quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

A Meia Entrada

Ninguém vai conseguir mudar essa lei exdrúxula. É políticamente incorreto. Os jovens vão se revoltar. Os políticos, ao contrário, vão defendê-la até o fim. Os artistas que se fodam. Porque estudantes não pagam meia nas passagens de avião? Nos saquinhos de pipoca? Nos super mercados? Porque somente os poderosos, riquíssimos artistas abrem mão de metade do que têm a receber, por seu trabalho, para que outros fiquem bem? Afinal, alguém tem que pagar aos artistas e empresários do setor, os 50% recolhidos, não é? Meia entrada para todos! Mas alguém vai pagar isso, não? Meia conta nos postos de gasolina, já! Tudo isso gerou imensas distorções. Uma delas está nas leis culturais, federal, estadual ou municipal. Principalmente na federal, onde segundo a jornalista Larissa Guimarães, da Folha de São Paulo, metade do dinheiro disponibilizado para a Lei Rouanet, é captado por 3% de empresas e entidades que apresentam projetos culturais em busca de patrocínio. Ou seja, dos 4.334 proponentes do ano passado, 130 conseguiram R$483 milhões, quase 50% do total. São empresas poderosas como Cirque du Soleil, Itaú, Telefônica e outras. No caso de Itaú, por exemplo, o dinheiro que o banco pagaria de imposto, é colocado de volta na empresa, através de seu Instituto de Cultura, gerando ótima mídia institucional de retorno. Lucro! E vêm artistas famosos, da Globo, que estreiam peças com tudo pago, passam um mês em cartaz e adeus. Não arriscam nada. Lembro, uma vez, Jô Soares, esculhambando com Celso Fratescchi, então Secretário de Cultura de São Paulo, por não haver aprovado um projeto. Como se Jô precisasse de dinheiro para montar um espetáculo, que com toda a certeza terá muito público, lotará os teatros e o fará ainda mais rico. O atual ministro, Juca Ferreira, declarou que em fevereiro, apresentará mudança ao Congresso, mudança nas regras da Rouanet, tentando descentralizar a aprovação de projetos, por exemplo. Não sei como fazer isso, pois com a Lei, os governos abriram mão de qualquer política cultural, com gravíssimos danos para o país, como sabemos. Hoje, são Departamentos de Marketing das empresas que decidem quem fará ou não seu projeto. Entre uma tragédia e uma comédia, a segunda com famosa atriz global, você sendo diretor de marketing, o que escolheria? O mesmo Juca declarou à Folha, no dia 7 deste mês, que "a cultura nos traduz e nos diferencia. É por meio dela que nos revelamos uma sociedade original, plural e tolerante. Além disso, gera renda, trabalho e cidadania. Sua cadeia produtiva responde por 8% do PIB. Gastos com cultura estão entre os maiores das famílias. No entanto, somente 4,2% dos municípios brasileiros têm estrutura para gerir cultura. Mais de 75% dos municípios não contam com centros culturais, museus, teatros ou cinemas. E boa parte da população nunca entrou na internet. Um absurdo. E ainda reclamamos não saber de onde veio essa barbárie que tomou conta do Brasil. No Pará, o governo abre mão, anualmente, de x milhões de impostos que são usados no patrocínio de cultura. Mais de cem projetos aprovados. No último, apenas três peças de teatro. De todos os aprovados, somente 10 ou 20% conseguem patrocínio. É que o empresário só pode entrar com 5% do imposto que paga. Isso já limita em uns dez, o número de patrocinadores aptos a participar. Mas são mais de cem projetos aprovados! A Comissão Organizadora ainda corta valores dos projetos apresentados, mesmo que esses valores sejam detalhados em planilha. Chama os aprovados de mentirosos, mas aprovados. E o município? Pior, muito pior. Sua lei tem um teto de R$20 mil e é só. Todos nos queixamos da escuridão que tomou conta do Pará nos doze anos do governo passado e o amadorismo deste, e nos esquecemos que a Secult tem mais de cem municípios para cuidar e não cuida, enquanto que a Prefeitura sequer tem um teatro municipal. A última vez que lembro da existência de alguma atividade, foi no governo de Coutinho Jorge, acho, quando Paes Loureiro estava à frente da Semec. Lá se vão uns 30 anos?
Quando passei um tempo na Secult, a Lei Sarney saía de cena e entrava a Rouanet. Mas também havia sido publicado um livro de um ex presidente da Fundação Anchieta, que gere a Tv Cultura de São Paulo. Ele comprovava, através de gráficos, pesquisas, a excelência da mídia cultural, no que diz respeito à valorização de marcas e lançamento de produtos, por exemplo, atingindo o público alvo em um momento de lazer, descanso, relaxamento, propício a receber a mensagem publicitária. Tudo foi esquecido. Hoje, sem qualquer lei, nada se faz. Ninguém quer usar seu dinheiro e sim o do Governo, afinal, sobre ele não há risco e deixa pra lá essa história de valorização de marca.
Tudo isso começou com Meia Entrada. É punk, cara. E ainda me lembro que certa vez, aquele secretário inesquecível, queria colocar na Lei Semear, que do valor recebido por projeto, seria descontado 10% para trabalhos sociais. Quá quá quá!
É a barbárie que chegou com tudo.

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