É o
que fica após assistir “O Grande Circo Místico”, de Cacá Diegues, a partir de
um poema de Jorge de Lima, contido no livro “A Túnica Inconsutil”. Antes, foi
montado por uma companhia de balé de Curitiba, creio, com a trilha composta por
dois deuses da música brasileira, Edu Lobo e Chico Buarque. O filme pretendeu
ser o representante brasileiro no Oscar de melhor filme estrangeiro. Não conseguiu.
Passou em Belém por poucos dias, uma sessão diária. A falta de público reflete
perfeitamente o abismo, a escuridão cultural em que vivemos. Perdemos a
percepção da Cultura. O sentimento, a reflexão, o conceito de beleza. Perdemos
nosso intelecto. Não nos permitimos mais sonhar, vibrar, nos emocionar com a
beleza. Conta a história de um circo chamado “Místico”, surgido em 1910. Na
primeira parte, Bruna Linzmeyer faz “Beatriz”, a bailarina, imortalizada na
interpretação de Milton Nascimento. “Me ensina a não andar com os pés no chão.
Para sempre, é sempre, por um triz”. Tudo é poesia, amor e magia. Ela desce do
teto, como uma rainha, seus belos olhos olham em volta uma simples plateia,
como sempre, mas ali, como nos melhores picadeiros do mundo. Um palhaço tira a
cartola e saem borboletas de um azul profundo e tudo vira sonho. O tempo passa
e Jesuíta Barbosa não envelhece, continuando como mestre de cerimônia. Fora do
picadeiro, na vida normal, nada é bonito. Amores trágicos, mortes e
nascimentos. Gente que foge tentando algo mais, fora do Circo. Há vida fora do
Circo? As maldades do mundo de fora são maiores. As pessoas vão passando, pais,
filhos, netos. O ótimo Vincent Cassel surge, personagem malvado, querendo
vender o Circo de onde acabou fugindo, levando todo o dinheiro. Juliano Cazarré
faz um dos últimos donos, atrás da irmã que se foi e volta apenas para
engravidar e a família seguir em frente. E então vem Mariana Ximenes,
provavelmente em sua melhor performance da carreira, como uma pretendente a ser
freira. Trapezista, forçada por todos a casar e ter filhos, tatuou o corpo
inteiro com o rosto de Cristo e seus apóstolos. O marido não a tocou mas outro
a estuprou, gerando gêmeas. O Circo segue adiante. Uma cena magnífica, momentos
antes da função, trapezista rezando com uma vela, domador dizendo segredos nos
ouvidos do leão, palhaços com o rosto pintado, melancólicos, fumando cigarros.
O melhor lugar do mundo para estar é nos bastidores, cinco minutos antes do
pano abrir. O palco é sonho. O mundo, aqui fora é uma desgraça.
sexta-feira, 15 de março de 2019
LUGAR DE SONHO
Quando
o Grupo Cuíra teve um teatro, ali na antiga zona de prostituição da cidade, seu
primeiro espetáculo não somente falava daquele lugar, como também tinha metade
de seu elenco formado, justamente, por prostitutas. O convívio com elas nos
trouxe a possibilidade de uma convivência maravilhosa para ambos os lados.
Ouvimos suas alegrias e amores, mas também percebemos o tanto de tristeza
envolvido na profissão. Ali, no palco, elas se soltavam, livres, sem julgamento
ou necessidades financeiras. Uma tarde de segunda feira, veio uma delas,
andando pela Primeiro de Março, lateral do teatro. Estávamos ali, na porta de
entrada e saída de atores. Conversamos e pediu para entrar um pouquinho.
Ouvimos ruído e fomos ver. Corria em volta do palco nu, feito criança, feliz. O
lugar do sonho. O lugar feliz. O Teatro é a nossa Igreja. O palco, nosso altar.
Quem pisa ali não pode fazê-lo gratuitamente.
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