sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A vida não vale nada

Meu amigo mora na baixada que fica por trás da Unama da Alcindo Cacela. Eu mesmo costumo passar por ali, driblando o engarrafamento para chegar à Duque de Caxias. Há nas proximidades duas arenas para jogar futebol. Uma, atapetada, onde já joguei diversas vezes. Outra, parede com parede, mais humilde, de terra batida, onde também já joguei, mas que serve mais aos moradores das redondezas, que realizam ali diversos e disputadíssimos campeonatos. Meu amigo, como eu, é louco por futebol. Mais do que eu (grande inveja), joga umas três vezes por semana. E quando não vai jogar, ali naquele horário em que as mulheres estão coladas na novela do Totó, vai dar uma espiada em quem está jogando. Ontem, quinta feira, estava à margem do campinho, assistindo. Do nada, entraram três homens encapuzados. dirigiram-se a um rapaz, também à margem do campo, e sem perguntas ou aviso, sem dar tempo a alguma reação, dispararam uns seis tiros. Saíram como entraram. Um deles ainda retornou e disparou um tiro de misericórdia na cabeça do rapaz, estatelado ao chão.
Meu amigo não conseguiu dormir, claro. A violencia com que seu cotidiano foi atingido rompe todos os tecidos, as áreas de segurança que delimitamos, em nosso íntimo, para nós. É algo inimaginável na cidade grande, na civilização. Algo que assistíamos em filmes de bang bang, os mais violentos, as cenas de execução, porque o que mais temos são tiroteios onde personagens se dão tiros, quinhentos, sem recarregar. Muito diferente da execução.
A velocidade com que retornamos à selva é muito maior do que imaginamos. Não há mais medida. Os bandidos não têm nenhum medo do aparato policial. Não que tenhamos uma patrulha em cada esquina, como uma cidade em estado de sítio, mas é que o criminoso teme a possível aparição da Polícia. Ele normalmente sabe o tamanho do delito que está a cometer. Normalmente. Na Belém de hoje, os assassinos de aluguel, montando motos velozes, cometem seus crimes à luz do dia, ou diante de pessoas, sem nenhuma preocupação com o flagrante. Chegam e saem com a certeza da falta de policiamento. Desapareceu aquele quê de temor pela segurança, acho até que sumiu o respeito pela vida, a responsabilidade por tirar uma vida. Antes, havia ao menos uma tocaia, uma surpresa, a falta de testemunhas. Filigranas, hoje.
As motos substituíram os cavalos. Como eles, as motos sobem calçadas, fazem contra mão, são velozes e entram onde carros não podem. O preço cobrado para tirar a vida de uma pessoa também deve ser aviltante. Ficou comum. Fácil.
Quando assistimos na tv a propaganda política, consideramos um escárnio quando os políticos vêm dizer que entregaram 400 viaturas; fizeram concurso para 2 mil guardas e outros e outros números. Não pode ser verdade. Um dia desses não flagraram um preso fazendo as vezes de escrivão em uma cidade do interior? Onde está essa Polícia? E escrevo isso não em detrimento dos policiais, fardados ou civis que contra tudo e todos se matam para fazer o que podem. Esse delegado Éder Mauro, que escolheu essa vida e procura fazer o melhor. Gente acossada pelo stress mais intenso que é a pressão pela defesa da própria vida, da sociedade, sem nenhum respaldo, muitos terminando por adotar comportamentos também agressivos, guerra na selva, enquanto sabemos que está tudo errado. A Polícia não é a vingadora da sociedade. O policial é um técnico, um profissional, que deverá agir pelos melhores meios para realizar seu trabalho. Acabei tergiversando. A vida não vale nada.

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