segunda-feira, 17 de maio de 2010

Uma nova Copa do Mundo

Escrevi este artigo para a Copa de 2006. Vejam se o tema não continua atual. Por isso, mantive até as referências aos jogadores e clubes daquele momento.


Antes que você pense que sou doido ou, quem sabe, um espião, sei lá que mais, adianto que sou normal. Na Copa do Mundo, torço pelo Brasil. Até visto a camisa, grito quanto sai gol. Também não discuto com ninguém a respeito de não sermos, como está garantido por todos, penta campeões, em busca do hexa campeonato. Quem ganha duas vezes seguidas, é bi. Três vezes, é tri. E assim por diante. O Brasil é bi campeão mundial (Suécia 58 – Chile 62), embora já tenha conquistado a Copa do Mundo por cinco vezes. Você deve estar me achando, no mínimo, impertinente. Então, tudo bem. Não quero atrapalhar a comoção nacional. Mas é que de vez em quando o cérebro lembra da razão e adverte. Não estrague sua festa, mas guarde a informação para si. É bom.

Estávamos reunidos, aguardando a hora de começar uma pelada. Na televisão, um jogo da Taça dos Campeões, ou algo assim, na Europa. Em campo, mais de dez jogadores brasileiros, vestindo camisas de Milan e Lyon. Foi ali, com os olhos grudados na tela, que comecei a dizer algumas coisas. Aos poucos, meus amigos foram virando as cadeiras, deixando de lado os lances de Kaká e participando da discussão.

A Copa do Mundo, que teve no francês Jules Rimet um de seus maiores patrocinadores, foi criada inicialmente para ser uma festa de congraçamento entre esportistas europeus, chiquérrimos. Mais tarde, o Uruguai, com influência britânica, resolveu sediar. Poucos vieram à América do Sul. Guerra, pós Guerra, essas coisas. O Brasil, vizinho, foi. Imagino que após os jogos havia banquetes, bailes, tudo muito romântico e bonito. O mundo foi mudando. O futebol, também. Atletas substituíram dandys. Homens de negócio substituíram Rimets. Já em 1970, quando o Brasil venceu a Copa do México, o futebol já era um grande negócio no mundo. A tv mexicana ganhou dinheiro. Mais ainda com a transmissão dos jogos. Jogadores foram valorizados. Mas uma Copa do Mundo ainda era, essencialmente, um encontro de nacionalidades. Encontro de escolas de futebol. Havia os russos, com suas táticas cerebrais. Os alemães e seu jogo sério. Ingleses e sua fleugma. Brasileiros com sua alegria. Um grande encontro. Antes da Copa, os jogadores deixavam seus clubes e passavam de um a dois meses treinando. Vestir a camisa nacional era um orgulho. Um brasileiro entrar em campo e enfrentar um russo. Se olhavam com até curiosidade. Para nós, ganhar a Copa significava um desagravo às distancias para o Primeiro Mundo. Mostrava que em alguma coisa, éramos superiores. O mundo nos admirava. No futebol, estávamos em primeiro lugar. Saíamos da cozinha para a sala da frente.

Hoje mudou. A globalização veio e transformou tudo. Futebol é um dos maiores negócios do planeta. Transmissões por satélite colocam em nossas casas, aos domingos, por exemplo, jogos desde as dez da manhã, da Itália, Inglaterra, Alemanha, França e Espanha. Vende-se tudo. Até a bola. Camisas, calções, chuteiras, meias. O uniforme do juiz. Por causa de nossa fragilidade econômica, Europa, África e Ásia vieram e levaram nossos melhores jogadores. Levaram e continuam levando crianças que se destacam em brincadeiras de rua. Inglaterra, Itália, Alemanha, França e Espanha formam no primeiro pelotão de países que levaram nossas estrelas. Rússia e Japão também chegam próximos. Como resistir? É muito dinheiro, a maior parte direto para o bolso dos dirigentes que enriquecem pessoalmente e empobrecem os clubes que dizem amar. Quanta mentira.

