sexta-feira, 28 de dezembro de 2018
AOS SOBREVIVENTES
Colegas
artistas e envolvidos com a produção cultural de maneira geral, sobreviventes
que conseguiram chegar até aqui e assistir à segunda saída de alguém que
durante mais de vinte anos trabalhou incansavelmente para nos destruir,
humilhar e afastar do povo paraense. É a segunda vez. Da primeira, o resultado
não foi bom. Agora tem tudo para dar certo. Vai ser preciso controlar a ansiedade.
Não esperem um Messias que a tudo dará solução e num passe de mágica nos dará
plenas condições de exercer nossa arte e um público que voltará a acorrer às
nossas apresentações. Tudo foi destruído. A mentalidade, hoje, grosso modo, é
confundir Cultura com Lazer. A Cultura virou algo chato. Livro começo a ler e
dá sono. Peça de teatro é chato e problemas, já tenho os meus. Músicas hoje
basta ouvir em streaming minhas cantoras favoritas. E assim por diante. Vai ser
difícil. Lembrem que nosso Estado tem o tamanho de um país. E salvo uma ou duas
obras, a Secult atuou somente para Belém, como se fosse uma secretaria
municipal. Sim, precisamos reconquistar o público da capital que, afinal, como
muito bem a tal pessoa queria, passou a achar que nós, artistas, somos feios,
cafonas, toscos, mal vestidos e sem talento. Também precisamos saber que, sem
conquistar esse público da capital e principalmente, das grandes cidades do
Pará, qualquer brilhareco obtido por força de talento e internet, fora daqui,
não é suficiente. Não tem base. Enfim, começar do zero. Fazer estruturas,
definir conceitos, parcerias, eventos a partir do ápice de ações coordenadas.
Difícil. Bem difícil. Mas nós sobrevivemos. Nós, do Teatro, em espetáculos de rua,
em casas, escolas, até em ônibus. Nós teimamos. Chegamos até aqui. Nós, da
Literatura, nos unimos na Flipa e mais do que isso, suscitamos o surgimento de
diversos grupos de escritores e leitores jovens que agitam a área em um sem
número de reuniões, mesas redondas, debates, leituras dramáticas, provando que
há vida no setor. E como! Eventos corajosos como Se Rasgum ou Psica demonstram
a aparição de novos artistas, querendo espaço, querendo público, precisando de
um Estado que fomente a Cultura, não como política paternalista como um idiota
disse, mas para a constituição de um mercado, que após estar em pleno
funcionamento, vai possibilitar à uma Secult, inclinar-se para outros artistas,
em áreas que por qualquer motivo ainda necessitem de apoio. Não queremos
esmola. Aqui as leis de incentivo não funcionam. Não há patrocinadores à vista,
porque não querem abrir seus livros contábeis para a Secretaria de Finanças. E
não, nenhuma lei de incentivo, dá dinheiro para a Cultura. O dinheiro que o
patrocinador dará, é relativo a percentual de imposto que, no caso, pagaria ao
Estado, que deixa de receber. Artista leva a culpa de tudo. Ainda tem de aturar
50% de desconto no ingresso. Se em retorno, artistas tivessem uma carteira que
ao apresentar no super mercado, farmácia, onde quer que fosse, também
obtivessem 50%, de maneira a equilibrar o que deixou de receber.. Não. Somos
pobres. Lá na Casa Cuíra, vivemos de ingressos e de matrículas em uma Escola
Livre de Teatro. Os figurinos são todos a partir do acervo do Grupo. O resto é
fazer Teatro porque é isso que fazemos. E foda-se. Assim, todos os outros.
Somos sobreviventes. Se perguntarem como conseguimos chegar até aqui,
respiraremos fundo e após uma reflexão e diante da curiosidade de quem
perguntou, diremos: foi muito difícil. Mas aqui estamos.
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