Nesta
semana, véspera do Dia de São João, ela completou 93 anos. Celeste Camarão
Proença é minha mãe. Lúcida, dona de sua vida, com um humor maravilhoso e toda
uma sabedoria. Permitam-me homenageá-la, afinal, devo tudo o que sou à sua
existência. Nasceu em Muaná, Marajó, filha de João Evangelista e Camila.
Namorando Edyr Proença, integrou o que chamaram “Bando da Estrela”, na esteira
do “Bando da Lua”, que acompanhava Carmen Miranda. Professora, chegou a
enfrentar o poderoso Barata, que certa vez, como era seu costume, fez uma
visita inesperada ao colégio em que lecionava. Tentou constrange-la com seus
gritos, mas não conseguiu. O casamento a deixou atarefada, cuidando de cinco
filhos, três homens e duas mulheres. Nada afetou sua verve. Tivemos uma
infância de sonhos, alimentada por coleções de livros que ela comprava e um sem
número de brincadeiras, estórias, paródias, que nos enriqueceram para sempre.
Sua mente loucamente maravilhosa, fazia de cada detalhe algo muito importante.
Enquanto meu pai trabalhava dia e noite para segurar essa trupe, nós vivíamos
como em um mundo à parte, unidos, sonhando juntos. Se era no Lago Azul dos
primeiros tempos, havia causos de índios, absurdamente poéticos e misteriosos.
Se era em Mosqueiro, os causos fantásticos do Marajó, a cobra grande, o
curupira, as grandes águas, contadas em noites intermináveis em que íamos
ralhados dormir. Uma vez, disse que não aguentava mais nossas malcriações e que
morreria em tal dia, para ir se encontrar com seu pai. Para nós, o ensejo de
mais um grande causo fantástico. Tudo era brincadeira. Tudo era possível. Na
data marcada, a cercamos o dia inteiro, aguardando o desenlace. Como
aconteceria? Bem, acabamos todos de castigo, mas anos depois, escrevi uma peça
de teatro sobre isso. Devo à ela toda minha produção teatral. No primeiro
texto, “Foi Boto, Sinhá”, ela me municiou de todo o palavreado marajoara. E
muitos e muitos outros. Agora vão festejar os 400 anos de Belém. Ou os 400
danos.. Mas eu me lembro dos 350 anos. Havia um concurso para uma música da
cidade, comemorando. Celeste não se inscreveu, mas compôs uma marchinha que até
hoje sei cantar.
Os
filhos cresceram, e ela precisou se reinventar. Tornou-se professora de
Português, dando aulas de Redação para milhares de jovens que saíram aprovados
no Vestibular. Chegou a ter mais de cem alunos, divididos em turmas de manhã, à
tarde e à noite. Sozinha. O pai, com os filhos crescendo, adolesceu e voltou a
tocar violão, compor e cantar. Tornou-se sua parceira em inúmeras músicas.
Saíam pela noite, em casa de amigos, tocando e cantando. No dia do aniversário,
festança no Lago Azul, com fogueira, fogos e seresta. Vieram dois livros com poesia.
O
companheiro partiu e ela foi se fechando no apartamento onde tanta vida
aconteceu, tantos amigos passaram, fora o Círio, que ainda passa todo outubro.
Vieram netos e bisnetos. Há muita vida ali naquele apartamento. Os discos,
fitas, discos, livros. Há filhos entrando e saindo, contando novidades. Celeste
continua com o mesmo humor e criatividade que marcaram sua vida. Ensinou-nos o
prazer da vida. A Arte nas mínimas coisas. A sinceridade da natureza. A poesia
nos olhos das pessoas. A música que o vento traz quando nos despenteia os
cabelos. A olhar para o horizonte sempre esperando novos e bons sonhos. A cada
dia, ilumina minha vida de alegria e paixão. Tenho, por ela admiração, uma
gratidão que não tem tamanho. Um amor intransferível. Eu nada seria sem Celeste
Proença, 93 anos. Parabéns, mamãe. Nunca deixarei de ser filho, Kuí de
farinha..
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