Na
madrugada de segunda, fui à janela do prédio fumar um cigarro. Rua deserta, as
pessoas dormindo cansadas da farra do final de semana. Vejo ao longe uma
pessoa. Pelo andar, era um homem. Mais próximo, percebi estar de vestido, saia
curta. Um travesti. Rua deserta, sem ninguém para impressionar, andava de
maneira masculina, inclusive parando atrás de um carro para ajeitar seus,
digamos, atributos. Eu, observando. Notou. Olhou e pediu um cigarro. Joguei do
terceiro andar. O cigarro caiu no asfalto e começou a deslizar para a vala.
Rápida, com um gritinho, ciente da plateia, recolheu o cigarro, acendeu,
tragou, soltou fumaça e agradeceu com um volteio bem feminino. Claro, saiu
andando rebolando, exageradamente, para sua plateia. Quando passo de carro pela
Manoel Barata, à noite, assisto às movimentações das “moças”. Algumas com um
olhar distante, tipo modelos, outras agarradas a um poste, fazendo as carentes
e sim, há despojadas, que mostram os seios e muito mais. Mais do que tudo, elas
querem ser vistas, desejadas, observadas. Ih, acabou o espaço.
sexta-feira, 9 de agosto de 2019
UM OBSERVADOR
Uma
das melhores qualidades de um escritor é a observação. Quando alguém me chama a
atenção, por qualquer motivo, observo. Assisto seus movimentos, tiques, fala, o
jeito como anda. É quase uma mania. Lá adiante, em um romance, essas
observações surgem na constituição de um personagem. Atores são grandes
observadores. Cacá Carvalho usa um método interessante. Manda os atores
escolherem alguém para seguir na rua, atentos aos seus movimentos. No dia
seguinte, mostram no ensaio. Quando encenamos “Hamlet, um extrato de nós”, a
primeira cena era o banquete do novo rei, elenco todo no palco. O público
assistia a uma peça mas os atores, na verdade, embora dizendo seu texto, tinham
outras motivações. Havia uma moça se maquiando no ônibus, um guarda noturno que
teve a atenção chamada para um ruído, uma senhora pagando com cartão de crédito
sua compra, outra pagando promessa para Nossa Senhora de Lourdes, enfim. Uma
vez contou que em determinado espetáculo, em cena, ele dizia seu texto mas na
verdade, estava na cozinha de sua casa, conversando com a mãe que passava a
ferro algumas roupas. Fotógrafos, pintores, enfim, todos são observadores.
Minhas melhores fotos, se é que uma figura tosca como eu pode gerar boas fotos,
foram feitas por Luiz Braga. Amigo antigo, já diversas vezes o assisti
fotografando. O que o fotografado não sabe é que, desde que entra no estúdio,
está sob observação. Luiz pergunta, ri, relaxa, oferece cafezinho. Enquanto
isso, vai encontrando aquele que mora dentro daquele corpo e seu melhor angulo.
Em meu livro mais recente, que espero ardentemente lançar via Boitempo, aprendi
sobre o poder da observação de um jogador profissional de pôquer. Você, pessoa
comum, decide ir a um cassino, se divertir. Separa um dinheiro (sem dinheiro,
nem chegue perto) e vai disposto a sentir a adrenalina, considerar se vai
ganhar aquela “mão”, quem sabe blefar e ao final da noite, satisfeito, mas sem
dinheiro, achar que valeu a pena. O profissional não está ali para se divertir
e sim para trabalhar. Ele vai mirar em você, avaliando quanto tem para perder.
Observará por tempo suficiente, seus tiques, expressões, corpo, tudo. Ganhará e
perderá na medida certa, até que você aposta pesado com a certeza de ganhar. E
ele ganha. Você vai feliz pelas emoções e ele com seu dinheiro.
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