Você
acorda assim meio tonto, pescoço doendo por conta da posição em que deitou,
olha em volta e não sabe onde está. Sim, mas agora, como é que eu vim parar na
escadaria do Arquivo Público a essa hora da noite? Apalpei os bolsos e estava
tudo lá. Celular desligado, carteira intacta, chaves. Duas e pouco, não, quase
três da manhã. Quer dizer que era só uma prova de nada e rápido eu ia acordar.
Liguei para o Pedro e ele veio me buscar de moto. Estava de serviço. Uma turma
que circula pelo comércio e pela Campina protegendo a galera. Primeiro baixei
na Esther para comer alguma coisa. Nem havia almoçado. Hoje falei com o
Ariosvaldo, o Bronco, disse ao Pedro. Quer dizer, me levaram pra falar. Hora do
almoço, ia na Presidente Vargas, quebrei na Ó até a Primeiro de Março para
chegar ao Largo da Palmeira. A rua é estreita. As calçadas, também. Alguém me
tocou o braço. Mano, o chefe quer falar contigo. Um carro ao meu lado. Vidros
negros. Abriu a porta. Me empurraram antes que pudesse esboçar defesa. Desculpa
aí, cara, é só uma conversa. Chuta, põe a venda nele. Chuta? Porra, não aperta
tanto. Doutor escritor, não encrespa com o Chuta. Ele é assim meio mão pesada,
mas é boa gente. Sabe porque Chuta? Porque chuta pra caralho! Riram. Havia mais
pessoas. Rodamos pelo comércio. Trânsito lento. Mas eu sei que acabamos na
Primeiro de Março, ainda, mas para trás, depois da Carlos Gomes. Conheço a
região na palma da mão. Abriu uma garagem. Tiraram a venda. Subimos. Taí,
chefe, o doutor escritor, como o senhor pediu. Ninguém aperreou, até contamos
piada, tudo limpeza. Boa tarde, cara, senta, por favor. Me disseram que tu és
viciado em Coca Zero, é? Balancei a cabeça. Trás uma aqui pro doutor,
estupidamente gelada. Deixa eu te dizer: eu sou o Ariosvaldo, mas a galera me
chama de Bronco, apelido de infância. Tu sabes, a gente conhece quem mora por
aqui. Sei muito bem onde é teu muquifo ali naquele prédio antigo, sei daquele
teu cachorro que morreu de repente, pqp, o cachorro era bonito pra dedéu! Mas é
que tu andas fuçando muito aqui e ali e aí, sabe como é, essa área é do meu
controle. Porra, tu me vai na Paraíso Perdido com o Pedro, gente boa, me dou
com ele, te protegendo, depois circula pelo Veropa, perguntando. Então já te
encontram no 77, ali junto dos fundos do Basa, perguntando. Porra, eu nunca te
vi metido onde não devias. Até soube dos livros e tal, mas sabe, eu não ando
com tempo pra ler. Eu lia, verdade, mas dava sono. Lembras daquele livrinho que
vendia na banca, da Brigite Montfort, o ZZ7, acho? Porra, escritor, me diz o
que é que tu estás querendo, porque eu não deixei ninguém chegar junto por
respeito. Gente letrada, gente boa, sabe como é. O que é que tu estás
procurando?
Naquele
dia, o movimento no cassino tinha sido pequeno. Eram o quê, umas quatro e meia
e todo mundo havia se mandado. Tito, vigia noturno do estacionamento na esquina
da Primeiro de Março com General Gurjão olhou quando passou um carro de bacana
em marcha lenta. Acendeu um Carlton, que na verdade é Dunhill e se encostou.
Alguém saiu. Se acocorou na porta lateral de onde era o Teatro Cuíra. Demorou
uns três, quatro minutos, voltou pro carro e saiu rápido. Deixa pra lá. A essas
horas, tudo pode acontecer nessas bandas. Quando estava entregando o serviço
pro Boró às seis e tanto, passou um carro de Polícia e parou. Desceram. Umas
putas gritaram. Alvoroço. Fui lá ver. O Matinho, porque era só na maconha ou
crack, tava morto. Foi no pescoço. Um corte fino, quase degolava. Linha
encerada. Aquela garganta exposta. O polícia perguntou se alguém tinha visto.
Olhou pra mim. Eu não, cara, eu.
Expliquei
pro Bronco. Era pesquisa para um livro. Não tinha nada a ver com os negócios
dele e nem iria botar nada que comprometesse. Escrevo ficção, cara, fica
tranquilo. Então, tá. Vou confiar em ti. Mas tu já me conheces e no meu negócio
eu não brinco nem sou educado, tá? Valeu. Os caras vão te dar um goró aí, dose
fraca, só pra tu dormires um pouco e não saber esse endereço aqui, certo?
Porra, vê se não é muito forte, aí..
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