Quando dei por mim, meu avô já
morava no décimo andar do Palácio do Rádio, pegando o elevador para ir
trabalhar. Meu pai fazia o mesmo percurso que faço, hoje, de manhã e à tarde.
No caso, dele, ia e vinha parando para conversar com amigos, contar piadas.
Diariamente ando da esquina da Riachuelo até o quarteirão que começa na Ó de
Almeida e também tenho amigos que cumprimento, mesmo não sabendo seus nomes.
Quando saio do prédio, cumprimento o “perneta”, que pede esmolas e depois vai
fumar pedra no canto com a Primeiro de Março. Vou à Banca do Alvino, pegar os
jornais. Por perto, à tarde, está sempre o Baldo, baixinho, ágil, mesuroso,
principalmente com as meninas bonitas. Nos identificamos pela torcida do
Flamengo e nos unimos para trollar os vascaínos da banca. Temos um assunto
proibido: Paysandu e Remo. Ele é bicolor roxo, mas evitamos tocar nisso, por
respeito. O pessoal da banca vive provocando, ele faz que não ouve.
Atravessando a Oswaldo Cruz, tem um ponto de taxi, quase todos de cabeça branca.
Seu Wilson, que todos os dias pergunta por meu Golden Antonio e até já recebeu
foto exclusiva. Há Lucivaldo, Juraci a quem também chamam de Tatu e outros,
sempre de bom humor. Na esquina com a Aristides Lobo, outro que toma conta de
carros, baixinho, rosto indígena, bigodinho Cantinflas, às vezes toma umas,
transforma o balde em tambor e canta a plenos pulmões. Seu Carlos é um dos dois
engraxates. Me conta que é aposentado, mas não quer ficar em casa sem fazer
nada. Fica por ali, trabalha, conversa e no começo da tarde, encerra o serviço.
O outro, não sei o nome. Trabalha mais pela manhã. À tarde, geralmente se
abraça em uma pitchula e fica feliz, sorridente, até o dia seguinte. No
quarteirão do abandonado Edifício Bern, em frente a uma horrorosa favela,
travestida de camelôs, outro guardador de carro, organizado, responsável, com
clientes fixos e orgulhoso por seu fusca, brilhando de tão bem encerado. Na
frente do Palácio do Rádio, outros que tomam conta de carros, principalmente
um, com barba por fazer e cuja voz, roufenha, adotei para um personagem que fiz
no rádio, Tampa, no programa Rock Pan. Se venho pelo outro lado da rua, preciso
cumprimentar a Betty e seu carrinho onde vende de um tudo, principalmente água
e cigarros para quem aguarda ônibus. Atravesso a Aristides Lobo, falo com
Iraçu, da Banca do Plínio e mais dois passos, cumprimento MC do Senhor Jesus,
que trabalha muito e sonha demais, sempre anunciando um show, disco, revistas e
outros que nunca chegam. Eles fazem parte da minha vida. Ao retornar de alguma
viagem, cumprimenta-los faz sentir-me em casa. São personagens de vários dos
meus livros. Adoro escuta-los, suas melodias, palavras, gírias. Mesmo a turma
do favelão do Bern, jogando Fifa Game pirata ou disputando seríssimas partidas
de baralho, concentrados, alheios à faina da cidade. Por trás, um imenso e
imundo restaurante, além de um beco, feito por algumas tábuas, chamado de
“banheiro”. Que poderoso charme essa galera tem que entra governo, sai governo
e nada muda? E nem falei do Ceará, que tem um carrinho com refris e bombons no
centro da Praça da República. O que vale, ali, é o papo. Experiente, pergunta,
com poucas palavras e recebe torrentes de histórias do mundo. Pego uma pipoca
Pantera e sigo com Antonio e Durval, passeando pela praça, repisando o local
onde cresci, brinquei e agora continua sendo meu mundo. Abandonado, esburacado,
quebrado, pichado, mas meu mundo.
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