Então ligamos a tv para assistir Real Madri e Barcelona se enfrentando. No Real, Cicinho, Roberto Carlos, Julio Batista, Robinho e Ronaldo. Todos da seleção brasileira. No Barça, Beletti, Edmilson, Silvinho, Thiago, Ronaldinho e até Deco, brasileiro revelado no futebol português. Estão todos na Europa. Aqui, apenas veteranos, alguns que foram e voltaram, jovens loucos para ir e os ruins, que ninguém quer.

Mas estávamos falando de Copa do Mundo, certo? Seguindo o espírito do grande encontro das diferentes escolas, não há como chegar a lugar algum. O futebol europeu, com algumas pequenas características, está automatizado. As raras diferenças ficam por conta de algumas jogadas aéreas na Inglaterra, brutalidade na Alemanha, defensivismo na Itália e arte na Espanha e França. No mais, um jogador que se transferir da Espanha para a Itália, sentirá pouca diferença, sobretudo nos esquemas táticos. E chega no momento da Copa, essa legião estrangeira, formada por muitos brasileiros e outras nacionalidades, retorna a seus países com pouco mais de duas semanas para treinar e constituir sua seleção. O calendário não deixa mais tempo. Os clubes é que mandam, com justa razão. A Copa é uma festa da Fifa, não dos clubes. Esqueça o patriotismo de que é revestida nossa torcida, insuflada por uma onda monumental de propaganda. É um grande negócio. Bilhões. Ganham em tudo. Estamos chegando próximos do ponto a que desejo chegar. Em campo, ao invés de patriotas com a camisa nacional, temos atletas calejados, experientes e, sobretudo, milionários, ganhando mais uma fortuna para entrar em campo. Se forem campeões, muito mais. Por isso, considero hipocrisia cantar o hino nacional antes dos jogos. É uma representação, creio, dos tempos medievais, quando antes das batalhas se cantavam hinos para encher o peito de orgulho e morrer feliz. Pode ser que nas primeiras Copas e demais competições, em outro tempo, fosse parte da cordialidade, do grande encontro ao qual me referi. Hoje, é hipocrisia. E na maior parte dos jogos, de cada lado, atletas que durante todo o ano se encontram em jogos de suas equipes, seja em campeonatos locais ou nas taças européias.

E vem a pergunta: Se a Copa deixou de ser o grande encontro. Deixou de ser a reunião de escolas diferentes. Se para assistir nossos principais jogadores, tomando por exemplo o Brasil, temos que ter tv a cabo e torcer para Real Madri, Milan, Arsenal, Lyon e outros. Se a Copa do Mundo é uma competição do futebol que se joga nos países, porque não são seleções formadas pelos melhores atletas que jogam naquele país, deixando de lado a questão da nacionalidade? Não me bata, não me xingue, gosto do Brasil, torço na Copa e quero ser hexa!!! Mas pense bem. Sem hipocrisia, é a verdade. E se tivéssemos de ir para a Alemanha com uma seleção dos atletas que estão aqui, creio que Tevez seria nossa estrela.. E daí? Argentinos teriam um ataque, quem sabe. A seleção inglesa teria uma mistura de africanos, alguns franceses e até brasileiro, bem como alguns britânicos. A mesma coisa na França. Agora, o jogo entre Itália e Espanha, seria bem legal de assistir. Só brasileiros em campo. Desculpem, somos os melhores. Mas seria sem hipocrisia. Se correríamos o grave risco de não ser mais hexa? Claro. E daí? Nós nunca seremos hexa, de verdade, não é? Podemos conquistar a Copa do Mundo pela sexta vez, isso já sabemos. Mas assim, em campo, teríamos a verdadeira representação do futebol que é jogado nos países, ainda que as seleções européias fossem influenciadas pelos brasileiros, por exemplo. Ainda que nossa seleção tivesse jogadores considerados inferiores aos brasileiros atuando por Itália e Espanha, por exemplo. Pois é.

Após as primeiras manifestações de revolta, daqueles que falam primeiro e pensam depois, a discussão com meus colegas foi ficando mais inteligente. Não tivemos tempo de terminar. Na tv, o jogo acabou e nossa pelada ia começar. E você, o que acha?

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