segunda-feira, 17 de maio de 2010

A Nova Ordem

Não diria que é tudo culpa nossa, mas estamos envolvidos, sem dúvida, nessa “Bomba Z”, que era citada em um dos últimos discos do cearense Ednardo. No mínimo porque votamos, muitas vezes movidos por raivinhas, contra nós próprios, apenas para não permitir que aquele outro vencesse. E é absolutamente paraense o “morremos abraçados, mas se não for eu, nenhum de nós vencerá”. Temos um país com enormes condições de se tornar uma potência do futuro, mas em função de toda essa incompetência e maldade, nosso povo, nossa juventude, nossas instituições, nossa infra estrutura, nosso caráter, representado em Brasília, é uma vergonha. Quando focamos o Pará, Belém, por exemplo, tudo fica ainda pior. Batemos tanto no peito dizendo-nos patriotas, ufanistas mas é mentira. Sabemos que somos maus mas preferimos dizer que é implicância do Sul. E confundimos hospitalidade com complexo de vira lata, ao recebermos as visitas com tantos mimos, suplicando para que digam as palavras mágicas: como aqui é lindo! Como a vossa comida é gostosa! E por aí, vai. Chegamos a incomodar visitantes com excesso de mesuras. E como sabe, quem se abaixa muito, deixa o .. à mostra. Sem Educação e Cultura, afundamos no poço da ignorância. Quero chegar aí. Quero defender a idéia de um “recuo para a floresta”. Um recuo na civilização. Uma reinvenção da civilização, que mistura o retorno aos procedimentos mais antigos, à adaptação a qualquer custo, das últimas tecnologias que por aqui chegam. Um caboclo, em uma loja de informática, lendo as instruções, com maioria de palavras em inglês técnico. Nós, da classe média, não temos idéia da grande Belém que se expandiu descontroladamente, junto ao descaso absoluto das autoridades. Nós da classe média, somos diariamente atacados, caçados, ameaçados, não somente por ladrões, lado terrível da falta de emprego, esperança e violência, mas sobretudo por essa Nova Ordem que cresce à nossa volta, a despeito de nós, que temos TV a cabo, computadores, viajamos e vivemos algo bem próximo da civilização que se verifica em cidades de pleno desenvolvimento.

Autoridade

Vivemos um momento em que as autoridades desapareceram. Transformaram-se em mundo à parte, onde grandes roubos são operados. Onde está o prefeito? Onde estão os vereadores? Tenho uma amiga que mora em invasão de Icoaraci. Autoridade, lá, é o traficante da área. Para entrar ali, precisa ser amiga, moradora. E quando há alguém doente, deixa entrar o taxi para levar ao PSM. O chefe indígena local. De volta à floresta.

Educação

Professores que não sabem sequer falar. Ouvi a história de uma menina, que decorava o texto para o teste de leitura. Tecnicamente, não sabe ler. E se conseguir, não conseguirá explicar o que leu. A Nova Ordem tem um dialeto próprio, completamente diferente do português. Como uma língua indígena, na floresta. Não é somente o "pra mim ir", "pra ti fazer". Há outras expressões que não entendemos.

Transformação

É uma civilização de transformação. Aquilo que ontem era uma placa de propaganda do cartão Mastercard, com uma mulher linda, sorrindo, hoje é o telhado do barraco lá da invasão. Calçadas, ruas, saneamento, iluminação pública, não há nada. Uma espécie de floresta toma conta, sem arruamento, qualquer organização. Cada um vira a casa para onde bem entende. Estamos na floresta. Não há leis, organização, nada.

Cultura

E o que é a Cultura? A TV ligada o dia inteiro, não na Rede Globo, como o Ibope colhido em São Paulo quer dizer. Está ligado ou no SBT ou Record, este, por força de religião. Uma questão, sobretudo de estética, criando mocinhas que se vestem como prostitutas, desde cedo. Cultura de programas de auditório, onde o que interessa é levar vantagem. O rádio também, ligado em programas policiais, berrando a todo instante que pegaram, por exemplo, o vizinho em flagrante, enquanto os outros ouvem, deliciados, antes ele do que nós.. E a música, hoje o tecnobrega, cada vez pior, pois os jovens dominam os programas de computador, sem saber sequer como funcionam e ali vão compondo pequenas quadras, de linguagem lasciva, a voz da cantora em rotação alta, tudo agudo, tudo beliscando, mordendo, colorido, gritando sua pobreza, imoralidade, sua falta de tudo. Já não importa mais saber cantar, tocar, compor melodia, escrever versos. São quadrinhas lascivas, cantadas aos berros, como a propagar a violência verbal, agredir a ordem, a simetria do nosso mundo. Sou cretino e tenho orgulho!

