sexta-feira, 16 de novembro de 2018

VOCÊ ME OUVE?

Não. Ninguém quer ouvir. As pessoas andam fingindo que ouvem, mas apenas arrumam os argumentos que visam desmontar aquilo que nem ouviram. Como disse o Eco, há cada vez mais imbecis soltando vozes nas mídias sociais. Ninguém quer ouvir argumentos prós e contras, cotejar e ter uma opinião simples. Palavras de ordem, parece que Fidel está invadindo Havana neste instante e não há mais de 60 anos atrás e outras circunstâncias e outro mundo. Não saber perder. E quando a esquerda ganhou, impondo idéias, apresentando ministros, inclusive de partidos como o Comunista? Normal, não foi? Democrático. Quando criou outros ministérios, enfim, quando governou. Agora a direita venceu. Impõe idéias, ministros, reduz ministérios. É preciso se conformar. Perdeu. Perdeu. Guardar os melhores argumentos para fazer oposição. Parece que já vão para as ruas com palavras de ordem de mais de 60 anos atrás, outras circunstancias, outro mundo, outros atores. Como Lulu Santos diz, assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade. Pensei nisso quando ouvi um trecho de rap de uma banda chamada Mulamba, creio, no iTunes. Ensandecida, a cantora diz que as mulheres se “embucetaram”, várias vezes. A boa cantora Ana Cañas, que anuncia sem problema algum (que bom!) sua preferencia sexual, também canta a boceta no lugar da pica, e vamos em frente. É isso mesmo o tal do empoderamento? O inimigo é o homem e morte a ele? Pensei estar imune a essas manifestações, compreendendo, ouvindo argumentos, sabendo que na maior parte das vezes, damos três passos à frente para voltar dois. Nosso país e seu grau quase zero de Educação, Cultura, gerações perdidas, sem opinião. Suas diferenças abissais de desenvolvimento, fazendo com que um programa leve e libertário como “Amor e Sexo”, de Fernanda Lima, produza comentários hostis, mas imagino a diferença de quem o assiste no RJ ou SP, ou mesmo aqui, em centro urbano, número de pessoas com alguma compreensão da cena mundial, imagino a diferença para alguma cidade no interior, com seu desenvolvimento abissalmente diferente. Talvez por preferir o brilho feminino ou masculino apenas pelo talento, pelo brilho da inteligência, fique afrontado com esse tal de “embucetamento” propalado. E acabo de ler “Vira Lata de Raça”, espécie de relato de memórias de Ney Pereira, mais conhecido como Ney Matogrosso. Eu estava lá quando saiu o disco do Secos e Molhados. Imaginem a circunstância da época, os gays saindo de armários, ainda na forma de clowns da sociedade e vem um cara mascarado, corpo belíssimo e voz feminina, cantando poemas de famosos escritores brasileiros. A ditadura não podia proibir João Cabral de Melo Neto, por exemplo. Diferente dos irmãos, teve um enfrentamento longo e triste com o pai, militar, que o marcou definitivamente. Era um hippie, artesão e alguém o levou até Gerson Conrad e João Ricardo que precisavam de um cantor. Os dois ficaram irritados pensando que achavam que eles também eram gays. Mas quando foram para carreira solo, ambos embarcaram na corrente e se deram mal. O primeiro disco de Ney, para mim, é o melhor de toda sua carreira. Não gosto de seus outros trabalhos em disco. Para mim, não funcionam, ao contrário do palco onde ele reina, provocando, lascivo, poético, bonito. Do romance com Cazuza, somente o necessário. Ele é discreto. Não sou gay. Sou uma pessoa. Discreto, chega aos 77 anos em plena forma e produzindo. Teve alguns problemas com o Brasil conservador e careta, claro, mas na maior parte de sua carreira, impôs-se pelo talento, pela admiração, por ser diferente. Não é isso? As pessoas precisam voltar a ouvir, antes de responder torto.

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