sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Bom Círio para todos

Acho que nunca perdi um Círio. Desde que nasci, morei no Edifício Renascença, na Presidente Vargas, na passagem da Santa. Acostumei, aos segundos domingos do mês de outubro, acordar com aquela barulheira, um frenesi no ar, foguetes nos estivadores e ao passar do quarto ao banheiro, já encontrar visitas animadas, falando alto. Meus pais contentes, recebendo amigos. Lembro de acompanhar a procissão com ele, duas vezes, talvez tenha sido mais. Em uma, fomos na contramão do fluxo até próximo à Santo Antônio. Ela passou e depois, seguimos atrás, até a sede do Clube do Remo, onde tomei um refrigerante, meu pai papeou com amigos e voltamos. Na maioria das vezes, meu pai estave em casa. É difícil, ainda hoje, dissociar o Círio de sua presença. Já na semana que antecedia o domingo, ele se mostrava entusiasmado com o movimento nas ruas. Ligava para desejar Bom Círio. Ficava preocupado se havia bebida, salgadinhos. Bebida, somente após a passagem da Dona da festa. Havia sempre um repórter da Rádio Clube para narrar os acontecimentos. Estava lá desde cedo, compenetrado, participando de flashes. E na hora de descrever a passagem, chorava. Amigos, parentes, artistas, todo mundo ia por lá. E nem bem a Nazica passava, alguém puxava o violão e todos começavam a cantar. Uma tia de minha mãe, bem idosa, aguardava um tempo, assim, teatral, e tocava, toscamente, um violão, para todos aplaudirem. Todo ano ela fazia isso. Acho que aguardava a data ansiosamente. Palmas para ela. As pessoas iam saindo e vinha o almoço. O Círio era meu pai, que compôs "Belém está tão bonita, é o Círio que chegou. Vejo caras, vejo gente, gente que nem sei quem é".. Lucinha Bastos gravou, creio.
Nunca acompanhei na corda. Acho que nunca fiz uma promessa, não lembro. Respeito quem faz, mas penso diferente. Penso que conseguir graças, alcançar objetivos, é coisa de pessoa boa, correta. Isso sim, é difícil. Isso é o certo. Enfim, penso assim.
Hoje estou de volta ao Renascença, em outro andar. Uma irmã é vizinha de minha mãe. Vão amigos, parentes, artistas. Menos. Meu pai era a grande figura. Há como que uma ausência que enche a casa inteira. Amigos vão em meu apartamento também no sábado, para a Trasladação. Mas no momento em que Nossa Senhora de Nazaré passa em frente ao prédio, estou ao lado de minha mãe, dos meus filhos, meus irmãos. É incrível como a cada palmo de asfalto que a berlinda vence, tanta energia seja dirigida para aquela imagem. O sol, a temperatura, as flores, as cores, formam como que um halo em que Nazaré está no centro. Ali, a mãe de Jesus, todas as Nossas Senhoras, recebendo e devolvendo tanta energia. Batem palmas, papéis picados caem dos prédios, cena bem teatral, super emocionante. Nunca perdi um Círio.
Aproveito para desejar a todos ótimos momentos com Nossa Senhora de Nazaré em seu passeio anual. É muito mais do que uma manifestação religiosa, algo que não consigo explicar. Tenho apenas a certeza que é bom, muito bom. Boníssimo. Saudades do meu pai querido.

3 comentários:

Marise Rocha Morbach disse...

Edyr aproveito o Círio para lhe dizer gostei muito das "suas gatas", do texto e da direção.
Vou aguardar os próximos textos e encenações; um abraço.

Edyr Augusto Proença disse...

Então já te convido a assistir, em novembro, Sem Dizer Adeus, baseado livremente no livro "Eu e as últimas setenta e duas horas de Magalhães Barata", escrito por sua companheira Dalila Ohana, vilmente retirada de seu lado em seus últimos instantes. Zê Charone e Cláudio Barradas em cena. Eu adaptei e dirijo.
Bjs

Edyr Augusto Proença disse...
Este comentário foi removido pelo autor.