Saúde

É uma agressão inadmissível passar em Postos de Saúde e encontrar pessoas tristes, doentes, esfomeadas, aguardando para serem tratadas com violência, grosseria, ou nem serem atendidas. São humilhações diárias, como as que sofrem aguardando em paradas ou dentro de ônibus, feito sardinha, apertadas.

Saneamento

Que cidade é essa com tantos e maravilhosos espigões, adquiridos ainda na planta, e ao mesmo tempo, sabemos, pouco mais de 10% da urbe conta com serviço de esgoto? Desamor total. Moram em castelos mas ao botar o pé na rua, pisam na lama, ou passam direto para seus carrões monumentais. A cidade que se foda.

Transporte

A Nova Ordem, nos leva de volta à floresta. Lá não há ruas, mão e contramão, estacionamento, fila dupla, acostamento, nenhuma lei a não ser a do mais forte e mais esperto. Os mais pobres compram bicicletas. Andam na contramão em avenidas de alta velocidade, levando crianças à garupa e um ar zen. Alguns, mais aborrecidos, querem agredir se algum carro lhes atrapalha a passagem. Pior são as motocicletas. É a volta à floresta, mas com cavalos, no melhor estilo bang bang. As motocicletas não obedecem nenhuma lei. Nas invasões, atravessam quintais, calçadas, fazem o que bem entendem. Não usam capacete, nenhuma proteção. Há uma certa zombaria em relação às leis. Questão de postura. São os centauros. O capacete é utilizado apenas quando são enviados da morte. Chegam na frente de qualquer um e atiram. Morrem às dúzias, todos os dias. E as vans? É preciso destruir o sistema de transportes. Ônibus que têm linhas definidas, paradas definidas. As vans derrubam todo o conceito. É a Nova Ordem que visa desorganizar tudo e fazer valer a vontade de quem quer fazer, onde quiser fazer. E por isso, mijam em qualquer lugar. Como na floresta. Atrás de uma árvore ou arbusto. Os homens tiram o bilau e mijam.

Ruas

Que ruas? Onde haviam, estão tomadas de camelôs. Que se lixem aqueles que pagam impostos, empregados, água, luz, telefone, sei lá que mais, para ter seu negócio. Os camelôs querem, justamente, o melhor pedaço. Na aglomeração, fecham a rua. E fica como um bosque, ou floresta fechada, onde caminhamos lentamente, desviando de árvores/camelôs, oferecendo de um tudo. Ônibus? Ocupam todas as paradas. Pior, retirados, são as próprias pessoas a recusar permanecer na calçada, aguardando, preferindo invadir a rua. Queixem-se ao Bispo. É preciso desorganizar para a Nova Ordem imperar.

Comércio

Filmes, CDs, tudo é pirata. Tudo tem outro tipo de procedimento, artesanal, sem impostos, controle, nada. Tudo tem utilidade efêmera. E tudo fica abafado, como é sob as árvores da floresta amazônica. O progresso é lento, sendo abalroado por todos os lados com ofertas. Um dia desses, fui à Ótica Pará, quase na confluência da Santo Antonio com Presidente Vargas. Deve ser um exercício e tanto manter uma loja dentro de um padrão razoável, com mercadorias de qualidade, preço alto, cercado por camelôs de todos os tipos, gritando, manchando, maltratando, agredindo o comerciante, com a Nova Ordem.

Tecnologia

É algo muito interessante pois, absolutamente alheios ao domínio da Língua Inglesa, mas através da experimentação, acabam criando outras maneiras de utilização, o que se verifica na música, nos vídeos pornôs que as crianças fazem no colégio e nos celulares. Assim, esses aparelhos, transformados em seu uso, também se tornam parte da Nova Ordem.

Os culpados somos nós, que muitas vezes sabemos o que está em jogo, nas eleições, mas por conta de ódios, raivinhas, brigas paroquiais, invejinhas, morremos abraçados, mas não permitimos que nada funcione. É assim neste instante. E aí nos queixamos de viver ameaçados, trancados, atrás de grades, instalando câmeras, ao invés de lutar pelo melhor. Para todos. Agora vão nos dividir. Nosso Pará ficará ainda menor. Mais pobre. A Nova Ordem vai mandar. Seremos minoria. Eu duvido que façamos alguma coisa. Morreremos abraçados.

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