Era
uma noite de quinta chata. Deu no saco. Gio sentia até nojo daquele cheiro de
suor, misturado com perfume barato e álcool. O som alto e aquelas músicas
horrorosas. Aquelas caras de fim de mundo, olhares esgazeados de droga e
bebida. Falou pra Zazá que ia dar um rolé pra respirar um pouco. Na porta da
Paraíso Perdido, taxistas e ambulantes, como sempre, arengando sobre Remo e
Paysandu. Perguntaram alguma coisa, pra puxar o saco. Nem respondeu. Àquela
hora, o comércio era deserto. Um ou outro vigilante, escutando rádio, algum
jogo de futebol perdido por aí. Saiu da Manoel Barata, entrou na Campos Salles
e foi descendo. Taí, vou até a beira do Ver o Peso. Aquilo tem cheiro de merda
mas é melhor que a boate. Na 15 de Novembro, alterou a reta, e decidiu entrar
na Ocidental do Mercado. Estranhou. A rua cheia de carros estacionados. Cada um
mais bacana que o outro. Égua, o que será? Motoristas e seguranças estavam à
porta do prédio, antigo, que ele sabia, há muito estava vazio. Foi chegando. Um
monte de bacana lá dentro, entreviu pela porta encostada. Curiosidade. Aí,
cara, o que tá rolando hoje aí dentro? Sai fora. Não é da tua conta. Gio achou
que não valia a pena. Saltou de banda. Atravessou o Boulevard e chegou até a
beira. Maré alta, vento gostoso, desses que fuma até o cigarro que a gente
acende. A Naná ainda trabalhando? Chegou na barraca. Todos o conheciam. Porra,
Tia Naná, já passou da hora. Passou nada. Quando tem bacana pagando, não tem
hora pra acabar. Que bacana? Não viste ali o babado onde era a Mercearia do
Paes Neves? Vi os carros. Cheio de segurança na porta. Estão na maior farra.
Carteado da pesada e encomendaram tudo que é bom. Açaí, Pirarucu, Filhote, os
caralhos, meu filho. Eu tô é faturando. Sou mais o dominó ali da Padre Eutíquio
com a João Alfredo. Ali o bicho pega
mermo. É muita areia pro teu caminhão, Gio. Vai pro dominó que é melhor. Não,
hoje não. Vou voltar lá pro Paraíso. Saí pra dar um rolé. Saco cheio daquelas
putas e os manés. Saco cheio mas eles é que te enchem o bucho de comida, né?
Deixei a Zazá um instante. Já volto.
Voltou
e resolveu passar em frente à esquina onde rolava a onda, só pra encarar os
seguranças. Tinha um bacana na porta, quase careca, cabelo cheio de creme,
camisa chic, sapato sem meia. Porra, eu conheço essa figura. Psiu! Ei, cara.
Chamou-me, seguido do segurança. Fui. Tu não és aquele que arrebentou com meu
time naquela noite, no sítio do Esteves? Sou, sim senhor. Meu nome é Gio. Gio,
isso mesmo. Porra, esse filho da puta fez uns três gols, só faltou fazer
chover. Joga pra caralho. Até o Peter meu filho levou drible dele. Depois quis
dar porrada, o sacana, enjoado como o pai. Mas o Esteves não deixou. Tudo bem
contigo? Tá passeando? Trabalho aqui perto. Um bico. Ah, e eu também estou de
passagem. Com uns amigos viemos de farra brincar um pôquer e comer umas
delícias da Dona Naná, puta que pariu, até agora estou com água na boca. Eu
conheço. Ele me falou. A comida é muito boa. Escuta, ôô.. Gio. Sim, Gio, gostei
de ti. Quando precisares, fala comigo. Toma esse cartão. Um abraço no Esteves,
viu? Guardou no bolso. Nunca se sabe. Foi fechar o borderô da boate porque a
Zazá já não estava boa nas contas.
Olhei
pro relógio, ih, vamos almoçar. Segui pela Presidente Vargas, até o restaurante
Largo da Palmeira. Dei uma quebrada na Ó de Almeida, Primeiro de Março. Três
caras que tomam conta de carros. A gente se enxerga. Passei e ouvi. O escritor
anda mexendo onde não deve. Foda-se, fiz que não ouvi. Dona Fátima veio me
servir e me entregou um bilhete. Abri e estava escrito “cuidado onde tem mete”.
Paguei minha conta, fiz a Manoel Barata até a Presidente, onde tem mais pessoas
e voltei. Ameaças?
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