terça-feira, 25 de outubro de 2011

Fala garoto

Fale garoto. Anda sumido, hein? Preciso de ti. Lembra o Skazi, o dj israelense? Claro que lembra, né? Ele vem aí pra tocar. Estás nessa? Sei. Pois é, andas sumido, mesmo. Escuta, rola de vir aqui na rádio na sexta, fim de tarde? O Skazi vem dar entrevista. Meu inglês é capenga. Dá uma força? Te espero.
Como dizer não pro cara? Como dizer que havia saltado do barco há algum tempo. Que havia casado. Trabalho novo. Volta por cima. Vai ver é a mesma galera que trouxe novamente. Não, o tempo passou. Agora tem gente nova aí.
Clara, vou falar no rádio amanhã. Me ligaram. Um amigo das antigas. Jovem Pan. O Skazi, um dj que faz sucesso no mundo inteiro vem tocar aqui em Belém. Vai dar entrevista. Querem que eu traduza. Sabe como é. Fim da tarde. Tranquilo. Venho jantar. Quem? Na casa do teu pai? Tranquilo.
You, man! Aquilo foi um abre-te Sésamo. Cheguei mais cedo. Clima de frisson. Muita garotada na portaria. Som de música dançante no ar. Meninas lindas vão e vêm. O Amadeu agradeceu. Mandou servir café e tal. Será que ele vai lembrar de mim? You, man! Ele disse e veio me abraçar. Chamou pelo nome, Leonardo, ou melhor, Leo. Atrás dele vieram Nel, Cláudio e Beto. Eles se entreolham. Beto vem falar e dar um abraço. Somente então vem Cláudio. Nel dá um aceno, sei lá. A entrevista corre bem rápido. No começo, titubeio. Na segunda pergunta já engreno. Entendi até a metáfora. Saímos do estúdio. Skazi me convida para o show. You’re my guest, Leo. Estou casado. Traz tua mulher. Enquanto esperamos a minha hora, botamos o papo em dia. Beto me entrega dois ingressos. É no Parque de Exposições, depois tem um after no Lago Verde, na casa da Tininha, tu lembras onde é? Sim. A gente se vê por lá.
O mais legal de tudo foi ele ter lembrado de mim. Do meu nome. Skazi é muito bacana. A gente se dá bem. O cara corre o mundo e lembra de mim. Quer dar um rolé no show? Depois lá da casa do teu pai. A gente entra, dá um abraço, dá o pivô e vaza.
Clara e eu no Parque de Exposições. A fauna por todo lado. Gatinhas cheias de luzes, algumas fake, outras dopadas. Todos com garrafas de água, porque rola muita sede, outros para compor o visual. Vamos pro cercadinho vip. Meia luz, mas vejo a galera. Parece que foi ontem. Para eles, penso que é a mesma coisa. E eu estou a léguas. Lá vem o Skazi. Perfeito. Fera. Antes da final, chamo Clara. Vamos. Mas já? Antes que saia todo mundo. Quem fica pra última prova é repetente. Já estamos quase no carro. O show terminou. Leo, o Skazi mandou te convidar pro after. Insistiu. Tu sabes, no Lago Verde. Ah, Leo, nunca fui lá. Vamos? É, mas olha a hora. A gente não ia no teu pai? Só um pouquinho, pra ver se ele vem falar contigo. Ta bom.
Lago Verde é um condomínio fechado e caro. Mansões, vigilância top, pois é cercado por conjuntos habitacionais baratos. O pai da Tininha é alguma coisa lá na Vale. A mãe se mandou. A Tininha manda. O pai nunca está. O terreno da casa é enorme. Pega quase todo um lado do lago, açude, no condomínio. Entramos e saímos, tá? Fazemos ato de presença. Também acho que não conheço mais ninguém. Já saí dessa. Agora tenho outra vida. A nossa vida.
