A extensa cobertura
jornalística sobre o falecimento do cantor sertanejo Cristiano Araújo abriu
discussão nas mídias sociais, pela surpresa de muitas pessoas que nunca tinham
ouvido falar nele. Seus fãs reagiram indignados e já li que até música inédita,
que alguém teria ouvido em gravação caseira já foi descoberta e deverá ser
lançada com estardalhaço. Confesso, nunca tinha ouvido falar. Achei, até, que
fosse uma dupla, Cristiano e Araújo. Passei a vida tendo a companhia da música,
por conta de meu trabalho. Mesmo em épocas terríveis, como do brega de Sullivan
e Massadas, mais os baianos infernais, deixei de saber quem eram as figuras.
Mas compreendo, ainda que desolado. O fosso sempre existiu. Quando comecei a
trabalhar, no comecinho dos anos 70, aqui em Belém, ouvíamos Caetano, Chico,
Paulinho da Viola, mas o povão preferia Amado Batista, Waldick Soriano, e feras
locais como Edna Fagundes, que cantava inclusive no arraial do Círio. A
influência da Jovem Guarda foi extrema, como também a dos boleros e merengues,
fazendo surgir, aqui, esse brega de expressão cultural feroz. Vieram rock
brasileiro, bregas, baianos e finalmente, sertanejos. Com a queda brutal do
nível da Educação e Cultura nacionais, os poderosos da indústria fonográfica,
abriram apostas naquelas duplas chorosas, acrescentando instrumental pop e
explodindo nas paradas. Os prêmios nacionais de música estão infestados. De
outra forma, perderiam a razão de ser. Jornalistas que trabalham para revistas
dedicadas à Música, sofrem. O que colocar na capa da Rolling Stone nacional? O
que escrever nas seções de discos dos jornais? Parece cruel, mas à medida em
que vem o conhecimento, a Educação, a Cultura, vamos nos distanciando do gosto
da maioria. Como elogiar discos de duplas como Matogrosso e Sorocaba, Dan e
Daniel, sei lá que mais? As músicas correm atrás de um refrão que muitas vezes
é onomatopaico. As vozes chorosas, cantores gordos, enfiados em calças de couro
apertadíssimas, com as banhas sobrando como biscoitos recheados. E chapéus de couro,
cintos largos, camisas quadriculadas, emulando não o sertão brasileiro, mas o
country americano. E tem a sanfona, meu Deus, que belo instrumento nas mãos de
Dominguinhos, Gonzagão e agora, onipresentes. E vamos trazer a situação para
Belém, nossa cidade, que vê aproximar seus 400 “dAnos”. Os mais alternativos
vão em pequenos grupos assistir Tulipas Raiz, que não apresentam nada novo.
Vejo uma casa noturna, lotada, no estacionamento, luxuosos carros importados,
um maior que o outro e lá dentro, todos cantam em coro músicas breganejas,
corrente agora chamada “sertanejo universitário”. Pior, muito pior, a grande,
extrema, quase totalidade das pessoas, ouve, mesmo, brega paraense. Um mercado
totalmente independente, com artistas e músicas circulando em mídias piratas,
agora com viés eletrônico. Tanto o sertanejo quanto o brega, são gritos pedindo
socorro. É o desespero dos que não têm emprego ou razão para viver. Falta
Educação. Falta Cultura. Jovens querem gritar sua verdade. Compram programas de
computador. Não sabem falar inglês mas inventam e fazem música de sucesso.
Cantoras em rotação acelerada, voz gasguita, pedindo socorro. Pedem por amor,
pedem por vida. Há um fosso entre o que nós, jornalistas, que já nem temos
novos ídolos, gostamos de ouvir e o gosto do povo. E Cristiano Araújo, quem
foi, afinal?
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