36 contos curtos, quase todos ambientados em Belém. Na única exceção, o conto Putz, os personagens estão em São Paulo, mas são do interior do Pará.

Edyr Augusto desfila temas violentos e cruéis, em uma linguagem crua e muito, muito urbana. Seu texto lembra o Rubem Fonseca de "Histórias de Amor" (Companhia das Letras, 1997): frases curtas, texto veloz, sem metáforas ou volteios. Edyr Augusto não esconde nada, não deixa de dizer nada, não subterfugia nada. O conto Um cara legal é o maior exemplo disso: da aproximação à prisão, passando por tudo o que há de mais hediondo, a história de um pedófilo é narrada de modo direto, em detalhes. Há que se ter estômago forte.

O livro não é, pois, de modo algum, um mar de rosas. Há momento, porém, delicados, exatamente como na vida. Pedofilia, suicídio, traição, luxúria e mortes, muitas mortes – motes inevitáveis para romances que se passam em meio urbano e focam sempre nos personagens (não há descrições de cenas em “Um sol para cada um”) – transitam entre uma e outra história de desejo, de amor adolescente e de reencontro. Na mescla entre delicadeza e degradação moral, no entanto, ganha a última, por escore dilatado.

A escrita de Edyr chama a atenção, ademais, por dois aspectos, inusitados e muito bem-vindos entre nossos escritores.

Primeiramente, apesar do cenário regional, não há regionalismos, nem odes à terra natal. As histórias poderiam se passar em qualquer outra metrópole. Porém, como têm Belém como pano de fundo, é respeitado o linguajar mundano paraense. Não há xingamentos apaulistados ou acariocados; as personagens falam como falamos nós, nossos vizinhos e conhecidos, no dia-a-dia, diante de situações extremas. Afinal, não há nada mais violentamente paraense que “eu me abro pra ti, sabia? Só me abrindo. ‘Bora, porra, levanta (...) Hei! Tô falando! Porra, fala comigo. Fala! Deixa de graça! Te dou umas porradas, hein?”, ou agoniadamente paraoara que “ih, seu Tatá, eu hoje não estou boa, o senhor já me conhece, quando eu chego assim, meio escabreada, quando eu não respondo logo Bom dia pro senhor, hoje é daqueles dias...”.

Além disso, Edyr mostra-se mestre nos discursos, diretos e indiretos, de seus personagens. O ator desenha as cenas, as mudanças de local, de humor e de circunstâncias quando põe os protagonistas para falar ou para responder aos secundários que com eles contracenam. É neste momento que seu texto se movimenta, rápido, sem parar, sem tempo para descrever ou contemplar qualquer coisa.

Bom livro. Recomendo. Vou à cata de “Casa de Caba” e “Moscow”, livros de Edyr Augusto ainda editados, que já vi por aí, em livrarias da cidade. Quando os achar, darei meu pitaco por aqui

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