O Beto vem logo falar. Passa uma champagne. Duas. Não, só uma. O Nel está trazendo o Skazi na van. Vamos dar uma volta. Conhece quase todos. Há meninas novas. A turma pula e sua na improvisada pista de dança. Vem o Cláudio e pergunta se não animo de tocar um pouco. Nem pensar. Estou por fora. Clara pergunta onde é o banheiro. Apontamos. Ela volta. Está cheio de gente lá dentro. Vem a Tininha, com Sue a tiracolo. Clara não sabe de Sue, mas quando Sue me olha, compreende tudo. Tininha leva Clara ao banheiro do seu quarto. Sue me pergunta se estou bem. Sim. Beto vê um conhecido e vai. Olha. E então. Falamos ao mesmo tempo. Essa é a tua esposa. E tu? É. Clara. Com o Nani, tem um tempo. Nani, menino rico, carro esportivo, traficante da alta. Mas não digo nada. Apenas penso. Olha, sem frescura, se tu quiseres uma cheirada, tenho aqui. Mas não sei se. Não. Vim aqui só pelo Skazi. Cadê ele? Tininha volta com Clara. Passa um garçom e pego uma vodka. Cláudio vem e me estende whisky. Não, tenho vodka. Eu tomo, diz Clara. Skazi chegou. Nel com ele. Nos abraçamos. Apresento Clara. Temos uma meia hora. Ele conta de suas andanças. What about you? Saltei do bonde. Pressão em casa. Cadê trabalho? Formado em Arquitetura mas não era a minha. Meu sogro tem uma grande importadora e agora gerencio uma das lojas. Quer dizer, tem o cara que faz tudo e eu apenas fico por lá. É super cafona, produtos da China, já viu, maior exploração, mas tem a Clara. Se a vida é melhor? Não, cara, bom mesmo é quando ainda é adolescente, a vida é farra, dormir tarde, rir muito. Trabalho todos os dias Trabalho chato. É isso o que eu quero pra mim? E o que posso querer? Não tenho queda pra nada. Talvez a brilhosa tenha queimado muitos dos meus neurônios, man. A galera vem buscar o dj. Fazer as honras, circular, falar com a galera. Skazi, it’s showtime! Você já quer ir embora? Clara tem olhar diferente e agora balança dançando. Ela diz que colocaram algo na bebida. Deixa pra lá. Vamos dançar. Dançamos. A vontade vem coçando forte. Quem sabe uma noite apenas, uma cheirada. Assim não vale. Clara está colocada. Sue me olha. Faço sinal. Deixo Clara dançando. Nem me vê. Sue estende. Aspiro rápido e forte. A cocaína entra feito um raio afetando meus olhos, dando um choque cerebral. Vejo duplo. Ok, agora está bem. Sue beija minha boca. Forte. De língua. Sinto o corpo que conheço me abraçando. Seus seios em meu peito. Desacelero. Afasto. Obrigado. Chego na pista e agora estou no mesmo pique. Mas logo precisarei de outra cheirada. Duas, três. Skazi foi para o hotel. Sentamos em roda. Como nos velhos tempos. Nel e Cláudio, Beto e uma moça, bem bonita, de saia e sem calcinha, que havia jogado para o ar em um momento de euforia, Sue e Nani, ela me encarando, ele cagando pra isso, Tininha e Bob, eu e Clara. E então vem uma louraça, coxas grossas, seios bombados e se joga no divã. Beto me bate que é Keyla, recém separada de um cirurgião plástico e que pirou, decidindo se vingar através do cartão de crédito do otário. Nas festas, quando o ex casal se encontrava, cada um com outro parceiro, tudo podia acontecer. A moça do Beto não está bem. Mandaram fazer café forte. Nada. Beto sai para levar ao Pronto Socorro. Sobre a mesa de centro, várias carreiras. Mas agora já passei do ponto e Clara tem sono. Chegamos em casa. Arranhei o carro na garagem. Clara dorme. Eu assisto o amanhecer. E ainda tenho de trabalhar. No Lago Verde, a rave continuou.
Não durmo. Vejo o dia chegar. Tomo um banho, vou para a Importadora. Circulo. Bom dia. Estou acelerado. Pego o carro. Saiu esgoelando o motor. Entro no Lago Verde. O after continua.

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