sexta-feira, 10 de maio de 2019

MINHA FAMA DE BOM

Não paro de ouvir a trilha do filme que conta a vida de Erasmo Carlos, “Minha fama de Mau”. Chay Suede, Gabriel Leone e Malu Rodrigues fazem as vozes que originalmente foram gravadas por Erasmo, Roberto Carlos e Wanderléa. Eles desempenham da melhor maneira o serviço, até uma audácia para clássicos da Jovem Guarda intocáveis. A banda que acompanha toca um rock and roll dos mais competentes, com um peso instrumental impossível de obter na época. Não assisti ao filme, mas a trilha é ótima. Me animei e fui atrás das gravações de Roberto Carlos. Passou um filme maravilhoso na mente. Era uma época em que o mundo passava por transformações. Aqui no Brasil, de um lado, saiam grandes artistas do chamado “dó no peito”, substituídos, de um lado, pelas crias de João Gilberto, com voz miúda mas precisa e letras leves, poéticas, amorosas, cantando sol, mar, garotas lindas cariocas e do outro, jovens suburbanos que se encontraram em São Paulo, influenciados pelo ritmo que enlouqueceu a Inglaterra e Estados Unidos. Em SP, havia também os festivais de música, Elis Regina, Jair Rodrigues e outros. Roberto e Erasmo, cariocas, o primeiro uma tentativa frustrada bossanovista, encontrando em Carlos Imperial o estímulo para outro gênero. As letras, baseadas em traduções do rock americano, não tinham a riqueza poética da língua latina, mas traduziam de maneira simples, aspirações da juventude. Erasmo sempre foi o cara. Mais tímido, não tinha a estrela de Roberto, embora seja parceiro da maioria dos hits. O Tremendão sempre foi roqueiro. Inventaram gírias, venderam produtos. Usei calça Tremendão, bota Tremendão, anel de brucutu, enfim. Saía por aí, ridículo, mas me sentindo ótimo. Alguns radicais da mpb fizeram até passeata contra a guitarra, para adiante, adotar. E veio a Tropicália, enlouquecedora, propondo mais revolução, o deus Mudança. E lá fui eu, seduzido por aquele liquidificador do mundo. Sim, lamento informar, mas a gravação de Chay Suede, instrumentalmente, é superior à de RC. O ator dá conta do recado. Ouço Roberto cantando “Essa garota é papo firme” e rio, rio de lembranças passando na tela. A luz negra iluminando corpos nas pistas de dança e eu olhando, olho comprido, ainda sem a ousadia de pedir à garota dos sonhos para dançar. A bossa nova tinha grupos que se reuniam em apartamentos, como uma seita, mas nos subúrbios, só dava Jovem Guarda, que influenciou de maneira incrível a música que ouvimos até hoje nas rádios mais populares. Nosso brega é uma mistura dessa Jovem Guarda com os boleros delirantes de Edith Veiga, mais o carimbo e o merengue caribenho. Há rádios até hoje com programas dedicados a Roberto Carlos. Um camelô, na calçada dos Correios, toca em altíssimo som “Capri, c’est fini” e “F comme Femme” como se o tempo nunca tivesse passado. As pessoas passam e vão assoviando, cantarolando. Mas tudo passou, como tinha de passar. Roberto virou adulto e escolheu, a partir do Festival de San Remo, tornar-se artista romântico. Conservador, adotou uma linha sem erro, que leva até hoje. Pena essa falta de coragem pois tinha tudo para também cantar um repertório mais criativo. Erasmo ousou mais, inclusive no samba, letras mais políticas, sem o apelo do parceiro, mas manteve o cetro. Mas como foi bom ouvir a trilha desse filme. Mais ainda, ouvir novamente aqueles belos tempos, belos dias, como lembra RC em um de seus sucessos.

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