Não fiquei satisfeito com o resultado final da adaptação do livro "Ensaio sobre a Cegueira", de José Saramago, feita por Fernando Meirelles, em regime de super produção, ele que estreou brilhantemente e após seguiu bem com O Jardineiro Fiel. Puxa, o livro de Saramago ainda está naquele monte e não cheguei a ele, antes de assistir ao filme. Então, tinha outra expectativa. Será que isso atrapalhou? Não sei. Quando leio o título, "Ensaio sobre a Cegueira", de Saramago, penso imediatamente nas questões filosóficas implicadas com o que chamamos Cegueira. Milhões. Muito interessante. Há uns dois anos, adaptei para leitura que foi feita por Zê Charone e Cláudio Barros, e ouvida por estudantes de um cursinho de vestibular, um conto do mesmo autor, que se revela semelhante, agora que assisti ao filme. Em uma cidade, os carros se abastecem em regime de racionamento e de repente, há uma revolução das coisas, contra os homens, mobilizando uma cidade inteira. E há sempre a impressão de um governo absolutista, como no comunismo, do qual ele é defensor. No que diz respeito ao filme, há belíssimas tomadas feitas em São Paulo, no minhocão deserto. Enfim, quero dizer que se Fernando não conseguiu fazer nem um filme com ingredientes comerciais, tampouco cult e por tabela, sem ler, esperava mais da Cegueira, de Saramago. O casal protagonista não tem o que chamam hoje de química. Nem de longe. Estão, cada um por si. Também não acho a atriz tão bonita assim, que arrebate. Alice Braga também não se destaca e nem é pedido. De repente, em uma grande cidade, alguém perde a visão e a partir daí, em uma cadeia de pessoas que convivem, um grupo é confinado em um galpão, vigiado por soldados e cães ferozes. Todos cegos, sofrendo com a perda deste sentido tão vital. Os médicos não sabem e nem aparecem. Comunicação com o exterior? Um mendigo, também feito por ator famoso, mostra um rádio de pilha, que toca uma canção, que todos ouvem, melancólicos. Pena. O radinho é completamente esquecido, depois. Não há amor, nem cenas de sexo a partir disso, o que daria um ingrediente comercial. As cenas de sexo são fortes, quase desumanas, outras são estupros em uma cerimônia de alta violência. O cenário é sombrio, sujo, pichado. De repente, está claro que é um governo totalitário, também. E vem a porta aberta e eles saem pela cidade sem lei, nem visão. Ao enveredar apenas pela leitura mais rasa, da perda do sentido da visão e o caos, não somente em uma cidade, mas a transformação do grupo de seres humanos, antes civilizados, em animais, Meirelles acaba em resultado comum.
E eu pensei que o Ensaio sobre a Cegueira fosse mais amplo, das cegueiras do dia a dia, cegueiras sentimentais, éticas, que regem nosso mundo, onde não olhamos para o próximo como pessoa, mas como coisa, paisagem, se não é do nosso interesse. Da cegueira profissional dos governantes. Mais específicamente, da cegueira para com os menos favorecidos, cegueira nossa do dia a dia, cegueiras propositais. Creio que seria difícil passar tudo isso em um filme, pois às vezes, a Literatura é muito mais complexa do que o Cinema. Por isso, estou insatisfeito.
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