sexta-feira, 23 de agosto de 2019

AOS ATORES, SERES DE LUZ

Em verdade eu vos digo, não há melhor lugar no mundo do que nos bastidores de uma peça de teatro, após tocar a terceira campa e todos se darem as mãos para um “merda” coletivo. Lido desde muito com esses seres de luz. Minha mulher é atriz. Nesses minutos que antecedem o abrir das cortinas, há de tudo. Quem tenha vontade de fazer xixi, número dois. Os que oram de frente para a parede. Os que procuram buracos na cortina para olhar a plateia. Um olhar distante, que esconde uma mente frenética, última passada em flash de tudo o que fará em seguida. Batidas aceleradas no coração. Suor, um olhar no espelho para conferir o já conferido um milhão de vezes. E então eles vão fazer a mágica. Dos maiores teatros aos menores, como na Casa Cuíra, o teatro ao alcance do tato, como diz Wlad Lima. Dá-se a mágica. O público levado a acreditar que naquela pequena sala está um mundo a se mover e dizer. Cacá Carvalho, entre uma e outra sessão, relembrando o texto. Para decorar, ele escreve, incansavelmente. Outros usam pontos de referencia, até encaixar. Há uns dias atrás, escrevi sobre a observação como qualidade do escritor. Do ator também. Eles são esponjas. Observam o mundo, as sensações. Vão buscar emoções no seu mais profundo. Enquanto ensaiam, procuram, oferecem possibilidades, lidam com a dúvida. Há os que dizem o texto, mas no seu interior estão em outro lugar, vivendo outra experiência. O público não sabe. Vê o resultado. A partir do texto, vivemos um período de intensa convivência. Teatro é família. Sabemos mais uns dos outros do que nossos parentes. Todos opinam, ofertam, sugerem. Da iluminação ao cenário. O resultado é coletivo. Ah, os artistas como seres especiais. Eles fazem tudo isso porque desejam mudar o mundo para melhor. É claro que atores são de esquerda. São gauche. E não é para quebrar as regras, oferecer novas possibilidades, novas leituras? Eles empurram o mundo três degraus à frente. Depois o mundo volta dois. Mas avança um ao menos. A querida Mendara Mariani, segundos antes de abrir a cortina, me chama de lado e me sussurra pqp Edyr Augusto, porque tu me metes nessas merdas! Corre para a cena e dá mais um show. Como é que eles conseguem decorar tudo aquilo? Não sabem que tudo é marcado. Não há improviso. Parece que é, parece natural, mas é tudo bem estudado, pensado. Aquela atriz que fará o papel de uma nordestina e agora o marido precisa aguenta-la, dia após dia, com aquele sotaque, em casa, praticando. Às vezes temos um tema e desenvolvemos juntos. “Laquê” foi assim. Metade do elenco de mulheres profissionais, a outra de jovens atores. Contem as histórias. Em “Quando a sorte te solta um cisne na noite” houve um assassinato de um gay. No dia seguinte, estávamos ensaiando a cena. Atores podem parecer histriônicos em cena, e fora do palco, absolutamente tímidos. Têm a força de um tufão, crescem enormes diante dos nossos olhos. Lembro de Cleodon Gondim fazendo Malcher, em “Angelim”, sobre a Cabanagem. Com a espada em riste, eu, dos bastidores o via forte e ao mesmo tempo, uma folha ao vento. Claudio Barradas, 90 anos, ensaia feliz e comove em “Abraço”, que vem aí. Nesta semana, comemoramos o Dia Nacional do Ator de Teatro. Todo meu amor e homenagem a esses seres de luz. Essa luz, nunca ninguém irá apagar. Toda minha felicidade em conviver com eles. Meu orgulho em ter meus textos interpretados. Viva o Teatro!

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