sexta-feira, 31 de agosto de 2018

NA HORA DO ALMOÇO

Era uma noite de quinta chata. Deu no saco. Gio sentia até nojo daquele cheiro de suor, misturado com perfume barato e álcool. O som alto e aquelas músicas horrorosas. Aquelas caras de fim de mundo, olhares esgazeados de droga e bebida. Falou pra Zazá que ia dar um rolé pra respirar um pouco. Na porta da Paraíso Perdido, taxistas e ambulantes, como sempre, arengando sobre Remo e Paysandu. Perguntaram alguma coisa, pra puxar o saco. Nem respondeu. Àquela hora, o comércio era deserto. Um ou outro vigilante, escutando rádio, algum jogo de futebol perdido por aí. Saiu da Manoel Barata, entrou na Campos Salles e foi descendo. Taí, vou até a beira do Ver o Peso. Aquilo tem cheiro de merda mas é melhor que a boate. Na 15 de Novembro, alterou a reta, e decidiu entrar na Ocidental do Mercado. Estranhou. A rua cheia de carros estacionados. Cada um mais bacana que o outro. Égua, o que será? Motoristas e seguranças estavam à porta do prédio, antigo, que ele sabia, há muito estava vazio. Foi chegando. Um monte de bacana lá dentro, entreviu pela porta encostada. Curiosidade. Aí, cara, o que tá rolando hoje aí dentro? Sai fora. Não é da tua conta. Gio achou que não valia a pena. Saltou de banda. Atravessou o Boulevard e chegou até a beira. Maré alta, vento gostoso, desses que fuma até o cigarro que a gente acende. A Naná ainda trabalhando? Chegou na barraca. Todos o conheciam. Porra, Tia Naná, já passou da hora. Passou nada. Quando tem bacana pagando, não tem hora pra acabar. Que bacana? Não viste ali o babado onde era a Mercearia do Paes Neves? Vi os carros. Cheio de segurança na porta. Estão na maior farra. Carteado da pesada e encomendaram tudo que é bom. Açaí, Pirarucu, Filhote, os caralhos, meu filho. Eu tô é faturando. Sou mais o dominó ali da Padre Eutíquio com  a João Alfredo. Ali o bicho pega mermo. É muita areia pro teu caminhão, Gio. Vai pro dominó que é melhor. Não, hoje não. Vou voltar lá pro Paraíso. Saí pra dar um rolé. Saco cheio daquelas putas e os manés. Saco cheio mas eles é que te enchem o bucho de comida, né? Deixei a Zazá um instante. Já volto.
Voltou e resolveu passar em frente à esquina onde rolava a onda, só pra encarar os seguranças. Tinha um bacana na porta, quase careca, cabelo cheio de creme, camisa chic, sapato sem meia. Porra, eu conheço essa figura. Psiu! Ei, cara. Chamou-me, seguido do segurança. Fui. Tu não és aquele que arrebentou com meu time naquela noite, no sítio do Esteves? Sou, sim senhor. Meu nome é Gio. Gio, isso mesmo. Porra, esse filho da puta fez uns três gols, só faltou fazer chover. Joga pra caralho. Até o Peter meu filho levou drible dele. Depois quis dar porrada, o sacana, enjoado como o pai. Mas o Esteves não deixou. Tudo bem contigo? Tá passeando? Trabalho aqui perto. Um bico. Ah, e eu também estou de passagem. Com uns amigos viemos de farra brincar um pôquer e comer umas delícias da Dona Naná, puta que pariu, até agora estou com água na boca. Eu conheço. Ele me falou. A comida é muito boa. Escuta, ôô.. Gio. Sim, Gio, gostei de ti. Quando precisares, fala comigo. Toma esse cartão. Um abraço no Esteves, viu? Guardou no bolso. Nunca se sabe. Foi fechar o borderô da boate porque a Zazá já não estava boa nas contas.

Olhei pro relógio, ih, vamos almoçar. Segui pela Presidente Vargas, até o restaurante Largo da Palmeira. Dei uma quebrada na Ó de Almeida, Primeiro de Março. Três caras que tomam conta de carros. A gente se enxerga. Passei e ouvi. O escritor anda mexendo onde não deve. Foda-se, fiz que não ouvi. Dona Fátima veio me servir e me entregou um bilhete. Abri e estava escrito “cuidado onde tem mete”. Paguei minha conta, fiz a Manoel Barata até a Presidente, onde tem mais pessoas e voltei. Ameaças?

Nenhum comentário: